I- Considerações sobre a nova reforma do Código de Processo Civil.
Neste primeiro tópico da obra, o autor vem comentando as alterações que foram feitas no CPC, visando a superação dos obstáculos impostos a celeridade da prestação jurisdicional. O autor cita as leis que reformaram o código, afirmando que as mesmas tiveram sentido não de reformar, mas de revolucionar o direito processual, sobretudo com a entrada em vigor da lei 10.444 de 2002, que segundo ele, contribuíram para quebrar uma série de dogmas processuais, não somente a quebra desses dogmas, mas também a uma reflexão sobre diversos institutos tradicionais do processo.
Porém, no artigo em comento, o Profº. Henrique visa abordar a alteração ocorrida do art. 515, §3º do CPC, que permite que os tribunais julguem o mérito de uma determinada ação, desde que estejam presentes os seus requisitos.
Dessa forma, sempre se deve falar em princípios ligados ao tempo de duração do processo, uma vez que também é um direito das partes, terem uma resposta com um lapso de tempo considerável, nem muito grande, nem muito pequeno, para que não haja nenhum tipo de prejuízo as partes, uma vez que o tempo é uma coisa inerente ao processo. Porém, não se deve somente se falar em princípios, é necessário também que se busquem fazer reformas processuais para que sejam retiradas de nosso sistema, as dilações que muitas vezes poderiam ser evitadas, uma vez que, ou são indevidas ou são desnecessárias para a apuração do feito. Em outras palavras, necessário se acabar com as brechas para o “jus sperniante” das partes.
As técnicas de sumarização, elas serão úteis se, como dito anteriormente, se eliminarem as dilações desnecessárias, pois, as decisões que são proferidas após um lapso muito grande de tempo, podem tornar a eficácia dessas decisões ilusórias. O que vem sendo feito ultimamente, é permitir ao julgador que no decorrer do processo, conforme ele vá tendo elementos mínimos para embasar sua atuação, ele possa conceder tutelas provisórias para tentar acelerar o curso do processo, sem eliminar garantias mínimas que conferem segurança a todos os que são alvo da decisão judicial.
II- Reflexões envolvendo o art. 515, §3º, advindo da lei 10.352/01 e a necessidade de repensar institutos Clássicos do Direito Processual.
II.1- O art. 515, §3º, e o duplo grau de jurisdição. O dispositivo é constitucional?
Neste tópico, o autor começa apresentando a exposição de motivos para a reforma do referido artigo, que de forma resumida, se pretendeu valorizar os princípios da instrumentalidade e da efetividade processual, onde quis se permitir ao tribunal, que possa julgar de imediato o mérito da lide, nos casos em que tenham sido proferidas sentenças terminativas pelo juízo de 1º grau. Ainda na exposição de motivos, o legislador afirma que não há nenhuma violação ao duplo grau de jurisdição, visto que o mesmo nem é uma imposição constitucional. O que foi tentado com a reforma deste artigo, é que muitas das vezes, as lides já poderiam ser julgadas conforme seu estado ou de forma antecipada, mas muitos juízes a terminavam sem resolução do mérito, o que fazia com que na apreciação da apelação, houvesse anulação da sentença, fazendo com que os autos fossem remetidos novamente para que o julgador do 1º grau desse prosseguimento ao feito, o que causava ainda mais demora para a solução dos litígios.
E foi essa situação que a reforma do artigo veio combater, como o próprio autor mostra, através das palavras de Ovídio A. Batista, toda vez que chegavam apelações aos tribunais em que havia sido proferida a sentença terminativa, o tribunal anulava a sentença, ordenando ao juiz que desse continuidade ao feito, atrasando ainda mais o tempo do processo. A jurisprudência também era pacífica nesse sentido, sendo que esse entendimento, como já mencionado, gerava uma maior demora na prestação jurisdicional, o que foi objeto de análise pela comissão de reforma do CPC.
Dessa forma, o objetivo da reforma foi bastante claro, qual seja o de permitir o julgamento do mérito diretamente pelo tribunal, através de acórdão, no caso de apelação em face de sentença terminativa, desde que o processo permita esse imediato julgamento, mas será que essa modificação está de acordo com os preceitos constitucionais?
Segundo o Profº. Henrique, essa alteração não viola preceitos constitucionais no aspecto do duplo grau de jurisdição, tendo em vista que o mesmo não é garantido expressamente pela CF/88, sendo que o legislador infraconstitucional pode tratar dessas matérias de modo diverso.
Como bem coleciona uma passagem de Cândido Dinamarco em que o mesmo afirma que: “o duplo grau de jurisdição, diferentemente de outros princípios, não é imposto pela CF/88, sendo que há não nenhuma exigência explícita, e há casos em que a própria constituição abre caminhos para que a jurisdição seja exercida por somente por uma instância”.
Ainda Cândido Dinamarco, citado pelo autor, comentando a reforma do referido artigo em estudo, afirmou que a autorização para a supressão de um grau jurisdicional, recebe legitimidade do sistema e da constituição, uma vez que tem como seu objetivo, acelerar a prestação jurisdicional, minimizando os obstáculos que a atrapalham.
Dessa feita, o Prof.º Henrique afirma que não há qualquer tipo de violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, a previsão de julgamento imediato do mérito do pedido, quando houver uma apelação interposta em face de uma sentença terminativa, desde que o mérito esteja em condições de ser julgado imediatamente.
Para o autor, também é importante discutir, em que casos de sentença terminativa, poderá o tribunal ir logo passando ao julgamento do mérito e se há a necessidade de provocação do recorrente nesse sentido.
Sobre este ponto, creio que não há o que se discordar do autor do texto, pois é visível a imensa demora na prestação jurisdicional de nosso país. Uma vez que há um lapso muito grande na apreciação dos processos, o que muitas das vezes, faz com muitas vezes, a sentença perca a sua efetividade em decorrência dessa grande período de tempo que leva o processo para ser resolvido.
É inegável que reformas precisam ser feitas em nosso sistema processual, visando à celeridade dos mesmos, pois é inconcebível que alguns muitos processos, levem cerca de 10 anos para receberem uma resposta satisfatória, o que muitas vezes faz com que essas mesmas decisões percam sua efetividade, como já mencionado anteriormente.
Assim, essa modificação foi um ponto positivo, já que visa à economia processual e a celeridade na resolução das lides, uma vez que, preenchido seus requisitos, o tribunal pode de imediato julgar o mérito da causa, nos casos em que há uma sentença que extingue o processo sem resolução de mérito. Por esse artigo, se evita que os autos tenham de retornar ao juízo a quo para seguimento do feito, o que se ocorresse, demandaria mais tempo. Com a reforma, o tribunal, já no recurso de apelação interposto pelo autor, pode julgar o mérito da demanda e com isso economizar um grande passe na dilação do processo.
Porém, há de ser prestar atenção para que essa alteração não venha a causar algum tipo de prejuízo ao réu, pois claramente é uma medida que visa a celeridade da solução do litígio, mas também de forma clara, beneficia o autor, mas esse ponto deixaremos para comentar na hora oportuna.
Em relação ao duplo grau de jurisdição, não há muito para discordar de renomados autores. Entendo também que não há uma violação do duplo grau de jurisdição, uma vez que o juiz de 1º grau se manifestou sobre o processo.
Acerca do tema o comentário de Cândido Rangel Dinamarco:[1]
Afaste-se desde logo a suspeita de que este princípio peque por inconstitucionalidade ao permitir um julgamento per saltum, ficando, pois excluída a decisão da causa pelo juiz inferior – porque na ordem constitucional brasileira não há uma garantia do duplo grau de jurisdição.
A Constituição Federal prestigia o duplo grau como princípio, não como garantia ao enunciar seguidas vezes a competência dos tribunais para o julgamento dos recursos; mas ela própria põe ressalvas à imposição desse princípio, especialmente ao enumerar hipóteses da competência originária dos tribunais, nas quais é quase sempre problemática a admissibilidade de algum recurso, seja para o próprio tribunal, seja para outro de nível mais elevado.
Em face disso, em princípio não é inconstitucionalmente repudiada uma norma legal que confine em um só grau jurisdicional o julgamento de uma causa ou que outorgue competência ao tribunal para julgar alguma outra, ainda não julgada pelo juiz inferior.
Também nesse sentido e corroborando o entendimento, Antônio Cláudio da Costa Machado[2]:
O que sustentamos, então, é que o enfocado § 3º significa a possibilidade de o tribunal – reconhecendo que o juízo a quo efetivamente decidiu o mérito da causa, mas que se equivocou no momento de concluir, decretando a carência da ação – apanhar o dispositivo terminativo da sentença e substituí-lo por um dispositivo definitivo estampado no acórdão que profira.
Observe-se que essa interpretação, ao mesmo tempo em que afasta qualquer idéia de violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, revela harmonia normativa interna do art. 515 e permite a compreensão dos requisitos estabelecidos na parte final do texto: a causa deve “versar questão exclusivamente de direito” e estar “em condições de imediato julgamento”.
É que, na perspectiva do tribunal, a causa que versa questão exclusivamente de direito permite a fácil requalificação jurídica do decisum (carência não, improcedência ou procedência sim) por que, de alguma forma, o fundamento jurídico foi examinado, razão pela qual não há violação ao duplo grau de jurisdição.
Porém, há de se ter muito cuidado na aplicação deste artigo, para que não haja nenhum tipo de violação das garantias constitucionais das partes, para que a celeridade não se transforme em algo precipitado, afinal, o tempo é algo inerente ao processo, o que se visa combater, é o excesso dele durante a prestação jurisdicional.
II.2- Significado das expressões: questão exclusivamente de direito e condições de imediato julgamento.
Na questão do significado das expressões, o autor indaga se, na primeira hipótese legal, teria o legislador se utilizado da expressão contida no art. 330, I, onde se autoriza o julgamento antecipado da lide, nos casos em que estejam presentes questões exclusivamente de direito. Indaga ainda, se havendo questão de fato, já provado, poderá ser utilizada da permissão contida no art. 515, §3º.
O Profº. Henrique ainda indaga em relação a existência de fatos que já foram provados na lide ou que já estão devidamente comprovados, se também podem ser alvos da permissão do referido artigo.
O autor entende que, quando estiverem presentes essas características na lide, a devolução dos autos para o juízo a quo, seria um desprestígio à celeridade processual, sendo uma questão para se preocupar. Ainda é dito que, não há razão para que não seja aplicado o art. 515, §3º, nos casos mencionados acima, sendo o retorno dos autos ao juízo a quo, seria ir de contra mão ao sentido da reforma processual.
É dito pelo autor, que o ponto central da expressão gira em torno da necessidade ou não da remessa dos autos ao juízo de origem para que se proceda ao julgamento do mérito, onde o mesmo afirma que a reforma poderia ter sido mais clara nesse sentido, onde se consagrasse as questões de matéria de fato, em que o mesmo já está provado ou incontroverso, sugerindo que a reforma poderia ter sido melhor, se correlacionasse as duas situações, com a expressão condições de imediato julgamento.
É mencionado ainda que essa expressão, esta ligada ao subjetivismo do juiz, que vai necessitar verificar se a causa está em condições de imediato julgamento, devendo-se analisar qual foi o momento em que o juízo a quo extinguiu o processo e se há a necessidade de adoção de alguma providência processual.
A seguir, o autor exemplifica algumas situações, afirmando que esse julgamento imediato pelo tribunal, não pode jamais acarretar em cerceamento de defesa, e que só poderá ocorrer quando todos os atos processuais tiverem ocorrido, ou seja, quando a relação processual tiver sido triangularizada. (citação, contestação, eventualmente a réplica, etc).
Depois dessas observações, o autor questiona qual o motivo das duas expressões não terem sido substituídas pela: demandas em condições de imediato julgamento. Com uso dessa expressão, estariam englobadas as duas situações, mesmo as que envolvessem matéria de fato, o que tornaria o retorno dos autos ao juízo a quo, desnecessário, afirmando o Prof.º Henrique, que os requisitos do artigo 515 são alternativos e não simultâneos.
Assim sendo, independentemente de se ter ou não o legislador se utilizado da expressão do art. 330, I, do CPC, é importante ressaltar que o artigo veio para contribuir para a celeridade processual, e não deixa de ser uma hipótese de julgamento antecipado da lide, não necessariamente na terminação legal, mas porque realmente se antecipa, evitando que os autos sejam remetidos ao juízo a quo para que de lá, seja continuado o andamento do processo.
Entendo da mesma forma do autor quanto a questão de se utilizar o referido artigo para as questões que versem sobre os fatos que já estão provados. Ora, se o juiz não tivesse extinguido o processo sem resolução do mérito, provavelmente ele dispensaria a fase instrutória e proferiria de imediato a sentença. Sendo assim, não vejo impedimento para que o tribunal possa proceder da mesma forma, e como mencionado pelo autor, seria um desprestigio a celeridade processual, grande objeto da reforma.
Em relação à questão de se conter ou não a expressão, entendo que a doutrina e a jurisprudência, podem muito bem de ocupar disso, uma vez que quando há lacunas na lei, deve ser preenchida pela jurisprudência, doutrina e princípios gerais de direito. Portanto, já que a expressão contida no artigo, não é satisfatória, que a nossa jurisprudência e doutrina, a enquadrem, para que sua interpretação tenha o máximo de efetividade possível visando à celeridade processual.
Entendo também que há a necessidade de se observar qual o momento que foi extinto o processo, pois dessa forma, há providências processuais que necessitam ser tomadas, impedindo o julgamento de imediato do mérito da lide, pois deve sempre ter em mente que a celeridade processual, não pode passar por cima das garantias constitucionais das partes, respeitando o princípio do devido processo legal e os que dele derivam, como ampla defesa e contraditório.
Sendo assim, para que se possa proceder a julgamento de imediato pelo tribunal, a relação processual já deve ter sido ao menos triangularizada, ou seja, o réu já deve ter sido citado e chamado para contestar a versão dos fatos trazidas pelo autor.
II.3- Faculdade ou ônus na aplicação do art. 515, §3º e a necessidade de provocação.
Este outro ponto abordado pelo autor, diz respeito as seguintes indagações: o tribunal pode ou deve julgar o mérito nas hipóteses do art. 515, §3º e se há a necessidade de requerimento expresso do recorrente.
Em relação a 1ª pergunta, o autor entende ser objeto da reforma, superar os obstáculos da demora da prestação jurisdicional, sendo assim, não se trata de uma faculdade do magistrado, mas sim um poder-dever, sob a penalidade de se tornar letra morta a alteração processual pela discricionariedade do julgador. Dessa forma, se estiver configurada a situação prevista legalmente, o tribunal deverá julgar o mérito, evitando assim, que os autos retornem ao juízo a quo.
Em relação a segunda pergunta, o autor menciona que ela faz referência ao efeito devolutivo da apelação e o principio do tantum devolutum quantum apellatum. Afirma o autor, que não vai estar se discutindo o efeito translativo da apelação, mas tão somente as situações que envolvam matérias que necessitam de provocação.
Poderá o tribunal julgar o mérito desses casos, independente do requerimento do apelante, inclusive o prejudicando em sua situação processual?
Em relação a esse assunto, o autor afirma que deve-se pensar em consonância com o princípio mencionado acima, dessa forma, sendo necessária a provocação do apelante.
O autor afirma que caso o julgamento pudesse ser feito sem a necessidade de provocação, poderia até ser piorada a situação processual do recorrente, sem requerimento para a apreciação do objeto do processo, sendo que esse julgamento pode ser considerado extra ou ultra petita.
Segundo Humberto Theodoro Jr., que é citado pelo autor, para que haja a incidência do art. 515, §3º, é necessário que estejam presentes 2 requisitos: a) se estiverem presentes os requisitos legais, o tribunal pode proceder ao julgamento do mérito, porém, b) esse julgamento deve ser pleiteado pelo recorrente, para que se torne objeto de devolução operada pela apelação ao tribunal ad quem, já que o tema pertence à extensão da devolução e a não a sua profundidade.
Dessa forma, o autor afirma que não se pode duvidar que o §3º do referido artigo em estudo, deve cumprir as premissas estabelecidas no seu caput, devendo atender ao efeito devolutivo e ao princípio do tantum devolutum quantum apellatum. O autor também ressalta que a provocação, não engloba as matérias de ordem pública, visto que são encaminhadas ao tribunal pelo efeito translativo, o que autoriza o mesmo a conhecê-las, independentemente de provocação.
Por outro lado, é necessário também que se faça outra pergunta: qual conduta deve ter o recorrido? Deverá impugnar o mérito quando o recorrente interpuser o recurso sem ter mencionado nada nesse sentido?
Conforme, mencionado pelo autor anteriormente, para que o mérito da demanda seja apreciado, é necessário que ele faça o requerimento ao tribunal, pela força do efeito devolutivo, dessa forma, o Profº. Henrique entende que o recorrido deverá apenas impugnar a matéria objeto do recurso.
Porém, é feita uma ressalva pelo mesmo, no sentido de que vem ganhando força o entendimento de que o tribunal pode julgar o mérito, independente de provocação, tendo o réu/recorrido dever de impugnar o mérito da demanda, como uma forma de precaução, até desse julgamento, o tribunal pode piorar a sua situação.
Após este ponto, o autor entra na discussão acerca da possibilidade do recorrente ingressar com recurso especial ou extraordinário, perante os tribunais superiores, pleiteando a utilização do art. 515, §3º, caso o tribunal mantenha a decisão do juízo de 1º de grau que extinguiu o processo sem resolução do mérito. Para o autor, essa situação não é possível, tendo em vista que o artigo deve ser examinado em consonância com seu caput, ou seja, no que se refere somente a apelação. Outro ponto abordado para negar essa faculdade ao recorrente é a de que os tribunais superiores não tem competência para conhecer qualquer matéria, mas apenas as previstas na CF/88, art. 102, III e 105, III. O terceiro ponto é o de que a reforma não teria atingido artigos do CPC que tratam dos recursos aos tribunais superiores, pelo que não está autorizada a interpretação por analogia, sob pena de se violar a competência dos mesmos.
Depois dessas considerações, o autor passa para enfrentar qual recurso é cabível para o acórdão que acolhe o mérito, tendo em vista que esse julgamento é feito em uma única instância.
Para ele, o sentido da reforma foi solucionar os estrangulamentos do sistema, sendo assim, os recursos que são cabíveis contra o acórdão do tribunal, são os recursos excepcionais, desde que o caso concreto, apresente alguma das hipóteses previstas na CF/88, além dos famigerados embargos de declaração e infringentes perante a justiça local. Porém, como o autor observa, se o caso envolver direito local ou mesmo matéria de fato, não será possível interpor recurso aos tribunais superiores, fazendo com que o julgamento do mérito, feito pela única instância, seja a decisão final. Isso seria uma violação ao duplo grau de jurisdição?
O autor ressalta que essa é mais uma questão polemica, introduzida com a reforma processual. O novo sistema recursal, preocupado com a demora na solução das lides, pode fazer com que as questões sejam decididas em somente uma instância, nos casos onde não couberem recursos aos tribunais superiores. O Prof.º Henrique indaga se não seria caso de insatisfação social, ou até mesmo cerceamento de defesa, o que só se terá uma resposta satisfatória com o passar do tempo e com a prática forense.
Neste ponto, concordo com autor no que diz respeito a aplicação do referido dispositivo ser um poder-dever do magistrado e não uma faculdade, ou seja, nos casos em que for possível a aplicação do artigo, deve ser feito em nome da economia processual. Segue o artigo ipsi literis.
Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º- Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apreciação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.
§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
Afirma Rogéria Dotti Doria[3]:
De um modo geral, nenhuma decisão judicial pode ser considerada ato discricionário. Ela deve representar exatamente aquilo que o legislador previu para determinada circunstância. Não é por outra razão que o “específico da função jurisdicional é consistir na dicção do direito no caso concreto. A pronúncia do juiz é a própria voz da lei in concreto.
Esta é a sua qualificação de direito. Logo, suas decisões não são convenientes ou oportunas, não são as melhores ou as piores, em face da lei. Elas são pura e simplesmente o que a lei, naquele caso, determinar que seja". Ao juiz, portanto, não é dada a opção de escolher esta ou aquela decisão. A decisão é única e está na lei. Incumbe-lhe apenas descobrir, ao analisar o caso concreto, qual seria a decisão legal".
Luiz Orione Neto[4], no mesmo sentido:
A locução sublinhada (pode) fala por si só, pois se o tribunal pode desde logo proferir julgamento de meritis, é porque o julgamento per saltum independe de pedido do apelante. Caso contrário, o novel § 3º teria feito menção expressa a essa necessidade de requerimento do apelante.
Converge neste sentido o entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque[5]:
Com relação ao exame do mérito, após a cassação da sentença terminativa, trata-se de atividade a ser desenvolvida ex officio, ou seja, independentemente da vontade do apelante.
[...]
Até a vigência da Lei 10.352, cabia exclusivamente ao apelante a fixação do limite (art. 515, caput). Agora, em razão do §3. º, ainda que não versada na apelação a matéria de mérito, porque não tratada na sentença, deverá o tribunal examiná-la, se presentes os requisitos legais.
[...]
Nada impede que o apelante ciente de que a impugnação da sentença terminativa poderá acarretar julgamento de mérito em 2º grau, manifeste expressamente o desejo de limitar o âmbito da análise a parte do pedido.
O silêncio, porém, equivale a admitir a devolução integral da pretensão material, pois ele já sabe de antemão que o acolhimento de suas razões implicará não só o afastamento da extinção sem julgamento do mérito, mas também o exame deste. A ausência de manifestação expressa significa devolução integral, mesmo porque o recurso parcial constitui exceção.
Assim, os eminentes processualistas, vêm corroborar com a opinião já demonstrada, de que não pode o magistrado ficar a espera de uma manifestação das partes, é seu dever fazer a aplicação da lei, quando presentes os seus requisitos, pois, como assevera Luiz Orione Neto, colacionado mais acima, caso o recorrente tivesse de fazer esse pedido ao juiz, isto viria expresso no artigo, o que não ocorreu.
No que se refere a segunda indagação do autor, já houve posiciomento a favor do julgamento imediato da lide quando presentes os seus requisitos, tendo em vista não ser uma faculdade do juiz, e nem sequer precisa do requerimento do apelante. Em relação ao fato de vir piorar a situação do recorrente, ainda sim consideramos que não há óbice, pois não há de se falar no princípio do non reformatio in pejus, pois quando o autor recorre, está ciente de que sua pretensão pode ou não ser julgada procedente.
O fato de solicitar o julgamento antecipado pelo tribunal é porque ele tem convicção de que é detentor daquele direito, mas a sua convicção nem sempre é a do magistrado. Nesse sentido, o entendimento do eminente Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Roberto dos Santos Bedaque[6]:
Outro problema diz respeito a eventual resultado menos favorável ao apelante, pois uma carência poderia transformar-se em improcedência.
[...]
Admitida essa premissa, chega-se à conclusão inexorável de que o sistema processual brasileiro passou a admitir, ainda que em caráter excepcional, a reformatio in pejus. O apelante pretendia simplesmente a cassação da sentença terminativa e acabou recebendo pronunciamento de mérito contrário a seus interesses.
Sem dúvida, sua situação piorou com o resultado do julgamento realizado em 2º grau. Mas a solução é previsível e justificável, pois representa simplesmente a antecipação de um resultado que, mais cedo ou mais tarde, viria a ocorrer. Se aceita a limitação ao duplo grau, princípio inerente ao sistema, mas não dogma intangível, em nome da celeridade processual, especialmente porque não se vislumbra prejuízo a qualquer das partes.
Assim, como já demonstrado, não concordo com os argumentos do autor no sentido que não pode ser piorada a situação do apelante e de que o mesmo necessita fazer o requerimento ao juiz, por força do efeito devolutivo e do princípio do tantum devolutum quantum apellatum, não tendo que se falar em julgamento extra ou ultra petita. Já em relação às matérias de ordem pública, concordo com o mesmo de que são levadas ao conhecimento do tribunal por força do efeito translativo, sendo que podem ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição.
Sobre o fato da obrigatoriedade do recorrido, impugnar as matérias de mérito do apelante, entendo que sempre deve ser feito, pois pelo entendimento corrente, o juiz não fica vinculado ao pedido do recorrente para fazer uso do artigo art. 515, §3º. Sendo assim, o recorrido, em suas contra-razões, por precaução e prevendo que o juiz pode (deve) fazer uso do art. 515, §3º, deve impugnar o mérito da causa, para não ser pego de surpresa se o desembargador entender que a causa está pronta para ser julgada.
Conforme é dito pelo autor e já demonstrado, deve feita a ressalva no sentido de que vem ganhando força o entendimento de que o tribunal pode julgar o mérito, independente de provocação, tendo o réu/recorrido dever de impugnar o mérito da demanda, como uma forma de precaução, até porque desse julgamento, o tribunal pode piorar a sua situação.
Em relação a possibilidade recursal da parte sucumbente, quando se trata dos casos do mencionados no § 3º do artigo 515, afastado a sentença que em 1º grau resultou na extinção do processo sem resolução do mérito e versando a demanda questão exclusivamente de direito ou com fatos já provados, a mesma será, apreciada pelo juízo ad quem, limitando, dessa forma, as possibilidades recursais que podem vir a ser utilizadas pela parte vencida. Quais sejam: o recurso especial e o recurso extraordinário, além dos embargos infringentes, no caso dos acórdãos não unânimes que houverem reformado a sentença.
No caso da apelação, a parte sucumbente poderá utilizar-se, para ajudar na fundamentação do recurso, de todo e qualquer argumento, em razão da grande devolutividade da apelação. Ocorre que, no caso de interpor o recurso extraordinário e/ou recurso especial, haverá a fundamentação vinculada as matérias que foram determinadas pela Constituição, limitando muito a defesa de quem está recorrendo.
O recurso especial e o recurso extraordinário, conforme já dito e sabido, são recursos que têm uma devolutividade mais restrita do que a apelação, só podendo ser interpostos nos casos previstos na Constituição Federal em seus artigos 105, III e 102, III respectivamente. Portanto, acerca do fato de que há uma menor devolutividade do recurso especial e/ou do recurso extraordinário em relação à apelação, muitos doutrinadores defendem que a nova redação do referido artigo, fere os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Entendo que não há violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa uma vez que o magistrado só pode proceder ao julgamento imediato da lide nos casos em que verse questões exclusivamente de direito ou em que os fatos já estejam provados. Também não há aplicação deste artigo se o réu ainda não tiver sido citado no processo e conseqüentemente não tiver apresentado sua contestação. Nesse sentido Estevão Mallet[7] ensina:
Diversamente, se, pelo acolhimento de preliminar de inépcia, suscitada em defesa, o julgamento terminativo ocorreu sem que as provas tenham sido produzidas, afastada a inépcia, o julgamento de mérito não pode se dar de imediato.
Em síntese, teria sido muito mais simples se houvesse o legislador brasileiro deixado claro, com melhor técnica, que o imediato julgamento do mérito depende apenas da inexistência de qualquer obstáculo, seja por não ter havido controvérsia sobre os fatos no juízo recorrido, seja por já haverem sido produzidas todas as provas necessárias ao deslinde da controvérsia.
De acordo com o eminente processualista, observa-se que o juízo ad quem, somente passará ao exame no mérito quando a ampla defesa e o contraditório já tiverem sido exercidos no 1º grau. Assim, não há motivos para que se fale em violação destes princípios.
Conforme já dito, se um dos requisitos do artigo 515, § 3º, a parte sucumbente somente poderá se utilizar dos recursos especial e/ou extraordinário, recursos que, como já dito, têm uma devolutividade vinculada ao que está presente na Constituição. Contudo, isto não gera uma violação do princípio do contraditório, muito menos o da ampla defesa, pois os atos processuais que são essenciais à proteção dos referidos princípios já foram feitos no juízo a quo.
Já em relação a violação do duplo grau de jurisdição, conforme já mencionamos, não entendemos ser possível, uma vez que não é uma garantia constitucional expressa em nosso ordenamento jurídico.
II.4 – As sentenças aparentemente terminativas e a alteração processual.
Neste item, o autor analisará outra situação para o entendimento correto do art. 515, §3º, qual seja, nas sentenças em que o mérito foi analisado, mas não decidido na sentença, extinguindo o processo com resolução do mérito. Essas sentenças são aquelas em que o mérito deveria ter sido apreciado, porém isso não foi feito.
O autor afirma que pela jurisprudência, há a permissão de que o mérito seja analisado pelo tribunal nas sentenças que o mesmo foi analisado, mas não decidido em primeira instância. O autor colaciona passagens de autores que vem ratificar seu posicionamento, de que, caso o juiz de 1º grau se engane na terminologia da sentença, extinguindo o processo sem resolução do mérito, quando deveria tê-lo apreciado, o tribunal pode retificar o ocorrido e desde logo analisar o mérito da causa. O Autor cita o exemplo do caso em o juiz, extingue um processo por falta de condições da ação, quando na verdade deveria ter apreciado o mérito, nesse caso, o efeito devolutivo da apelação remete ao tribunal o conhecimento da matéria, sem se falar em supressão de instância.
Dessa forma, constata-se que no caso das sentenças que apenas possuem aparência de serem terminativas, o sistema processual já autorizava o tribunal a apreciar o mérito da causa, não sendo objeto da nova reforma processual. Mas, segundo o autor, não se deve esquecer que o novo texto legal, veio ratificar esse posicionamento de inexistência de violação ao duplo grau de jurisdição, que envolvem as sentenças terminativas.
Neste item, também devo concordar com autor de que nesses casos, deve ser procedido o julgamento pelo tribunal, da mesma forma como é previsto no art. 515, §3º. Até porque em nada elas diferem de uma sentença que seja realmente terminativa, pois se tem a nomenclatura diferente, produzem os mesmos efeitos da sentença que extingue o processo sem resolução do mérito. Por isso, também não vejo nenhum óbice a aplicação do instituto do julgamento imediato realizado pelo tribunal.
II.5- As sentenças que decretam prescrição/decadência e a nova disposição legal
É sabido que tanto a prescrição quando a decadência extinguem o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, IV, porém com este não se pode confundir. Tanto prescrição quanto decadência são preliminares de mérito e quando acolhidas, extinguem o processo com força de coisa julgada material, não tendo como confundir com o mérito propriamente dito, já que ele é o objeto do processo.
Sendo os dois institutos, preliminares de mérito, são feitas importantes indagações: caso a sentença que acolheu uma das duas seja reformada, o tribunal poderá prosseguir no julgamento do mérito? Essa situação foi contemplada pela alteração do referido artigo em estudo?
Em relação a 1ª pergunta, o autor afirma que é necessário ser analisado em qual momento processual foi proferida a sentença que extinguiu o processo, acolhendo a preliminar de mérito. Como exemplo, cita um caso em a inicial tenha sido indeferida, pois foi a decadência reconhecida, nesse caso, o tribunal acolhendo a apelação, não tem como prosseguir no julgamento do mérito, devendo os autor retornarem ao juízo a quo para o devido processamento para que não se viole o contraditório. Nessa mesma linha de raciocínio, é utilizada quando a decadência é acolhida antes da fase instrutória, quando existe matéria de fato controvertida.
Outro exemplo citado pelo autor é nos casos em que o acolhimento de umas das preliminares se deu no momento que o mérito poderia ter sido apreciado. Nesse caso, não há óbice para que o tribunal aprecie o mérito da causa, na hipótese de reformar a sentença recorrida. O mesmo acontece nos casos em que as preliminares são acolhidas após o encerramento da fase instrutória.
Nessas duas hipóteses, o mérito da causa foi suscitado e discutido, sendo encaminhado para o tribunal por força do disposto no §2º do art. 515, podendo o tribunal apreciá-lo até com vistas à economia processual.
Segundo a opinião de Cristina Bichels Leitão, colacionada pelo autor, nos casos em o tribunal afastar a sentença de 1º grau, o mesmo deve seguir no exame do mérito, exceto nos casos em o juiz não teve condições de apreciar as demais questões. Esse fato, segundo ela, não poderá ser considerado como supressão de um grau de jurisdição, uma vez que o mérito da causa foi apreciado pelo juiz de 1º grau, tendo ele acolhido um fundamento da defesa, não apreciando os demais, que por força do §2º do art. 515, serão examinados pelo tribunal. Também para ela, não há que se falar em supressão do contraditório, pois é facultado ao recorrido apresentar sua defesa no prazo das contra-razões da apelação. Para ela, há de se falar, na economia processual que deve ser buscada incessantemente pelos juristas, então a hipótese da prescrição/decadência foi atingida pela reforma processual?
O Prof.º Henrique afirma que divergências doutrinarias acerca desse posicionamento, contudo o mesmo entende que a resposta é negativa, pois a solução já era recepcionada pelos §1º e §2º do art. 515, e a alteração em comento somente atingiu as sentenças processuais ou terminativas.
Para o autor, permanece o entendimento de que é necessário que se verifique em qual momento foi extinto o processo com resolução do mérito, a fim de se saber se o tribunal poderá ou não prosseguir no exame do mesmo. Dessa forma, ele leva em conta que a devolutividade é estabelecida em face dos §§ 1º e 2º do 515. Sendo assim, o autor mostra que alteração processual não atinge diretamente as hipóteses quem envolvem as já citadas preliminares de mérito.
Concordando com o entendimento do autor, devo vislumbrar em que momento realmente foi decretada a sentença que reconheceu umas das preliminares de mérito, porque é de suma importância para sabermos se o tribunal poderá ou não fazer uso da faculdade do art. 515, §3º. Entendemos para que isso possa ocorrer que sempre deve ter havido a triangularização da relação processual, uma vez que não se podem violar os princípios que derivam do devido processo legal. Sendo assim, caso as preliminares sejam acolhidas antes da citação do réu, no julgamento da apelação, o tribunal reconhecendo que houve vício no julgado, deve anular a sentença e mandar voltar os autos para que possa ser processado corretamente e se passe a fazer a citação do réu e abrir o prazo para que apresente a sua contestação.
Ainda nesse aspecto, não só se deve mandar voltar os autos ao juízo a quo, quando o réu já tiver apresentado contestação, mas também, se após a apresentação desta, tiverem ficado controvertidos alguns fatos que ainda necessitem ser mais bem esclarecidos, dessa forma, o tribunal também deve mandar voltar os autos e proceder o juiz corretamente à fase instrutória.
Dessa forma, mesmo que o processo tenha sido extinto com resolução do mérito, porque foram acolhidas as preliminares de mérito, no julgamento da apelação, o tribunal, constatando que houve error in procedendo, anula a sentença e procede ao julgamento do mérito da lide. Além do mais, conforme mencionado no texto do autor, nos casos em que as preliminares de mérito são acolhidas, houve a suscitação e a discussão do mérito da causa, então se houver apelação por parte do autor, o mérito é encaminhado para o tribunal por força do §2º do art. 515.
Também concordo com o fato de não considerarmos este julgamento feito pelo tribunal, como uma violação do duplo grau de jurisdição, concordando com a autora colacionada pelo autor, de que o réu terá o prazo das contra-razões para discutir o objeto da apelação, e também porque nos casos em que as preliminares foram acatadas por ocasião da contestação, já houve o contráditório, sendo que o réu poderá apenas fazer uma “atualização” da sua defesa, quando do prazo das contra-razões, ou apresentar uma defesa completamente nova, ficando essa questão, a critério do réu.
Em relação à pergunta de que se foram ou não atingidas a prescrição e a decadência pela reforma processual, concordamos com o autor, no que se refere ao fato de que essas matérias são remetidas ao tribunal por força do §2º do art. 515 (efeito devolutivo). Porém, não entrando na briga das questões doutrinárias, entendemos que independentemente se a reforma atingiu ou não as preliminares aqui citadas, não há dúvida de que o art. 515, §3º, pode ser interpretado para ratificar as situações nas quais o mérito não foi apreciado e pode ser julgado de imediato, seja porque o processo foi extinto sem resolução do mérito, seja porque foi extinto com resolução pelo acatamento de umas das preliminares, todas elas se enquadram no referido artigo, já que se os méritos de suas demandas já estiverem devidamente sanados e não precisando de mais nenhum ato processual para que se esclareçam seus fatos, deve o tribunal, por economia processual, proceder ao julgamento do mérito, quando da apreciação da apelação.
Também ratifico o posicionamento no sentido de que é extremamente necessário que se verifique em qual momento foi extinto o processo, para que possamos saber se o tribunal pode ou não passar ao julgamento imediato do mérito.
II.6- O non reformatio in pejus e o art. 515, §3º do CPC.
Esse é outro ponto que o autor considera como relevante de se analisar: o da alteração processual com o princípio da non reformatio in pejus. A pergunta que é feita por ele, é a seguinte: “será que é possível o tribunal julgar o mérito favorável aquele que não recorreu, piorando a situação do recorrente? A parte que recorreu poderá ter sua situação processual piorada em favor daquele que não apresentou qualquer impugnação? Vale ressaltar que o sistema permite que a reforma prejudique o recorrente, desde que se trate de matéria de ordem pública – efeito translativo do recurso.
Para enfrentar o problema, o autor sugere que se aborde diretamente o efeito devolutivo e o ônus da sucumbência.
Segundo o Nelson Nery Jr, colacionado pelo autor, não há uma regra explícita no direito brasileiro que proíba que a situação do recorrente seja piorada com a apreciação do recurso, sem se tratar de matéria de ordem pública. Essa proibição é extraída do sistema, da conjugação do princípio dispositivo, da sucumbência como requisito da admissibilidade e também do efeito devolutivo do recurso. O autor indaga se a reforma autorizou a reforma para pior, sem se tratar de matéria publica.
Para o autor, a intenção da reforma foi abreviar a solução dos litígios. Dessa feita, estando em condições de imediato julgamento, o provimento do recurso pode reformar a decisão monocrática ou não, e analisando o mérito, pode ou não considerá-lo procedente.
Para o Prof.º Henrique, houve uma flexibilização ou mesmo um redimensionamento da regra da não reforma para pior, nas seguintes hipóteses: a) Sentença processual; b) a situação se enquadrar no art. 515, §3º; c) houver requerimento do apelante para apreciação do mérito pelo tribunal. Estando presentes essas premissas, não poderá o recorrente se mostrar surpreso com a solução, pois o julgamento do mérito não significa, sempre e sempre, que seja favorável ao recorrente.
No que se refere a essa reforma para pior, entendemos que ela deve ser analisada com bastante cuidado. Concordamos que ela não pode piorar a situação do recorrente, porém caso ela venha a prejudicar de forma clara a outra parte, entendemos que não há de se falar nesse princípio, uma vez que os operadores do direito, sempre devem buscar o alcance da justiça.
Conforme dissemos anteriormente, concordamos que essa alteração foi buscando uma maior celeridade processual, sendo assim, o órgão que será competente para analisar a apelação contra a sentença, será o próprio tribunal, ora então, se ele apreciar o mérito, será um ponto positivo para a celeridade processual. Porém, dessa análise, o órgão ad quem pode conhecer ou não do recurso, e conhecendo, pode ou não dar provimento a ele.
Ora, sendo assim, cremos é um absurdo que, caso o autor recorra, que se fale com na não reforma para pior, caso o mérito da sua demanda seja julgada improcedente, ou seja, o recurso seja conhecido, mas não provido. Há quem diga que a situação do recorrente não pode ser piorada e que o réu, que não recorreu, não pode ser beneficiado. Ora isso, apesar de nossa pouca experiência forense, não é nada mesmo que um absurdo, pois seria dizer que, como não se pode fazer a reforma para pior, o mérito do autor teria de ser considerado procedente, mesmo que seu direito não tenha nenhum tipo de fundamento.
Nesses casos, o réu também tem conhecimento que a pretensão autoral não é embasada em nenhum tipo de fundamento, portanto, sem razão de se recorrer, uma vez que não foi sucumbente, e novamente, caso o autor recorra, e seja aplicado o princípio da não reforma para pior, o réu será imensamente prejudicado, pois não se baseia em nenhum fundamento legal. Até porque não se pode aplicar um princípio quando ele vai frontalmente contra o ordenamento jurídico e nossas noções de justiça.
Esse posicionamento é colacionado por um autor no texto do Prof.º Henrique. Realmente é uma questão bastante difícil para quem a enfrenta, porém esse princípio deve ser relativizado quando for frontalmente contra o ordenamento jurídico. Nesse diapasão, entre conhecer o recurso, mas não provê-lo, devemos ficar do lado do réu e lutar para que o princípio não seja posto em prática.
Além do mais, caso o processo tivesse transcorrido de forma normal, com a resolução do mérito na sentença, houvesse o recurso por parte do autor, e na apreciação da apelação, o recurso fosse conhecido, mas não provido, nem sequer se falaria em não reforma para pior.
Por isso o entendimento, é o de que, nos casos quem o tribunal aprecia o mérito da lide, com base no art. 515, §3º, pode sim haver a reforma para pior, desde que o tribunal no acórdão, fundamente bem que o autor não tem razão em sua pretensão. Sendo assim, entendemos poder haver a reforma para pior não somente nos casos em que envolvam matéria de ordem pública, mas também no caso citado, não devendo se falar jamais em não reforma para pior e benefício do réu simplesmente pelo fato de que este não recorreu.
Novamente, colaciono o mesmo entendimento do eminente Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Roberto dos Santos Bedaque[8]:
Outro problema diz respeito a eventual resultado menos favorável ao apelante, pois uma carência poderia transformar-se em improcedência.
[...]
Admitida essa premissa, chega-se à conclusão inexorável de que o sistema processual brasileiro passou a admitir, ainda que em caráter excepcional, a reformatio in pejus. O apelante pretendia simplesmente a cassação da sentença terminativa e acabou recebendo pronunciamento de mérito contrário a seus interesses.
Sem dúvida, sua situação piorou com o resultado do julgamento realizado em 2º grau. Mas a solução é previsível e justificável, pois representa simplesmente a antecipação de um resultado que, mais cedo ou mais tarde, viria a ocorrer. Se aceita a limitação ao duplo grau, princípio inerente ao sistema, mas não dogma intangível, em nome da celeridade processual, especialmente porque não se vislumbra prejuízo a qualquer das partes.
Nesse sentido: Marcos Vinicius Rios Gonçalves, também ensina[9]:
Ao julgar o mérito, o tribunal poderá decidir pela procedência ou improcedência do pedido. Se decidir pela improcedência, não haverá reformatio in pejus, embora seja inegável que, para o autor, ela é pior que a extinção sem julgamento do mérito, já que impede a repropositura da demanda. Mas só há reformatio in pejus quando a sentença de primeiro grau tenha sido de mérito, isto é, tenha apreciado a lide. Se foi meramente extintiva, o juiz nem sequer apreciou a pretensão formulada pelas partes, e o tribunal poderá acolhê-la ou rejeitá-la.
Data máxima vênia o entendimento do nobre Desembargador e do eminente processualista, não houve qualquer aceitação do sistema processual brasileiro à reformatio in pejus. Na verdade, não se trata de uma reapreciação da matéria, pois o tribunal adentra no mérito da questão pela primeira vez. Seria por absurdo demais admitir a reforma de algo que não foi formado.
II.7- O dispositivo é cabível em face da Fazenda Pública, considerando a garantia do reexame necessário – art. 475, do CPC?
Esse é o último aspecto discutido pelo autor, com as seguintes reflexões: o mesmo indaga sobre contradição no novo dispositivo legal nos casos em que a fazenda pública é parte, considerando a garantia do reexame necessário e se o artigo 515, §3º é aplicável em demandas movidas em face da mesma fazenda.
Para o autor, essas perguntas são importantes, pois afirma que sendo o mérito julgado pelo tribunal, a decisão não estará sujeita ao reexame necessário. O autor ainda ressalta que o dispositivo do reexame necessário vem sendo muito discutido pela doutrina, mesmo após a limitação sofrida pela alteração do art. 475 do CPC.
Segundo o autor, para grande parte da doutrina, o instituto do reexame, seria uma condição de eficácia da sentença, como uma forma de controle das decisões de 1º grau, contrarias à Fazenda, sendo uma garantia em favor da mesma.
Para o Prof.º Henrique, caso o autor tenha seu processo extinto sem julgamento do mérito e interponha recurso de apelação solicitando o julgamento do mérito pelo tribunal, a garantia do reexame não será aplicada, tendo em vista que atinge as decisões de 1º para 2º grau. Somente caberá recurso dessa decisão se houver matéria para os recursos extraordinário e especial.
Ainda segundo o autor, é uma polêmica criada em virtude da alteração processual, pois a hierarquia das regras é a mesma, sendo assim, deveria prevalecer a do art. 475, pois ela é especial, em contrapartida a do art. 515 que é geral. Dessa forma, não seria aplicável o art. 515, §3º e os autos deveriam retornar ao 1º grau.
O autor questiona o fato de que o próprio tribunal é o órgão competente para o reexame necessário, logo em nome da economia processual, deveria se permitir que o mesmo pudesse fazer logo o julgamento do mérito, pois a volta dos autos ao 1º grau, seria um grande atraso na solução do processo. E ainda segundo o autor, a intenção do legislador foi tornar o processo mais célere e a grande parte das demandas que se acumulam nos tribunais, são referentes à fazenda pública.
Finalizando, o autor afirma que o reexame necessário não é regra absoluta, pelas alterações que sofreu e também porque tem a “brecha” criada pelo artigo 515, §3º.
Creio que é perfeitamente possível que se faça uso deste dispositivo em face da Fazenda Pública, por dois motivos: 1º - O reexame é feito pelo próprio tribunal, e como diz a doutrina, não é uma espécie de recurso, mas sim uma condição de eficácia da sentença, portanto uma vez que o autor apele, e desde que estejam observados os requisitos do art. 515, §3º, não vejo nenhum óbice a que seja aplicado este dispositivo. O 2º ponto se refere ao fato de que a grande maioria das demandas que enchem o Judiciário, se referem a demandas contra a Fazenda Pública, sendo assim, e como foi a intenção do legislador, buscar uma celeridade processual, vemos mais um motivo para que o dispositivo possa ser aplicado em face da mesma.
Vale mencionar que sinceramente não vejo sentido de se estabelecer essa prerrogativa em face da Fazenda, o que vem se somar a outros “benefícios” que ela já possui como os dos artigos 188 e 191 do CPC, que lhe dão maiores prazo para apresentar suas peças processuais, o que por si só, já gera uma maior demora processual.
Nesse sentido, Marcus Vinicius Rios Gonçalves ensina[10]:
Pode-se aplicar ao reexame necessário, por analogia, o disposto no art. 515, §3º. Sempre que o processo for extinto sem julgamento do mérito em detrimento da Fazenda Pública, no reexame necessário o tribunal pode desde logo julgar a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
Em casos assim, ao apreciar o mérito, o tribunal poderá concluir pela procedência ou improcedência do pedido, não havendo em falar reformatio in pejus para a Fazenda, porque em primeira instancia não havia sido decidido o pedido.
Portanto, com mais essa condição de eficácia da sentença, gera um atraso ainda maior na solução do litígio, pois como dito, não passa de uma condição de eficácia da sentença, o que se “aprovada” pelo tribunal, essa decisão ainda está sujeita a recurso, o que mais uma vez vai protelar a solução da demanda, fazendo com o Estado se beneficie e muito contra as partes, fora que sempre a ordem desses órgãos é recorrer até a última instância, fazendo com que muitas das vezes, os processos contra ela, entupam nosso Judiciário.
Bibliografia
-ARAÚJO, Jose Henrique Mouta. Algumas reflexões envolvendo o art. 515, §3º CPC – Julgamento do Mérito, pelo Tribunal nos casos de Sentença Processual Impugnada, através de Apelação.
- LUCENA, Túlio de Araújo. Aspectos controvertidos do art. 515, § 3º, do CPC. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 508, 27 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5960>. Acesso em: 19 mar. 2008.
- DINAMARCO, Cândido Rangel. Os efeitos dos recursos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 10.352/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5.
- MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2004.
- DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda. São Paulo: RT, 2000.
- ORIONE NETO, Luiz. Nova reforma processual civil comentada. São Paulo: Método, 2002.
- BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In. NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7.
-MALLET, Estevão. Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito (Lei 10.352). In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7.
- GONGALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil, vol. 2: processo de conhecimento (2ª Parte) e procedimentos especiais / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. 2. ed. ver. E atual. – São Paulo: Saraiva. 2006.
[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Os efeitos dos recursos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 10.352/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p. 38
[2] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2004. p. 720.
[3] DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda. São Paulo: RT, 2000. p. 56
[4] ORIONE NETO, Luiz. Nova reforma processual civil comentada. São Paulo: Método, 2002. p. 289
[5] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In. NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 452.
[6] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In. NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 454.
[7] MALLET, Estevão. Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito (Lei 10.352). In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 193.
[8] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In. NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 454.
[9] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso Processual Civil, cit., p.76-77.
[10] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso Processual Civil, cit., p.65.
Formado pelo Centro Universitário do Pará - Cesupa/2010. ós-Graduado (Especialista) em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Assessor de Juiz, Vinculado à 7a Vara de Família da Capital no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Twitter: http://twitter.com/@Nando_Vianna09 . blog: http://veritas-descomplicandoavida.blogspot.com/ <br>e-mail: [email protected]<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Fernando José Vianna. Algumas reflexões envolvendo o art. 515, §3º CPC - Julgamento do Mérito, pelo Tribunal nos casos de Sentença Processual Impugnada, através de Apelação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 ago 2010, 01:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/21000/algumas-reflexoes-envolvendo-o-art-515-3o-cpc-julgamento-do-merito-pelo-tribunal-nos-casos-de-sentenca-processual-impugnada-atraves-de-apelacao. Acesso em: 27 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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