Resumo: Análise jurídica do filme O Enviado produzido nos Estados Unidos no ano de 2003. Após o falecimento do filho vítima de acidente automobilístico, casal decide realizar uma experiência genética com o objetivo de clonar o filho falecido. Análise jurídica sob o aspecto da personalidade civil do clone se ele é pessoa ou não-pessoa. Ofensa ao direito à identidade pessoal. Necessidade de criação de normas jurídicas regulando a atuação do clone humano na sociedade brasileira.
Palavras-Chave: Filme. O Enviado. Clone. Pessoa. Personalidade. Identidade Pessoal.
“ A arte imita a vida” ou a “vida imita a arte”, esse questionamento levado para o cinema, que é a sétima arte e para o direito que é vida temos então que o Cinema que reflete a vida irá abranger e retratar diversos questionamentos jurídicos, mesmo quando em nosso momento de lazer não estamos percebendo a importância de cunho jurídico que se apresenta na arte cinematográfica.
Ser apaixonado pelo cinema e pelo direito nos leva a indagar em cada cena e em cada seqüência as repercussões dentro do ordenamento jurídico. Quando duas paixões se encontram só podem produzir um resultado magnífico que é exteriorizar a visão do filme dentro do âmbito jurídico. E buscar responder a esses anseios, às vezes, nos leva a questionamentos que no dia-a-dia do universo jurídico não iríamos nos preocupar ou abordar.
Escolher qual filme iremos observar sob a ótica jurídica não é fácil já que a academia produz tantos filmes fascinantes que a escolha que implica em eliminar todos os outros e centrar em somente um chegar a ser uma escolha sofrida. Assim sendo, fizemos a opção por analisar o filme O Enviado (Godsend), produzido nos Estados Unidos em 2003, com o desempenho fantástico de Robert de Niro, Rebbeca Romijn-Stamos e Greg Kinnear, que com a sua narração aborda a questão da clonagem humana. Apesar de ser vedado no ordenamento jurídico precisamos nos questionar se nos depararmos com o fato consumado, isso é se o clone é pessoa ou não e ainda, se ele possui direitos e deveres jurídicos. Se para muitos a clonagem humana é uma ofensa religiosa enquanto que para outros se trata de uma forma de perpetuar a sua espécie, não iremos adentrar nesse questionamento, mas sim buscaremos fundamentação para saber se essa criança – clone deverá ser considerada pessoa ou não e ainda se possui direitos e deveres ou não.
O Enviado retrata a vida de um casal Jessie (Rebbeca Romijn-Stamos) e Paul (Greg Kinnear) com o seu filho, Adam, de oito anos. Iniciamos o filme com um questionamento que aflige todos os pais, que é acerca da criação de filho, isto é, será que estamos criando o nosso filho em um lugar adequado ou será que deveríamos ir para uma cidade menor, onde a violência ainda não se instaurou. O pai recebe uma proposta para lecionar em uma cidade menor e fica na dúvida, enquanto que Jessie, a mãe, entende que devem-se mudar por ser mais adequado para a criação do filho do casal. Dúvidas normais que assolam todos os pais que se preocupam com seus filhos. Em meio a esses questionamentos, Adam é atropelado e vem a falecer. O casal fica arrasado, em parte pela perda do filho e em parte se culpando achando que poderia ter evitado o que aconteceu. Nesse momento surge a figura do Richard Wells (Robert de Niro), um renomado geneticista e ginecologista que propõem ao casal o que parecia até então impossível, trazer o seu filho recém-falecido de volta. Para isso é preciso fazer a clonagem de Adam. Em meio a tamanha dor e tentando resgatar a criança perdida o casal acaba concordando em participar da experiência genética, mesmo sabendo que é ilegal.
A experiência genética transforma-se em Adam, um menino que age igual ao “original” isso até completar a idade de oito anos quando começa a ter pesadelos e a agir de forma estranha.
Suas atitudes se modificam a tal ponto que seu pai, Paul, começa a pesquisar o que aconteceu e descobre que o Dr. Richard manipulou o material genético de Adam acrescentando material genético de seu filho falecido Zachary. Essa situação não será analisada no presente artigo porém, também merece um estudo jurídico aprofundado, haja vista que é preciso depositar uma confiança muito grande nos profissionais da área médica e nesse caso específico o que ocorreu também precisa ser regulamentado. Por outro lado, era de se esperar o comportamento ético do médico em questão posto que no momento em que apresentou a solução da clonagem humana, mesmo sendo ilegal, nada impediria que ele viesse a realizar o seu experimento da forma que melhor lhe conviesse.
É importante ressaltar que esse filme ainda aborda diversas questões de cunho religioso que em sede própria deve ser debatido, pois nesse caso estaríamos assumindo o lugar de Deus para a criação do ser humano.
2. Análise Jurídica do filme: O Enviado
Apesar de termos diversas normas jurídicas, convenções e tratados impedindo a clonagem humana, como por exemplo o “Convenio para la protección de los drecehos humanos y la dignidad del ser humano respecto de lãs aplicaciones de la biologia y la medicina”, assinado em Oviedo na Espanha em 04 de abril de 1997 por cerca de vinte países europeus, bem como a UNESCO (organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), estabeleceu um código de ética que proíbe a clonagem humana.[1] Nessa vertente também a União Européia criou uma norma jurídica proibindo a clonagem de seres humanos.[2] Por outro lado nos deparamos com uma outra corrente que entende ser possível a clonagem de embriões humanos pois a ciência deve ser livre para se desenvolver. Nessa corrente encontramos os membros da Academia Internacional de Humanistas que entendem que aqueles que defendem que não se pode ter a clonagem humana, criando assim restrições seriam classificados como “ludditas”, ou sejas aquelas pessoas que apresentam medo da tecnologia e uma resistência ao progresso[3].
Hoje o tema clonagem humana não se encontra pacificado em nenhum lugar do mundo, sendo assim, poderemos nos deparar tanto com normas jurídicas proibindo, como normas jurídicas permitindo que isso venha a ocorrer, mas esse debate não irá fazer parte do presente artigo, já iremos analisar esse assunto diante do fato consumado, ou seja, conforme o filme O Enviado a criança Adam foi clonada, e por isso precisamos analisar quais as repercussões dentro da nossa esfera jurídica e quais os questionamentos que surgem diante desse fato consumado.
Como a ciência está à frente do direito podemo-nos deparar com a clonagem humana a qualquer tempo, mesmo quando já existe a previsão normativa proibindo que isso venha ocorrer.
Podemos ainda nos depararmos com duas situações distintas o ser clonado e seu clone vivos ou o ser clonado tendo falecido e o clone vivo.
No caso desse filme, o que os pais queriam era um substituto para o seu filho Adam que lhe fora arrancado de forma tão violenta. Qual mãe que não iria querer o seu filho de volta ? Quem pode censurar o desejo desses pais que em meio a tão forte emoção aceitou praticar a experiência genética. Mas eles não queriam outro filho, ela não poderia gerar outra criança e mesmo que pudesse o que o casal queria de volta era o Adam. E então resolveram praticar a clonagem para substituir o primeiro filho do casal pelo clone.
Quando do nascimento do clone, a mãe recordou-se que aconteceu com os mesmos detalhes da primeira gestação. Isso reforçou mais ainda a idéia de que era o Adam que acabara de nascer e foi esse o nome dado ao clone. Afinal, “era o nome dele, sempre foi o nome dele”, conforme a frase de Jessie.
Pelo posicionamento dos pais de Adam, então o clone veio para substituir o filho que faleceu, sendo recebido inclusive como o primeiro, mensagem essa que também pode ser retirada da capa do filme que traz o nome da criança com as seguintes datas:
“Adam Duncan
♦ 11 de dezembro, 1987
† 12 de dezembro, 1995
♦ 23 de setembro, 1996”
Dessa forma, o filme trata a possibilidade do clone substituir o ser clonado. Apesar de serem idênticos, entre eles existe um lapso temporal que faz com que tenham experiências diferenciadas. Apesar de terem os mesmos pais, não moraram na mesma casa e não freqüentaram o mesmo colégio, e logicamente, não tiveram os mesmos amigos de infância. Esse conjunto de sensações faz com que o que num primeiro momento fosse idêntico – o clone - a medida em que o tempo vai passando as diferenças vão se acentuando. Concluindo podemos nos embasar na Posição de Fermin Schramm:
“Assim, um clone perfeito pode ser idêntico a seu ‘genitor’ em termos biológicos (pois compartilha o mesmo DNA), mas não do ponto de vista ‘pessoal’. A segunda condição exigiria uma sinergia altamente improvável de inúmeras condições idênticas: o mesmo tipo de experiências, o mesmo tipo de ambiente e uma coincidência espaço-tempo com o ‘outro’, algo impossível tanto do ponto de vista físico quanto do lógico ... Usando a linguagem da lógica moderna, diz-se que dois indivíduos ( o ‘clonável’ e o ‘clonado’) podem ter a mesma identidade genérica, definida pelas características comuns à mesma classe de objetos Homo sapiens sapiens, mas nunca terão a mesma identidade específica ou ipseidade, um conceito filosófico, antropológico e psicológico.
Portanto, um clone de Chopin, não será necessariamente um novo Chopin, pois ao clonar características genéticas, clona-se a biologia do indivíduo, mas não pode ser reduzida a ela, clona-se a biologia do indivíduo, não sua personalidade. Esta certamente será influenciada pela biologia, mas não pode ser reduzida a ela. Assim, esse conjunto de identidade formado pelo eu mais suas características, ... constitui a ‘pessoa’, necessariamente distinta do organismo biológico pertencente à espécie Homo sapiens sapiens.”[4]
Apesar dessa compreensão, o filme retrata Adam 2, como substituto completo de Adam 1 até completar os oito anos.
Ao confrontarmos a mensagem do filme o Enviado com o art. 2º. do novo Código Civil que entende que: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, dúvidas são suscitadas referentes Para compreender esse artigo é preciso que resgatemos os conceito jurídico de pessoa, para tanto faz-se necessário compreender o que a doutrina entende como pessoa e se o ser clonado será também assim entendido.
Sabemos que a palavra pessoa surgiu de Persona, que na antiguidade clássica era a palavra utilizada para designar a máscara que os atores utilizavam nos espetáculos teatrais e religioso para permitir que suas vozes fossem ouvidas a uma distância considerável.
Historicamente, quando nos deparamos com o Direito Romano existia uma diferenciação entre ser, homem e pessoa. Assim, para eles o escravo é ser, mas não é homem, sendo assim equipara-se a coisa. O ser humano por sua vez se fosse disforme seria classificado como monstro ou prodígio e também excluído da relação jurídica. Sendo assim, para os romanos, não bastava ser homem era preciso ser também pessoa, ou seja era preciso ser homem, ter forma humana e não estar na condição de escravo. Logo pessoa e homem apresentam conceituação distinta para os romanos, dessa forma, somente o homem que reunisse determinadas características era considerado pessoa, ou melhor, pessoa é o ser humano acompanhado de atributos.[5]I
Para Arnaldo Rizzardo temos que na concepção tradicionalista, corresponde ao ser humano dotado de razão, de inteligência, com capacidade de entender, de portar-se segundo uma lógica e de submeter a si os demais seres do universo. Na orbe jurídica, considera-se o ente físico apto a ter direitos e obrigações.[6]
Analisando ainda esse tema, Caio Mario entende que para que haja a personalidade é necessário o nascimento com vida independentemente da maneira em que ocorre a concepção, seja através de relações sexuais normais, se em razão de inseminação artificial ou se através de processos técnicos de concepção extra-uterina (fertilização in vitro).[7] Ou seja, segundo o seu posicionamento é necessário que haja a concepção, independentemente da forma como ocorra. Podemos interpretar o seu posicionamento de tal forma que o nascimento com vida deverá surgir mediante uma das formas de concepção existente, não sendo possível subordinar a personalidade a um nascimento com vida sem que tenha ocorrido a concepção.
Nosso ordenamento jurídico adotou a teoria do início da personalidade com base no nascimento com vida, pondo a salvo os direitos do nascituro desde a concepção. O ordenamento jurídico francês determina que a personalidade civil se inicia com a concepção e Sílvio de Salvo Venosa se posiciona entendendo que essa é a teoria mais adequada.[8]
Para podermos compreender a importância da diferenciação entre o clone e o ser clonado é preciso entender que o ser clonado teve como origem a concepção, que conforme o dicionário eletrônico da língua portuguesa de Houassis:
Concepção:
Ação ou efeito de gerar (ou ser gerado) um ser vivo, em conseqüência da fusão do espermatozóide com o óvulo; fecundação, geração;
Então a pessoa que teria atribuições no âmbito jurídico é esse que originário da fusão do espermatozóide e com o óvulo, esse é o ser humano cujo o direito protege e intitula de pessoa.
Essa preocupação com a concepção é tamanha que o Projeto de Lei n. 6960/2002 de iniciativa do Deputado Ricardo Fiúza, foi proposto com o objetivo de alterar o art.2º. do novo Código Civil para que passe a ter a seguinte redação: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e do nascituro”. Já que apesar do embrião não ter sido implantado e viabilizado no ventre materno também é sujeito de direitos. Sendo sempre a referência inicial à concepção.
Já o processo de nascimento de um clone difere na sua origem posto que é em razão de uma célula-tronco extraída de um ser humano, que através de um método científico foi possível multiplicar e transformar em um ser humano idêntico ao ser clonado, conforme podemos deduzir dos conceitos apresentados pelo dicionário eletrônico Aurélio Século XXI, abaixo.
Clonação
Produção assexual de uma linhagem de células, organismos ou segmentos de DNA, geneticamente idênticos ao original.
Clone
Clone (2) obtido artificialmente: por exemplo, inserindo o núcleo de uma célula somática num óvulo cujo núcleo foi adrede retirado.
Apesar da nossa norma jurídica adotar o início da personalidade civil diante do nascimento com vida, entende-se que esse nascimento adveio de um nascituro que existiu em razão de uma concepção, dessa forma, podemos dizer que somente a concepção irá gerar um nascituro que tem os seus direitos resguardados até originar uma pessoa.
Se a origem de Adam 2 – o clone – iniciou-se através de um processo diferenciado então não podemos entender que se trata de pessoa, dessa forma, não pode receber o conjunto de direitos e deveres da ordem civil.
Conforme Francisco Amaral “a evolução doutrinária apresenta duas concepções: a naturalista e a formal, ou jurídica. Para a concepção naturalista, todos os indivíduos têm personalidade, considerada inerente à condição humana como atributo essencial do ser humano, dotado de vontade, liberdade e razão.
Para a concepção formal, própria da ciência jurídica positivista, a personalidade é atribuição ou investidura do direito. Pessoa e ser humano não coincidiriam. Pessoa não seria o ser humano dotado de razão, mas simplesmente o sujeito de direito criado pelo direito objetivo. Com uma visão mais atualizada, pode-se dizer que pessoa traduz a qualificação jurídica da condição natural do indivíduo, em uma transposição do conceito ético de pessoa para a esfera do direito privado, e no reconhecimento de que são inseparáveis as construções jurídicas da realidade social, na qual se integram e pela qual se justificam.”[9]
Percebemos que no caso de Adam 2 – o clone, não podemos mais entendê-lo como sendo pessoa, já que o seu nascimento não se originou de uma concepção, natural ou artificial. Agora resta-nos a questionar se por ser idêntico ao Adam 1 – o ser clonado, que era um ser humano, Adam 2 apresentaria a característica de ser ser humano. E se entendermos que Adam 2 é somente um ser humano, desvinculada de pessoa mesmo assim, teria que ser preservado já que se trataria de uma vida humana, e como existe proteção legal para a vida humana e para o ser humano então Adam 2 estaria sob a égide dessas normas, porém, novamente nos socorremos do ilustre doutrinador Francisco Amaral, que nos traz a conceituação do que é vida humana:
“A vida humana é fenômeno unitário e complexo, uma totalidade unificada de tríplice aspecto: o biológico, o psíquico e o espiritual. Biologicamente, é processo de atividade orgânica e de transformação permanente do indivíduo, desde a concepção até a morte. Psicologicamente, é a percepção do mundo interno e externo ao indivíduo. Espiritualmente, significa inteligência e vontade”[10]
Novamente esbarramos no óbice de que para ser ser humano faz-se necessário a concepção, caso contrário não teremos um ser humano, e por conseguinte não teremos uma pessoa.
Sendo uma não-pessoa, podemos nos vislumbrar numa situação em que o clone possa ser classificado como coisa, um objeto de uso, gozo e fruição de seu dono. Já que conforme Francisco Amaral: “Pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa”[11]
Já que os pais de Adam 2 queriam que ele assumisse o lugar de Adam 1, preservando assim, o mesmo nome do filho clonado, questiona-se se a personalidade civil de Adam 1 possa ser transferida para Adam 2, passando esse a ter o mesmo conjunto de direitos e deveres de Adam 1.
Se permitirmos que por ficção jurídica Adam 2 substitua Adam 1 então chegamos a conclusão que uma pessoa pode ser substituída por uma não-pessoa.
Se pudéssemos questionar Adam 1 da atitude de seus pais, será que ele se sentiria satisfeito por ter sido clonado ?
Com a clonagem de Adam 1 e a colocação do mesmo nome e o mesmo tipo de tratamento dispensado a Adam 1, será que não estamos afrontando o direito à identidade ?
Sabemos que “a individualização da pessoa é uma necessidade, porquanto permite a sua identificação, o que é necessário para distinguir os indivíduos uns dos outros, para saber quem é o titular dos bens, e para determinar a legitimidade dos que realizam os atos públicos, além de uma grande gama de outras finalidades.
O ponto de realce, aqui, restringe-se à identidade como direito de personalidade, para que tenham as pessoas uma presença na sociedade e perante o Estado, e para que não se considerem simples quantidades ou números na ordem do gênero humano. Por isso, decorre do direito da personalidade o tratamento como uma individualidade, dentro de uma performace própria – ou um ser que se destaca, merecedor de respeito e titular de uma posição única. “[12]
Para Carlos Alberto Bittar o direito à identidade é o elo de ligação entre o indivíduo e a sociedade, dessa forma temos que o nome e demais sinais que irão identificar e individualizar a pessoa faz com que cumpra duas importantes funções: “a de permitir a individualização da pessoa e a de evitar confusão com outra. Possibilita seja a pessoa imediatamente lembrada, mesmo em sua ausência e a longas distâncias”.[13]
Dessa forma, o nosso ordenamento jurídico estaria sendo afrontado caso não fosse feito uma distinção entre o ser clonado e o clone, distinção essa que no filme em tela não ocorreu. Ao contrário, os pais e o médico buscaram estimular e criar um ambiente propício para que Adam 2 fosse Adam 1, e isso ocorreu tranquilamente até a idade de oito anos. Verificamos assim uma afronta direta ao direto à identidade.
3. Conclusão
Diante do que foi relatado anteriormente se entendermos que o clone ao nascer com vida adquire personalidade jurídica então estamos equiparando com os seres humanos cuja forma de nascimento teve como origem uma concepção com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide.
Percebemos também que o nosso ordenamento jurídico não comporta o surgimento de um clone e se caso ele vier a nascer será automaticamente registrado no cartório como uma pessoa, passando a adquirir todos os direitos e deveres da ordem civil. Sendo assim, se for criado um clone no Brasil ele irá adquirir direitos idênticos a todas as demais pessoas, haja vista que o nosso ordenamento jurídico permite que isso ocorra.
Porém, o questionamento do clone ser pessoa ou não-pessoa é extremamente importante para o nosso ordenamento jurídico pelos efeitos que irá gerar, inclusive a longo prazo poderemos estar perpetuando uma camada de pessoas clonadas que poderão permanecer com determinados status para toda a eternidade e assim, poderemos até chegar a conclusão que o ser humano, através do processo de clonagem conseguiu chegar até a eternidade, já que um clone poderá ir substituindo outro ad infinitum.
Na órbita jurídica o fato de ser considerado como pessoa ou não-pessoa irá influenciar no âmbito patrimonial, familiar e sucessório na vida do ser clonado. É preciso assim apresentar uma posição jurídica definitiva para o caso do surgimento do clone, pois caso contrário ele irá ingressar no universo jurídico como qualquer ser humano gerado através da concepção.
Observarmos também que o comportamento dos pais de Adam, pode ser alvo de crítica no momento em que ao buscar substituir o filho falecido está afrontando o direito à identidade pessoal que se encontra protegido em nosso ordenamento sendo que as normas jurídicas existentes são de ordem pública, não podendo ser alterada em razão do interesse das partes.
A ciência encontra-se a um passo de realizar a clonagem humana e, nesse caso, precisamos nos antecipar a realização desse ato. Não adianta simplesmente impedir que ela seja realizada, da mesma forma que não basta apenas criar normas jurídicas dispondo quais as drogas são ilícitas e que portanto não podem ser consumidas. É preciso criar um conjunto robusto de normas jurídicas que venham a se posicionar qual deverá ser o âmbito de atuação do ser clonado, sendo ele equiparado ou não à pessoa.
E conforme exposto ao longo do presente artigo entendemos que o ser humano, enquanto pessoa é insubstituível e que se houver uma clonagem, mesmo que o ser clonado já tenha falecido, ele não deverá nunca ter o mesmo conjunto de direitos e deveres que o ser clonado tinha.
[1] HOGEMANN, Edna Raquel Rodrigues Santos. Conflitos Bioéticos: O caso da clonagem humana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003, p. 140.
[2] HOGEMANN, Edna Raquel Rodrigues Santos. Conflitos Bioéticos: O caso da clonagem humana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003, p. 139.
[3] HOGEMANN, Edna Raquel Rodrigues Santos. Conflitos Bioéticos: O caso da clonagem humana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003, p. 140-141.
[4] SCHRAMM, Fermin Roland. O fantasma da clonagem humana:reflexões científicas e morais sobre o caso Dolly, in Ciência Hoje. Rio de Janeiro: mar./abr. 1997, vol. XXII, no. 127, p.41.
[5] CRETELLA Júnior, José. Curso de Direito Romano. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2003, p. 61.
[6] RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 138.
[7] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2006, p. 221.
[8] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 160.
[9] AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006, p. 261-262.
[10] AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006, p. 260.
[11] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil Brasileiro – Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2006, p. 81.
[12] RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 171.
[13] BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2006, p. 128.
Referências Bibliográficas:
HOGEMANN, Edna Raquel Rodrigues Santos. Conflitos Bioéticos: O caso da clonagem humana. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003.
SCHRAMM, Fermin Roland. O fantasma da clonagem humana:reflexões científicas e morais sobre o caso Dolly, in Ciência Hoje. Rio de Janeiro: mar./abr. 1997, vol. XXII, no. 127.
CRETELLA Júnior, José. Curso de Direito Romano. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2003.
RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 1., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2006.
AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006.
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2006.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil Brasileiro – Parte Geral. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2006.
RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Editora Atlas, 2004.
Advogada. Mestre em Direito pela UFPE. Professora na Graduação e na Pós-graduação de disciplinas tais como: Teoria Geral do Processo, Direito Processual, Introdução ao Estudo do Direito, dentre outras. Ex-Diretora do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RENATA MALTA VILAS-BôAS, . O Enviado: O Clone e a questão da personalidade jurídica no Ordenamento Jurídico Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jul 2009, 08:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/17925/o-enviado-o-clone-e-a-questao-da-personalidade-juridica-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 25 nov 2024.
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