O Descobrimento do Brasil ocorreu com a vinda de Pedro Alvares Cabral, que ao ancorar os navios na nova terra, fincou a bandeira de Portugal como forma de imposição do domínio português frente aos demais países.
Com isso, as terras brasileiras pertenciam a Portugal pelo direito de conquista de ocupação, que na época era muito respeitado pelos demais países, pouco importando o fato das terras já estarem ocupadas por índios, ou seja, o Brasil era território dos portugueses.
Para consolidar o domínio e a soberania de Portugal no Brasil, a Coroa Portuguesa não teve tempo hábil para planejar de forma minuciosa a política fundiária no Brasil, pois era preciso ocupar as terras antes da invasão de outros países.
Com isso, o processo de colonização se deu através das Concessões das Capitanias Hereditárias e das cartas de sesmarias, sistema então adotado em Portugal.
Ocorre que, não se tinha precisão da dimensão e limites da descrição de cada área rural, além disso, o processo de demarcação era responsabilidade do donatário, que após realizar comunicaria a Coroa Portugal, para posterior confirmação.
Diante dos acontecimentos históricos e ao longo dos anos, os imóveis rurais no Brasil, têm sido descritos em suas matrículas de forma totalmente imprecisas, chegando a tal ponto que de posse da caracterização de um imóvel, o mesmo pode se encontrar efetivamente em qualquer ponto do país.
Isto porque não existia e em alguns casos não existe, na grande maioria das descrições, qualquer ponto de amarração com acidentes geográficos, rodovias, entre outros utilizados para evitar dúvidas em relação às dimensões e medidas das áreas.
Historicamente, desde o Brasil Colônia, muitas áreas foram deslocadas de suas posições de origem, gerando sobreposição de propriedades e vários conflitos fundiários, tais conflitos lamentavelmente ainda existem em nosso país e são motivos de incansáveis disputais judiciais.
Este cenário de insegurança jurídica trouxe e ainda traz grande temor aos credores hipotecários nacionais e principalmente os internacionais, os quais pressionaram os órgãos políticos para que buscassem solução para dar maior credibilidade às garantias reais oferecidas pelos proprietários brasileiros.
A pressão originou-se das grandes empresas e bancos internacionais que realizavam o financiamento das safras dos agricultores brasileiros, que por sua vez ofereciam as áreas rurais em garantia.
Urge ressaltar, que muitos problemas de sobreposição de terras foram surgindo e as empresas e bancos internacionais passaram a dificultar a liberação do dinheiro aos produtores rurais, em virtude da burocracia e da dificuldade de receber as dívidas principalmente por conflitos judiciais quanto aos limites e confrontações das terras dadas em garantia.
A tentativa encontrada para solucionar a problemática acima apresentada veio com o advento da Lei Federal nº 10.267 de 28 de agosto de 2001, que regulamentou o processo de georreferenciamento dos imóveis rurais perante o Sistema Geodésico Brasileiro, que têm como objetivos, entre outros, obter-se uma descrição precisa dos imóveis rurais e evitar sobreposição de áreas.
Com isso, os imóveis rurais no Brasil serão georreferenciados de forma gradativa, sempre observando os prazos estabelecidos pela Lei supracitada. O objetivo é que ao longo do tempo todo imóvel rural no país tenha seus limites e extensões regularizadas, evitando assim problemas como conflitos de terra, sobreposição entre outros agravantes.
O georreferenciamento da área do imóvel deverá ser homologada pelo INCRA. A Lei Federal nº 10.267/01 atribuiu expressamente a este órgão a responsabilidade pela homologação e a inserção dos dados do imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR).
Assim sendo, em decorrência ao regramento da Lei do Georreferenciamento, impô-se aos proprietários de imóveis rurais no Brasil a obrigatoriedade da realização de georreferenciamento, para que haja cumprimento à determinação normativa. A Lei impossibilitou a prática de determinados atos sem a realização do georreferenciamento.
Ocorre que, hodiernamente, há dificuldades na obtenção de tal homologação, pela protelação injustificada do órgão responsável. Inúmeros Mandados de Segurança contra o INCRA, determinando a realização da homologação do georreferenciamento, estão sendo deferidos. Os proprietários têm-se deparado com muita burocracia e demora injustificada para conseguir a homologação perante ao INCRA.
Em média, a homologação do georreferenciamento no INCRA ocorre entre três a cinco anos. Deve-se considerar que, em algumas situações, este lapso temporal pode gerar prejuízos ao proprietário do imóvel, essa constatação é oriunda da experiência profissional deste acadêmico na Serventia Registral de Lucas do Rio Verde-MT.
Além disso, deve-se atentar para um sério risco à segurança jurídica das relações pertinentes ao imóvel, o que pode levar a muitos proprietários rurais a situações de irregularidades de propriedade.
Um exemplo típico desta situação é a compra e venda sem que haja o georreferenciamento e não ocorre a transferência de titularidade. Assim, a venda existe mediante os documentos particulares. Caso o antigo proprietário sofrer ações judiciais, pode o imóvel objeto da venda ser atingido por atos de constrições que não foram originados pelo novo proprietário.
Este breve exemplo visa demonstrar a insegurança jurídica que pode ser originada diante da exaustiva demora pela homologação do georreferenciamento.
A Lei Federal nº 10.267/01 impede a prática de vários atos jurídicos enquanto não houver o georreferenciamento do imóvel rural, atos como transferência de titularidade, seja por compra e venda, doação, arrematação, e outras situações como o desmembramento e parcelamento da área do imóvel.
Os princípios no Direito existem para servirem de alicerce ao aplicador do direito, é através dos princípios que se determina qual regra deverá ser aplicada pelo intérprete.
Diante da demora excessiva do órgão responsável, identifica-se três princípios constitucionais ofendidos: Princípio da Razoabilidade, Princípio da Eficiência e Princípio da Moralidade.
A jurisprudência tem consolidado o entendimento de que há ofensa aos princípios constitucionais em razão da excessiva morosidade do INCRA ao analisar os pedidos de homologação de georreferenciamento. In verbis:
“ADMINISTRATIVO E MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO FORMULADO PERANTE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (INCRA). GEORREFERENCIAMENTO DE ÀREA RURAL. LEI 10.267/2001. DEMORA NA SUA ANÁLISE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA O SEU EXAME. 1. A demora excessiva e injustificável na apreciação de requerimento formulado pelo cidadão à Administração Pública atenta contra o princípio da razoabilidade, bem como o dever de eficiência do administrador, que lhe impõe a obrigação de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional.
2. Confirma-se a sentença que fixou prazo de quinze dias para a análise do pedido. (REOMS 2008.36.00.014553-4/MT, 24/08/2009 e-DJF1 p.359, Rel. DANIEL PAES RIBEIRO)
(grifo nosso)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO COM VISTAS À EXPEDIÇÃO DE CERTIFICADO DE GEORREFERENCIAMENTO PROTOCOLIZADO JUNTO AO INCRA. APRECIAÇÃO ASSEGURADA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA EFICIÊNCIA E DA MORALIDADE. I - Formulado requerimento administrativo objetivando a expedição de Certificado de Georreferenciamento, tal pleito deve ser analisado pela Administração, assegurando-se à impetrante a observância da garantia constitucional do devido processo legal, devida a todos os litigantes, na esfera judicial ou administrativa (Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV), afigurando-se passível de correção, pela via do mandado de segurança, por ofensa ao princípio da eficiência e da moralidade inerentes aos atos administrativos, a abusiva demora do Poder Público em apreciar o pleito.
(grifo nosso)
Os princípios constitucionais são normas dentro do sistema positivo, neles estão inseridos a essência de uma ordem, seus parâmetros fundamentais que direcionam o fato para melhor aplicabilidade do direito.
Em virtude da excessiva morosidade do INCRA na apreciação da homologação de georreferenciamento, está evidente a ofensa aos princípios constitucionais.
Para que a Lei Federal nº 10.267/01 produza os efeitos esperados é imprescindível que os princípios constitucionais acima elencados sejam respeitados pelo órgão, para o bem da segurança jurídica do País.
ARAUJO, Luiz Alberto David.; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 6ª Edição, São Paulo, Ed. Saraiva, 2002.
ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Direito fundiário brasileiro. 1ª edição, São Paulo, Ed. Edipro, 2008.
BRASIL. Constituição federal, 7ª edição, São Paulo, Ed. Saraiva, 2009.
BRASIL. Código de processo civil, 7ª edição, São Paulo, Ed. Saraiva, 2009.
BRASIL. Decreto federal nº 4.449, de 30 de outubro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4449.htm>. Acesso em: 22 abril 2009.
BRASIL. Decreto federal nº 5.570, de 31 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5570.htm>. Acesso em: 25 abril 2009.
BRASIL. Lei federal nº 10.267, de 28 de agosto de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/LEIS_2001/L10267.htm>. Acesso em: 20 abril 2009.
BORGES, Antonino Moura. Curso completo de direito agrário. 2ª edição, São Paulo, Ed. Edijur, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14ª edição, São Paulo, Ed. Atlas, 2001.
FALCÃO, Ismael Marinho. Direito agrário brasileiro. 1ª edição. São Paulo: Ed. Edipro, 1995.
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 4ª edição. Goiás: Ed. AB Editora, 2001.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32ª edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006.
MELLO, Celso Antônio de Bandeira. Curso de direito administrativo. 20ª edição, São Paulo, Ed. Malheiros, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12ª Edição, São Paulo: Ed. Atlas, 2002.
OLIVEIRA, Gustavo Burgos de. Georreferenciamento dos imóveis rurais: aspectos relevantes. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1363, 26 mar. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9648>. Acesso em: 23 maio 2009.
REVISTA INFOGEO. Curitiba: Ed. Mundo Geo, nº 36, 2009
REVISTA INFO GNSS GEOMÁTICA. Curitiba: Ed. Mundo Geo, nº 25, 2008
SANTOS, Emanuel Costa. Georreferenciamento: histórico e questões já nem tão controversas. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 692, 28 maio 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6780>. Acesso em: 23 maio 2009.
SANTOS, Marcos Alberto Pereira. A exigibilidade indevida da certificação pelo incra. Artigonal. 12 março de 2009. Disponível em: < http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/georreferenciamento-a-exigibilidade-indevida-da-certificacao-pelo-incra-814822.html>. Acesso em: 17 maio 2009.
SANTOS, William Douglas Resinente Dos.; FILHO, Sylvio Clemente Da Motta. Direito constitucional. 11ª Edição, Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2002.
SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Georreferenciamento e registro torrens. Irib, São Paulo, 12/12/2005. Disponível em: <http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel2208.asp>. Acesso em: 22 abril 2009.
Bacharelando em Direito pela Unilasalle (Faculdade La Salle).<br>Email: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUSS, Rodrigo. Georreferenciamento: A Demora de sua Homologação pelo Incra e os Princípios Constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2009, 08:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/18335/georreferenciamento-a-demora-de-sua-homologacao-pelo-incra-e-os-principios-constitucionais. Acesso em: 28 nov 2024.
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Precisa estar logado para fazer comentários.