A política de drogas é um tema controvertido em todo o mundo, seja do ponto de vista da penalogia seja do conteúdo objetivo da legislação no tocante a quais substâncias devem integrar o rol das denominadas “drogas” que são tuteladas pela legislação 11343/06 a qual trará consequências penais para os sujeitos que praticarem os diversos crimes trazidos pela lei em comento.
Inicialmente cabe destacar uma breve diferença entre o usuário e o dependente de drogas, sendo o primeiro aquele que esporadicamente para fins recreativos, mas sem qualquer dependência a droga, diferente do dependente que utiliza com mais frequência a droga chegando a necessitar da mesma e caso fique em abstinência poderá ocasionar problemas físicos e/ou psicológicos para si. Esta diferença é de suma importância de acordo com o caso concreto para uma possível descaracterização do crime por não se observar o terceiro substrato do crime, qual seja a culpabilidade na vertente inimputabilidade prevista no artigo 26 do código penal, porém dependerá da análise do caso concreto.
Feita esta pequena digressão adentrando em esfera além do objeto deste trabalho, porém de suma importância prática, existem 4 modelos no mundo de politica-criminal adotados no tocante aos usuários e dependentes de drogas, o Modelo Norte-Americano (tolerância zero), o Modelo Liberal, o Modelo de Redução de Danos (sistema Europeu) e o Modelo de Justiça Terapêutica. O Brasil a través da Lei 11343/06, não adotou para parte da doutrina, fielmente nenhum desses modelos porem trabalhou de forma progressiva para despenalização no tocante ao usuário de drogas. Para outra parte da doutrina que utiliza termo mais técnico o que ocorreu no artigo 28 da lei 11343/06 não foi uma despenalização e a conduta ainda continua rotulada como crime tendo em seu preceito secundário do tipo uma pena, porém não passível de privação de liberdade.
O artigo 1º, § 1º nos traz que o conceito de drogas para fins da lei 11343/06 deverá ser retirado de lista atualizada periodicamente pelo Poder Executivo da União, trazendo assim um caso de norma penal em branco. Insta destacar que as tipos penais em branco são incompletos devendo buscar a complementação em outra norma em sentido amplo, seja lei ou outro ato normativo. As normas em branco se dividem em homogêneas e heterogêneas, sendo as primeiras as que o complemento advém da mesma fonte de produção da norma que precisa ser complementada, e a segunda o complemente vem de fonte de produção distinta a da lei que precisa ser complementada. No caso da “Lei de Drogas” estamos diante de uma norma penal em branco heterogênea visto que conforme previsto no artigo 1º, § 1º da lei 11343/6 o complemento virá do Poder Executivo da União ente distinto ao que produziu a Lei em comento, visto que foi produzida pelo Congresso Nacional. No caso o complemento vem da Portaria SVS/MS 344 da Anvisa.
Pelo princípio da Legalidade, conforme destaca o Professor Nilo Batista em sua obra pode-se observar 4 vertentes, Lege Praevia Lege Scripta, Lege Scricta, e Lege Certa.
A lei de drogas para entendimento majoritário da doutrina e dos Tribunais Superiores não violou o princípio da legalidade em nenhuma das suas vertentes visto que além de ter sido prévia e escrita respeita também as vertentes Lege Stricta e Certa por te vinculado o conceito de drogas a lista elaborada pelo Poder Executivo da União e não deixou em aberto para que houvesse divergências sobre quais substâncias seriam consideradas drogas e quais não, impedindo também que houvesse qualquer tipo de analogia ou tipo penal vago.
Também prevalece o entendimento que não há inconstitucionalidade na lei pelo fato que a lista das substâncias consideradas drogas não terem sido descritas na própria legislação, fato este que seria praticamente impossível no ato de elaboração da lei pelo legislador por 2 motivos, um que não teria como no ato de elaboração da lei prever todas as substâncias que são consideradas drogas por falta de conhecimento técnico e como outro motivo pode-se colocar a constante inovação e surgimento de substâncias que são consideradas drogas com o avanço da globalização e tecnologia o que iria acarretar uma defasagem ainda maior da lei com a realidade fática visto que para cada alteração no rol de substâncias consideradas drogas iria ter que ocorrer todo o processo legislativo, diferente do que ocorre atualmente onde para se mudar uma portaria de um órgão federal se necessita de muito menos formalidades do que a propositura de uma alteração legislativa.
Ainda no tocante ao principio da legalidade na vertente Lege Stricta é vedado a analogia no Direito Penal visto que como este ramo do direito tem como uma de suas consequências a privação da liberdade deve ser interpretado sempre de maneira estrita e restrita não devendo nunca ser potencializado qualquer restrição a direitos individuais e/ou coletivos, caso contrário se violaria não um princípio mas um fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que é a Dignidade da Pessoa Humana previsto no artigo 1º, III, razão pela qual somente poderá conhecer do Direito Penal Subjetivo também conhecido Ius Puniendi Estatal materializado pelas penas previstas no Direito Penal Objetivo materializado pelas normas penais incriminadoras previstas na Lei 11343/06 somente o sujeito ativo que se adequar as condutas típicas quando estiver diante das substâncias previstas na Portaria SVS/MS 344 da Anvisa, visto que esta Portaria traz, como dito anteriormente as substâncias consideradas como drogas para a legislação brasileira. Destaca-se ainda que como a palavra “drogas” integra elementar do tipo penal, conforme dito anteriormente o sujeito ativo que violar qualquer um dos tipos penais incriminadores ao estar diante de alguma substância constante na portaria em epígrafe estará feita a subsunção ao tipo correspondente.
Conforme explicitado neste trabalho observa-se que a lei 11343/06 esta de acordo com a ordem jurídica advinda com o Neoconstitucionalismo e com o fenômeno da Constitucionalização do Direito Penal que marcam o atual Estado Democrático de Direito que surgiu após a segunda Guerra Mundial, mas precisamente na segunda metade do século xx e vem se reafirmando e atualizando conforme a sociedade no decorrer do século xxi.
Como dito no início o tema é bastante polêmico e deve ser observado também através do princípio da Lesividade e suas vertentes mas precisamente na que proíbe a punição quando a lesão não ultrapassa a esfera do próprio agente, sem entrar no mérito das demais vertentes por não ser objeto deste estudo, isto do ponto de vista do usuário de drogas que como dito anteriormente é o que a utiliza de forma recreativa e se estiver causando algum dano a saúde será a própria, que concordando com o voto do Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes no recurso extraordinário que está sendo votado no Supremo Tribunal Federal o crime de uso deve ser considerado somente administrativo se for o caso como medida de saúde pública e não como crime, salvo se o agente se utilizar de substância considerada como droga para cometer algum crime doloso ou se por ter utilizado substância entorpecente cometer crime culposo, que em qualquer dos casos estará ultrapassando sua esfera e estará violando bem jurídico de terceiro razão pela qual deverá ser imposta a responsabilidade penal subjetiva.
Referência:
BAPTISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 12ª edição – 2011. Editora Revan
Cunha, Rogério. Leis Penais Especiais Comentadas. 3ª edição – 2020. Editora Juspodivum
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