Resumo: Decisões judiciais que impõem multa pessoal em face dos Advogados Públicos Federais, em especial, dos Procuradores Federais. Violação ao livre exercício do cargo público.Ilegalidade na imposição de multa pessoal ao Procurador Federal por descumprimento de decisão judicial cujo cumprimento cabe à autarquia, mais especificamente aos servidores da autarquia. Fundamento no artigo 461 do CPC. Posição jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: decisão judicial. Multa. Procurador federal. Astreintes. Competência. Autarquia. Ilegalidade.
Introdução
O presente artigo objetiva esclarecer a ilegalidade das decisões judiciais que impõem a responsabilização pessoal do Procuradores Federais, advogados públicos federais, por meio da imposição de multas pessoais, em situações nas quais a competência para cumprir a decisão compete aos servidores das autarquias defendidas judicialmente pelos Procuradores Federais.
Desenvolvimento
A cominação de multa com fundamento nos parágrafos 4º e 5º do artigo 461 do CPC é denominada pela doutrina e jurisprudência como astreintes,consistindo em uma condenação acessória, em que o juiz fixa determinada multa que o executado deve pagar por dia de atraso no atendimento da condenação principal.
Possuem caráter coercitivo, tendo em vista que seu objetivo é compelir o devedor a cumprir o preceito judicial.
Seu valor deve ser fixado de modo a inibir o devedor que intenciona descumprir a obrigação e sensibilizá-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a respectiva pena pecuniária.
Tratando-se de demanda em face da administração pública e não da pessoa do advogado público federal não há que se falar em aplicação de multa pessoal em nome do advogado público, que sequer participa da relação processual, não podendo, por via de consequência, ser considerado devedor de coisa alguma.
Ressalte-se que o exposto no parágrafo 4º estabelece a possibilidade de aplicação de multa ao réu, que, nas ações propostas em face do poder público, é o ente da Administração Pública, e não o advogado público federal, que apenas o representa judicialmente.
Não se pode confundir a parte com seu o representante judicial.
Ora, se ninguém imagina ser possível que um advogado privado seja compelido pessoalmente, por meio de multa, para que seu cliente cumpre a decisão judicial, não se pode imputar aos advogados públicos qualquer responsabilidade pelo cumprimento de decisões judiciais contra as autarquias e fundações públicas federais.
Da mesma forma como não é possível que os advogados privados sejam pessoalmente responsabilizados, inclusive com a decretação de prisão civil, quando seus clientes deixam de cumprir decisões judiciais em ações alimentícias, não se pode imputar aos advogados públicos a responsabilidade pessoal pelo descumprimento de decisões judiciais proferidas contra autarquias e fundações federais.
Nos termos do art. 37 da MP nº 2.229-43, o titular do cargo de Procurador Federal, por exemplo, sequer faz parte dos quadros da entidade da Administração Pública que representa, uma vez que integra a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União:
“Art. 37. São atribuições dos titulares do cargo de Procurador Federal:
I - a representação judicial e extrajudicial da União, quanto às suas atividades descentralizadas a cargo de autarquias e fundações públicas, bem como a representação judicial e extrajudicial dessas entidades;
II - as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos à União, em suas referidas atividades descentralizadas, assim como às autarquias e às fundações federais;
III - a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial; e
IV - a atividade de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados.
§ 1o Os membros da Carreira de Procurador Federal são lotados e distribuídos pelo Advogado-Geral da União.
§ 2o A lotação de Procurador Federal nas autarquias e fundações públicas é proposta pelos titulares destas.
§ 3o Para o desempenho de suas atribuições, aplica-se o disposto no art. 4o da Lei no 9.028, de 12 de abril de 1995, aos membros das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil.” (Incluído pela Lei nº 11.094, de 2005)
Da leitura do dispositivo acima transcrito, vê-se claramente que não compete ao Procurador Federal, advogado público federal, cumprir as ordens judiciais que são impostas ao ente público representado, mas, apenas e tão-somente, tomar as providências processuais cabíveis no caso concreto e diligenciar (comunicar) para que elas sejam cumpridas adequada e tempestivamente pela Administração.
Os advogados públicos não têm poder hierárquico sobre os servidores de autarquias e fundações, sendo responsáveis apenas por sua representação judicial e extrajudicial nos termos da legislação vigente.
Ora, se não podem determinar ou praticar os atos administrativos em cumprimento da decisão judicial, não podem ser responsabilizados com a imposição de multa diária por seu eventual descumprimento.
Neste sentido é, inclusive, a jurisprudência pátria, conforme se observa dos arestos abaixo:
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITOS DO RECEBIMENTO DE APELAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO. PRECEDENTES. COMINAÇÃO DE PENA DE MULTA DIÁRIA: CABIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O recurso de apelação interposto de sentença que confirma os efeitos da tutela antecipada será recebido tão-somente no efeito devolutivo (art. 520, VII, do CPC, na redação da Lei 10.532/01). 2. A doutrina e jurisprudência vêm admitindo a antecipação dos efeitos da tutela na sentença, afastando-se, no momento do recebimento da apelação, o efeito suspensivo com relação a essa parte do decisum (REsp 706252 / SP, Rel. Ministro LUIZ FUX), ainda que concedida de ofício (AGA 0005186-87.2010.4.01.0000/MG, Rel. Juiz Federal Marcos Augusto De Sousa (conv.), Primeira Turma, e-DJF1 p.015 de 17/06/2011). 3. É cabível a aplicação de multa à Fazenda Pública, por descumprimento de obrigação de fazer, como na hipótese dos autos, inexistindo qualquer vedação legal a tal prática, que objetiva o efetivo cumprimento das ordens judiciais, visando, em último turno, a prestação jurisdicional eficaz. (STJ, 6ª Turma, AGA 1246762, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJE 21.06.2010). 4. No entanto, na hipótese dos autos, não é possível o caráter pessoal da multa imposta, responsabilizando o Procurador Federal, no caso de não cumprimento da determinação de implantação do benefício. Deve ser mantida a multa, porém em relação à autarquia e não ao seu procurador. 5. Agravo de instrumento parcialmente provido.
(TRF1 - AG 0000908-43.2010.4.01.0000 / MG, Rel. Desembargadora Federal Ângela Catão, Rel.Conv. Juiz Federal Miguel Angelo De Alvarenga Lopes (conv.), Primeira Turma, e-DJF1 p.198 de 26/04/2012) (grifos nossos)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE SUSCITADA PELOS AGRAVADOS. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PEÇAS OBRIGATÓRIAS. NÃO-ACOLHIMENTO. MULTA DIÁRIA DE MIL REAIS A SER SUPORTADA PELO DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS DO INSS. REDUÇÃO. RESPONSABILIDADE DA AUTARQUIA E NÃO DO SERVIDOR. I – Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em execução de sentença, determinou a implantação do nome dos autores em folha de pagamento, na condição de procuradores federais, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), a incidir nos vencimentos pessoais do diretor de recursos humanos. II – Tendo o agravante sido intimado da decisão agravada, por mandado, o prazo para recurso inicia-se da juntada do mandado aos autos, o que ainda não ocorrera quando da interposição deste recurso. Assim, o recurso é tempestivo. Não procede, também, a alegação de ausência, nos autos, de peças obrigatórias. III – O fato de não haver mais, no quadro de pessoal do INSS o cargo de Procurador Federal não constitui óbice ao cumprimento da sentença, pois o enquadramento dos autores far-se-á no cargo correspondente àquele, mesmo porque na sentença exeqüenda determinou-se o enquadramento deles como procuradores da autarquia que, à época do ajuizamento da ação denominava-se: “Procurador Autárquico”. IV – O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode fixar multa diária ('astreintes') em face do descumprimento da decisão judicial, medida esta de caráter coercitivo que objetiva instar o devedor ao cumprimento da obrigação, sob pena de não o fazendo ter a execução ainda mais onerada. III – A multa deve ser imposta ao réu, INSS, e não a um preposto seu. IV – Se por um lado não se justifica fixar multa em valor elevado, até porque, como a multa reverte em favor do autor da ação, acaba por propiciar-lhe um ganho extra que pode superar o próprio valor da condenação, o que configuraria enriquecimento sem causa, por outro lado a multa também não pode ter valor irrisório a ponto de estimular a parte rebelde ao descumprimento da decisão judicial. V – Multa diária fixada no valor de R$ 200,00 (duzentos reais). VI – Agravo de instrumento parcialmente provido.”
(TRF2 - AG 200602010054234, Rel. Desembargador Federal Antonio Cruz Netto, Quinta Turma Especializada, DJU - Data: 17/07/2008 - Página: 164) (grifos nossos)
“PROCESSO CIVIL. EXIBIÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. INSS. DEVER DE GUARDA. MULTA. PROCURADOR. IMPOSSIBILIDADE. 1. Sabe-se que a "responsabilidade pela guarda do processo administrativo é do INSS", independentemente da época em que se deu a sua concessão (AC 200681000006693, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 - Primeira Turma, 26/10/2009). 2. Todavia, no que se refere à multa cominada ao Procurador, os Procuradores Federais, embora atuem na representação processual de Autarquias e Fundações Federais, não são vinculados às entidades públicas que representam, mas à Advocacia Geral da União. Ademais, é sabido que quem detém as atribuições para realizar atos administrativos em nome das Autarquias Federais, inclusive em cumprimento a decisões judiciais, são os agentes vinculados às mesmas. 3. Dessa forma, percebe-se que os Procuradores Federais encarregados da defesa do INSS não tem legitimidade para realizar atos administrativos (dentre os quais implantar, revisar ou localizar benefícios previdenciários) em cumprimento a decisão judicial, não podendo, portanto, ser responsabilizados com a imposição de multa diária por eventual descumprimento de ordem jurisdicional de tal natureza. Tal responsabilização apenas poderia recair sobre os agentes administrativos do INSS. 4. Precedente: Supremo Tribunal Federal - ADI nº 2652-6 5. Assim, é possível a imposição de multa diária por descumprimento de decisão judicial que determina a realização de ato administrativo por Autarquia Federal, entretanto, tal responsabilização apenas pode recair sobre os servidores vinculados à respectiva entidade autárquica e, não, sobre os Procuradores Federais que as representam, já estes são vinculados à Advocacia Geral da União. 6. Agravo de Instrumento provido, em parte, apenas para afastar a multa imputada ao Procurador.”
(TRF5 - AG 00114974920114050000 / PE, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL Francisco Barros Dias, SEGUNDA TURMA, DJE - Data: 22/09/2011 - Página: 311) (grifos nossos)
Tanto é assim que o art. 472 do CPC estabelece os limites subjetivos da coisa julgada, determinando que a decisão judicial só faz coisa julgada entre as partes, não podendo, portanto, beneficiar, nem prejudicar terceiros, alheios ao objeto da demanda.
No mesmo sentido,apresentam-se a jurisprudência e o enunciado nº 372 da súmula do STJ, que veda a aplicação de multa cominatória em face de terceiro na ação de exibição de documentos, ainda que ajuizada em face dele:
Súmula nº 372: “Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.”
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO DE CHEQUE SEM FUNDOS. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DO ENDEREÇO DO EMITENTE. DESCABIMENTO. AÇÃO DE EXIBIÇÃO EM FACE DO BANCO PARA QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EXIBA O DOCUMENTO DE CADASTRO DO EMITENTE DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. MULTA COMINATÓRIA. INVIABILIDADE.
1. A atividade bancária, dada sua relevância econômico-social, sofre intervenção direta e indireta do Estado, consoante manifesto interesse público que a envolve, submetendo-se à Lei 4.595/64 e a normatização do Conselho Monetário Nacional e Banco Central.
2. O acórdão recorrido consignou que a cártula de cheque foi devolvida pelo denominado "motivo 11", o que, nos termos do artigo 4º da Circular 2.989/2000, da Diretoria colegiada do Banco Central, vigente à época dos fatos, impunha à instituição financeira que prestasse informação acerca do endereço do emitente.
3. Tendo em vista que os artigos 339 a 341 do Código de Processo Civil impõem a terceiros o dever de colaboração com o Judiciário, o fornecimento de informações de natureza cadastral aos credores da obrigação cambiária é feito em benefício do direito fundamental de ação, da função social do contrato, do sistema de crédito e da economia, da adequada utilização do cheque, que contribui para o aperfeiçoamento do sistema financeiro, da proteção do credor de boa-fé e da solução rápida dos conflitos, não podendo o Banco acobertar o devedor.
4. Como é cediço, a sentença proferida na ação de exibição, proposta em face de terceiro, tem caráter mandamental, não cabendo a imposição de astreintes, mas pode ser fixado prazo para que o requerido exiba o documento vindicado, sob pena de ser determinada a expedição de mandado de busca e apreensão. É bem por isso que orienta a Súmula 372/STJ que, na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.
5. Recurso especial parcialmente provido para afastar a multa cominatória.”
(REsp 1159087/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/04/2012, DJe 15/05/2012)
Portanto, em se tratando de pessoa jurídica de direito público, a disciplina do art. 461 do CPC só poderia ser aplicada à própria pessoa jurídica e não ao advogado público que a representa, uma vez que este não age em nome próprio e não tem com ela qualquer vínculo funcional ou poder hierárquico sobre seus servidores.
Conclusão
Não cabe ao advogado público que representa judicialmente o ente da Administração Públicaa responsabilidade pelo cumprimento de decisões judiciais que impliquem na prática de atos de competência dos servidores das autarquias por ele defendidas. Qualquer interpretação contrária a esse entendimento viola a legislação processual civil brasileira e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUERRA, Alessandra. A ilegalidade da imposição de multa pessoal ao advogado público federal pelo descumprimento de decisão judicial cuja competência seja do ente federal defendido Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/42440/a-ilegalidade-da-imposicao-de-multa-pessoal-ao-advogado-publico-federal-pelo-descumprimento-de-decisao-judicial-cuja-competencia-seja-do-ente-federal-defendido. Acesso em: 27 abr 2025.
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