1 Breves considerações sobre a autonomia do processo do trabalho.
Quando se fala em autonomia do processo do trabalho, não se está confrontando-o com o direito material do trabalho. A discussão sobre a autonomia do processo do trabalho diz respeito à sua relação com o processo civil.
Nessa discussão há duas correntes: monista e dualista.
Os dualistas representam a maioria dos autores de processo do trabalho, consistindo sua tese em afirmar que o processo do trabalho obedece aos princípios gerais do processo, mas também tem princípios próprios e órgãos jurisdicionais especializados, além de fontes específicas e desenvolvimento didático independente.
Para os dualistas, o processo do trabalho receberá apenas um auxílio subsidiário do processo civil, o que é previsto no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”
Já os monistas não reconhecem o processo do trabalho como um ramo diferenciado, argumentando que os princípios são os mesmos, seja no processo do trabalho, seja no processo civil. Os monistas reconhecem algumas particularidades do processo do trabalho, mas não necessariamente princípios próprios.
Sobre a distinção entre essas duas correntes, assim escreveu Renato Saraiva, citado por José Cairo Júnior:
A teoria monista, minoritária, preconiza que o direito processual é unitário, formado por normas que não diferem substancialmente a ponto de justificar a divisão e autonomia do direito processual do trabalho, no direito processual civil, e do direito processual penal. [...] A teoria dualista, significativamente majoritária, sustenta a autonomia do direito processual do trabalho do direito processual comum, uma vez que o direito substancial laboral possui regulamentação própria na Consolidação das Leis do Trabalho, sendo inclusive dotados de princípios e peculiaridades que o diferenciam, substancialmente, do processo civil.[1]
Posicionando-se pela inexistência de uma plena autonomia do direito processual do trabalho, José Cairo Júnior: “o grau de dependência do processo do trabalho em relação ao processo civil, em diversos aspectos, é muito intenso, razão pela qual não há como reconhecer a sua plena autonomia.”[2]
Dessa forma, o estudo de qualquer ponto do direito processual do trabalho será influenciado pelo direito processual civil.
Ao estudar a ação rescisória na justiça do trabalho, deve-se atentar que, apesar das particularidades criadas jurisprudencialmente pelo Tribunal Superior do Trabalho, o instituto é regulado pelo Código de Processo Civil.
2 A disciplina da ação rescisória pelo TST
A ação rescisória é o tema mais detalhado pela súmulas e orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho.
Segundo José Cairo Júnior,
a excepcionalidade e a importância dessa medida processual têm causado polêmicas de toda ordem, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, principalmente quanto aos motivos que ensejam o seu cabimento, seja na Justiça Ordinária ou na justiça do Trabalho. Chega-se a essa constatação pela simples observação da grande quantidade de Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST, que, em sua maioria, fixam os critérios para o seu cabimento, inexistindo outra questão que tenha produzido tantas manifestações dessa Corte Trabalhista.[3]
Alguns desses regramentos são meros detalhamentos que não alteram a natureza da ação rescisória e suscitam poucas discussões doutrinárias. Já outros são assuntos polêmicos e controversos que são tratados de forma diversa no Superior Tribunal de Justiça, como por exemplo a contagem do prazo decadencial de dois anos.
2.1 Significado de “lei” no artigo 485, V, do CPC
A palavra “lei” constante do referido dispositivo deve ser entendida de forma ampla, pois não só a violação à lei, mas também a violação à Constituição e aos princípios ensejam o ajuizamento da ação rescisória.
Fredie Didier discorre sobre o tema:
É ponto incontroverso na doutrina e na jurisprudência que lei, tal como empregada no dispositivo, constitui expressão ampla, abrangendo tanto a lei estrangeira como a nacional, tanto a material como a processual, tanto a infraconstitucional como a constitucional. A expressão lei está, aí, abrangendo a lei complementar, a ordinária, a delegada, a medida provisória, o decreto e qualquer outro ato de conteúdo normativo.[4].
Dessa forma, conquanto se entenda que a atividade jurisdicional consiste na criação de uma norma jurídica aplicável aos casos concretos que lhes são submetidos, não há que se falar em ação rescisória por violação de lei em face de súmulas ou orientações jurisprudenciais.
No âmbito do direito laboral, é justificável alguma controvérsia sobre o sentido de “lei” para efeitos do artigo 485, V, do Código de Processo Civil, pelo fato de as fontes do direito do trabalho possuírem um tratamento peculiar, diante do princípio da norma mais benéfica.
Por esse princípio, um regulamento de empresa, caso mais favorável ao trabalhador pode afastar a aplicação do texto constitucional ao caso concreto. Também o acordo coletivo e a convenção coletiva podem produzir tal efeito.
Mesmo diante dessa maior quantidade de fontes do direito do trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho restringiu o alcance da expressão “lei” na Orientação Jurisprudencial 25 da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais:
25. Ação rescisória. Expressão “lei” do art. 485, V, do CPC. Não inclusão do ACT, CCT, portaria, regulamento, súmula e orientação jurisprudencial de Tribunal. Não procede pedido de rescisão fundado no art. 485, V, do CPC quando se aponta contrariedade à norma de convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, portaria do Poder Executivo, regulamento de empresa e súmula ou orientação jurisprudencial de tribunal.
Assim, a decisão que contraria instrumentos normativos coletivos, regulamento de empresa, e portarias não é passível de rescisão.
2.2 Depósito
O Código de Processo Civil exige, para o ajuizamento da ação rescisória, o depósito de cinco por cento sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente.
Segundo Francisco Antônio de Oliveira, “o depósito prévio, nesse caso, tem a qualidade de uma condição especial da ação ou, como preferem alguns, um pressuposto objetivo extrínseco de admissibilidade”.[5]
Caso não seja efetuado o depósito, aplica-se o artigo 284 do Código de Processo Civil, somente após tal procedimento podendo-se indeferir a petição inicial da ação rescisória. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. EXTINÇÃO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 284 DO CPC. OPORTUNIDADE DE EMENDA. OBRIGATORIEDADE. Pacífico é o entendimento sobre obrigatoriedade de o juiz conceder ao autor prazo para que emende a inicial e, somente se não suprida a falha, é que poderá o juiz declarar a extinção do processo. Ademais, ofende o art. 284 do CPC o acórdão que declara extinto o processo, por deficiência da petição inicial, sem intimar o autor, dando-lhe oportunidade para suprir-lhe a falha. Recurso Provido. (STJ, 5ª T., REsp n. 617.629/MG, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 22/03/2005, publicado no DJ de 18/04/2005, p. 372).
Sobre esse depósito, o Tribunal Superior do Trabalho possuía o enunciado de súmula 194, com a seguinte redação: “As ações rescisórias ajuizadas na Justiça do Trabalho serão admitidas, instruídas e julgadas conforme os arts. 485 usque 495 do Código de Processo Civil de 1973, sendo desnecessário o depósito prévio a que se referem os arts. 488, inciso II, e 494.”
Tal enunciado não tem mais aplicação. Segundo Raymundo Antonio Carneiro Pinto,
A interpretação se tornou desnecessária desde que a Lei n. 7.351, de 27.8.85, modificou a redação do art. 836 da CLT, referindo-se expressamente à possibilidade de ação rescisória no processo trabalhista. O mesmo artigo sofreu nova alteração por força da Lei n. 11.495, de 22.6.07, que agora prevê a obrigatoriedade do depósito prévio na ação rescisória.[6]
De fato, as ações rescisórias ajuizadas após o advento da Lei 11.495/2007, que alterou o artigo 836 da CLT, devem obedecer ao depósito de vinte por cento, conforme a dicção legal:
Art. 836. É vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas, excetuados os casos expressamente previstos neste Título e a ação rescisória, que será admitida na forma do disposto no Capítulo IV do Título IX da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, sujeita ao depósito prévio de 20% (vinte por cento) do valor da causa, salvo prova de miserabilidade jurídica do autor.
São, portanto, dispensados do depósito prévio: a Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 488, inciso II do Código de Processo Civil), e o autor que comprove miserabilidade jurídica.
Segundo Fredie Didier, a isenção por prova de miserabilidade jurídica “inclui não apenas as pessoas físicas, mas também apenas as pessoas jurídicas que não conseguirem arcar com as despesas processuais sem o prejuízo de sua continuidade”.[7]
Conforme o artigo 6º da Instrução Normativa 31/2007 do Tribunal Superior do Trabalho, o depósito prévio não será exigido da massa falida e quando o autor perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declarar, sob as penas da lei, que não está em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
Em relação ao valor cumpre notar a diferença entre o Código de Processo Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho: enquanto naquele o depósito será de cinco por cento do valor da causa, neste será de vinte por cento.
Para José Cairo Júnior,
O legislador reformista levou em consideração a grande quantidade dessa espécie de ação, que vinham sendo utilizadas indiscriminadamente em substituição aos recursos, já que estes exigiam depósito prévio para sua interposição. [8]
No entanto, alguma vezes os advogados não informam corretamente o valor da causa na petição inicial.
Esse hábito é criticado por Francisco Antônio de Oliveira:
O valor do depósito de que fala a lei está diretamente ligado ao valor dado à ação rescisória. Aí mora o perigo. Com raríssimas exceções, os juízes do trabalho não se preocupam com o valor da causa. Vem daí o incentivo de um uso corrente entre advogados da praxe: “valor da causa para simples efeitos de custas e de alçada”. Praxe utilizada sem amparo legal, uma vez que o valor da causa deve refletir aquilo que economicamente se pleiteia. Não deve nem pode ser atribuído ao livre arbítrio da parte.[9]
Ainda em relação ao valor da causa, importante destacar que este corresponderá ao valor apurado em liquidação de sentença, de acordo com o artigo 3º da Instrução Normativa 31/2007 do Tribunal Superior do Trabalho.
2.3 Ação Rescisória e Instrumentos Normativos
Discute-se na doutrina a possibilidade de ação rescisória em face de instrumentos normativos (sentença normativa, acordo coletivo e convenção coletiva).
Segundo Sérgio Pinto Martins, “chama-se sentença normativa a decisão dos tribunais regionais do trabalhador ou do TST no julgamento dos dissídios coletivos”.[10]
Também se define a sentença normativa como:
o resultado do poder normativo exercido pela Justiça do Trabalho através de sua Seção Especializada em Dissídios Coletivos, na qual são criadas regras que regerão determinadas categorias (profissional e econômica), vinculando trabalhadores e empregadores. [...] esse título normativo possui alguns atributos, entre os quais merece destaque: a coercibilidade (impositiva, exigível através de sentença condenatória na ação de cumprimento), a abstração (deduzida mediante comandos abstratos e gerais- cláusulas, que genericamente vincularão as relações de trabalho), generalidade (aplicando-se a todos os integrantes das categorias envolvidas, produzindo efeitos erga omnes – força obrigatória, cogente).[11]
Defende-se em doutrina a incorporação das cláusulas dos instrumentos normativos aos contratos de trabalho, em face do art. 114, § 2º da Constituição Federal, que garante aos trabalhadores o respeito às disposições mínimas legais de proteção ao trabalho.
Já o enunciado de súmula 277, item I do TST preceitua que “as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordo coletivo vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.”
A controvérsia pode ser sintetizada da seguinte forma:
Se entendermos que a coisa julgada é formal, ante a possibilidade de revisão e com base no entendimento contido na súmula nº 277 do C. TST, não se pode defender a idéia de rescisão [...] Por sua vez, se considerarmos que a sentença normativa produz coisa julgada material, eis que seus efeitos se cristalizariam em relação às partes envolvidas e a situação de fato que a ensejou, e ainda, observando as orientações do § 2º do art. 114 da Lei Maior, e os incisos I, c, e II, b, do art. 2º da Lei nº 7.701/1988, podemos afirmar que seria passível de impugnação pela via rescisória.[12]
Em sede jurisprudencial, contudo, a questão foi resolvida pelo Tribunal Superior do Trabalho, por meio do enunciado 397 de sua súmula:
397. Ação rescisória. Art. 485, IV, do CPC. Ação de cumprimento. Ofensa à coisa julgada emanada de sentença normativa modificada em grau de recurso. Inviabilidade. Cabimento de mandado de segurança.
Não procede ação rescisória calcada em ofensa à coisa julgada perpetrada por decisão proferida em ação de cumprimento, em face de a sentença normativa, na qual se louvava, ter sido modificada em grau de recurso, porque em dissídio coletivo somente se consubstancia coisa julgada formal. Assim, os meios processuais aptos a atacarem a execução da cláusula reformada são a exceção de pré-executividade e o mandado de segurança, no caso de descumprimento do art. 572 do CPC.
Assim, para o Tribunal Superior do Trabalho, a coisa julgada em dissídio coletivo é apenas formal, podendo ser atacada por exceção de pré-executividade ou por mandado de segurança, mas não por ação rescisória.
Interessante notar que tal entendimento parte do pressuposto de que a coisa julgada recai sobre os efeitos da sentença, e não sobre o seu conteúdo.
Urge ainda tratar dos acordos e convenções coletivos.
De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho,
Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho (artigo 611).
Já o Acordo Coletivo de Trabalho é celebrado entre o sindicato representativo de categoria profissional e uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho (artigo 611, § 1º da Consolidação das Leis do Trabalho).
Sustentando a impossibilidade de ação rescisória contra tais instrumentos negociais, ensina Francisco Antonio de Oliveira:
A convenção coletiva e o acordo coletivo se traduzem em acordos de vontades entre empresa ou várias empresas com parte da categoria ou com toda a categoria, profissional e econômica, e o selo estatal que lhes dará validade opera em âmbito administrativo, e não jurisdicional. Disso resulta que, embora exigíveis os preceitos ali acordados ou convencionados, não adquirem a dignidade da ciosa julgada, não podendo se insinuar em campo de rescisória.[13].
Dessa forma, não cabe ação rescisória contra qualquer instrumento normativo, seja sentença normativa, acordo coletivo, ou convenção coletiva.
3 Entendimentos do TST divergentes do STJ e do STF
3.1 Termo inicial do prazo bienal
Nesse ponto, há grande controvérsia entre a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça.
Isso porque, segundo a teoria dos capítulos da sentença, cada decisão autônoma é considerada separadamente, podendo assim ser impugnada isoladamente.
Dessa forma, caso só seja impugnado um de três capítulos de uma sentença, surge a dúvida a respeito de quando se iniciará o prazo bienal para a rescisão dos capítulos não impugnados.
Alguns sustentam que tal prazo começa a ser contado a partir do trânsito em julgado respectivo capítulo, independentemente de ainda haver um outro capítulo de sentença sendo discutido.
Nesse sentido, Fredie Didier:
Impugnada apenas parcialmente a sentença, os capítulos não impugnados transitam em julgado, operando-se a coisa julgada material. A partir desse momento inicia-se o prazo para o ajuizamento da ação rescisória. É que, na dicção do art. 495 do CPC, a ação rescisória deve ser proposta no prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado. Operando-se o trânsito em julgado, inicia-se a contagem do prazo, que, como visto, é decadencial, não se interrompendo, nem se suspendendo. [14]
Esse também é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consolidado no item II do enunciado de súmula 100 de sua jurisprudência dominante:
II – Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial.
O Superior Tribunal de Justiça, contudo, entende de forma diversa, rechaçando a teoria da capitulação de sentença para efeitos de contagem do prazo bienal da ação rescisória.
Eis o seu enunciado de súmula número 401: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”
Assim, para o Superior Tribunal de Justiça, o prazo decadencial da ação rescisória é único, e só começará a ser contado uma única vez para todas as decisões transitadas em julgado do processo
Destarte, nem a doutrina nem a jurisprudência são unânimes quanto ao início do prazo da ação rescisória em caso de recurso parcial, pois enquanto uma corrente entende que o prazo da ação rescisória se inicia da última decisão de mérito, outra parte entende que havendo sentença de mérito parcial o prazo para o ajuizamento da ação rescisória se inicia antes mesmo do último pronunciamento meritório.
3.2 Ação Rescisória e Recurso de Revista
Como já mencionado anteriormente, o Tribunal Superior do Trabalho possui um entendimento todo peculiar em relação à ação rescisória por violação à disposição literal de lei.
Isso porque a mais alta Corte trabalhista exige requisitos de admissibilidade dessa ação rescisória que são próprios do recurso de revista, quais sejam o prequestionamento e a vedação ao reexame de provas.
Esse tratamento não encontra paralelo no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, e tal excentricidade do Tribunal Superior do Trabalho gera críticas da doutrina.
O Supremo Tribunal Federal já se posiciona pela inviabilidade de prequestionamento em ação rescisória há tempos: “Não é requisito da ação rescisória o prequestionamento do texto legal violado, no acórdão rescindendo” (STF, Ac. Um., Pleno, j. 19.12.1980, RE 89.753-SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra – RTJ 97/699).
O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, exige o prequstionamento no enunciado de súmula 298:
298. Ação rescisória. Violação de Lei. Prequestionamento.
I – A conclusão acerca da ocorrência de violação literal de lei pressupõe pronunciamento explícito, na sentença rescindenda, sobre a matéria veiculada.
II – O prequestionamento exigido em ação rescisória diz respeito à matéria e ao enfoque específico da tese debatida na ação e não, necessariamente, ao dispositivo legal tido por violado. Basta que o conteúdo da norma, reputada como violada, tenha sido abordado na decisão rescindenda para que se considere preenchido o pressuposto do prequestionamento.
III – Para efeito de ação rescisória, considera-se prequestionada a matéria tratada na sentença quando, examinando remessa de ofício, o Tribunal simplesmente a confirma.
IV – A sentença meramente homologatória, que silencia sobre os motivos de convencimento do juiz, não se mostra rescindível, por ausência de prequestionamento.
V – Não é absoluta a exigência de prequestionamento na ação rescisória. Ainda que a ação rescisória tenha por fundamento violação de dispositivo legal, é prescindível o prequestionamento quando o vício nasce no próprio
julgamento, como se dá com a sentença extra citra e ultra petita.
Representando a doutrina majoritária que se posiciona contra essa exigência de prequestionamento em ação rescisória, Carlos Henrique Bezerra Leite:
Realmente, se a ação rescisória não é recurso, não há como admitir a exigência do prequestionamento da matéria nela tratada na decisão rescindenda. O prequestionamento, como se sabe, é fruto de política judiciária dos Tribunais Superiores com o intuito de afunilar, cada vez mais, o cabimento de recursos de natureza extrema, como o recurso de revista, o recurso especial e o recurso extraordinário. Ora, na ação rescisória se instaura uma nova relação processual e não a continuidade da relação anterior. Nesta sim há lugar para o prequestionamento, como pressuposto de admissibilidade dos apelos de natureza extrema, como acima apontado.[15]
Ressalte-se contudo que há doutrina compreensiva com o obstáculo do prequestionamento em ação rescisória:
A exigência do prequestionamento em ação rescisória, a nosso ver, é facilmente explicável. Para que se possa aferir a existência ou não de efetiva violação à disposição de lei, naquelas ações ajuizadas com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC, faz-se necessário que a decisão rescindenda tenha adotado tese explícita acerca da matéria impugnada na rescisória. Caso contrário, não haverá como o órgão julgador cotejar a disposição contida no preceito legal com o pronunciamento emitido na decisão impugnada.[16]
Ainda em relação ao prequestionamento, importante frisar que o Tribunal Superior do Trabalho, assim como o Supremo Tribunal Federal, admite o prequestionamento ficto, ou seja, considera a matéria prequestionada se mesmo após a interposição de embargos declaratórios, o Tribunal continua omisso. Veja-se o nunciado 297 da súmula da Corte Trabalhista:
297. Prequestionamento. Oportunidade. Configuração.
1. Diz-se prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito.
2. Incumbe à parte interessada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso principal, opor embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o tema, sob pena de preclusão.
3. Considera-se prequestionada a questão jurídica invocada no recurso principal sobre a qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração.
Sobre a outra característica do recurso de revista utilizada pelo Tribunal Superior do Trabalho para a ação rescisória por ofensa a disposição literal de lei, tem-se o enunciado de súmula 410: “Ação rescisória. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade. A ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda.”
A doutrina explica este entendimento da seguinte forma:
Por ser a rescisória uma ação autônoma de impugnação, de natureza excepcional, que visa a atacar decisão de mérito acobertada pela coisa julgada material, não consistindo, desta forma, em mera espécie recursal,não se admite o reexame de fatos e de provas do processo que originou a decisão rescindenda, quando a ação rescisória tiver por fundamento a violação a literal disposição de lei.[17]
Raymundo Antonio Carneiro Pinto completa: “O TST alerta que, por meio da rescisória, não se pode reapreciar tais aspectos, uma vez que, nesse tipo de ação, quando se alega violação literal de lei, a matéria é preponderantemente de direito.”[18]
Percebe-se, diante dessa disciplina dada pelo Tribunal Superior do Trabalho à ação rescisória por violação a disposição literal de lei, que essa assume uma feição similar ao recurso de revista, um recurso excepcional, de fundamentação vinculada às questões de direto, e voltado à uniformização de jurisprudência.
REFERÊNCIAS
DE OLIVEIRA, Francisco Antônio. Ação Rescisória: enfoques trabalhistas. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 5 ed. Salvador: JusPodivm, 2008, V.3
FELIX, Deborah da Silva; VILLELA, Fábio Goulart; BONFIM, Rosildo da Luz. Ação Rescisória na Justiça do Trabalho com enfoques no processo civil. Rio de Janeiro: Campus, 2011
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2009
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2007
PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Súmulas do TST comentadas. 11 ed. São Paulo: LTr, 2010
SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4 ed. São Paulo: Método, 2008, p.28, apud JÚNIOR, Curso de Direito Processual do Trabalho. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 50.
[1] SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4 ed. São Paulo: Método, 2008, p.28, apud JÚNIOR, Curso de Direito Processual do Trabalho. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 50.
[2] JÚNIOR. Op. cit., p. 51.
[3] JÚNIOR. Op. cit., p. 536.
[4] DIDIER JÚNIOR, Fredie; CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 5 ed. Salvador: JusPodivm, 2008, V.3p. 374-375.
[5] DE OLIVEIRA, Francisco Antônio. Ação Rescisória: enfoques trabalhistas. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 130.
[6] PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Súmulas do TST comentadas. 11 ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 169.
[7] DIDIER; DA CUNHA. Op.cit., p. 404.
[8] JÚNIOR, José Cairo. Op. cit., p. 561.
[9] DE OLIVEIRA. Op. cit., p. 131.
[10] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 40.
[11] FELIX, Deborah da Silva; VILLELA, Fábio Goulart; BONFIM, Rosildo da Luz. Ação Rescisória na Justiça do Trabalho com enfoques no processo civil. Rio de Janeiro: Campus, 2011, p. 107
[12] FELIX; VILLELA; BONFIM. Op. cit., p. 109.
[13] DE OLIVEIRA. Op. cit., p. 395-396.
[14] JÚNIOR; DA CUNHA. Op. cit. p. 361
[15]LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 1040.
[16] FELIX; VILLELA; BONFIM. Op. cit., p. 38.
[17] FELIX; VILLELA; BONFIM. Op. cit., p. 35.
[18] PINTO. Op. cit., p. 318.
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Advogado em São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANTôNIO AUGUSTO SOUZA DIAS JúNIOR, . A ação rescisória na Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2012, 07:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/29172/a-acao-rescisoria-na-justica-do-trabalho. Acesso em: 29 nov 2024.
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
Por: HAROLDO JOSE CRUZ DE SOUZA JUNIOR
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