“O Sr. é o melhor pai do mundo”! Disse-lhe a criança.
Bem, isso não é bem verdade, filha, respondeu-lhe o pai.
Como assim?
É que eu não sou o único pai do mundo e estou certo de que existe um sem número de pais bem melhores do que eu; mais: certamente há um bilhão de filhos que dizem o mesmo sobre seus pais e talvez seus próprios pais e irmãos não concordem.
Sei, mas eu sou sincera!
As outras crianças também o são.
O Sr. quer dizer então que eu estou mentindo?
Não é bem assim…
É isso mesmo, o Sr. está me chamando de mentirosa! Gritou indignada.
Acho que não me expressei bem; quis dizer que sua afirmação, embora sincera, não é exata. Sua afirmação só seria verdadeira se você fosse filha de todos os pais do mundo, tivesse convivido com todos eles e só então poderia concluir: “você é o melhor pai do mundo”, com exclusão de todos os demais. Mas essa experiência é impossível.
Eu não o entendo…
Nem eu tampouco…
Aliás, ainda que você tivesse um bilhão de pais, ainda assim sua conclusão seria certamente contestada por um bilhão de outros filhos, irmãos e pais inclusive, com a mesma legitimidade.
Mas eu estou dizendo a verdade; e você sabe o quanto eu o amo.
Claro. Quis dizer apenas que sua afirmação não é correta.
Dá no mesmo! Retrucou o filho mais velho, que a tudo ouvia.
Não creio. A rigor, sentimentos não são verdadeiros ou falsos, mas sinceros ou não. É que, como diz Kant, sobre esses assuntos não pode haver nenhuma regra de gosto objetiva que determine por meio de conceitos o que seja o belo, pois todo juízo proveniente desta fonte é estético, isto é, o sentimento do sujeito e não o conceito de um objeto é o seu fundamento determinante (Crítica da faculdade do juízo. imprensa nacional, 1998, p. 122).
Mas pensando melhor, acho que você tem razão. O que você diz é a mais absoluta verdade.
Agora é o Sr. que parece estar mentindo…
Não, estou sendo sincero. Sim, porque o que é afinal a verdade senão o ponto de vista de alguém, situado no tempo e no espaço, com pretensão de universalidade? Quem recorre à verdade pretende universal o que é particular, local. Enfim, a verdade é apenas um sintoma, um nome, um conceito.
Não entendi…
Quis dizer que a verdade é sempre “minha” verdade, “sua” verdade, “nossa” verdade, ou seja, é sempre uma verdade que exclui diversas outras num universo de representações (de verdades) possíveis, ainda quando as julgamos absurdas, infundas etc. Logo, não é a interpretação que depende da verdade, mas justamente o contrário: é a verdade que depende da interpretação.
Na realidade, antes da verdade existe uma vontade de verdade, e, pois, uma crença na verdade, uma crença na superioridade moral da verdade sobre a mentira, uma vontade de poder, vontade de fazer prevalecer uma dada opinião, isto é, vontade de autenticar palavras, situações, desejos com um nome quase sagrado: verdade. Como dizia Nietzsche, cada um tem a perspectiva que gostaria de impor como norma a todos os demais.
Parece-me, pois, que a única coisa realmente universal é o uso da palavra verdade, mas não o que ela pode significar em cada contexto, porque uma concepção da verdade para além do tempo e do espaço, logo, para além do homem, é uma mentira.
Concluo assim que você diz a verdade quando afirma que “eu sou o melhor pai do mundo”, mas também todas as crianças do mundo que dizem o mesmo para seus pais, ainda quando são eventualmente contestadas por seus irmãos, pais ou estranhos.
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