De proêmio, é de suma relevância, iniciarmos o estudo empírico tendo-se por princípios norteadores do caráter e formação dos seres humanos aqueles conhecidos e esculpidos em sua personalidade desde a sua mais tenra idade, ainda adstrito na sua célula mater, ou seja, no seio familiar de per si.
Data vênia, o mais nobre e leal sustentáculo de toda fundamentação humana é a denominada família, bem como consectário também a escola; ambos são os dois pilares basilares, sustentadores e fundamentais de valores aptos a basear conceitos de cunho eminentemente moral, ético e social que seguirão por toda jornada da vida com o indivíduo, caracterizando seu modo de agir perante a sociedade como um todo, definindo toda a sua personalidade, seu caráter, suas decisões, seu comportamento seguidas, bem como de todos seus mais belos sonhos e ideais realizados.
Em breves linhas gerais, a criação, bem como a educação de uma criança, sobretudo a noção de respeito ao próximo, é tarefa primária da família, a célula mater de todo indivíduo, porém com o nobre papel de estabelecer e fortalecer conceitos de civilidade e convivência social estão, secundariamente também, as entidades escolares.
O sustentáculo de fundamentação de tal tema emblemático neste cenário suso mencionado, é dito como de caráter temerário quando cabe ao Poder Judiciário, como força suprema na ordem estatal, intervir na tentativa de resgatar conceitos basilares de vida em sociedade, acendendo um sinal de alerta a todos nós quanto à necessidade de resgatar princípios básicos não só do direito de per si, mas da condição humana como um todo.
Pedra angular que nos norteia decerto este fato jurídico sub judice e acima inserido em decisão extraordinária e inédita proferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em sede da Apelação Cível sob número 2006.03.1.008331-2, tendo como seu Ilustre Relator o Emérito Desembargador Waldir Leôncio Júnior, em julgamento efetuado na data de 07 de agosto de 2008, onde todos os desembargadores, em decisão unânime, condenaram uma instituição disciplinar de ensino a indenizar moralmente uma criança pelos abalos psicológicos decorrentes de violência na esfera escolar praticada por outros alunos da mesma instituição de ensino, tendo em vista a derradeira ofensa ao tão almejado Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, devidamente inserida expressamente em nossa Carta Magna de 1988.
Não obstante outras decisões envolvendo o denominado “bullying”, estudado notoriamente nesse artigo, tem-se esta susa mencionada decisão judiciária como sendo pioneira na esfera do cunho jurisdicional pátrio, eis que relatou abertamente um fenômeno atualmente estudado em larga escala por infindados médicos, educadores, psicólogos, juristas e psicanalistas em quase todo o mundo.
Da decisão mencionada, extraímos de forma digna, nobre e coesa a seguinte ementa dos doutos ilustres julgadores, conforme segue abaixo:
“ABALOS PSICOLÓGICOS DECORRENTES DE VIOLÊNCIA ESCOLAR - BULLYING - OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA. (...) Na espécie, restou demonstrado nos autos que o recorrente sofreu agressões físicas e verbais de alguns colegas de turma que iam muito além de pequenos atritos entre crianças daquela idade, no interior do estabelecimento do réu, durante todo o ano letivo de 2005. É certo que tais agressões, por si só, configuram dano moral cuja responsabilidade de indenização seria do Colégio em razão de sua responsabilidade objetiva. Com efeito, o Colégio réu tomou algumas medidas na tentativa de contornar a situação, contudo, tais providências foram inócuas para solucionar o problema, tendo em vista que as agressões se perpetuaram pelo ano letivo. Talvez porque o estabelecimento de ensino apelado não atentou para o papel da escola como instrumento de inclusão social, sobretudo no caso de crianças tidas como “diferentes”. Nesse ponto, vale registrar que o ingresso no mundo adulto requer a apropriação de conhecimentos socialmente produzidos. A interiorização de tais conhecimentos e experiências vividas se processa, primeiro, no interior da família e do grupo em que este indivíduo se insere, e, depois, em instituições como a escola. No dizer de Helder Baruffi, “Neste processo de socialização ou de inserção do indivíduo na sociedade, a educação tem papel estratégico, principalmente na construção da cidadania.” (TJ-DFT - Ap. Civ. 2006.03.1.008331-2 - Rel. Des. Waldir Leôncio Júnior - Julg. em 7-8-2008)
De suma relevância constar e afirmar, veementemente que o denominado termo “bullying”, ainda é pouco aprofundado e estudado no sistema brasileiro e quase totalmente desconhecido perante a comunidade jurídica pátria.
O desastroso e cruel fenômeno “bullying” começa a ganhar cada vez mais espaço nas entranhas dos estudos desenvolvidos por pedagogos, educadores, juristas e psicólogos ligados às instituições de ensino e no âmbito familiar de per si, é de certo datado que a partir de meados da década de 1990 está realmente em pauta, o temido ato sub judice.
Nessa mesma esteira de pensamento, destarte, ações e comportamentos excessivos de crianças e adolescentes no ambiente familiar e escolar, ainda ignorados ou tratados como praticamente normais por pais e educadores, tornando-se um grande obste a formação psicológica das crianças principalmente pós o advento do século XXI.
O ora tema estudado e denominado, ‘bullying’, é uma palavra oriunda do verbo inglês ‘bully’ que é o termo devidamente utilizado para designar uma pessoa dotada de maldade, crueldade, sem qualquer tipo de sentimentos, de caráter intimidador, muitas vezes agressivo, ou seja, significa justamente utilizar de sua superioridade por vezes física ora moral para causar temor a outrem indivíduo, mais frágil ou fraco.
O termo acima suso mencionado, “bullying” em análise, já previamente adotado em vários países, vem definir todo tipo de comportamento agressivo, intencional e repetido inerente às relações interpessoais, tais como: tiranizar, agredir, traumatizar, caçoar, ofender, gozar, zombar, humilhar, discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, dominar, bater, chutar, empurrar, ferir no mais profundo âmago corporal ou/e psicológico, são comportamentos típicos do fenômeno em tela, sob análise.
O sustentáculo de fundamentação de tal tema emblemático em um primeiro momento, podem parecer comportamentos agressivos que ocorrem nas instituições escolares, bem como nos âmbitos familiares que são tradicionalmente admitidos como naturais. Atitudes essas inerentes de profundo desrespeito, desamor, desafeto ao próximo e que carecem de profunda análise técnica, psicológica e teórica.
O “bullying”, atualmente, é uma questão de ordem mundial, sendo encontrado em todo e qualquer âmbito familiar bem como escolar, não estando adstrito a nenhum tipo específico de instituição: primária ou secundária, pública ou privada em grupos reservados ou amplos.
Nesses termos, importante considerar que a entidade de ensino é investida no dever de guarda e preservação da integridade física e psicológica de seus alunos, com a obrigação de empregar a mais severa diligente de vigilância, objetivando sempre prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano decorrente do convívio dentro da entidade educacional.
Por infindadas vezes, as agressões físicas e verbais de alguns alunos vão muito aquém de pequenos atritos entre meras crianças.
Nessa esteira, vem se considerando que o estabelecimento educacional de ensino não atentou para o seu papel precípuo de escola de per si, como instrumento de inclusão social da criança, logo é clarividente que a condenação que segue abaixo exposta foi de rigor ao tema abordado. Sobre a responsabilidade da entidade escolar, destacamos nessa seara outro julgado, agora este advindo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em sede de Apelação nº 7109185000, possuindo como seu devido Relator o Ilustre Desembargador Barreto Fonseca, julgado este datado de 11 de agosto de 2008, que passamos a expor:
“RESPONSABILIDADE DO ESTADO. O Município é responsável por danos sofridos por aluno, decorrentes de mau comportamento de outro aluno, durante o período de aulas de escola municipal. O descaso com que atendido o autor quando procurou receber tratamento para sua filha se constitui em dano moral que deve ser indenizado. (TJ-SP – Ap. 7109185000 – Rel. Des. Barreto Fonseca – Julg. em 11-8-2008).”
A responsabilidade dos pais, nesse ponto, é de suma relevância registrar que o ingresso no mundo adulto pela criança, requer a apropriação de conhecimentos socialmente produzidos. Para tanto, sabe-se que a natureza humana não é espontaneamente generosa, respeitosa e nem mesmo solidária. Virtudes como essas devem ser rotineiramente aprendidas, utilizadas e exercitadas.
A interiorização de tais conhecimentos e experiências vividas se processa, em primeiro lugar, no interior da família e do grupo em que este indivíduo se insere. Neste sentido, cabe aos pais e responsáveis zelar pela condução de princípios basilares, eis que, neste processo de socialização ou de inserção do indivíduo na sociedade, a educação tem papel estratégico, principalmente na construção da cidadania.
É no seio familiar que são construídos os primeiros conceitos basilares de educação, humanidade, moralidade, civilidade e ética. Nesse sentido, compete aos pais a responsabilidade pelos abusos e atitudes violentas praticados pelos seus filhos, mediante outras crianças vítimas do “bullying”.
Nessa seara de pensamento, as consequências no ambiente escolar e na sociedade, ao aprofundarmos nossa reflexão, claramente veremos que o “bullying”, fenômeno extremamente cruel e silencioso, não traz somente consequências negativas para o ambiente escolar e familiar, mas também consequências drásticas para a criança vitimada para o restante de sua vida pois sua personalidade fora moldada nos termos de uma silenciosa e drástica violência.
O fenômeno denominado, “bullying”, estimula o isolamento ou a delinquência, induzindo a outras formas de violência explícita aptas a produzir, em larga escala, cidadãos tristes, estressados, agressivos, deprimidos, com baixíssima autoestima, capacidade constante de autoafirmação, bem como de autoexpressão deficitária, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves.
Em derradeira conclusão, não obstante a nobre e louvável iniciativa de alguns Estados e Municípios em adotar uma política para adoção de um programa de combate ao “bullying”, embora ainda não haja uma legislação específica tratando especificamente do tema, cabe ao Poder Judiciário aplicar subsidiariamente as normas positivadas e sanções previstas em nossa Constituição Federal de 1988, bem como as constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente bem como em outros dispositivos legais pátrios para que haja a devida responsabilização jurídica em todas as esferas dos ditos culpados do fenômeno “bullying” que vem assolando toda uma geração repleta de problemas oriundas de suas formações na mais tenra infância, ainda quando crianças.
De fato, é de suma importância salientarmos que, após um caso ocorrido com um estudante na Paraíba, a Câmara Municipal de João Pessoa aprovou um projeto de lei, que deu origem à Lei Municipal nº 11.381 de 2008, que dispõe claramente acerca do combate ao fenômeno sub judice, denominado “bullying”.
Nesse mesmo diapasão, recentemente, o governador do Estado de Santa Catarina sancionou a Lei Estadual 14.651 do ano de 2009 para instituição do programa de combate efetivo ao “bullying”, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do Estado.
Na mesma seara, já em Estados como São Paulo, a iniciativa ainda está sendo analisada pelo Poder Legislativo, por meio do respectivo Projeto legislativo de número 350 do ano de 2007. Já No Estado Brasileiro do Rio de Janeiro, uma lei estadual sancionada em 23 de setembro de 2010, institui a obrigatoriedade de escolas públicas e particulares notificarem casos de bullying à polícia; e em caso de descumprimento, a multa pode ser de 03 (três) a 20 (vinte) salários mínimos, ou seja, um importe de até R$ 10.200,00 reais para as instituições de ensino
Data vênia, o enfrentamento jurídico direto do “bullying”, além de ser uma medida disciplinar que clama por urgência, também é de fato notório um gesto cidadão imbuído de cunho eminentemente educativo, uma vez que prepara as crianças em formação para a aceitação, o convívio, a atenção, o respeito, o amor e a convivência com as diferenças alheias de cada cidadão particularizado.
Destarte, é tempo de plena reflexão de toda nossa sociedade, em especial dos pais, todos familiares, educadores, pedagogos, psicólogos e, agora, evidentemente dos juristas, data vista que o fenômeno “bullying” não pode mais ser entendido como mero banalizador para o nível de tolerância da sociedade com relação à violência mascarada, mas sim deve ser entendido como ato de responsabilidade em todas as esferas jurídicas.
Em conclusão, infelizmente, é prognóstico certo que enquanto a sociedade não estiver preparada para lidar através de todas as ferramentas com o denominado “bullying”, serão ínfimas as chances de reduzir as outras formas de comportamentos desprezíveis, autodestrutivos, agressivos, lesivos, violentos e destrutivos dos pequenos seres humanos em formação, desse ato suso mencionado e explanado que emana a necessidade de haver por parte estatal uma célere, devida e justa reparação jurídica de todos os danos sofridos pelas vítimas agredidas.
ADVOGADA, DEVIDAMENTE INSCRITA NA OAB/SP SOB Nº 221.435 E ESCRITORA DE ARTIGOS E LIVROS JURÍDICOS. PÓS GRADUADA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELA PUC/SP E PÓS GRADUADA EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA FACULDADE DE DIREITO DAMÁSIO DE JESUS. AUTORA DA OBRA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NOS TEMPLOS E CULTOS RELIGIOSOS (ISBN 978-85-7786-023-4) PELA EDITORA RUSSELL. CONTATOS ATRAVÉS DO EMAIL: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAEIRO, Marina Vanessa Gomes. O Fenômeno BULLYING e as Leis Pátrias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2010, 07:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/22318/o-fenomeno-bullying-e-as-leis-patrias. Acesso em: 23 nov 2024.
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