Resumo: O presente artigo científico tem por finalidade fazer uma análise concisa acerca das principais controvérsias acerca do grau de tutela do nascituro a partir da aplicação das teorias da personalidade do nascituro existentes em nosso ordenamento jurídico. Será abordada a questão polêmica do cabimento do dano moral ao nascituro e a utilização do critério econômico como orientador para a definição do nível de proteção conferido ao nascituro.
Palavras-chave: nascituro.teorias.dano.moral.econômico.
Abstract. This research paper aims to make a concise analysis on the major controversies about the degree of protection of the unborn from the application of personality theories of the unborn existing in our legal system. Will be addressed the controversial issue of the appropriateness of the damage to the unborn child and the use of economic criteria as a guide to define the level of protection given to the unborn child.
Keywords: unborn child.theories.damage.economic.
Sumário: Introdução. 1. Principais teorias. 2. Nascituro e dano moral: teoria concepcionista e tendências jurisprudenciais dos tribunais. 3. Da utilização do critério econômico como orientador para a definição do nível de proteção conferido ao nascituro. Conclusão.
Introdução
A grau de tutela do nascituro encontra-se intimamente ligada com a teoria utilizada pelo aplicador do direito, suscitando, destarte, discussões doutrinárias e jurisprudências acerca do patrimônio jurídico do nascituro.
1. Principais teorias:
A tutela conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro ao nascituro ocorre desde o instante da concepção, ainda que sob a condição do nascimento com vida.
Nessa sentido, não obstante a lei civil atestar que a personalidade somente tem início a partir do nascimento com vida, ao nascituro são garantidos, expressamente, diversos direitos, destacando-se o direito de reconhecimento da paternidade, de ser-lhe nomeado curador, de ser credor de alimentos, de receber doações e legados e de recolher a título sucessório. Outrossim, presume-se concebido na constância do casamento, se nascer entre os 180 dias depois de estabelecida a convivência conjugal e 300 dias subsequentes à dissolução dessa sociedade conjugal.
Abordando a questão concernente à personalidade do nascituro, podem-se destacar três teorias ou correntes:
- Teoria Natalista: de acordo com tal corrente, o nascituro teria mera expectativa de direitos e a personalidade somente seria adquirida a partir do nascimento com vida;
-Teoria da Personalidade Condicional: segundo tal teoria, o nascituro possuiria direitos, os quais estariam subordinados a uma condição suspensiva representada pelo nascimento com vida; e
- Teoria Concepcionista: estabelece que o nascituro é sujeito de direitos e obrigações de forma incondicionada desde o momento da concepção.
O art. 2º do Código Civil revela uma aparente contradição ao afirmar que a personalidade, entendida como atributo inafastável para que o indivíduo incorpore direitos e obrigações, começa com o nascimento com vida e, concomitantemente, dispor que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Com efeito, o art. 2º do Código Civil pode induzir à afirmação de que o direito civil brasileiro elegeu a teoria natalista, que é a posição majoritária da doutrina. Porém, o caráter contraditório e pouco claro do preceito legal em análise não prevalece diante de uma interpretação lógico-sistemática, o qual aponta na direção da teoria concepcionista.
Nesse sentido, com base na segunda parte do art. 2º do Código Civil, não se questiona que o nascituro possuiria, desde a concepção, uma personalidade jurídica formal, capaz de reunir em seu patrimônio jurídico o direito à vida, à integridade física, à alimentos, ao nome, à imagem, dentre outros.
Já a ocorrência do nascimento com vida, transformaria a personalidade jurídica formal do nascituro em personalidade jurídica material, conferindo plenitude aos direitos que já integravam o universo jurídico do nascituro.
Registre-se que a proteção dos direitos da personalidade do nascituro deve também ser estendida ao natimorto, que também possui personalidade, conforme reconheceu o enunciado nº 01, aprovado na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, nos seguintes termos:
“art. 2º a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.”
Por fim, ante ao dissenso entre as teorias acima elencadas, mostra-se razoável adotar-se aquela que contempla uma maior proteção ao nascituro, harmonizando, assim, com a ratio legis presente na segunda parte do art. 2º do novo Código Civil.
2. Nascituro e dano moral: teoria concepcionista e tendências jurisprudenciais dos tribunais
Sob a perspectiva da teoria concepcionista, não resta qualquer dúvida de que ao nascituro é devida a indenização por dano moral.
A doutrina de Maria Helena Diniz [1] afirma que "o embrião, ou o nascituro, tem resguardados, normativamente, desde a concepção, os seus direitos, porque a partir dela passa a ter existência e vida orgânica e biológica própria, independente da de sua mãe. Se as normas o protegem é porque tem personalidade jurídica. Na vida intrauterina, ou mesmo in vitro, tem personalidade jurídica formal, relativamente aos direitos de personalidade, consagrados constitucionalmente, adquirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida, ocasião que será titular dos direitos patrimoniais, que se encontravam em estado potencial, e do direito às indenizações por dano moral e patrimonial por ele sofrido. Se o nascituro não pode exercer seu direito de viver, em razão de sua morte ter sido, por exemplo, provocada por negligência médica, atropelamento ou acidente de trânsito sofrido por sua mãe, terá ela direito de ser indenizada não só por isso, mas também por lesão a sua própria integridade física. Indenizável é, por dano moral, a morte prematura do nascituro pelo sofrimento que provoca pela perda de uma possibilidade a que seus pais tinham legítimo interesse, qual seja, a de que ele um dia pudesse prestar-lhes auxílio pessoal ou econômico. (...) O nascituro deve ter assegurado o direito à indenização por morte de seu pai como compensação pelo fato de nunca tê-lo conhecido. A perda do genitor, argumenta Adail Moreira, ainda que não sentida no ato de sua ocorrência pelo nascituro, afeta-lhe, contudo, posteriormente, quando nascido com vida, o psiquismo pelo sentimento de frustração ante a ausência da figura paterna, sendo que a reparação por dano moral poderá, a título de compensação, minorar a “dor” da orfandade"
Portanto, o nascituro também tem direito à honra e deverá ser indenizado na hipótese de sofrer imputação de bastardia, por exemplo.
No mesmo sentido, decisão recente do Superior Tribunal de Justiça, a qual aponta na direção da teoria concepcionista:
"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. NASCITURO. PERDA DO PAI. 1.- Não há falar em omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, que apreciou todas as questões que lhe foram submetidas de forma fundamentada, ainda que de modo contrário aos interesses da Recorrente. 2.- "O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum" (REsp 399.028/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 15.4.2002). 3.- "A jurisprudência desta Corte é disposta no sentido de que o benefício previdenciário é diverso e independente da indenização por danos materiais ou morais, porquanto, ambos têm origens distintas. Este, pelo direito comum; aquele, assegurado pela Previdência; A indenização por ato ilícito é autônoma em relação a qualquer benefício previdenciário que a vítima receba" (AgRg no AgRg no REsp 1.292.983/AL, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 7.3.2012). 4.- "Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado" (Súmula 313/STJ). 5.- "A apreciação do quantitativo em que autor e réu saíram vencidos na demanda, bem como a verificação da existência de sucumbência mínima ou recíproca, encontram inequívoco óbice na Súmula 7/STJ, por revolver matéria eminentemente fática" (AgRg nos EDcl no REsp 757.825/RS, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe 2.4.2009). 6.- O recurso não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 7.- Agravo Regimental improvido. ..EMEN:" (AAGARESP 201200419022, SIDNEI BENETI, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:07/05/2013 ..DTPB:.)
Da análise das posições doutrinárias e jurisprudenciais acima apontadas, fica claro que a teoria natalista não é absoluta em nosso ordenamento jurídico, pelo contrário, mostra-se cada vez mais mitigada pela amplitude de tutela conferida pela teoria concepcionista.
3. Da utilização do critério econômico como orientador para a definição do nível de proteção conferido ao nascituro
A proteção da pessoa, incluindo o nascituro, é uma tendência crescente no atual direito privado. Com efeito, a doutrina chega ao ponto de conceber uma “cláusula geral de tutela da personalidade” (Gustavo Tepedino – Temas de Direito Civil – Rio de Janeiro: Renovar, 4ª Ed.).
Nesse diapasão, a tutela da pessoa natural é construída com base em três preceitos fundamentais constantes na Carta Magna: a proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); a solidariedade social, inclusive visando à erradicação da pobreza (art. 3º, I e II); e a igualdade em sentido amplo ou isonomia.
Em várias searas jurídicas essas três premissas vão aflorar, demonstrando o caminho de proteção da pessoa, em detrimento de qualquer outro valor, principalmente àqueles puramente econômicos.
Assim sendo, não é razoável que o critério econômico seja utilizado para, além de definir a extensão do patrimônio jurídico da pessoa natural, mitigar ou afastar a proteção legal conferida ao nascituro, cuja natureza mostra-se indubitavelmente ligada ao predicado da hipossuficiência.
Conclusão
Somente o enfoque concepcionista é capaz de conferir maior grau de tutela jurídica ao nascituro, sendo que algumas decisões dos Tribunais Superiores mostram sinais de caminhar nesta direção, não obstante ainda haver muita resistência doutrinária a respeito. Contudo, a adoção da teoria da concepção conferindo personalidade jurídica ao nascituro ainda suscitaria debates acerca dos direitos patrimoniais, mormente na seara da titularização e efeitos de tais direitos.
Referências.
[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: volume 7 : responsabilidade civil. 25. ed. pg. 212. São Paulo: Saraiva, 2011.
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. Pós-Graduada em Direito do Estado e da Regulação pela FGV-RIO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Bruno Perrut. Breves considerações jurídicas acerca da tutela jurídica do nascituro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/37270/breves-consideracoes-juridicas-acerca-da-tutela-juridica-do-nascituro. Acesso em: 22 nov 2024.
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