RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo trazer aos operadores do Direito, meios de compreender a posição que estão a ocupar os princípios constitucionais, no sistema jurídico brasileiro, hodiernamente, dada a atribuição conceitual de sistema aberto de regras e princípios à Constituição da República Federativa do Brasil, o que em suma vem viabilizar a aplicação de um princípio num determinado caso em concreto, sobressaindo com relação à regra jurídica e numa outra situação aquele mesmo princípio constitucional cede lugar à regra jurídica, vindo esta preponderar, justamente com o fito de lançar reflexões quanto ao papel ocupado pelos princípios constitucionais e a sua relevância jurídica é que a autora vislumbrou tecer uma abordagem paralela inclusive quanto à atribuição de valor que está a recair sobre os princípios constitucionais, recorrendo a um diversificado apanhado da doutrina clássica e moderna, que abordam a temática. Conclui que muito embora os princípios gerais de direito e as regras sejam igualmente aplicáveis para solução de conflito de interesses, os princípios sobressaem, porque na realidade não podem ser empregados como fonte subsidiária do direito, mas sim, como fonte obrigatória, primária porque é uma norma que orienta todo o sistema, deles é que irradiam a coordenação rumo à univocidade, gizado pela segurança jurídica.
Palavras-Chave: Princípios Constitucionais; Regras Jurídicas; Segurança Jurídica; Sistema Aberto.
MOTIVATION OF PREVALENCE OF CONSTITUTIONAL PRINCIPLES IN MODERN DOCTRINE - REFLECTIONS TIMELY
ABSTRACT: The present work aims to bring to operators of law, means to understand the position they are to occupy the constitutional principles, the Brazilian legal system, in our times, given the conceptual allocation of open system of rules and principles of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, which in short is possible the application of a principle in a particular case at issue, standing in relation to the legal rule and in another situation that same constitutional principle gives way to the legal rule, this coming preponderate, precisely with the aim of launching reflections as the role played by constitutional principles and their legal significance is that the author envisioned weaving a parallel approach even as the allocation of value that is to befall constitutional principles, using a diverse overview of the classical and modern doctrine that addresses the topic. Concludes that although the general principles of law and the rules also apply to resolve conflicts of interests, the principles stand, because in reality can not be used as subsidiary source of law, but as mandatory, because it is a primary source standard that guides the entire system, their coordination is radiating toward univocity, chalked for legal certainty.
Keywords: Constitutional Principles; Legal rules; Legal Security; Open System.
1. INTRODUÇÃO
A autora tenciona discorrer a respeito do papel ocupado pelos princípios constitucionais no sistema jurídico brasileiro, para isso conceituando com embasamento doutrinário a sua significância.
Da mesma forma, para elucidar o preciso posicionamento atual destes, estará citando julgado do Pretório Excelso que não raras vezes decide importantíssimos casos, sedimentando seu entendimento jurídico em princípios constitucionais.
Sendo assim, por cederem lugar, em determinadas situações, às regras jurídicas, pretende abordar o porquê destas ocorrências e a (im)possibilidade jurídica disso.
Os princípios gerais do direito, que são preceitos constantes tanto na Lei de Introdução às Normas Gerais do Direito (Art. 4º), quanto no Código de Processo Civil (Art. 126), como sendo fontes subsidiárias do direito, consiste noutro elemento que a autora objetiva abordar, para que se possa compreender se os princípios constitucionais estão a estes equiparados no sistema jurídico brasileiro e se a aplicação de uns e outros ocorre sem que haja preponderância alguma.
Por fim, anseia com a pesquisa desenvolvida atingir o entendimento das justificativas para a posição ocupada pelos princípios constitucionais e a razão de tão elevada importância que lhes é atribuída pelo sistema jurídico brasileiro.
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – ABORDAGEM DO TEMA
Os princípios constituem a base, o sustentáculo, a origem; portanto ao tecer um paralelo, os princípios constitucionais podem ser conceituados como sendo a origem, a base de sustentação do sistema jurídico de um Estado, devendo ser considerados como a viga mestra a ser observada pela sociedade, para que possa desenvolver as relações de que necessita.
Ao recorrer à doutrina, constata-se que em geral inexiste conceito isolado de princípios constitucionais, o que se encontra são as diferenças existentes entre as regras e os princípios, o que conduz à própria conceituação.
Princípio Constitucional, segundo Celso Ribeiro Bastos é definido da seguinte maneira:
As Constituições não são compostas de normas que exerçam função idêntica dentro do texto maior. É possível vislumbrar-se duas categorias principais: uma denominada princípios e outra, regras. As regras seriam aquelas normas que se aproximam às do direito comum, isto é, têm os elementos necessários para investir alguém da qualidade de titular de um direito subjetivo. Outras, no entretanto, pelo seu alto nível de abstração, pela indeterminação das circunstâncias em que devem ser aplicadas, têm o nome de princípios. Embora não possam os princípios gerar direitos subjetivos, eles desempenham uma função transcendental dentro da Constituição [...]. Os princípios são, pois, as vigas mestras do texto constitucional e que vão ganhando concretização, não só em outras regras da Constituição – como seria o caso do princípio federativo –, mas também através de uma legislação ordinária, que deverá guardar consonância com esses princípios e ir-lhes dando gradativamente uma compreensão cada vez maior.[1]
Humberto Ávila,[2] que em sua obra comenta e critica a classificação que se dispõe no ordenamento, defendida por diversos autores, tais como Robert Alexy[3] e Ronald Dworkin (que se ocupam em estabelecer as diferenças existentes entre as regras e os princípios; para o primeiro, os princípios seriam mandados de otimização, que podem ser cumpridos em diferentes graus, dependendo de certas circunstâncias, para o segundo as regras e princípios seriam diferenciadas, quando da aplicabilidade, enquanto as regras correspondem ao tudo ou nada, os princípios recorrem à aplicação da dimensão de peso, para solucionar conflitos), conceitua os princípios (constitucionais), da seguinte maneira, in verbis:
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.[4]
Assim, para o autor, os princípios são normas imediatamente finalísticas, que obedecem um fim a ser atingido.
Walter Claudius Rothenburg,[5] por sua vez, veio considerar nas notas à 2ª tiragem de sua obra, que deixava de afirmar de modo simplista que os princípios constitucionais nada mais seriam que os princípios gerais de direito, acrescentando que os princípios constitucionais representam a positivação de muitos princípios gerais de direito.
Os princípios constitucionais carregam supremacia, e da mesma forma os entes federativos não podem a eles opor a sua observância, sem prejuízo da adoção local de outros princípios, que entender necessários ao atendimento de suas peculiaridades, desde que não se contraponham aos consagrados na Constituição.
Verifica-se que o conceito dos princípios constitucionais está muito mais relacionado à base, ao fundamento, que à origem, ao início.
Todavia, não se pode afastar a ideia de confluência de valores e bens constitucionais, nos mesmos. Os princípios deixaram de ter somente um caráter axiológico e ético, quando passaram a ser conceituados como espécies de normas, porque reconheceu-se eficácia jurídica e aplicabilidade imediata e direta aos mesmos.
Os princípios constitucionais são normas jurídicas, e por integrarem a Constituição, requerem eficácia e aplicabilidade.
2.1 Características
Os princípios constitucionais, que são verdadeiras normas, possuem características diversas das normas jurídicas, porque expressam valores éticos e sociais, estruturantes de uma ideia de Estado e de sociedade, como afirma Ruy Samuel Espíndola,[6] pelo que se pode afirmar que não há apenas manifestação jurídica, mas política, ideológica e social.
Nos primórdios tempos, negava-se caráter de autêntica norma jurídica aos princípios, justificando-se pelo seu conteúdo e vagueza, eram apenas dispositivos que detinham preceitos de ordem moral ou política, mas não verdadeiros comandos de Direito, conforme lição de Walter Claudius Rothenburg.[7]
Atualmente, pode-se dizer que está ultrapassada esta consideração, posto que se admitiu que os princípios é que irradiam sobre diferentes normas, compondo o espírito das mesmas, conferindo-lhe sentido harmônico.
Com isso, as características dos princípios resumem-se em: generalidade, primariedade, dimensão axiológica, objetividade, transcendência, atualidade, poliformia, vinculabilidade, aderência, informatividade, complementariedade e normatividade jurídica.
As mencionadas características constituem a construção elaborada por Cármen Lúcia Rocha,[8] as quais passamos a comentar sintetizadamente:
A generalidade indica a possibilidade de os princípios se concretizarem em um sentido preciso, desenvolvendo seus conteúdos normativos de maneira coerente com as aspirações sociais, éticas e políticas.
A primariedade compreende os valores culturais, os quais em certo momento acabam consagrados na Lei, esta seria a primariedade histórica, ao passo que a primariedade jurídica, refere-se à inexistência de qualquer outra norma que preceda os princípios constitucionais.
A primariedade lógica conduz a compreender que a identidade constitucional tem sua raiz nos princípios, os quais comandam todo o ordenamento.
E finalmente, a primariedade ideológica corresponde ao ideal de justiça, almejado pela sociedade.
A dimensão axiológica corresponde à possibilidade de mutabilidade ocasionada pelos processos constituintes ou por mutações constitucionais e influências no meio sociopolítico.
A objetividade tem como finalidade impedir que se estabeleçam as verdades acerca de certas coisas, no âmbito constitucional, vincula-se às ideias de segurança e de certeza jurídica.
A transcendência significa que os princípios constitucionais superam a elaboração normativa constitucional formal e posicionam-se no ordenamento como diretriz política, legislativa, administrativa e jurisdicional, de modo que normatizam diversos comportamentos do Estado e dos indivíduos, seja por atos do Executivo, Legislativo ou Judiciário.
A atualidade, característica esta que reflete a necessidade de corresponderem às bases normativas sacramentadas no texto constitucional às aspirações e ideais projetados pelo povo, em cada momento.
A polimorfia significa que em decorrência da plasticidade que compõe os conteúdos principialistas, é possível a alteração do sentido dos textos constitucionais, sem alterar os enunciados normativos, com o que se garante a eficiência do ordenamento constitucional.
A vinculabilidade se expressa no sentido de que se vincula a todas as normas jurídicas, as quais têm caráter impositivo, coercitivo e insuperável; por ser a Constituição dotada de unidade, é portanto um sistema, o qual perfaz um conjunto de normas que se encadeiam, coordenam-se e harmonizam-se para adquirir um significado conjunto, para que então se completem.
A aderência é uma característica que encontra correspondência com a anteriormente citada, porque todo e qualquer ato normativo, produzido pelo Estado ou não, deve encontrar sua base nos princípios, se contrários a eles, não devem ter validade.
A informatividade que reafirma o alicerce do ordenamento: dos princípios é que devem advir outras ordenações.
A complementariedade condiz à conjunção entre os princípios constitucionais, que resultam na compreensão da pretensão do ordenamento, compondo-o como um todo.
A normatividade jurídica, esta característica deduz que os princípios são dotados de normatividade, de juridicidade, são verdadeiras leis, abstratas e gerais, que diferem da outra espécie de norma, que são as regras.
Sendo assim, da análise dos comentários efetuados acerca de cada uma das características que integram o conceito dos princípios constitucionais, torna-se viável a compreensão do lugar ocupado pelos mesmos, no nosso sistema jurídico brasileiro.
2.1.1 Princípios Explícitos
Importa destacar que alguns destes princípios constitucionais são encontrados no texto constitucional e muitas vezes sem mesmo recorrer à mais acurada interpretação, consegue-se identificar os fins propugnados por eles, qual o bem imediatamente tutelado através daquela norma, em outros casos é necessária a busca, através do processo hermenêutico, para que se possa compreender o real objetivo da norma consagrada, através dos princípios.
Normalmente as Constituições em geral, possuem uma parte que trata dos princípios, onde se encontram resguardados os direitos e eventuais garantias (como é o caso do Art. 5º da nossa Constituição, que consagra os princípios da igualdade, legalidade, propriedade, acesso à jurisdição e muitos outros) que se preocuparam os constituintes, quando de sua elaboração, podendo também encontrar-se estabelecido no preâmbulo (como é o caso do princípio da democracia).
Afora destes locais, por todo o texto constitucional encontramos princípios, como é o caso do Art. 1º, inc. II, que consagra o princípio da cidadania.
O fato é que, onde quer que sejam encontrados, os princípios constitucionais, eles devem ser considerados como normas jurídicas.
2.1.2 Princípios Implícitos
Os princípios implícitos não o são simplesmente porque assim um determinado intérprete em isolado o pretendeu, mas sim porque decorre de um exame conjunto de todo o texto constitucional, devendo haver ainda, o apoio jurisprudencial, para que seja elevado à esta categoria, como considera Tupinambá Miguel Castro do Nascimento,[9] e como exemplos citamos o princípio da razoabilidade, da proporcionalidade, do pluralismo social, da separação dos poderes (que embora conste como cláusula pétrea, não está expresso como princípio), motivação dos atos administrativos em geral, etc.
Assim, ainda que não constantes de forma expressa, eles referem-se aos fundamentos constitucionais expressamente consagrados, e que se contrariados acarretam a lesão aos fins propugnados pelo Estado Democrático de Direito, constante no Preâmbulo da nossa Constituição, portanto a sua relevância, atualmente considerada no nosso ordenamento.
Através da via hermenêutica pode-se chegar ao reconhecimento de princípios constitucionais implícitos.
2.2 Aspectos Diferenciadores
Em decorrência dos aspectos que integram os princípios constitucionais, com o objetivo de se estabelecer um adequado estudo a respeito, a averiguação das diferenças que se instalam entre estes e demais elementos normativos, componentes do nosso sistema jurídico, constitui-se fator primordial nesta oportunidade.
2.2.1 Das Regras
As funções e a forma de incidência dos princípios é diferenciada da das regras.
As regras têm um fim delimitado, objetivam incidir sobre situações específicas, enquanto os princípios detêm maior abstração, objetivando incidir sobre uma pluralidade de situações.
Releva mencionar que não obstante as diferenças apontadas entre ambos, inexiste hierarquia entre regras e princípios, porque integram a Constituição, como um todo.
A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada, como leciona Ronald Dworkin, porque ou regula a matéria em seu todo ou simplesmente é descumprida.
As regras especificam a conduta a ser seguida, de modo que hipoteticamente traça-se o comportamento e em incidindo os fatos, neste caminho delineado, o conteúdo da regra há que ser aplicado, enquanto os princípios não especificam a conduta a ser seguida e têm aplicação a um amplo conjunto, bastante indeterminado, de situações, o que se busca aplicar é o núcleo da pretensão almejada pelo ordenamento como um todo, fundamentando-se através de um ou outro princípio que mais se aproxime à situação, daí a confusão que muitas vezes se implementa com os valores, o que já restou evidenciado que na realidade os princípios detêm muito mais que caráter axiológico.
Em oposição à classificação que vem sendo adotada, sobretudo por Ronald Dworkin e Robert Alexy, quanto às diferenças entre as regras e os princípios, verifica-se que não seria tão simples, dizer que os princípios são normas dotadas de alto grau de generalidade e que as regras são aplicáveis na modalidade do tudo ou nada, vez que são encontradas regras, cuja consequência jurídica não pode ser imediatamente implementada, porque sustentam conceito jurídico indeterminado e também porque a definição no sentido de que as regras são aplicadas segundo o tudo ou nada somente tem razão de ser, em sendo considerado que todas as questões relacionadas à validade, ao sentido e à subsunção final dos fatos já estiverem superadas, como assevera Humberto Ávila, dentre outros pontos.
Em suma, a problemática acerca das diferenciações traçadas, que reproduzem o entendimento de diversos doutrinadores renomados, acaba sendo colocada em xeque-mate por Humberto Ávila, que nos ensina que muitas vezes, de acordo com o contexto, em que se encontra a norma, pode a mesma ser considerada como regra e num outro, como princípio, ficando condicionada à interpretação, como ocorre com o princípio da igualdade.
Seguindo o mesmo parâmetro de reflexão, pode-se apontar o critério que vem sendo adotado, destinado a solucionar o conflito entre estas duas espécies de normas, posto que pode ocorrer de não ter que ser priorizado um princípio, em detrimento de outro, quando numa mesma relação, forem estabelecidos fins diversos, o que se aproxima à solução dada, quando da ocorrência de conflito entre regras, em que duas normas ultrapassam o conflito, mantendo a sua validade.
Robert Alexy assevera que:
El punto decisivo para la distinción entre reglas y principos es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los princípos son mandatos de optimizaçión, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medidad debida de su cumplimiento no sólo depende d elas posibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos. En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces d ehacerse exctamente lo que ella exige, ni más ni mesnos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito d elo fáctica y juridicamente posible.Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma e so bien una regal o un principio.[10]
Na referência às normas, restou mencionado que as mesmas são compostas de regras e princípios, portanto importa destacar os aspectos diferenciadores existentes entre estas duas espécies de normas.
Os princípios constitucionais não se confundem com as normas, de espécie regras, e para que se possa trazer estas diferenciações, recorremos ao ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho,[11] as quais são citadas por diversas doutrinas, segundo o qual os princípios são dotados de elevado grau de abstração, enquanto as regras possuem abstração relativamente reduzida; os princípios carecem de mediações concretizadoras, porque são vagos e indeterminados, enquanto as regras podem ter aplicação direta; devido à posição hierárquica no sistema das fontes, os princípios têm papel fundamental no ordenamento jurídico, enquanto as regras assim não são consideradas; os princípios são standards juridicamente vinculantes, radicados na ideia de justiça ou de direito, enquanto as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional; os princípios são fundamento de regras, têm função normogenética.
Desse modo, é possível afirmar, seguindo a linha de Walter Claudius Rothenburg,[12] que tanto as regras como os princípios são normas, porque dizem o que deve ser, estabelecem qual a conduta a ser obedecida e, como acresce Robert Alexy:
[...] tanto las reglas y los principios serán resumidos bajo el concepto de norma. Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos pueden ser formulados com la ayuda d elas expresiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición [...].[13]
Acresce-se ainda, ao aspecto da generalidade, a diferença inerente ao fato de que os princípios configuram ordem, devendo ser atendidos, enquanto as regras devem ser cumpridas ou não. Desse modo, os princípios não deixam margem para descumprimento, tanto que em havendo colisão entre princípios, devem os mesmos ser interpretados, para que então sopesem a valoração de um e outro, para que naquela situação específica, um prepondere em detrimento do outro, que numa outra situação poderá vir a ser que tenha maior relevância, ou seja, não é extirpado do ordenamento, apenas deixado de lado, naquela circunstância. Já, quando houver colisão entre regras, deve-se considerar a sua validade, solucionando-se através da cláusula de exceção, através da qual pode ser declarada a invalidade de uma das regras conflitantes, observados os critérios cronológico e hierárquico.
Ana Paula de Barcellos[14] propõe em sua obra, o critério de distinção entre regras e princípios, observando-se o conteúdo (segundo o qual os princípios se destacam, devido à sua carga valorativa, enquanto as regras se limitam em traçar uma conduta); a estrutura normativa (segundo o qual os princípios indicam os fins a serem alcançados, mas não determinam o comportamento do indivíduo, enquanto com as regras ocorre o contrário) e as particularidades de aplicação (segundo o qual, para a aplicação dos princípios utiliza-se a ponderação, o mesmo ocorrendo com as regras, devendo apenas ser demonstrado o fundamento em que se legitima a atuação, portanto requer-se a argumentação jurídica, para adotar um e deixar o outro de lado).
A distinção entre regras e princípios, adotada por Robert Alexy, o qual aprimorou a que fora elaborada por Ronald Dworkin, vem sendo adotada de forma maciça pelos constitucionalistas do séc. XIX, a qual consiste na distinção lógico-estrutural dos referidos comandos normativos, não apenas se volta ao aspecto da extensão e da generalidade.
Não obstante a maioria dos doutrinadores atribuam às normas esta subdivisão, em regras e princípios, pontuando os seus aspectos diferenciadores, conforme classificação elucidativa de Canotilho, inclusive acerca do critério adotado para a solução de conflitos (nos princípios, o mecanismo de ponderação; nas regras, a subsunção), como já restou mencionado; o fato é que Humberto Ávila[15] entende haver interpretação das regras e ponderação dos princípios, porque considera haver a possibilidade de ponderação entre regras, bem como que não se pode embasar a diferença entre regras e princípios na utilização do método tudo ou nada, de aplicação das regras, porque para serem implementadas suas consequências, precisam de um processo prévio, longo e complexo de interpretação (como ocorre com os princípios).
Desse modo, o referido autor entende que o único fator que resta é mesmo o da abstração, para estabelecer a diferenciação entre as regras e princípios, o que acaba conduzindo a uma redução de valor, no ordenamento jurídico, das regras, que segundo o mesmo não pode ser assim considerado, porque a diferenciação deve mesmo é assentar-se na interpretação, o que numa ocasião é considerado princípio, noutra pode ser considerado regra.
Em suma, Humberto Ávila, apresenta objeções às diferenciações elencadas por Robert Alexy e Ronald Dworkin, quanto: 1) à asserção de que as regras se apartariam dos princípios pelo método tudo ou nada, o que segundo este autor não poderia ser aceito porque somente pode surgir após um processo de interpretação, para que se possa vislumbrar as consequências; à afirmação de que os princípios não possuem consequências normativas ou hipótese de incidência, o que segundo este autor não poderia ser acatado porque em diferentes contextos podem ser interpretados, tanto como normas ou como princípios; 3) à questão de que os princípios teriam dimensão de peso, não podendo igualmente ser aceito, segundo o autor, porque a dimensão de peso está concentrada aos fins a que fazem referência; 4) a atribuição de prevalência a um princípio, em detrimento de outro, não podendo ser considerado segundo o autor, porque a solução deve ser a mesma adotada para as regras, ou seja adotando-se o critério da validade; 5) a definição de que os princípios como mandamentos, aplicando-se-lhe na máxima medida, não podendo também ser aceito, porque as regras também detém um conteúdo de dever-ser e que a interpretação dos princípios não determina a conduta a ser seguida, mas estabelece fins normativamente relevantes, cuja concretização depende de um ato institucional de aplicação (este ato institucional encontra-se menos intenso nas regras).
Para Humberto Ávila o que ainda perduraria seria o grau de abstração, anterior à interpretação. Para dirimir as controvérsias apontadas por Ávila, às diferenciações entre regras e princípios, defendidas por Alexy e Dworkin, constata-se na lição de Thomas da Rosa de Bustamante[16], que na verdade o que Ávila concebe, adequa-se à Metodologia dos Direitos Fundamentais, e aquelas diferenças indicadas por Alexy e Dworkin devem mesmo ser mantidas, porque as críticas na realidade consistem em distinção estrutural, e que em suma podem ser interpretadas que, ambos preocupam-se com os fins a serem alcançados (pelos princípios e também pelas regras) e não apenas com os meios a serem percorridos para tanto.
Os princípios por condensarem valores, são utilizados para suprir lacunas da lei, bem como originam outros princípios a eles correlatos.
Portanto, verificamos que as distinções trazidas por Alexy e Dworkin consubstanciam-se questões que nos facilitam a compreender adequadamente o que são os princípios constitucionais, em apartado das regras, ainda que muitas vezes se manifestem por meio destas.
2.2.2 Dos Princípios Gerais de Direito
Os princípios gerais de direito encontram-se estabelecidos no Art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, in verbis: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Estes diferenciam-se dos princípios constitucionais, porque, tais como os princípios constitucionais implícitos, algumas vezes não integram o texto normativo, mas nem por isso deixam de caracterizar preceitos exigíveis, pertencem à linguagem jurídica, referem-se à posições descritivas. Não raras as vezes em que são utilizadas fundamentações advindas da jurisprudência, porque inexistente positivação a respeito, no ordenamento, sendo estes os princípios gerais de direito.
Estes princípios gerais de direito não se confundem com os princípios constitucionais, muito embora sejam consideradas verdadeiras “válvulas de escape” ao intérprete, quando carece de fundamentação, porque estes têm sua origem na legislação infraconstitucional, não podendo ser aplicados em detrimento àqueles, face à necessária observância à hierarquia das normas.
Walter Claudius Rothenburg,[17] acresceu alguns posicionamentos, nas notas à 2ª tiragem de sua obra, como restou anteriormente comentado, sendo que no pertinente às fontes do Direito, menciona haver distinção entre os princípios constitucionais e os princípios gerais de direito, questão que entendia como sinônima.
2.2.3 Dos Valores
Os valores não se confundem com os princípios constitucionais, aqueles se dirigem ao âmbito axiológico, tendo como conceito o bem e estes se dirigem ao conceito deontológico, tendo como conceito o dever-ser, como ensina Walter Claudius Rothenburg.[18]
Os valores na realidade, são consubstanciados e formam a essência dos princípios constitucionais, portanto é necessário que o ordenamento formalize a pretensão valorativa da sociedade, fazendo-a integrar o sistema jurídico, através do texto constitucional, por meio dos princípios constitucionais.
Com isso, podemos afirmar que os valores não se confundem com os princípios, os primeiros podem vir a ser transformados no segundo, mas não obrigatoriamente; o que ocorre é que os valores podem vir a ser salvaguardados através dos princípios constitucionais, seja de modo explícito ou assegurado segundo um contexto, portanto implicitamente.
Os valores têm natureza normativa, mas a eficácia jurídica só lhes é posta com a introdução no ordenamento, através dos princípios.
3 POSIÇÃO JURÍDICA
Os princípios constitucionais, através da evolução, vieram a ser considerados como normas, isto porque a Metodologia Jurídica tradicional considerava que os princípios eram distintos das normas, e com o passar dos tempos veio a integrar o rol das normas, deixando esta de se sobrepor, dogmática e normativamente.
Muito embora constate-se que hodiernamente alguns doutrinadores vêm trazendo diversos apontamentos, com a finalidade de derrubar os conceitos firmados pelos insignes doutrinadores antes citados, os quais estabelecem a divisão das normas, em regras e princípios, atingindo a definição de princípios, através da apreciação dos elementos que os diferenciam, os quais constituem as características dos mesmos e que os tornam inconfundíveis, como citado no capítulo que tratamos a respeito. Ademais: é indubitável que esta espécie de norma, ocupa posição própria no sistema jurídico, sendo mesmo o responsável pelo norteamento dos aplicadores do Direito.
Não obstante tenha restado esclarecido que os princípios, que são verdadeiras normas, são ainda, a viga mestra do ordenamento, não preponderam sobre demais elementos normativos, mas com eles coexistem, interagindo de forma harmônica.
Saliente-se que, dadas as características dos princípios, eles podem ceder, serem utilizados como elementos de mediação, ponderação, o que inocorre com as regras e, se o sistema jurídico é marcado pela unicidade, voltado à preservação da segurança jurídica, neste aspecto poderiam ser considerados como prevalentes, face às peculiaridades que concentra.
Ainda que admitamos que os princípios são apenas enunciados com alta carga valorativa que devem orientar o operador do direito na sua atividade, não possuindo, entretanto, caráter vinculante, obrigatório, por serem despidos da necessária coercitividade inerentes às normas jurídicas, cuja contribuição para afirmar de vez que os princípios são normas jurídicas, possuindo, destarte todos os mencionados atributos foi introduzida no ordenamento, por Canotilho, ao definir a constituição como sendo um sistema aberto de regras e princípios.
Atualmente, podemos afirmar que os princípios, ao lado das regras, compõem as normas, salientando-se que, Espíndola acresce ainda, a estas, a espécie valores.
4 FUNÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO
Os princípios, que são espécies de normas, têm a função de fundamentar os subprincípios e demais normas integradoras do sistema, ao considerar este, como determinador de normas, em âmbito geral, além de ter as funções de orientadora da interpretação e fonte subsidiária.
4.1 Função Fundamentadora
A função fundamentadora, não carece de explicitações, posto que em suma, confunde-se com o conceito em si, de princípios constitucionais, constitui a base, o alicerce do ordenamento.
Os princípios embasam as decisões políticas fundamentais tomadas pelo constituinte e expressam os valores superiores que inspiram a criação ou reorganização de um dado Estado, firmando os alicerces e traçando as linhas mestras das instituições, dando-lhes o impulso vital inicial; ruindo o princípio, há a destruição de todo o sistema normativo que por ele está traçado.
O Supremo Tribunal Federal, aos poucos, vem captando essa dimensão funcional dos princípios, conforme se observa no voto do Min. Celso de Mello, proferido na PET nº 1458/CE (DJ 04/03/98, julgamento 26/02/98):
[...] o respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores – que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos – introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente desiguais, entre os indivíduos e o Poder.
É importante salientar que os princípios, enquanto fundamentos vinculantes de conduta, pautam não somente a ação do legislador constituído, mas também do administrador, do juiz e de todos as pessoas (físicas e jurídicas, públicas e privadas) que compõe a sociedade política. À função fundamentadora, podem ser acrescidas as funções: orientadora da interpretação e fonte subsidiária.
4.2 Função Orientadora da Interpretação
A função orientadora de interpretação tem como características o delineamento de traços norteadores, que condensam os postulados básicos consagrados na Constituição, os quais refletem a vontade do constituinte, à época de sua elaboração.
Esta função, desenvolvida pelos princípios, decorre de sua função fundamentadora do direito, pois se as leis são informadas ou fundamentadas nos princípios, então devem ser interpretadas de acordo com os mesmos, porque são eles que dão sentido às normas. Os princípios servem, pois, de guia e orientação na busca de sentido e alcance das normas, nestas englobadas as regras.
Consequência direta desta função dos princípios constitucionais, é a constatação de que não são estes que se movem no âmbito da lei, mas a lei que se move no âmbito daqueles.
A cada dia, a função interpretativa dos princípios vem ganhando a sua importância devida, tanto que na atualidade, é bastante fácil encontrar decisões judiciais, inclusive do Pretório Excelso, unicamente fundamentada em princípios, objetivando a concretização da Justiça, deixando de lado o estrito legalismo.
Ocorre que percebeu-se que a lei, como norma genérica e abstrata, pode, na casuística, levar à injustiça flagrante, cabendo aos princípios a importante função de guiar o juiz, muitas vezes contra o próprio texto da lei, na formulação da decisão justa ao caso concreto.
4.3 A Função de Fonte Subsidiária
Embora aprenda-se no curso de Direito, que o ordenamento jurídico é completo, portanto nele inexistem lacunas, o fato é que podemos retirar duas regras fundamentais do ordenamento, uma a de que o juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que lhe forem apresentadas e, duas, que este juiz deve efetuar este mister, fundamentando-se em normas integradoras do sistema jurídico. As referidas regras encontram-se consagradas no Art. 126 do Código de Processo Civil e no Art. 4º da Lei de Introdução às Normas Gerais do Direito.
Com isso, servindo de fonte subsidiária do direito, os princípios se adequariam como elemento integrador ou forma de colmatação de lacunas do ordenamento jurídico, na hipótese de ausência da lei aplicável à espécie típica. Desse modo, quando o juiz não encontrasse disposições legais capazes de suprir a plena eficácia da norma constitucional definidora de direito, deveria buscar outros meios de fazer com que a norma atingisse sua máxima efetividade, como a analogia, os costumes, bem como os princípios gerais de direito e os princípios constitucionais, finalmente.
Os princípios constitucionais, sendo parte da norma que orienta todo o ordenamento, há que serem utilizados para suprir a lacuna da lei.
Ocorre porém, que este entendimento encontra-se defasado, face às considerações atuais, acerca do conceito principiológico, o que vem afastar a adoção dos princípios constitucionais, como fonte subsidiária, afirmando a sua aplicação como obrigatória, como fonte primária e imediata de direito, em virtude da força normativa que representam no ordenamento.
Na realidade, o intérprete deve-se valer do procedimento inverso, considerando a lei como fonte subsidiária, quando da inexistência de princípios constitucionais, para fundamentar a decisão acerca do caso concreto.
Os princípios constitucionais são a essência do ordenamento, e nenhuma lei pode ser aplicada, ainda que positivada, se contrariar a propensão a que se destina o ordenamento e que se encontra ínsito nos princípios, seja de forma expressa ou não; daí a consideração da Constituição com um todo, sistemático, porque as normas em geral devem estar concatenadas umas às outras, tendo uma mesma finalidade, salvaguardando o Estado Democrático de Direito, conforme as peculiaridades que lhe deram origem.
Aliás, releva destacar que no § 2º do Art. 5º da Constituição do Brasil verificamos que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
5 CONCLUSÕES
O Estado, detentor do monopólio do poder-dever da prestação jurisdicional, objetiva exercer sua atividade de forma adequada, traçando os caminhos a serem percorridos para que o deslinde das causas se implemente da melhor maneira possível, tornando efetiva a inserção da justiça na sociedade.
Atua, instruindo todo o trâmite da prestação jurisdicional, a fim de resguardar o Estado de Direito, evitando que as partes sejam surpreendidas no transcorrer do processo, o que faz com que saibam de antemão todo o caminho a ser percorrido.
A observância dos diversos princípios e garantias constitucionalmente consagrados atinge os objetivos propugnados pelo Estado Democrático de Direito, cujos fins colimados sintetiza-se na preservação da segurança jurídica. Se o alicerce do Estado Democrático de Direito encontrar-se estremecido, todo o sistema jurídico sofre as consequências, repercutindo finalmente, na ausência de segurança jurídica.
Não poderia ser de outra forma: o ordenamento jurídico somente pode ser visto como uma unidade, se considerarmos como seu embasamento uma norma fundamental, na qual estão relacionadas todas as normas daquele ordenamento, portanto trata-se de um sistema jurídico, no qual encontram-se relacionadas diversas normas, de forma lógica e coerente, direcionadas a uma unidade.
O artigo inaugural de nossa Constituição Federal deixa claro que a vontade popular será preservada: a lei será aplicada, e esta foi elaborada em conformidade com as transformações sociais, políticas, culturais, atendidas a valoração que lhe atribuiu a sociedade, entretanto se não houver iniciativa do Estado para assegurar ao povo o gozo das virtudes depositadas em cada um destes direitos e destas garantias fundamentais, resta impossibilitado o alcance da maior destas virtudes, que é a Justiça.
Para aqueles que trabalham com o Direito, é importante que saibam a origem dos preceitos que alicerçam o ordenamento jurídico, a fim de que possam aplicar a solução adequada à cada situação específica, daí a importância de se conhecer os elementos que integram o documento que norteia o ordenamento de todo o País, o que consubstancia a sua denominada base, aquilo em que a sociedade deve se apoiar para fundamentar os seus atos, sem lesar os direitos alheios, ou mesmo saber a melhor forma para fazer sua opção, quando inexistindo outra medida tiver de escolher um caminho, em detrimento de outro. Isto tudo em nada mais consiste, que as normas, às quais devemos obediência diuturnamente nas nossas relações sociais.
Segundo os doutrinadores, dividem-se em regras e princípios, e sedimentou-se mais ainda, com a definição de Canotilho, no sistema aberto de regras e princípios, entendendo o referido autor, que a existência de regras e princípios permite atingir o constitucionalismo adequado.
O Estado exerce importante papel, vez que por ser detentor do poder-dever de prestação de tutela jurisdicional, acaba reunindo os anseios sociais, no texto constitucional, transferidos pelos legisladores constituintes, e a Constituição sendo a base do sistema jurídico, denominado assim, porque concentra todas as normas, de forma lógica e coerente, face à unicidade em que se embasa, carece demonstrar todos os fins por ela propugnados, de maneira adequada, portanto.
E esta demonstração é efetuada através das normas que compõem a Constituição, as quais se subdividem em regras e princípios, aquelas são suscetíveis de aplicação direta, são normas que prescrevem imperativamente uma exigência, não deixando espaço para o balanceamento de valores, haja vista que as determinações nelas constantes devem ser cumpridas à risca (nem mais, nem menos), ou seja, possuem um grau de abstração muito pequeno, ao passo que os princípios podem ser objeto de ponderação e harmonização quando presentes disposições antagônicas entre eles; as regras estabelecem imperativamente o que é, bem como o que deixa de ser, o que inviabiliza a solução dos conflitos se permitida a coexistência de disposições contrárias, vez que constituem a base do sistema jurídico.
Os princípios constituem o exato sustentáculo de todo o sistema jurídico, porque mesmo que inexista expressa disposição normativa para a solução de certo caso concreto, através dos princípios é possível a solução, a qual é realizada, vislumbrando atender toda a gama de orientações constitucionalmente consagradas, através da interpretação, torna-se possível alcançar a adequada fundamentação que irá de encontro com o todo constitucional, observando-se o Estado Democrático de Direito.
Os princípios constitucionais ocupam verdadeira posição de norma no sistema jurídico e não devem ser aplicados como fonte subsidiária, mas sim como fontes primárias, porque são responsáveis por fundamentar e orientar a interpretação no sistema jurídico.
Se é do Estado o poder-dever da prestação da tutela jurisdicional, incumbe-lhe transferir ao berço do nosso ordenamento, a Constituição Federal (que engloba todo um aglomerado de normas) as manifestações da sociedade, que clama pelo não estremecimento do postulado Estado Democrático de Direito, baluarte do nosso sistema jurídico, que é marcado pela unicidade, devendo preponderar a harmoniozidade na adoção das normas, para a solução dos conflitos e, para tanto utiliza-se dos critérios consagrados pela doutrina, que se sintetizam na ponderação de valores, quando implementado conflito entre princípios e na invalidade, quando presente conflito entre regras.
É fato que muitas vem sendo as tentativas, propugnadoras do afastamento destes critérios, apontando críticas que se resumem na necessidade de averiguação de cada caso concreto, fundamentando-se na hermenêutica constitucional, porque não seria uma questão de ciência exata em que se ocorrer x, resultará invariavelmente y, portanto a análise específica é fator essencial, haja vista que os doutrinadores que vêm defendendo este posicionamento asseveram que em determinadas situações pode-se considerar certa norma como sendo regra e numa outra, a mesma norma, como sendo princípio.
Divergências à parte, ocupamo-nos em demonstrar o importante papel do Estado, perante a sociedade, ao transferir para o texto constitucional as normas propugnadas, que até então são meros valores, passando a integrar o sistema jurídico, consagram-se meios através dos quais possam ser efetivados os direitos, confirmando o Estado Democrático de Direito, traduzindo-se tudo isso na preservação da segurança jurídica, já que presente no sistema jurídico, em âmbito constitucional, ocasião em que transformam-se em fontes primárias, porque detém além desta, as funções fundamentadora e orientadora da interpretação.
A evolução social requer aplicação dos princípios na medida das necessidades que surgem, portanto a necessidade da interpretação, mas esta ressalve-se, deve ser efetuada segundo critérios coerentes que tendam à finalidade pretendida pela sociedade, e não a mera solução do conflito de interesses.
Na atualidade a aplicação adequada dos princípios e das regras constitui-se papel importante na teoria normativa dos direitos fundamentais. As regras são igualmente essenciais, para que o sistema possa apoiar-se em disciplinamentos definitivos, com o fito de solucionar os conflitos surgidos no próprio sistema. As regras e os princípios complementam-se, dadas as suas características, e isso faculta a compreensão da constituição como sistema aberto de regras e princípios.
Assim, a aplicação dos princípios constitucionais deve resultar de um trabalho interpretativo adequado, para que não se implemente estremecimento no postulado Estado Democrático de Direito, que deságua sobre os princípios que alicerçam o nosso sistema jurídico, salvaguardando o princípio constitucional implícito da segurança jurídica, que embora não conste expressamente no texto, compõe a Constituição, irradiando seus efeitos, de acordo com as finalidades almejadas por todo o sistema normativo, o qual é unívoco.
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[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994, verbete princípio constitucional.
[2] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 70.
[3] ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos Y Constitucionales, 2002, p. 234.
[4] DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 16.
[5] ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 86.
[6] ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ª ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 80.
[7] ROTHENBURG, 2003, p. 13.
[8] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 25-26.
[9] NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários à Constituição Federal: Princípios Fundamentais – Arts. 1º a 4º. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 90-91.
[10] ALEXY, 2002, p. 86-87.
[11] CANOTILHO, 2002, p. 1146-1147.
[12] ROTHENBURG, 2003, p. 15-16.
[13] ALEXY, 2002, p. 83.
[14] BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História: A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, nº 02. Rio de Janeiro: Renovar, jul./dez. 2003, p. 178-180.
[15] ÁVILA, 2003, p. 35-36.
[16] BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. A Distinção Estrutural entre Princípios e Regras e sua Importância para a Dogmática Jurídica: Resposta às Objeções de Humberto Ávila ao Modelo de Robert Alexy. In: Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 12. Rio de Janeiro: Padma, out./dez. 2002, p. 167-168.
[17] ROTHENBURG, 2003, p. 85.
[18] Ibidem, p. 17.
Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino - ITE - Bauru/SP. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional de Sorocaba/SP. Professora da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/SP. Procuradora Jurídica Municipal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSTELATO, Telma Aparecida. A motivação da prevalência dos princípios constitucionais na doutrina moderna - reflexões pontuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/41720/a-motivacao-da-prevalencia-dos-principios-constitucionais-na-doutrina-moderna-reflexoes-pontuais. Acesso em: 23 nov 2024.
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