A evolução do crime organizado em larga escala desenvolveu um grande sistema criminoso mundial, que busca métodos e técnicas de facilitação a utilização de ativos provenientes de crimes cometidos pelos conglomerados criminosos.
Assim, em todo o mundo, ante este desenvolvimento dos agentes criminosos, passaram a existir cada dia mais dificuldades ao governo em impedir que tais ativos ilícitos fossem utilizados pelas organizações como se lícitos fossem, pois aumentou a dificuldade de verificação da autoria e da materialidade do crime.
Em 1988, na cidade de Viena, na Áustria, foi realizada a “Convenção das Nações Unidas contra o tráfico de entorpecentes e substâncias psicotrópicas”, que gerou inúmeras legislações por todo o mundo visando o combate do crime de lavagem de dinheiro. O Brasil ratificou esta Convenção através do Decreto n° 154, de 26 de junho de 1991.
A criação da Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI), também é outra importante realização no combate ao crime em comento. Passaram a ser examinadas e realizadas medidas e políticas e promover ações para combater a “lavagem de dinheiro”.
No Brasil, a primeira lei que criminaliza a conduta é a Lei n.º 9.613 de 3 de março de 1998, que assim dispõe em seu artigo 1º:
Art.1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante seqüestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira; “.
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo;
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, nos casos previstos nos incisos I a VI do caput deste artigo, se o crime for cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa.
§ 5º A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.[1]
Apenas da leitura do dispositivo legal que o define, conseguimos perceber que para que se configure a conduta da “lavagem de dinheiro”, devemos necessariamente ter a ocorrência de um crime antecedente. A ilicitude dos ativos envolvidos no crime provém deste crime praticado anteriormente e por isto existe a obrigatoriedade de sua ocorrência.
Sobre esta lei, define o autor Ricardo Antonio Andreucci[2]:
“Trata-se de um instrumento visando ao combate da “macro-criminalidade”, na medida em que se pretende punir com a lei penal a cogitação (p. ex., o crime de bando ou quadrilha – art. 228), o próprio crime (p. ex., tráfico de drogas) e finalmente o lucro com o crime (lavagem de dinheiro propriamente dita)”.
E conceitua ainda:
(...) “a “lavagem” de capitais é produto da inteligência humana. Ela não surgiu do acaso, mas foi e tem sido habitualmente arquitetada em toda parte do mundo. A bem da verdade, é milenar o costume utilizado por criminosos no emprego dos mais variados mecanismos para dar aparência lícita ao patrimônio constituído de bens e capitais obtidos mediante ação delituosa. Trata-se de uma conseqüência criminológica caracterizadora do avanço da criminalidade em múltiplas áreas”.
Antes da criação do tipo penal como conhecemos hoje, a Lavagem de dinheiro somente ocorria quando o os ativos ilícitos eram oriundos do crime de tráfico de drogas. As outras condutas presentes no artigo 1º estavam tipificadas como receptação.
Entretanto, a expressão “lavagem de dinheiro” surgiu após a descoberta das grandes organizações mafiosas norte-americanas, que aplicavam seus lucros em lavanderias, de onde tirou-se, então, a idéia de que lavavam o dinheiro.
“De acordo com ao estudo realizado pode-se afirmar que a lavagem de dinheiro se encontra estreitamente vinculada à criminalidade organizada, pois, na maioria dos casos, a comissão desse delito requer uma estrutura não só para a comissão da lavagem como também do delito previsto, o que origina os bens que serão lavados. É certo que, na maioria das vezes, o delito que gera mais ganhos é o de tráfico de drogas e, portanto, está muito vinculado à lavagem de dinheiro. Porém, no Brasil, não somente ele gera grandes quantidades aptas à lavagem. Assim, podemos citar outras atividades criminais com a quais se obtêm grandes somas de dinheiro ou bens, como o tráfico de armas, o jogo ilícito, a subtração de veículos e seu contrabando, a extorsão mediante seqüestro, as redes de prostituição e a exploração sexual, os crimes contra a administração pública, o roubo de cargas etc. As organizações criminais se movem pela facilidade de obtenção de grandes quantias de dinheiro com a comissão de alguns delitos que ultrapassam as fronteiras dos países. Essas grandes somas tendem a ser recicladas mediante sua introdução nos circuitos financeiros, obtendo assim uma aparência de legalidade.”[3]
Assim, entende-se que a lavagem de dinheiro é a tentativa de “limpar” o produto de um crime, para que este seja apresentado como se tivesse sido adquirido de forma lícita.
Conforme já mencionado, para a tipificação do crime de lavagem de capitais é necessário que exista um crime antecedente, do qual seja proveniente tal dinheiro, como a Sonegação Fiscal, o Tráfico ilícito de entorpecentes, o Terrorismo, o contrabando ou tráfico de armas e todos aqueles previstos no rol do artigo 1º da lei 9.613/98.
Algumas das principais conseqüências deste crime são: a concorrência desleal, oscilações nos índices de câmbio, o capital especulativo, aumento da corrupção, precariedade e imprecisão na delimitação das políticas públicas. Por este motivo sua repressão pelo Estado é tão grande, fazendo com que a legislação muitas vezes aproxime-se da inconstitucionalidade, pois é grande o impacto que produz no Sistema Financeiro Nacional.
Existe um procedimento seguido para obtenção do produto final, ou seja, capital aparentemente lícito, formado por três etapas pelas quais passa o dinheiro.
III.1. Conversão ou placement
“A conversão também chamada de ocultação, em linguagem internacional conhecida como fase do placement, consiste na colocação ou na aplicação dos ativos ilícitos em espécie (dinheiro sujo) no sistema financeiro e econômico, mediante troca (conversão) de moeda em casa de câmbio, depósitos bancários, investimentos em operações em bolsa, transações imobiliárias, aquisições de jóias e de obras de arte etc., correspondendo essa conversão ou ocultação ao objetivo de encobrir a natureza, localização, fonte, propriedade e o controle dos recursos obtidos ilicitamente; desta fase podem participar muitas pessoas para diluir ou fracionar grandes somas de dinheiro”.[4]
Em resumo: esta primeira fase é o momento em que é o momento da introdução do capital ilícito no mercado. Neste momento existem muitas formas de ação para as organizações criminosas: “por intermédio de instituições financeiras tradicionais, com a efetivação de depósitos em conta corrente ou aplicações financeiras em agências bancárias convencionais; pela efetivação de operações de swap etc.; através da troca de notas de pequeno valor por outras de maior denominação, reduzindo o montante físico de papel-moeda; mediante a utilização de intermediários financeiros atípicos, com a conversão em moeda estrangeira através de doleiros” (...)[5]
A conversão pode ainda ocorrer através da simples compra e venda de bens ou ainda de atividades empresariais simples, com empresas na maioria das vezes de fachada, sem necessidade do envolvimento de instituições financeiras.
III.2. Dissimulação ou layering
Sobre esta etapa, mais uma vez preleciona Rodolfo tigre Maia:
“(...) os grandes volumes de dinheiro inseridos no mercado financeiro na etapa anterior, para disfarçar sua origem ilícita e para dificultar a reconstrução pelas agências estatais de controle e repressão da trilha do papel (paper trail), devem ser diluídos em incontáveis estratos, disseminados através de operações e transações financeiras variadas e sucessivas, no país e no exterior, envolvendo multiplicidade de contas bancárias de diversas empresas nacionais e internacionais, com estruturas societárias diferenciadas e sujeitas a regimes jurídicos os mais variados. Por outro lado, pretende-se com a dissimulação estruturar uma nova origem do dinheiro sujo, aparentemente legítima. Esta etapa consubstancia a “lavagem” de dinheiro propriamente dita, qual seja, te por meta dotar ativos etiologicamente ilícitos de um disfarce de legitimidade”.[6]
É nesta etapa que verificamos o aparecimento dos chamados paraísos fiscais como forma de dissimulação dos ativos, conforme destaca Deomar de Moraes, em seu artigo para o Seminário Internacional de Lavagem de dinheiro:
“Na segunda fase, chamada “estratificação na lavagem de dinheiro”, os recursos são literalmente movidos por meio de várias instituições financeiras e empresas, de transferências bancárias, principalmente para paraísos fiscais, e muitas vezes complexas, com o objetivo de dissociá-los da verdadeira origem, dificultando a sua persecução na fase de investigação. Como exemplo, temos os depósitos do dinheiro contrabandeado, que estavam incluídos na primeira fase e instituições no estrangeiro; mesclagem desses recursos com outras rendas legítimas”.[7]
Nesta etapa, os recursos que foram introduzidos no mercado financeiro na primeira fase são movimentados e divididos na tentativa de ocultar sua origem ilícita.
III.3. Integração ou Integration.
“A etapa final é a chamada “integration”, ou integração, que se caracteriza pelo emprego dos ativos criminosos no sistema produtivo, por intermédio da criação, aquisição e/ou investimento em negócios ilícitos ou pela simples compra de bens. É freqüente que os lucros decorrentes da atuação de tais empresas sejam reinvestidos em esquemas criminosos (nos mesmo que geraram os ativos ilícitos e/ou em novos “empreendimentos”) e/ou passem a “esquentar” (rectius: legitimar) o afluxo de novos volumes de dinheiro “sujo”, agora disfarçados em “lucros do negócio”, dinheiro “limpo”, ou, ainda, que forneçam ao criminosos uma fonte “legítima” para justificar seus rendimentos, caracterizando um verdadeiro ciclo econômico”.[8]
Aqui já não falamos mais na lavagem de dinheiro. Nesta fase este já está limpo. Trata-se da integração, da forma como este será investido. É aqui também que se verifica a maior lesão à ordem econômica
Esta fase envolve a participação de grandes empresas e sociedades, que possam movimentar quantias vultuosas sem levantar suspeitas, como bancos, seguradoras, cambistas.
Então vejamos a formação do crime: primeiro temos o crime antecedente, do qual procede o dinheiro. Passamos então à colocação destes ativos no mercado, seja adquirindo bens, trocando moeda, enviando dinheiro para outros países, etc.
Após esta primeira fase, passamos então à dissimulação ou estratificação, onde os recursos são diluídos para que seja dificultado às autoridades descobrir sua origem. O produto pode ser mesclado à rendas legítimas, depositado em diversos bancos.
Assim, o que resta será utilizado em negócios legítimos, na compra e venda de bens, retornando ao mercado financeiro com aparência de legitimidade. Essa é a chamada integração.
A Lavagem de dinheiro ocupa uma posição de destaque entre os crimes mais cometidos em nosso país, caminhando lado a lado com o crime organizado, como um de seus instrumentos para manutenção das atividades criminosas.
Percebemos que alguns setores de investimentos facilitam ainda mais a ação das organizações criminosas, permitindo com que os ativos oriundos de crimes sejam tranquilamente convertidos em legítimos, dificultando o trabalho das autoridades.
As ações devem se concentrar nestes setores de investimento, de maneira que consigam ser tomadas medidas que diminuam a ação dos criminosos.
A lavagem de dinheiro traz prejuízos inumeráveis a todo o sistema econômico do país, mas causa um problema ainda pior. Ela perpetua uma de nossas piores mazelas: a corrupção.
A participação de funcionários da Administração pública e governantes é muito freqüente neste crime, existindo até mesmo quadrilhas dentro do governo, como vemos em notícias a todo momento.
Assim, analisando o fenômeno como um todo, o combate ao crime de lavagem de dinheiro possui implicações sociais sérias, não apenas afetando a economia.
Além disso, os empresários do crime organizado, aplicam seus recursos de forma que desequilibra a economia nacional, pois praticam a concorrência desleal, inviabilizando o crescimento de empresas criadas legitimamente, conduzindo a uma desestruturação e desestabilização do Estado em diversos setores.
Neste sentido, a lei 9.613/98 traz um grande avanço na tentativa de combate ao crime organizado e a lavagem de dinheiro, com normas rígidas, que prevêem mais crimes além do tráfico de entorpecentes como crimes antecedentes, tentando, desta forma, abranger um capital ilícito maior.
É dever do Estado combater tais condutas como forma de manter o equilíbrio da economia.
Os organismos de combate a lavagem de dinheiro tem desempenhado um papel importante neste contexto, criando regulamentações que visam diminuir as opções dos criminosos, fechando o cerco as operações ilícitas por eles cometidas.
Um dos fatores que dificulta essa repressão é o rápido desenvolvimento tecnológico, que permite uma circulação de valores cada vez mais rápida. Contra isto, legislações regulando o uso da internet em operações financeiras deve ser criada com urgência, para que se evite que o crime continue sendo cometido livremente pela rede mundial de computadores.
Entretanto verificamos que as ações destes organismos de combate ao crime tem atingido resultados mais positivos. A população deve, entretanto, manter-se atenta e cobrar dos governantes atitudes enérgicas a fim de combater as ações do crime organizado.
[1] Lei 9.613, de 03 de março de 1998.
[2] ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial.p.371/374
[3] CALLEGARI, ANDRE LUÍS. Lavagem de dinheiro. Barueri, SP: Manole, 2004, p.173.
[4] BARROS, MARCO ANTÔNIO DE. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. com comentário, artigo por artigo, à Lei 9613/98, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 43.
[5] MAIA, Rodolfo Tigre, op. cit., p. 37
[6] MAIA, Rodolfo Tigre, op. cit., p. 39
[7] SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE LAVAGEM DE DINHEIRO realizado por Conselho da Justiça Federal, Centro de estudos Judiciários, Ministério da Fazenda, Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Escola Nacional de Magistratura, Brasília: CJF, 2000, p. 96.
Graduanda em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo - SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARIANO, Juliana Neves. Lavagem de dinheiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2009, 07:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/17547/lavagem-de-dinheiro. Acesso em: 27 nov 2024.
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