Resumo: Este trabalho apresenta os elementos que constituem as condições da ação, bem como as teorias mais importantes que as baseiam, procurando mostrar como o instituto ainda tem grande utilidade nos nossos dias, evitando que sejam retiradas do sistema, funcionando como requisito de admissibilidade para a própria ação
Palavras-chave: Condições da ação. Requisitos de admissibilidade. Utilidade. Direito de Ação.
1 – Introdução
Atualmente é grande a discussão no mundo do jurídico, acerca da importância das chamadas condições da ação, que, de forma bem simples, são os institutos que devem estar presentes na hora da propositura de uma demanda, para que o Poder Judiciário possa fazer a apreciação do mérito da causa, ou seja, dar uma resposta àquilo que está sendo postulado pelo autor.
Assim, o propósito deste artigo vai ser de responder ao seguinte questionamento: As condições da ação, no nosso atual sistema, ainda possuem utilidade, ou já podem ser consideradas como letra morta em nosso ordenamento?
Antes de adentramos propriamente para o enfrentamento da questão, são necessárias algumas considerações, tanto sobre o direito de ação bem como sobre algumas das mais importantes teorias que foram as responsáveis pelo surgimento das condições da ação.
2- Considerações sobre o direito de ação
Como regra, a jurisdição é inerte. Os juízes e tribunais encarregados de exercê-la, não a fazem a “esmo”. Assim, o Estado-juiz aguarda a provocação do titular do suposto direito alegado para poder atuar. É a ação, o poder ou direito de invocar a atuação do Estado-juiz para obter um provimento jurisdicional.
A ação é um grande instrumento para a atuação da jurisdição, exercendo uma função de garantia de imparcialidade, uma vez que se o juiz prestasse a tutela jurisdicional sem que fosse “chamado” para fazê-lo, sua atuação não seria neutra, podendo-se assim dizer, não seriam desprovidos de interesse na resolução do conflito, características que a jurisdição deve levar em conta.
3 – Considerações iniciais sobre as Condições da Ação
É importante destacar que as condições da ação não são requisitos para a existência da ação nem mesmo no âmbito processual. São requisitos estabelecidos para o exercício regular da ação, pois, se não preenchidos, impedem a condução do processo para a avaliação do mérito.
Como diz Kazuo Watanabe[1],
“São razões de economia processual que determinam à criação de técnicas processuais que permitam o julgamento antecipado, sem a prática de atos processuais inteiramente inúteis ao julgamento da causa. As condições da ação nada mais constituem que técnica processual instituída para a consecução deste objetivo”.
Mesmo diante da ausência de uma das condições da ação, haverá atividade jurisdicional, pois além do direito ao julgamento da lide, todos possuem o direito a uma decisão sobre a possibilidade de ser decidida à própria lide.
Considerado um dos temas mais inquietantes de toda teoria geral do processo, a ação vem desafiando os processualistas ao longo do tempo. Não há unanimidade, até os nossos dias, quanto à sua natureza jurídica, ou seja, sua posição no ordenamento.
3.1. - Condições da ação
No nosso CPC, as condições da ação e os pressupostos processuais são requisitos de admissibilidade para o julgamento do mérito das demandas. De acordo com os ensinamentos de Arruda Alvim[2] os pressupostos processuais, as condições da ação e o mérito são as categorias fundamentais da ciência do processo, que se estruturam com vistas à lide, ao processo e à ação. Apreciar o mérito significa decidir o pedido do autor, julgando-o procedente ou improcedente.
De acordo com Liebman[3], “o elemento que delimita em concreto o mérito da causa não é, portanto, o conflito existente entre as partes fora do processo, e sim o pedido feito ao juiz em relação àquele conflito”.
Pode-se dizer que o juiz, antes de apreciar e julgar o mérito deve verificar se a relação jurídica processual foi instaurada e teve sua evolução regularmente constituída (pressupostos processuais), se o direito de ação foi exercido de forma regular perante o caso concreto (condições da ação), ainda que ele venha decidir a respeito dessas questões somente na sentença.
O princípio da admissibilidade é a somatória das condições da ação e dos pressupostos processuais. Assim, as condições da ação impõem-se como um tipo de mecanismo de filtragem para separar, dentre os pedidos que são levados ao conhecimento do Poder Judiciário, aqueles que são passíveis de um exame substancial, daqueles que podem imediatamente ser descartados.
Penso que esses requisitos de admissibilidade (condições da ação, pressupostos processuais) são extrínsecos ao mérito da causa. Esse pensamento não é considerado uma unanimidade para a nossa doutrina, mas encontra fundamento legal no nosso CPC, mais precisamente no art. 267, IV, aonde se faz referência aos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, sendo que no inciso VI refere-se às condições da ação; no art. 269, I, é tratado o julgamento do mérito ou do pedido do autor.
Segundo Barbosa Moreira[4], “na perspectiva da lei brasileira, são dois os planos preliminares que a cognição judicial tem de atravessar para atingir seu alvo final, o mérito da causa”.
No dizer de Liebman[5], sobre a ação: “sobre ela está construído todo o sistema do processo”. É preciso que fiquemos atentos para a necessidade de uma adequada compreensão do conceito de ação e de mérito, sobretudo para a aplicação correta dos artigos 267 e 301 do CPC.
A carência de ação constitui a principal questão da problemática que envolve o tema. A ausência de qualquer das condições da ação leva o juiz a proferir uma sentença meramente terminativa (sem julgar o mérito da demanda). Entretanto, em muitos casos, embora a tal sentença terminativa seja efetivamente proferida, o juiz acaba apreciando o mérito da causa, quando não deveria fazê-lo.
Outro argumento que se discute muito na doutrina, diz respeito ao fato da possibilidade das condições da ação determinar ou não à existência do direito de ação. Acredito que as condições da ação têm sua serventia para regular o exercício do direito de ação, mas não para ser um fator determinante de sua existência.
3.2. - Teorias acerca da natureza jurídica da ação
Ao longo dos tempos, várias teorias surgiram com o intuito de determinar qual seria a natureza jurídica do direito de ação. As concepções mais relevantes e que merecem destaque são: a teoria civilista, a teoria eclética e a teoria intermediária, que é muito utilizada na prática forense, porém ainda sem um estudo mais aprofundado de nossa doutrina.
3.2.1. - A teoria civilista
Tendo na pessoa de Savigny seu maior precursor, a teoria clássica ou civilista considerava a ação como anexo do direito material. Partindo da concepção dos romanos, os civilistas entendiam ser a ação como o direito de pleitear em juízo o que nos é de direito, assim, a ação seria senão, o próprio direito material em movimento.
Segundo esta teoria, a ação seria o direito que o titular de determinado direito tinha de ir a juízo pedir aquilo que achava que lhe era devido em função das normas de direito material.
Dessa forma, a ação era muito mais que ação, era um conceito absolutamente sincrético, que reunia em si, os conceitos de direito subjetivo e do direito de buscar sua satisfação pela via judicial.
Em virtude da autonomia do direito processual em relação ao direito material, a teoria civilista não pode ser aceita. Se fosse adotada, só haveria a ação se a pretensão do autor fosse julgada procedente.
3.2.2. - Teoria eclética de Liebman
Ao realizar a distinção entre a ação em sentido constitucional (incondicionada) e a ação em sentido processual (condicionada), Liebman se afasta da concepção abstrata. Ensina o mestre[6]:
“No seu significado pleno e verdadeiro, a ação não compete de fato a qualquer um e não possui conteúdo genérico. Ao contrário, ela se refere a uma fattispecie determinada e exatamente individuada, e é o direito de obter que o juiz sentencie a seu respeito, formulando (ou atuando) a regra jurídica especial que a governa. Ela é, por isso, condicionada a alguns requisitos que devem ser verificados em cada caso, preliminarmente.”
Assim, é ação na visão de Liebman, o direito público, subjetivo, de provocar a atuação da jurisdição, para que se possa obter um pronunciamento sobre o mérito da questão, isto é, o julgamento do pedido, a decisão da lide, uma vez que sejam preenchidas as condições da ação. A ausência de qualquer dessas condições, impede o juiz de apreciar o mérito da causa e, por conseguinte, leva inevitavelmente a inexistência da própria ação.
Neste momento, deve-se esclarecer a posição de Liebman sobre lide, mérito e jurisdição.
A lide é definida por Liebman[7] como o conflito efetivo de pedidos contraditórios. Para Liebman[8], a lide é um fenômeno endoprocessual.
No que diz respeito ao mérito, ele se identifica com o conceito de lide, incluindo-se nele todas as questões controversas entre as partes colocadas à apreciação do juiz, cuja solução pode levar à procedência ou improcedência do pedido.
Por jurisdição, Liebman[9]entende como atividade mediante a qual o poder judiciário possibilita, na prática, a realização da ordem jurídica, através da aplicação da lei aos casos concretos e essa realização só é conseguida pela apreciação do mérito.
Dessa forma, encontra-se a Teoria Eclética, encabeçada por Liebman, através da qual a presença das condições da ação são verificadas conforme a situação trazida à julgamento. Por essa teoria, se o juiz, após a instrução probatória, verificar que a parte não é legítima, deverá declarar a carência de ação e não julgar o pedido improcedente.
3.2.3. - Análise das condições da ação
Embora o direito de ação seja autônomo e abstrato, ele está ligado a uma pretensão sobre a qual deverá incidir a prestação jurisdicional que vem a ser invocada. Sendo assim, para que o juiz possa passar para a análise do mérito da questão, é necessário o preenchimento de determinadas condições que se relacionam intimamente com a pretensão que será julgada.
Nas palavras de Liebman[10], as condições da ação são “os requisitos de existência da ação, devendo por isso ser objeto de investigação no processo, preliminarmente ao exame do mérito (ainda que implicitamente, como se costuma ocorrer).”.
Só se estiverem presentes essas condições é que se pode considerar existente a ação, surgindo para o juiz à necessidade de julgar sobre o pedido para acolhê-lo ou rejeitá-lo. Elas podem, por isso, ser definidas também como condições de admissibilidade do julgamento do pedido, ou seja, como condições essenciais para o exercício da função jurisdicional com referência à situação concreta deduzida em juízo.
A concepção liebmaniana da ação desfruta de largo prestígio no Brasil, tanto que o CPC a adota claramente ao determinar a extinção do processo sem resolução do mérito na ausência de quaisquer das condições da ação (art. 267, VI).
Abrindo um pequeno parênteses neste estudo, é preciso ressaltar que o professor Alfredo Buzaid, autor do anteprojeto do CPC de 1973, incluiu as três condições oriundas da teoria de Liebman: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade ad causam e interesse de agir. Entretanto, em 1970, entrou em vigor na Itália a lei que instituiu o divórcio (lei nº 898 de 01.12.70), o que fez com que Liebman, na 3ª edição de seu manual se sentisse desencorajado a incluir a possibilidade jurídica como condição da ação, pois o divórcio era o principal exemplo de impossibilidade jurídica da demanda. Por ironia do destino, em 1973, ano em que entrou em vigor a lei Nº 5.869 que instituiu o novo CPC brasileiro, consagrando legislativamente a teoria liebmaniana com as suas três condições, surgia desse jeito, a nova posição do pai da idéia, renunciando a uma delas.
A partir da 3ª e 4ª edições de seu manual, Liebman aponta apenas duas condições da ação: a legitimação e o interesse de agir. As hipóteses de impossibilidade jurídica do pedido já começaram a ser vistas como ausência de interesse de agir.
A expressão “condições da ação” é muito criticada pela doutrina. Seria melhor considerar a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ad causam, como requisitos para a prolatação de uma sentença de mérito.
Para Alexandre Freitas Câmara[11], realmente não se mostra adequada a utilização da designação “condições”, uma vez que não se está diante de um evento futuro e incerto a que se subordina a eficácia de um ato jurídico, sendo por esta razão preferível falar em requisitos.
Na seqüência, conclui o autor[12]:
“Assim, e considerando que a presença de tais requisitos se faz necessária para que o juízo possa proferir o provimento final do processo (a sentença de mérito no processo de cognitivo, a satisfação do crédito no processo executivo, a sentença cautelar no processo dessa natureza), é que preferimos à denominação requisitos ao provimento final”.
3.2.4. - Legitimidade das partes
A legitimidade das partes, também conhecida como legitimidade ad causam, faz menção à titularidade a ser observada nos pólos ativo e passivo da demanda.
Conforme reza o art. 3º do CPC, para propor ou contestar uma ação é necessário ter interesse e legitimidade. Dessa forma, somente os titulares da relação jurídica futuramente sub judice, de direito material interposta em juízo é que podem demandar. Parte legítima é a pessoa que figura no processo, idêntica à pessoa que é o pretenso titular da relação jurídica de direito material e vem a ocupar nela a posição correspondente que vem adquirir no processo.
Já de acordo o artigo 6º do CPC, o autor deve ser o titular da pretensão jurídica afirmada em sua petição inicial e a outra parte legítima no processo, o réu, tem que manter certa relação de sujeição àquela pretensão do autor.
É preciso, ainda, que exista um elo de ligação entre o autor da ação, o objeto da mesma e o réu. Ainda que não exista a relação jurídica pleiteada pelo autor, é necessário que exista, pelo menos, alguma relação jurídica que permita ao magistrado a identificação desta relação entre autor, objeto e réu.
De certa forma, no CPC, o autor faz parte do pólo ativo da demanda, é aquele que se diz o titular de determinados direitos e vem requisitar proteção ao Poder Judiciário, enquanto que o réu faz parte do pólo passivo da lide, aquele que tinha o dever de cumprir determinadas obrigações em virtude do pedido ou objeto da ação. A legitimidade é uma atribuição específica para servir ao um agir concreto, que é atribuída exclusivamente pelo direito objetivo aos titulares da lide, podendo, em certas ocasiões, ser conferido a outras pessoas que não integram diretamente a relação jurídica afirmada em juízo.
Em regra, só está autorizado a demandar o titular do interesse posto em juízo. Neste caso, tem-se a legitimação ordinária, o que ocorre quando as partes do processo são as mesmas partes da relação substancial. Entretanto, de forma excepcional, a lei permite que alguém atue em nome próprio para preservar direitos de um terceiro, ou seja, “empresta” legitimidade à pessoa que não é titular do direito material postulado em juízo. É a hipótese de legitimidade extraordinária.
Os doutrinadores costumam apontar duas espécies de legitimidade extraordinária: a exclusiva e a concorrente. A legitimidade extraordinária vem a ser concorrente quando a lei autoriza tanto o legitimado extraordinário quanto o ordinário a demandar, isoladamente, ou em conjunto.
A legitimidade extraordinária vem a ser exclusiva quando a lei permitir apenas ao legitimado extraordinário o “poder” de demandar, retirando a qualidade para agir do legitimado ordinário, titular do interesse. É o caso do marido que atua em juízo na defesa dos bens da mulher (art. 269, III do Código civil).
Alexandre Freitas Câmara[13] mostra, ainda, uma terceira espécie de legitimação extraordinária, a legitimidade subsidiária, que ocorre “quando o legitimado extraordinário só pode demandar na omissão do ordinário”.
A legitimação extraordinária tem tido um papel de extrema relevância atualmente, principalmente no que diz respeito ao auxílio a consecução dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
3.2.5. - Interesse de agir
Alguns autores consideram inapropriado o termo “interesse de agir” por ser destituído de precisão. Como destaca Nelson Nery Júnior[14], “agir pode ter significado processual e extraprocessual, ao passo que interesse processual significa, univocamente, entidade que tem eficácia endoprocessual”.
A palavra interesse é empregada com dois sentidos: como sendo sinônimo de pretensão, classificando-se, neste caso, como se fosse um interesse substancial ou primário, e para definir a relação de necessidade entre a dedução de uma pretensão em juízo e a atuação do poder judiciário, classificando-se, nesta hipótese, como sendo interesse processual.
De acordo com Liebman[15], o interesse de agir é um interesse processual secundário em relação ao interesse substancial primário, que tem por objeto o provimento que se pede ao magistrado, como meio para obter a satisfação de um suposto interesse primário lesado pelo comportamento de outrem, ou, de forma mais genérica, pela situação de fato existente.
O interesse processual é baseado na utilidade que se pode tirar do provimento jurisdicional requisitado. Essa utilidade vai depender da presença de dois elementos: adequação do provimento solicitado e necessidade de tutela jurisdicional. O interesse/necessidade é gerado em decorrência da proibição da autotutela. Sendo assim, para que seja verificada a necessidade de se recorrer ao Estado-juiz para satisfazer uma pretensão, basta a impossibilidade de o autor poder satisfazer seu interesse através do emprego de meios próprios.
Não é suficiente que a atuação jurisdicional seja necessária para que o interesse processual se configure. É importante ressaltar, ainda que haja o interesse/adequação, isto é, a utilização do método processual adequado para a tutela jurisdicional pretendida. Nesse sentido é a lição de Nelson Nery Júnior[16]:
Existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade, do ponto de vista prático. Movendo a ação errada ou utilizando-se do procedimento incorreto, o provimento jurisdicional não lhe será útil, razão pela qual a inadequação procedimental acarreta inexistência do interesse processual.
O entendimento prevalecente sobre o direito de agir é que ele é fruto da possibilidade de um dano injusto, onde não ocorre a imediata intervenção estatal. O CPC brasileiro reza, no seu art. 3°, que “para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”.
O interesse processual é o interesse de agir do titular de um determinado direito. Havendo interposição errada da ação, haverá nulidade da mesma e o provimento final não será alcançado. O interesse processual é composto pela e utilidade e necessidade e sem eles não haverá a tão pretendida tutela jurisdicional.
Certos interesses de agir são obrigatórios pela própria lei, como ocorre nos casos de separação e divórcio; ou em outras situações como quando o réu se recusa a fazer o pagamento de dívidas, que resultam de um contrato, no dia do seu vencimento. Entretanto, o interesse processual não vai determinar o fato de o pedido ser ou não procedente, uma vez que o mesmo será apreciado em relação ao mérito.
3.2.6. - Possibilidade jurídica do pedido
Arruda Alvim[17], discorre sobre a possibilidade jurídica do pedido como sendo: “um instituto processual e significa que ninguém pode intentar uma ação sem que peça uma providência que esteja em tese (abstratamente), prevista no ordenamento jurídico, seja expressa, seja implicitamente”.
Há possibilidade jurídica do pedido quando o ordenamento jurídico admite, ao menos preliminarmente, a pretensão deduzida pelo autor, ou seja, a possibilidade jurídica estará preenchida quando o direito material não vedar o exame da matéria pelo poder judiciário.
O termo “possibilidade jurídica do pedido” não é adequado, uma vez que “tolhe” o preenchimento dessa condição da ação a apenas um dos elementos identificadores da demanda, qual seja, o pedido. A preocupação com a técnica, sobretudo no que diz respeito à terminologia correta, é necessária por conta dos reflexos práticos que ocasiona.
Na verdade, existem diferentes possibilidades de se pedir algo. Caso se esteja diante de direito público ou de direito privado, o comportamento em relação ao pedido, será diferente. Para o direito privado, basta a inexistência de uma vedação expressa no ordenamento jurídico no que diz respeito à petição trazida ao magistrado pelo autor, enquanto que para o direito público, só é permitido aquilo que a lei expressamente autoriza não sendo autorizado o autor, a fazer pedidos sobre o que a lei não fizer referência.
Por exemplo, “A” interpõe em face de “B” ação de cobrança, cujo pedido é a condenação de “B” ao pagamento de certo valor oriundo de dívida de jogo. Aqueles que consideram a “condição da ação” em questão, apenas como possibilidade jurídica do pedido, terão que considerar preenchidos todos os requisitos para que o mérito seja apreciado, e que a decisão, neste caso, seria de improcedência do pedido. Por outro lado, para os processualistas que ampliam o conceito dessa condição, afirmando que a mesma abrange também a causa de pedir, a decisão será de carência de ação.
3.2.7. - Adaptação da teoria de Liebman ao CPC: adoção da teoria da asserção
Conforme já mencionado, o nosso Código de Processo adotou a teoria eclética de Liebman ao exigir condições para a existência do direito de ação. Todavia, a forma pela qual o legislador tratou a matéria, exigindo que a presença das condições da ação fossem demonstradas, podendo as partes se utilizar, e também de produzir prova para convencer o juiz, acaba tornando a possibilidade jurídica da demanda, o interesse processual e a legitimidade para a causa, questões de mérito.
O eixo central da questão gira em torno de se determinar a maneira pela qual se vai constatar a presença das condições da ação: se serão feitas através das provas produzidas pelas partes ou com base na afirmativa feita pelo autor na petição inicial.
Se o magistrado, ao analisar as condições da ação, achar que necessita da produção de prova, visando à verificação da existência efetiva dos fatos narrados, acaba examinando o mérito da demanda. Por exemplo, “A”, afirmando ser proprietário do imóvel, interpõe ação de despejo contra “B” em virtude da falta de pagamento dos aluguéis.
Para verificar se “A” tem legitimidade para ajuizar a ação, o magistrado precisa examinar a relação jurídica de direito material (o mérito) e constatar se o autor realmente é o locador. Se ele analisar de forma mais profunda o contrato de locação, o mesmo estará ingressando no mérito da causa.
Por conta do que foi exposto, para que se possa ter uma concepção abstrata do direito de ação, é necessária a adoção da teoria da asserção. Segundo os seus adeptos, as condições da ação devem ser verificadas in statu assertionis, ou seja, de acordo com as afirmações do autor na petição inicial.
Como preleciona José Carlos Barbosa Moreira[18]: “a análise das condições da ação deve ser feita com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se ao julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a res in iudicium deducta”;
Vale lembrar que, embora a teoria eclética seja a predominante no nosso sistema processual, não foi seguida de acordo os ensinamentos de Liebman. No mesmo sentido de Kazuo Watanabe, Barbosa Moreira, Alexandre Freitas Câmara[19] manifesta sua adesão à teoria da asserção:
“Exigir a demonstração das condições da ação significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu.”
Quando provado, no curso do processo, que o autor não é o titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido.
Provando-se que o autor não é o efetivo credor do réu, deverá o magistrado julgar o pedido improcedente ou considerá-lo como carecedor de ação? Se for feita a afirmação de que a hipótese em tela seria de improcedência do pedido, estariam os defensores dessa teoria admitindo que o julgamento da demanda de quem não demonstrou sua legitimidade; caso contrário estar-se-ia chegando à conclusão de que só preenche as condições da ação quem tiver “direito” a um provimento jurisdicional favorável.
Sendo assim, as condições da ação, deverão ser verificadas pelo magistrado in status assertionis, por conta das alegações feitas pelo autor na petição inicial, as quais deverão consideradas “preliminarmente” como verdadeiras, para que se possa investigar a presença ou ausência dos requisitos do provimento final.
Assim, o exame das condições da ação deve ser feito através de um juízo “superficial”, pressupondo verdadeiro o que for afirmado pelo autor em sua petição.
Por ocasião da verificação as provas, é que se é apurado de forma concreta o que alegado pelo autor na sua inicial. Assim, basta que se demonstrem as condições da ação pelo interpositor da ação, sem que seja necessário, “logo de cara”, sua evidente demonstração.
Segundo a teoria da asserção, as condições da ação são constatadas de acordo com o alegado pelo autor na inicial, não podendo o magistrado adentrar com profundidade em sua análise, sob pena de exercer juízo meritório.
3.2.8. A sentença que decreta a falta de uma das condições da ação deve ser enquadrada no art. 267 do CPC ou há equivoco do legislador? É possível a repropositura da demanda cujo processo foi extinto por falta de uma dessas condições?
No que diz respeito às condições da ação, conforme já visto, são aqueles requisitos que tem de estar presentes para que possa se dizer que existe propriamente uma ação. Também como já foi visto, no Brasil, essas condições são consideradas em abstrato, seguindo orientação da teoria da asserção, analisando momentaneamente, e venha a se presumir, que aquilo constante na petição inicial, é verdadeiro.
A carência da ação é matéria de ordem pública, devendo ser conhecida de oficio pelo juiz, portanto, as condições da ação devem estar presentes no momento da proposição da ação e ao longo de todo o processo.
No que diz respeito à sentença terminativa, em virtude da falta de uma das condições da ação, entendo não haver equívoco do legislador, pois como já foi mencionado, são aqueles requisitos que tem de estar presentes para que possa se dizer que existe propriamente uma ação. Assim, as condições da ação funcionam como uma espécie de juízo de admissibilidade, para a petição inicial, onde devem estar presentes esses requisitos para que o juiz possa passar ao exame de mérito.
Então, não vemos porque há engano do legislador, quando o juiz, ao receber a petição inicial, verificar logo de imediato que há a falta de uma das condições da ação. Veja-se aqui que o juiz não adentrou no mérito, para que pudesse constatar que falta uma das condições da ação.
Nos casos em que o juiz consegue perceber de imediato que o autor não preenche umas das condições da ação, pode sim o magistrado, extinguir o processo sem resolução do mérito. Portanto, deve o juiz, antes de apreciar a pretensão do autor, analisar o preenchimento dos pressupostos processuais e das condições da ação. Sendo que a ausência de uns e outros implicarão a extinção do processo sem resolução de mérito.
Porém deve-se ter cuidado quando analisarmos algumas sentenças que são denominadas de forma errada. Há muitos juizes que extinguem o processo sem resolução de mérito, por carência da ação, quando deveriam extingui-lo com resolução, por improcedência do pedido. Esses casos são os que o juiz constata que o autor é carecedor da ação somente após a fase instrutória. Ora, se dissemos que, para haver a extinção do processo sem resolução do mérito, o juiz não deve adentrar no mérito da causa, quando ele o faz e extingue o processo sem resolução, só pode-se discordar, uma vez que o que fica provado depois, no bojo do processo, na fase de instrução, é matéria de mérito.
Sendo assim, se o juiz verificar que o autor não preenche uma das condições da ação, como a legitimidade para a causa, porém essa ilegitimidade ativa, só é constatada após a fase de instrução, houve apreciação do mérito da causa, não podendo ele jamais extinguir o processo sem resolução do mérito, mas sim, julgar o pedido improcedente em face daquele réu. Sendo assim, cremos não haver o erro do legislador, e sim do julgador, que adentrando no mérito da causa, verificou estar faltando uma das condições da ação e extinguiu o processo sem resolução do mérito, quando deveria ter julgado o pedido improcedente, uma vez que a carência da condição da ação, só foi percebida após a fase instrutória.
No que diz respeito ao fato de se poder ou não repropor a ação extinta pela falta de uma das condições da ação, não vejo nenhum óbice, uma vez que o juiz não tinha adentrado no mérito da causa, se limitando somente a constatar que ao autor, falta um dos requisitos necessários para que ele possa apreciar o mérito da demanda.
Vale ressaltar também que a extinção do processo sem resolução do mérito, não atinge o direito substancial referente à ação e não faz coisa julgada material, portanto não impede a repropositura da demanda no futuro, conforme é o entendimento extraído do art. 268 do CPC, exceto para o inciso V do art. 267. Porém, é obvio que a demanda não poderá ser reproposta nos mesmos termos como anteriormente, deve-se implementar a condição que foi óbice da extinção, caso contrário o processo será extinto novamente.
É preciso também que se ressalte que há grandes entendimentos doutrinários, de que a demanda poderá ser reproposta (nos mesmos ou em termos diferentes da anterior), mas não se estará exercendo o direito de ação de forma plena, uma vez que segundo a teoria da asserção, o direito de ação só é exercido em sua plenitude, quando o demandante recebe uma resposta do Poder Judiciário.
Assim, ao somente se repropor a demanda, contra, por exemplo, um réu ilegítimo, e que já tenha uma sentença terminativa anterior, o que ser verá nesta nova demanda, é uma repetição do que já ocorreu com a anterior, extinção do processo sem resolução de mérito. Por conta disso, para que se tenha efetividade do direito de ação, deverá a lide ser reproposta suprindo o vício que acarretou a extinção sem julgamento.
4- Conclusão
Por tudo que foi exposto, podemos dizer então que as condições da ação são requisitos necessários para a própria existência da mesma. Sua ausência deve ser conhecida pelo magistrado em qualquer tempo , de oficio, implicando assim, a extinção do processo sem resolução de mérito.
Como vimos, grande discussão paira a respeito de como o magistrado deve procedecer a verificação do preenchimento ou não dessas condições; entre nós, goza de grande prestígio a teoria da asserção, onde as condições da ação devem ser verificadas em abstrato, de acordo com o conteúdo da petição inicial, onde se deve presumir, ao menos momentaneamente, que aquilo que consta alegado, é verdadeiro.
O que fica provado depois, ao longo do processo e obviamente durante a instrução, é matéria de mérito. Dessa forma, se alguém ajuíza uma ação de cobrança de dívida, afirmando que a mesma está fundada em um inadimplemento proveniente de uma cláusula contratual, estarão preenchidas as condições da ação, mesmo que depois venha a se descobrir, que essa mesma dívida era oriunda de jogo de azar.
Uma vez que a verdadeira origem do débito só foi descoberta mais tarde, no decorrer da instrução, o julgamento será de mérito, devendo o juiz julgar o pedido do autor improcedente, e não decidir pela carência da ação, por impossibilidade jurídica do pedido.
Nesse caso, o acolhimento de uma ou outra teoria, apresentadas neste trabalho, terá uma repercussão no resultado final e na avaliação acerca da existência ou não do direito de ação. Admitida a teoria da asserção, no exemplo acima, a sentença será de improcedência, uma vez que a origem da divida só foi descoberta pelo juiz ao longo da instrução. Terá havido então, resposta de mérito e exercício do direito de ação. Admitida a teoria de Liebman, ou a do exame concreto das condições da ação, a sentença será de extinção sem resolução de mérito e não terá havido o exercício do direito de ação.
Assim, a carência da ação é matéria de ordem pública, que deve ser conhecida de ofício. As condições da ação devem estar preenchidas no momento da sua propositura e ao longo de todo processo, até o julgamento.
Portanto, por tudo que foi dito neste trabalho, foi possível observar que o instituto das condições da ação, ainda possuem uma grande utilidade no sistema brasileiro, uma vez que são requisitos de admissibilidade para o julgamento do mérito das demandas. Fazendo com que, não sejam levados ao conhecimento do Poder Judiciário, conflitos que logo de cara, estejam fadados ao insucesso.
Devemos reconhecer também, como vimos que as condições da ação são importantes, pois através delas, podemos saber se o direito de ação foi exercido em sua plenitude, tendo as partes recebido uma resposta para o conflito que foi posto perante o Poder Judiciário, que necessitava de uma resposta concreta para a pacificação dos conflitos existentes em qualquer sociedade.
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[1] Kazuo WATANABE In: FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 50.
[2]ARRUDA ALVIM, E. Curso de direito processual civil. São Paulo: RT,1999. v. 1.
[3] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983.
[4] BARBOSA MOREIRA, J. C. Comentários ao Código de Processo Civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. v. 5.
[5]LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1985
[6] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1985.
[7] Ibid.
[8] Ibid.
[9] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1985.
[10] Ibid.
[11] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 1, 2001.
[12] Ibid.
[13] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 1, 2001.
[14] In: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 1, 2001.
[15] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1985.
[16] In: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 1, 2001.
[17] ARRUDA ALVIM, Jose Manuel. Manual de direito processual civil. São Paulo: RT, 1999. v. 1.
[18] BARBOSA MOREIRA, José Carlos.Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
[19] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 1, 2001.
Formado pelo Centro Universitário do Pará - Cesupa/2010. ós-Graduado (Especialista) em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Assessor de Juiz, Vinculado à 7a Vara de Família da Capital no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Twitter: http://twitter.com/@Nando_Vianna09 . blog: http://veritas-descomplicandoavida.blogspot.com/ <br>e-mail: [email protected]<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Fernando José Vianna. A importância das condições da ação atualmente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2009, 09:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/18383/a-importancia-das-condicoes-da-acao-atualmente. Acesso em: 27 nov 2024.
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