Resumo: No âmbito da Justiça Federal houve a criação de algumas varas ambientais especializadas, que tratam exclusivamente de ações ambientais e agrárias. Essas varas geralmente tem sede na capital dos Estados e concentram todas as ações ambientais e agrárias de competência da Justiça Federal na circunscrição do referido ente federativo. Contudo, há um grande conflito de competência quando há a interposição de Ação Civil Pública, que possui competência absoluta determinada por lei como sendo a do local do dano.
Sumário: 1. Introdução; 2. Competência absoluta do local do dano em Ação Civil Pública; 3. Conclusão.
1 - Introdução:
Com o fito de dar maior agilidade aos processos, nos últimos anos houve a criação de algumas varas especializadas ambientais e agrárias na Justiça Federal, com sede geralmente na capital dos Estados e com competência estendida por todo o território do ente federativo.
Com a criação dessas varas especializadas, todas as ações ambientais e agrárias tramitantes nas diversas varas federais de um determinado Estado, seja ela na capital ou no interior, passaram a tramitar exclusivamente na vara recém-criada.
Com isso, alguns benefícios surgiram, muito embora alguns prejuízos também.
Entre os benefícios pode ser citada a própria especialização da vara que, cuidando apenas de causas agrárias e ambientais poderá dar uma resposta mais rápida e eficaz às demandas propostas, posto que tais ações não mais dividirão espaço com as outras ações, como as dos Juizados Especiais e as da execução fiscal.
Entretanto, como prejuízo pode ser citado a distância entre o local efetivo do dano e o que a ação será julgada, tendo em vista que essas varas especializadas foram criadas com sede principalmente nas capitais dos Estados, o que deixa o interessado residente no interior, bem como a própria população da localidade, bastante isolado da discussão, dificultando, inclusive, o acesso à justiça.
Entretanto, a concentração dessas causas em uma única vara na capital do Estado entra em conflito com a Lei da Ação Civil Pública, no ponto que esta prevê que a justiça competente será a do local em que ocorreu o dano.
Assim, tal conflito de competência será o objeto do nosso artigo.
2 - Competência absoluta do local do dano em Ação Civil Pública:
Para utilizar como exemplo, iremos fazer referência à criação da 9ª vara federal em Belém/PA, especializada em causas ambientais e agrárias. Com a criação dessa vara, a princípio, todos os processos que envolvessem questões agrárias e ambientais das demais varas federais espalhadas pelo interior paraense foram remetidos para a nova vara.
Vejamos o teor da Portaria PRESI/CENAG 200/2010, que especializou a 9ª Vara da Seção Judiciária Federal do Pará como Vara Ambiental e Agrária:
Art. 3º - A 9ª Vara Federal de Belém terá jurisdição em todo o Estado do
Pará e sua competência abrangerá todas as ações (cíveis, criminais e de
execuções fiscais) de todas as classes e ritos que direta, ou indiretamente,
versem sobre o Direito Ambiental ou Agrário, exemplificativamente:
a) ações civis públicas;
b) mandados de segurança;
c) ações anulatórias de débito fiscal e tributação ambiental, inclusive
relacionadas com importações, exportações e isenções;
d) execuções de sentença provisórias ou definitivas;
e) execuções fiscais;
f) exceção de pré-executividade ou embargos à execução;
g) direitos indígenas;
h) ações de indenização por danos sofridos individualmente, inclusive se
fundamentadas no Código Civil;
i) ações relacionadas com terrenos de marinha, pagamento de foro ou taxa
de ocupação;
j) cartas precatórias;
k) atos administrativos relacionados com o meio ambiente cultural,
patrimônio histórico e processos de jurisdição voluntária;
l) termos circunstanciados e processos de crimes ambientais. (grifos nossos)
Pois bem, com a criação dessa vara especializada com sede na capital paraense, demandas envolvendo temas ambientais e agrários, onde o local do dano fica há muitos quilômetros de distância, passaram a tramitar na nova vara, tanto as novas quanto as já intentadas.
Assim, o interessado, seja ele réu, autor, terceiro ou até mesmo a própria sociedade civil organizada, ficou muito prejudicado, já que houve o agravamento da dificuldade para fiscalizar o andamento do processo, cobrar mais celeridade, expor as questões urgentes e, principalmente, para conseguir fazer sua representação processual, já que em muitos casos não tem o interessado sequer o contato de algum advogado da capital.
Porém, não é só isso. Para o Juiz também haverá certa dificuldade, posto que julgará com base apenas no que as partes levarem ao processo, ou seja, com base apenas no papel. Não terá o magistrado o importantíssimo conhecimento de causa, já que não conhece a região, seus costumes, suas peculiaridades e, muito menos, a “fama” dos sujeitos do processo.
Contudo, o foco do presente artigo diz respeito às Ações Civis Públicas ambientais e agrárias, que, por conta da portaria supracitada também deverão ser julgadas pela 9ª vara federal de Belém/PA, ou seja, pela vara especializada, independentemente do local de ocorrência do dano.
Ocorre que, pela lei da ACP, a competência nesse tipo de ação é absoluta e inderrogável, sendo definida pelo local de ocorrência do dano. Tal entendimento está inserto no artigo 2º da Lei 7.347/85 (lei da ACP), a seguir transcrito:
Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. (grifos nossos)
Ora, nos casos em que forem interpostas ações civis públicas, sejam elas ambientais ou agrárias, a regra de competência acima transcrita é de aplicação obrigatória, não tendo qualquer portaria o poder de sobreposição à mesma.
Como é cediço, sendo competência absoluta não cabe sequer perpetuação da jurisdição, já que pode ser alegada a qualquer tempo, inclusive reconhecida de ofício pelo magistrado.
Sendo a 9ª vara federal de Belém/PA absolutamente incompetente para julgar as ações civis públicas cujo local do dano está na jurisdição das varas federais do interior, não tardou para surgir o conflito negativo de competência.
Um desses conflitos negativos ocorreu entre o Juízo da vara federal de Castanhal/PA e o Juízo da 9º vara ambiental e agrária. Vejamos o que decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
"PROCESSUAL CIVIL . CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA . JUÍZO DE VARA CÍVEL E JUÍZO DE VARA AMBIENTAL E AGRÁRIA. DANO AMBIENTAL . COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO JUÍZO DO LOCAL DO DANO. LEI Nº 7.347/85, ART. 2º. PORTARIA/PRESI/CENAG 200/2010. PROVIMENTO/COGER 44/2010. PORTARIA/PRESI/CENAG 491/2011. CONFLITO CONHECIDO PARA FIRMAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE.
1. A Portaria/PRESI/CENAG 200/2010 e o PROVIMENTO/COGER 44/2010, que dispuseram sobre a competência da 9ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Pará, não têm o condão de afastar a incidência de competência absoluta prevista em lei. A referida Portaria foi alterada pela Portaria PRESI/CENAG 491, de 30/11/2011, que passou a dispor que a jurisdição da 9ª Vara Federal de Belém "se limita apenas aos municípios que integram a jurisdição da sede da correspondente seção judiciária".
2. "Deve prevalecer, no caso concreto, o caráter funcional da competência do foro do local do dano, definido em lei, em contraposição ao Provimento COGER n. 49/2010, pois, 'considerando que o Juiz Federal... tem competência territorial e funcional sobre o local de qualquer dano' (STF, RE 228955/RS), sua proximidade com o evento danoso é providência que aumenta a eficiência da prestação jurisdicional." (CC 0019527-84.2011.4.01.0000/MA, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Terceira Seção , e-DJF1 p.05 de 25/07/2011).
3. Ação civil pública proposta em razão da suposta prática de dano ambiental por parte do primeiro réu (consistente em pescar 140 kg de caranguejo-uçá na Reserva Extrativista São João da Ponta/PA, no município de São João da Ponta/PA, em período de defeso), deve ser processada e julgada na Subseção Judiciária de Castanhal, que possui jurisdição sobre o referido município.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da Subseção Judiciária de Castanhal/PA, o suscitante" (CC 0070546-32.2011.4.01.0000/PA, Rel. Desemb. Fed. Selene Maria de Almeida, e-DJF1 de 22.5.2012, pág. 332). (grifos nossos)
Como visto no julgado acima transcrito, o Judiciário tem reconhecido a competência absoluta da vara federal do local do dano nas ações civis públicas ambientais e agrárias, mesmo com a criação de varas especializadas em tais demandas.
3 - Conclusão:
Ficou clarividente que nas ações civis públicas ambientais e agrárias, a competência é absoluta e definida de acordo com o local em que ocorreu o dano, conforme previsto no artigo 2º da Lei 7.347/85, bem como entendimento da jurisprudência predominante.
Assim, a criação de varas federais especializadas em questões ambientais e agrárias, através de portaria do Tribunal Federal respectivo, não possui a capacidade de revogar competência estipulada por lei, já que uma simples portaria não pode revogar uma lei.
Além disso, é de fundamental importância que essas ações, tão importantes nos nossos dias, sejam acompanhadas de perto pelo interessado e pelos movimentos sociais, sob pena de não se dá a devida importância a tais demandas.
Por fim, cabe ainda ressalvar que haverá menos dispêndio de recursos no trâmite do processo, por todas as partes da relação processual, inclusive pela Justiça Federal, que não terá que expedir cartas precatórias para diligências a serem realizadas em localidades longínquas, o que ainda opera na demora inconcebível na resolução da lide.
4 - Referências:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
CARVALHO, José Orlando Rocha de. Teoria dos Pressupostos e dos Requisitos Processuais. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2005.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007. v. 2.
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, Arypson Silva. A criação de Vara Ambiental Federal especializada e a competência em Ação Civil Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2012, 08:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/32420/a-criacao-de-vara-ambiental-federal-especializada-e-a-competencia-em-acao-civil-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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