SUMÁRIO: I – INTRÓITO; II – A PROVA TESTEMUNHAL SOB O FOCO DA PSICOSSOCIOLOGIA; III – SÍNTESE CONCLUSIVA
I – INTRÓITO
A narração, feita por um terceiro, acerca de sua percepção sensorial sobre a ocorrência de um determinado fato relevante, pertinente e controvertido revela-se como um tradicional conceito da prova testemunhal.
Imperioso ressaltar que esta espécie de prova veio perdendo, ao longo dos tempos, sua validade, quer seja pelo aparecimento de outros meios que demonstrem maior credibilidade, quer seja, ainda, segundo o ilustre doutrinador Manoel Antonio Teixeira Filho (2003, p. 333/334), em razão da “constatação de sua falibilidade, sua natureza condutível, plástica, segundo seja o interesse da parte em ver provados certos fatos, ainda que não tenham ocorrido”.
Desta feita, só será considerada plenamente válida e eficaz a prova testemunhal quando a sua coleta venha a se proceder nos liames preconizados no ordenamento jurídico vigente, ocorrendo na presença do magistrado e dos litigantes, sob o compromisso legal previamente assumido pelo depoente e sujeição à contradita e indagações das partes.
Não sendo a testemunha incapaz, impedida ou suspeita, na forma da lei, suas alegações servirão de base para contribuir na formação do convencimento do julgador, o qual ficará adstrito àquele único contato com o indivíduo e, ainda, ao teor do que será transcrito no termo de audiência.
Entrementes, não podemos olvidar das circunstâncias psicossociais que permeiam a testemunha. Cada indivíduo é único. Por essa razão, o que foi dito deve ser analisado de forma holística, com base em quem proferiu o aludido relato.
II – A PROVA TESTEMUNHAL SOB O FOCO DA PSICOSSOCIOLOGIA
O insigne jurista Gabriel de Rezende Filho, citado na obra “A Prova no Processo do Trabalho” de autoria do doutrinador Manoel Antonio Teixeira Filho (2003, p. 330), apresenta a seguinte classificação acerca das testemunhas:
a) instrumentárias, que asseguram com a sua presença e assinatura, a verdade dos atos jurídicos, colaborando na formação da prova literal preconstituída. São, na classificação de Malatesta, as ante factum;
b) judiciais, que depõem, em juízo acerca dos fatos (relevantes) da ação. Correspondem, portanto, às in facto, a que se referiu Malatesta;
c) oculares e auriculares, que depõem segundo os fatos que presenciaram ou de que tiveram notícia, respectivamente. Estas últimas são as conhecidas testemunhas “por ouvir dizer”;
d) originárias e referidas, conforme tenham sido indicadas pelas partes ou mencionadas por outras testemunhas, em suas declarações, respectivamente;
e) idôneas e inidôneas, segundo seja o valor do seu depoimento, sendo que as segundas são afetadas por algum vício ou defeito capaz de lhes tirar ou diminuir a credibilidade.
Com efeito, o ordenamento jurídico brasileiro impõe regramentos obstativos para testemunhas em determinadas condições. Nessa esteira, o Código de Processo Civil dispõe, em seu artigo 405:
Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.
§ 1º. São incapazes:
I - o interdito por demência;
II - o que, acometido por enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los; ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;
III - o menor de 16 (dezesseis) anos;
IV - o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.
§ 2º. São impedidos:
I - o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
II - o que é parte na causa;
III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes.
§ 3º. São suspeitos:
I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença;
II - o que, por seus costumes, não for digno de fé;
III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo;
IV - o que tiver interesse no litígio.
Desta forma, ultrapassadas as hipóteses acima elencadas, a testemunha, aos olhos da lei, não terá qualquer mácula nas alegações externadas em juízo, as quais servirão como prova nos autos processuais.
Contudo, sob a ótica da psicossociologia, imprescindível, para a valoração da prova testemunhal, uma análise mais profunda de cada indivíduo que presta seus relatos perante o Poder Judiciário. Toda a carga de uma vida, tanto na esfera psicológica como na social, poderá influenciar na forma de percepção de um fato e, consequentemente, na maneira de exteriorizar, em audiência, aquilo que fora captado.
Emílio Mira Y López, em sua obra Psicologia Jurídica (2003, p. 165/166), entende que:
O testemunho de uma pessoa sobre um acontecimento qualquer depende essencialmente de cinco fatores: a) do modo como percebeu esse acontecimento; b) do modo como sua memória o conservou; c) do modo como é capaz de evocá-lo; d) do modo como quer expressá-lo; e) do modo como pode expressá-lo. O primeiro fator depende por sua vez de condições externas (meios) e internas (aptidões) de observação. O segundo, puramente neurofisiológico, encontra-se somente influenciado por condições orgânicas, do funcionamento mnêmico. O terceiro, misto, isto é, psico-orgânico, é talvez o mais complexo, pois nele intervêm poderosos mecanismos psíquicos já estudados (repressão ou censura). O quarto, grau de sinceridade, é puramente psíquico e seu estudo experimental objetivo foi assunto das páginas anteriores. Finalmente, o quinto, grau de precisão expressiva, isto é, grau de fidelidade e clareza com que o indivíduo é capaz de descrever suas impressões e representações até fazer com que as demais pessoas as sintam ou compreendam como ele, é um dos menos estudados e talvez dos mais importantes.
Sobre os fatores capazes de influenciar o modo de percepção de determinado acontecimento, Emílio Mira Y López (2003, p. 167) discorre:
Hoje em dia, sabe-se que toda percepção, por simples que seja, é algo mais do que a soma de um conjunto de sensações elementares. Toda percepção supõe uma “vivência”, isto é, uma experiência psíquica complexa na qual não se misturam, e sim se fundem, elementos intelectuais, afetivos, conativos, para construir um ato psíquico, dinâmico, global e como tal irredutível. Sabemos também que os “esquemas perceptivos”, isto é, as figuras ou formas constituídas pelo especial agrupamento dos elementos percebidos, são essencialmente subjetivos, e como tais pessoais. É tão imenso o valor do mecanismo catatímico que praticamente não se pode falar de percepções neutras e, por conseguinte, mesmo nos casos mais favoráveis, nunca podemos chegar a conhecer a realidade exterior senão baseando na multiplicação até o infinito número das pessoas que a percebem simultaneamente, coisa impossível na prática (e muito mais na prática jurídica, uma vez que a imensa maioria dos delitos é cometida perante um número limitadíssimo de testemunhas). (Grifado)
Destarte, a análise psicossociológica permite a abertura de uma perspectiva multifacetada do indivíduo, o que será determinante para melhor compreender determinadas informações trazidas no depoimento. Imprescindível se verificar, portanto, diversas óticas da vida, notadamente o histórico e cultura da testemunha. E, se possível, observar o sujeito desde a perspectiva intrapsíquica até o seu comportamento interpessoal, intergrupal e societal.
Dentre uma gama de perguntas, poderíamos mencionar as seguintes: Em que comunidade a testemunha está inserida? Quais os aspectos culturais que a permeiam? Qual a sua profissão? Qual a sua etnia? Qual sua religião? Qual o seu grau de instrução?
Valorar o que foi dito com a mera análise do que fora transcrito em um termo de audiência não tem a mesma riqueza se o indivíduo, anteriormente, for inserido (por um profissional especializado) em um contexto psicossocial próprio. Não resta dúvida que a imparcialidade da testemunha poderá ser maculada diante de suas características psicossociais.
III – SÍNTESE CONCLUSIVA
Diante do exposto, percebe-se que a prova testemunhal, ultrapassadas as hipóteses de incapacidade, impedimento e suspeição, é aquilatada com a objetividade do que se retrata, a partir do depoimento, no termo de audiência. Porém, se, anteriormente, a testemunha é inserida dentro de um contexto psicossocial, a partir de uma análise individual da mesma, o relato será visto com uma face totalmente diversa (mais próxima da realidade, diga-se de passagem).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de processo civil. Coordenação de Anne Joyce Angher. 3. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2003.
SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT Comentada. 42. ed. São Paulo: Editora LTr, 2009.
MYRA Y LÓPEZ, Emílio. Manual de psicologia jurídica. São Paulo: LZN Editora, 2003.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A prova no processo do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2003.
Advogado. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista - PB. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Carlos Nazareno Pereira de. A outra face da prova testemunhal à luz da psicossociologia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 set 2010, 08:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/21264/a-outra-face-da-prova-testemunhal-a-luz-da-psicossociologia. Acesso em: 29 nov 2024.
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