Resumo: questiona práticas judiciais de Comissões Disciplinares do TJD-MG que, pela forma com que procedem e pelas justificativas que fornecem, produzem decisões legalmente equivocadas, em prejuízo dos jurisdicionados. Aponta três reiterados desajustes.
Palavras-chave: TJD – Comissões Disciplinares – jurisprudências - legalidade –proporcionalidade – igualdade – fixação de pena – dosimetria – fundamentos – técnica jurídica – incompetência ratione materiae – cartão amarelo – cartão vermelho – direito objetivo – esporte não profissional – circunstâncias judiciais- pena base – pena in concreto .
O Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais pode se orgulhar de sua composição e dos trabalhos que apresenta, em termos de prestação jurisdicional, na sua área de competência, qualificada pela eficiência, rapidez e, principalmente, pelo apego ao mais ortodoxo sentido de Justiça, independência, isonomia e imparcialidade.
As suas Comissões Disciplinares apresentam peculiaridades e forma especial na efetivação de seu labor jurídico, acabando por produzirem, várias delas, orientações interessantes que facilitam o seu trabalho e servem de referência a todos que operam naquela seara.
A despeito disso, alguns julgados, reiterados no mesmo sentido e com um mesmo conteúdo, causam estranheza aos defensores, independentes ou dativos, por se situarem em rota de colisão com princípios e dispositivos legais contidos no arcabouço de normas que regulam o Direito Desportivo, senão vejamos três dessas “jurisprudências”:
1. “A EXPULSÃO DE ATLETA ADVERTIDO COM SEGUNDO CARTÃO AMARELO POSSUI A MESMA GRAVIDADE QUE O FATO CONSITUIDO PELA RETIRADA DE CAMPO COM CARTÃO VERMELHO DIRETO, DEVENDO SOFRER REPRIMENDA DE IGUAL ESPÉCIE.”[1]
Ora, é de consenso universal e de domínio público que o Cartão Amarelo é apresentado ao jogador que pratica, durante o jogo, falta de média gravidade e somente o acúmulo de uma segunda advertência de idêntica natureza, na mesma partida, é que vai obrigá-lo a sair de campo[2].
Por outro lado, o Cartão Vermelho, independente de qualquer outra advertência formal, é aplicado para infrações de maior gravidade, com consequências gravosas decorrentes, geralmente de agressão física ou verbal de intenso conteúdo lesivo à integridade corporal ou à dignidade do ofendido.
É de lógica por demais primária que a segunda situação deve ser apenada com mais rigor que a primeira, pelos aspectos intrínsecos de sua própria natureza e pelas sequelas morais e materiais que dela devem decorrer. Ao inverso, também, é forçoso concluir que a primeira hipótese não deve e não pode ser punida de conformidade com a segunda, por ofensa clara ao consagrado Princípio Constitucional da Igualdade, vez que se estará dando tratamento idêntico a situações que são, em seus múltiplos aspectos, inteiramente diferentes. Junto com o Princípio da Proporcionalidade da Pena, também constitucional, ambos repetidos no CBJD[3], são jogados no limbo do desconhecimento.
Para as expulsões por segundo Cartão Amarelo, a fixação da pena deve ser lastreada exclusivamente na finalidade pedagógica da pena, aplicando-se, no máximo, em situação de primariedade, a advertência judicial que é admitida na maior parte dos tipos infracionais cabíveis na espécie ( Artigos 250, §2º; 254, § 2º; 258, § 1º e 263, parágrafo único, todos do CBJD).
Já nos julgamentos por Cartão Vermelho direto, com tranquilidade se pode admitir que o julgamento tenha em vista a finalidade retributiva da punição, considerando-se, em cada caso, o conteúdo de gravame fático que possa apresentar.
2. “A CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DE PENA CONTIDA NO ARTIGO 182 DO CBJD PODE DEIXAR DE SER APLICADA PELA COMISSÃO DISCIPLINAR, MEDIANTE AVALIAÇÃO DA GRAVIDADE DA INFRAÇÃO, DE MERECIMENTO DO ACUSADO OU DE OUTRAS CIRCUNSTÃNCIAS QUE JUSTIFIQUEM A MEDIDA.”[4]
De fato, algumas comissões têm deixado de aplicar o fator de redução da pena pela metade, como determinado no dispositivo mencionado, por decorrência de avaliação negativa do mérito, por considerar a infração de maior potencial ofensivo ou até, ressalte-se, decorrente do conhecimento privado do Auditor sobre a existência de contrato de trabalho entre o atleta e a agremiação a que pertence, o que serviria para descaracterizar o esporte não profissional e justificar o decote do benefício legal.
A fundamentação acima, como não poderia deixar de ser, soa como descomunal absurdo jurídico porque, primeiro, a circunstância de privilégio contida no artigo em comento trata-se de direito objetivo do acusado e definitivamente não representa faculdade. O legislador não diz que as penas poderão ser reduzidas pela metade, mas, de maneira impositiva, informa que “As penas previstas neste Código serão reduzidas pela metade quando a infração for cometida por atleta não profissional”(realce nosso). Não se caracteriza como facultas agendi do Julgador, mas obligatio, se existirem as condições exclusivamente objetivas que a autorizam.
Segundo, porque a classificação do esporte não profissional é feita, de forma oficial, pela Federação que cria, organiza, regula e registra as competições, distinguindo-as por modalidades profissional, juvenil, infantil, feminino etc, não deixando qualquer válvula para que uma Comissão Disciplinar, a pretexto de julgamento de infração acontecida em qualquer delas, altere essa qualificação, sob nenhum pretexto, o que irá caracterizar ato nulo por incompetência ratione materiae.
3. “A PENA BASE PODE SER FIXADA ALÉM DO MÍNIMO, A CRITÉRIO EXCLUSIVO DA COMISSÃO”[5].
A fixação da pena deve obedecer critérios legais estipulados no CBJD e, supletivamente, na legislação penal e processual penal que servem como obrigatória referência aos procedimentos de natureza administrativa, pois que são parâmetros que evitam o arbítrio judicial e desproporcionalidade no exercício do jus puniendi.
A boa técnica é alcançada através do chamado sistema trifásico[6] em que, no primeiro momento, a partir da pena abstrata, avaliando-se a culpabilidade, antecedentes e conduta social do agente, motivos e consequências do fato, o julgador deve fixar a Pena Base. São as chamadas Circunstâncias Judiciais que, se não forem desfavoráveis, devem fazer com que a Pena Base seja fixada no mínimo da cominação in abstracto. A partir daí, então, numa segunda fase, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes, minorando ou majorando o quantitativo anterior da pena para, em terceiro e último momento, considerar as causas especiais de redução ou de aumento de pena (são os casos dos artigos 182 e do 157, §1º) e chegar ao montante da sanção in concreto (art 59 e 68 CP)[7].
Assim, a lastimável praxis de estabelecer, desmotivadamente, a pena base além do mínimo legal, constitui uma agressão intolerável aos indisponíveis princípios da legalidade, da proporcionalidade e razoabilidade, fazendo caracterizar o decisum como um abominável desserviço à Justiça Desportiva.
Por final, ratificando as considerações iniciais pelo enorme respeito que se tem às pessoas que compõem as diversas Comissões Disciplinares, pelo reconhecimento do valioso e desprendido trabalho que prestam ao TJD-MG, informa-se que a discussão presente deve ser encarada como parte do salutar debate jurídico que essas questões envolvem, com possíveis dividendos para todo o universo desportivo.
[1] MINAS GERAIS – Jurisprudência não escrita – Ementa reconstruída pelo autor – Não identificada a Comissão de origem por motivos éticos
[2] BRASIL – CBF – www.cbfnews.com.br/arbitragem/faltas/regrasdojogo - consulta em 27 out 2011.
[3] BRASIL – Código Brasileiro de Justiça Desportiva, artigo 1º, § 2º e artigo 2º, XII
[4] MINAS GERAIS - idem
[5] MINAS GERAIS - ibidem
[6] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado – p. 68 –Ed Impetus – 2010 – STEFAM, André. –Direito Penal – Parte Geral – p. 339/363 – Ed Saraiva – 2010.
[7] BRASIL – Código Penal Brasileiro
Delegado de Polícia (apos). Mestre em Administração Pública/FJP - Especialista em Criminologia, Direito Penal e Processual Penal - Professor do Centro Universitário Metodista de Minas - Assessor Jurídico da Polícia Civil. Auditor do TJD/MG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, João. Justiça Desportiva: Dosimetria da Pena - Incorreções Técnicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2011, 08:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/25827/justica-desportiva-dosimetria-da-pena-incorrecoes-tecnicas. Acesso em: 28 nov 2024.
Por: Ronaldo Henrique Alves Ribeiro
Por: Marjorie Santana de Melo
Por: Leonardo Hajime Issoe
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Precisa estar logado para fazer comentários.