Imersos na violência e na criminalidade, os brasileiros se perguntam: por que a quantidade de delitos parece aumentar e os criminosos não são punidos? Por que os delinqüentes que cometem crimes graves (homicídio qualificado, roubo, latrocínio, estupro, etc) permanecem presos por tempo exíguo?
A resposta é uma só: os criminosos têm inúmeros protetores, espalhados nos meios jurídicos e variados segmentos da nossa sociedade.
1. Talvez o primeiro desses protetores seja você, estimado leitor, se é daqueles que acredita nessas quimeras de que os criminosos não são fruto de uma índole pervertida que necessita ser afastada do mal pelo temor da punição, mas ‘pobres vítimas’ da necessidade e que, quando a sociedade tornar-se mais igualitária e justa, o crime desaparecerá – o que deve acontecer lá pela época das calendas gregas.
Essa visão equivocada tem remota paternidade: Jean Jacques Rousseau, para quem todos os homens possuem índole naturalmente boa. Quem já não ouviu a célebre frase: ‘O homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe’?
Assim, quando um homem comete um delito, as causas da conduta devem ser perquiridas em fatores exteriores a ele: ora a culpa é das desigualdades econômicas e sociais, ora de leis injustas, ora das instituições. Conseqüência inarredável disso seria que os ‘pobres’ assaltantes, estupradores, assassinos e outros delinqüentes terríveis não são responsáveis pelos seus atos, de forma que devemos destinar a eles o amor e carinho devidos às vítimas e nos exprobrarmos por compormos a sociedade de que eles são vítimas.
Ironizando tal postura nefelibata, poder-se-ia dizer que, como quem corrompe o criminoso é a sociedade, faríamos melhor em colocar toda a sociedade (ah, essa malvada), no cárcere, e deixarmos à solta todos os delinqüentes, para que estes não sejam contaminados pelas maléficas influências daquela.
Tem-se de dar um basta a essa farsa ‘garantista’ e pseudocientífica.
Destaca VOLNEY CORRÊA LEITE DE MORAES JÚNIOR que ‘a conivência sociologista, que se ocupa em superestimar as causas sociais do crime tem sido um modo sutil de culpar de forma vaga o sistema por todas as mazelas que nos afligem, de sorte que, com isso, fica tudo como está, ou melhor, vai tudo piorando a passos largos diante da passividade generalizada" (Crime e Castigo, Reflexões politicamente incorretas, Millenium, 2ª edição, 2002, p. 9).
São do mesmo notável jurista as seguintes considerações:
"Em matéria de política criminal, duas grandes vertentes são identificáveis, tendo como divisor de águas a questão do livre arbítrio:
a) (...)
b) autodesignada moderna, que supõe existente relação determinística entre as condições socioeconômicas do agente e a infração;
- seus adeptos acreditam que o crime é produto de injunções materiais, excluída, por conseguinte, a intervenção do livre-arbítrio;
- adotam
a convicção, numa espécie de culpabilização coletiva, de que o crime é produto, não do livre-arbítrio do indivíduo, mas das injustiças sociais, pois o homem, no fundo, seria naturalmente bom.
- haveria algo assim como férreo, rígido fatalismo por sob a conduta criminosa, tal significando que a vontade do rapinante e do extorsionário, cujas condições materiais de existência não foram especialmente satisfatórias, seria absolutamente impotente diante do irresistível magnetismo exercido pelo proveito ilícito; eles não teriam liberdade de consciência.
"Na promiscuidade de um barraco, na angústia da fome, no desespero da orfandade, na escuridão do analfabetismo, na visão de um futuro sem redenção, semelhante ao passado brutal e idêntico ao presente asfixiante, seria uma idiotice ver condições adequadas ao pleno florescimento e ao desembaraçado exercício do livre arbítrio.
"Mas é distorcido afirmá-lo impossível, vê-lo natimorto, quando se tem maciça evidência estatística de que, não o tendo perdido, a quase totalidade dos despossuídos resistiu à tentação de obliterar seus sentimentos de respeito ao próximo.
"É atitude de néscio asseverar que a vontade nada tem a ver com a situação concreta em que se plasma e com as situações concretas em que se exterioriza.
"Porém, afirmar a existência de liberdade de escolher entre isto e aquilo nem de longe é pretender que a soberania da vontade seja quimicamente pura e que a preponderância da vontade não esteja sujeita a turbulências gravitacionais. Não há tal coisa. Há, indiscutivelmente, condicionantes (da mais variada natureza) da liberdade volitiva.
"Mas se é certo que as condições limitam a vontade e conformam o seu exercício, é não menos verdadeiro que de nenhum modo substituem a própria vontade no conteúdo nuclear da ação. Elas, as condicionantes, têm o poder de dizer à vontade como ela pode se manifestar, mas não têm o poder de determinar o que ela deva ser.
"(...)
"Equacionando o problema em termos simples: a miséria predispõe ao crime, mas não o engendra mecanicamente. O livre-arbítrio é o fator determinante. Para a grande maioria das pessoas, é o fator de sublimação (em linguagem psicanalítica) da predisposição negativa. Para inexpressiva minoria, é o fator de rendição, de submissão, de sujeição às solicitações do meio socioeconômico.
"(...) Pois bem, o banimento, a proscrição do livre arbítrio da ordem de considerações fundamentais na concepção de política criminal tem como corolário substancial modificação na idéia de pena: ela se despe da finalidade reprovativa – na verdade, reprovar o quê, se a conduta transgressiva tem conteúdo fatalista? – e ela se despoja da finalidade preventiva, inibitória, dissuasória, intimidativa – na verdade, prevenir o quê, se o criminoso está destinando inescapavelmente ao crime, de sorte que lhe resulta quimicamente estéril, inócua, inconseqüente a condenação de terceiros?
"Um excêntrico personagem, de que até agora só se vira a ponta do nariz a sair dos bastidores, abandona a timidez e entre em cena: o niilismo penal."
Ora, chega a ser acaciano dizer que milhões de pessoas no Brasil tiveram oportunidades sociais idênticas ou inferiores a muitos delinqüentes, e nem por isso praticaram ilícitos penais.
De fato, catadores de papel, mineiros, garis, faxineiros, trabalhadores das mais diversas atividade insalubres expostos a agentes cancerígenos, bóias-frias, trabalhadores em olarias e carvoarias, pessoas em regime de trabalho semi-escravo em muitos rincões do país, flanelinhas, biscateiros, vendedores de quinquilharias de porta em porta, trabalhadores sem carteira assinada, camelôs, essas pessoas que em comum têm apenas a parca remuneração pelos seus empenhos laborais e condições sociais adversas, fazem bom uso do seu livre-arbítrio, não se voltando à prática de ilícitos.
2. Protegem os criminosos as posições liberais (pró-criminosos) propaladas nos meios universitários – especialmente nas faculdades de direito. São impressionantes, em número, as variadas teses jurídicas insistentemente disseminadas: inconstitucionalidade da reincidência, nulidades por qualquer insignificância, teorias de co-culpabilidade social, inconstitucionalidade da vedação da progressão de regime para crimes hediondos, reformatio in mellius quando o recurso criminal é interposto exclusivamente pela acusação, reconhecimento de crime de bagatela para valores relativamente consideráveis, etc.
Nesse passo, importante considerar o expresso pelo Dr. Vitassir Edgar Ferrareze, Promotor de Justiça no RS, em curto e lúcido artigo de sua autoria:
"Existem alguns clichês que se têm difundido com relativa facilidade no meio jurídico. Sobretudo, no meio acadêmico. É impressionante: basta freqüentar um curso de pós-graduação em ciências criminais – por exemplo -, para se tenha impressão de que se está estudando um outro direito qualquer, menos aquele que se deve aplicar no dia-dia.
"A tese preferida: o garantismo penal. É como se houvessem descoberto que a terra é redonda. Ou que gira em torno do sol. Ora, o Direito Penal moderno deve ser liberal? Sim, necessariamente. E deve ser garantista? Também não se discute. O que se não pode tergiversar é com a liberdade. Direito penal liberal é para liberar a SOCIEDADE DO CRIME; e NÃO o CRIME NA SOCIEDADE. O garantismo, por sua vez, deve proteger o cidadão, a sociedade, e não só o criminoso, i. e., garantir A SOCIEDADE DO CRIMOSO, e NÃO O CRIMINOSO DA SOCIEDADE. LISZT que me perdoe, mas o CÓDIGO PENAL é a carta magna do CIDADÃO, e não do delinqüente. Nada mais, nem menos.
"O problema é que os "doutos" não distinguem o cidadão do bandido. Ainda bem que Castro Alves não viva mais nos dias de hoje, senão teria que retificar sua famosa frase, aquela que dizia que a praça é do povo, como o céu é do condor. Hoje, a praça é do bandido, e o céu ficou para o cidadão (eufemismo forçoso para as vítimas diárias de bandidos, assassinos, ladrões). Não é só: afirmam que é preciso estar atento às modernas teorias e tendências de direito e política criminal. Acontece que para ser moderno – para eles – é preciso ser um romântico. Há como uma ressurreição da escola literária do romantismo – só agora em sede de direito penal.
"As características são muito semelhantes: IDEALIZAÇÃO DA PESSOA AMADA – com a diferença de que os poetas idelizavam a mulher amada, e os juristas românticos tem como centro de sua paixão o criminoso, candidamente denominados de príncipe do processo penal. Os bandidos são como as estrelas de Olavo Bilac, que precisam ser amados, e não punidos. AMOR PLATÔNICO – inexistem diferenças aqui. Do amor irrelizável, para teorias impraticáveis. Quanto mais distante da realidade, melhor. A lua é um belo lugar para a meditação. A mente dispersa, o olhar distante...eis algumas características dessa amancebia intelectual, cuja prole vê na múltipla reincidência uma forma de atenuação da pena. Afinal de contas, a culpa é da sociedade – quem manda viver a realidade. O MAL DO SÉCULO – para os poetas, a tuberculose; para os românticos de agora, a bandidolatria. No passado se morria de tuberculose, agora vivem, respiram a bandidolatria. É a pneumonia garantista, cuja sentença de morte é o abolicionismo penal.
Infelizmente, é preciso que se diga com todas as letras, muitos doutrinadores, involuntariamente, estão se tornando no braço intelectual do crime organizado, ao respaldar determinadas condutas ou minimizar as conseqüências e reprovabilidade.
3. Protegem os criminosos muitos juízes, ao acatarem, tornando pronunciamento do Estado, teses jurídicas ‘garantistas’ que sempre minimizam a pena, reduzindo-a, moendo-a, fazendo-a virar pó, fazendo tabula rasa da sábia advertência do artigo 59 do Código Penal, o qual determina que a pena deverá ser fixada com olho nos critérios da necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime.
Escreveu Nietzsche que na história da sociedade há um ponto de fadiga e enfraquecimento doentios em que ela até toma partido pelo que a prejudica, pelo criminoso, e o faz a sério e honestamente.
Um exemplo recente desse fato tivemos na decisão tomada ano passado pelo Supremo Tribunal Federal no hábeas-córpus 82.959/SP, em que foi julgada inconstitucional a vedação à progressão de regime carcerário para os crimes hediondos, prevista no artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90.
A partir de tal decisão, que constitucionalmente gerava efeitos apenas em relação às partes litigantes, a Corte Suprema e a maioria dos demais órgãos do Poder Judiciário, em interpretação claramente afrontosa à lei, começaram a deferir progressões de regime para condenados por crimes hediondos, inclusive nos casos em que a decisão judicial já havia transitado em julgado.
Não é necessário muito esforço para considerar os males que decisões desse quilate causaram à população brasileira, permitindo, em um primeiro momento, que homicidas, traficantes, latrocidas e estupradores que se comportassem bem nos estabelecimentos prisionais, progredissem de regime com apenas 1/6 do cumprimento da pena.
Mesmo com a edição de nova lei em março de 2007, permissiva da progressão de regime para os apenados por crimes hediondos – 2/5 para não-reincidente e 3/5 para reincidentes -, juízes concedem progressão de regime com o cumprimento pelo apenado de apenas 1/6 da pena, desde que o crime tenha sido cometido anteriormente à nova lei. Qual a mensagem que fica para o cidadão de bem? O crime compensa!
A democracia sempre periclitou quando juízes utilizaram como critério para aferir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei predileções teóricas pessoais sobre os melhores meios de viabilizar a reinserção social do apenado, preterindo o critério legal escolhido pelos representantes eleitos pelo povo.
Infelizmente, no Brasil há um feio vício dos auto-intulados juízes garantistas: qualquer lei que não lhes agrade (ou seja, toda lei que não beneficie o criminoso de alguma forma) é considerada inconstitucional. Fazem ouvidos moucos à sábia advertência de Carlos Maximiliano, para quem “Os tribunais só declaram a inconstitucionalidade de leis quando esta é evidente, não deixa margem à séria objeção em sentido contrário. Portanto, se entre duas interpretações mais ou menos defensáveis, entre duas correntes de idéias apoiadas por jurisconsultos de valor, o Congresso adotou uma, o seu ato prevalece. A bem da harmonia e do mútuo respeito que devem reinar entre os poderes federais (ou estaduais), o Judiciário só faz uso de sua prerrogativa quando o Congresso viola claramente ou deixa de aplicar o estatuto básico, e não quando opta apenas por determinada interpretação não de todo desarrazoada” .
O maior perigo que as interpretações extremamente benévolas das leis criminais trazem é o desalento popular com o sistema de justiça e a aterradora sensação de que o regime democrático é inepto, inadequado, ultrapassado e impotente na reprovação e prevenção do crime. Interpretações ‘liberais’ estão causando, a olhos vistos, uma crise de legitimidade do Poder Judiciário.
No pesadelo ‘garantista’ em que vive o Brasil, os juízes esquecem de algumas coisas elementares. Uma delas é que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948, no seu artigo III, prescreve que "todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal".
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (o famoso ‘Pacto de São José da Costa Rica’), no seu artigo 7º assegura que ‘toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais’.
A Constituição Brasileira garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Então, é mais do que hora de os juízes criminais em geral abandonarem a visão de mão única que têm da Constituição, no sentido de que só criminosos têm direitos e a sociedade nenhum, a não ser o de ver-se inerme e desprotegida diante da ação dos delinqüentes.
Com efeito, a proteção penal e processual penal não têm como destinatários exclusivos os criminosos (ridiculamente chamados por alguns como ‘príncipes do processo penal’), mas também dos cidadãos de bem, que devem ter seus interesses levados em consideração na aplicação e interpretação das leis.
Infelizmente, observa-se com espanto a ressureição dos juízes ‘Magnaud’, que desprezam, imbuídos de visão humanitária distorcida, o direito em prol daqueles que consideram fracos e humildes.
Apenas relembrando: na mão de Magnaud a lei variava segundo a classe, mentalidade religiosa ou inclinações políticas das pessoas submetidas a sua jurisdição. Na lição de Carlos Maximiliano, Magnaud ‘Era um vidente, um apóstolo, evangelizador temerário, deslocado no pretório. Achou depois o seu lugar – a Câmara dos Deputados; teve a natural corte de admiradores incondicionais – os teóricos da anarquia" (Hermenêutica e aplicação do direito, Editora Forense, 19ª edição, 2005, p. 68).
Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEIRIA, Cláudio da Silva. Os protetores dos criminosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2009, 06:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/17096/os-protetores-dos-criminosos. Acesso em: 26 nov 2024.
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