GUSTAVO LUÍS MENDES TUPINAMBÁ RODRIGUES
(Orientador)[i]
RESUMO: O instituto da delação premiada é geralmente utilizado em crimes que o Estado não consegue dirimir sozinho, e tem sido considerado de grande importância para a solução de casos mais complexos relacionados ao crime organizado. O objetivo geral do estudo foi o de compreender o valor probatório do instituto da delação premiada e analisar sua eficácia no combate ao crime organizado. O estudo foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva, fazendo uso de construção doutrinária e normativa, analisando especificamente o instituto em estudo. Pode-se concluir que a delação premiada é um estímulo fornecido pelo Estado com o objetivo de chegar a verdade processual, sendo um instrumento válido que auxilia na investigação policial, com intuito de combater e reprimir crimes mais complexos, em especial os que se apresentam como ilícitos de organizações criminosas, inclusive as ditas de “colarinho branco”. Mas é preciso destacar que a delação premiada somente poderá ser considerada válida e eficaz, enquanto instrumento probatório, se puder cumprir com alguns pré-requisitos que garantam a ampla defesa e o contraditório.
Palavras-chave: Colaboração premiada. Lei nº 12.850/13. Organizações criminosas.
ABSTRACT: The Institute of Awarded Collaboration is generally used in crimes that the state cannot solve on its own, and is therefore of great importance in solving more complex cases related to organized crime. The study aimed to understand the probative value of the Turn State’s Evidence and to analyze its effectiven action in combating organized crime. The work was accomplished through out bibliographic research with deductive approach, according to doctrinal and normative construction, specifically analyzing the institute topic under study. It can be concluded that the award is a stimulus of State trying to reach the procedural truth, thus being a valid instrument helping the police investigation, in order to combat and repress more complex crimes, especially those comitted by criminal organizations, including those called “white-collar crimes”. But it must be emphasized that the awarded report can only be considered valid and effective, as a probative instrument, if it fulfills some prerequisites that guarantee broad defense and contradiction at same time.
Keywords: Awarded collaboration. Law 12.850 / 13. Criminal organizations.
Sumário: Introdução. 1. Definição e aspectos históricos da Delação Premiada. 1.1 Conceito de Delação Premiada. 1.2. Delação Premiada no Direito Comparado. 1.2.1 Origem. 1.2.2. Na Itália. 1.2.3. Nos Estados Unidos da América (EUA). 1.2.4 No Brasil. 2. Natureza Jurídica e justificativas para o uso da Delação Premiada. 2.1 Natureza Jurídica. 2.2 Justificativas para o uso da Delação Premiada. 3. Controvérsias da Delação Premiada. 3.1 Ética. 3.2 Constitucionalidade da Delação Premiada. 4. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O tema escolhido para desenvolver o presente estudo foi a delação premiada e sua eficácia no combate ao crime organizado. Tal instituto é geralmente utilizado em crimes que o Estado não consegue dirimir sozinho. Portanto, sua ética é contestada, já que o delator, além de praticar um crime, ainda é beneficiado e incitado pelo próprio Estado a trair os outros que participaram ou se envolveram de alguma forma no mesmo ato criminoso. Esse instituto tem sido considerado de grande importância para a solução de casos mais complexos relacionados com o crime organizado.
Apesar do seu mecanismo controverso, a delação premiada tem sido largamente utilizada nos últimos anos em diversas investigações criminais no Brasil, como nos casos das investigações da Operação Lava Jato, iniciada em 2014, e que, desde então, tem levado diversos políticos e empresários brasileiros ao banco dos réus, por integrarem grandes organizações criminosas, responsáveis por desvios de valores inimagináveis dos cofres públicos.
A recente notoriedade desse instituto e a importância que vem sendo dada as informações conquistadas por meio das delações premiadas despertaram o interesse por essa pesquisa, tornando relevante uma investigação mais aprofundada sobre o tema, no intuito de verificar sua eficácia para as investigações relacionadas com o crime organizado no Brasil.
Assim, o estudo traz como problema da pesquisa o seguinte questionamento: O instituto da delação premiada tem se mostrado eficaz para desbaratar o crime organizado no Brasil? Para responder essa pergunta, o objetivo geral do estudo buscou compreender o valor probatório do instituto da delação premiada e analisar sua eficácia no combate ao crime organizado no Brasil. Ainda, como objetivos específicos, procurou-se: discutir sobre os aspectos controversos da delação premiada: ética e constitucionalidade; e analisar dados sobre investigações e decisões judiciais relacionadas ao uso de informações provenientes da delação premiada.
O estudo foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva, fazendo uso de construção doutrinária e normativa, analisando especificamente o instituto em estudo. A pesquisa foi realizada no período de fevereiro a setembro de 2019, por meio do levantamento de dados em livros, artigos periódicos, teses, dissertações, doutrinas, jurisprudências coletadas via internet nas seguintes bases de dados: Scielo, Google acadêmico, revistas jurídicas, Supremo Tribunal Federal e JusBrasil.
Diante da notoriedade que vem sendo dada à delação premiada, especialmente devido aos desmembramentos que as informações recebidas através deste mecanismo trouxeram para a Operação Lava Jato, bem como pelos muitos debates que foram gerados questionando-se a constitucionalidade do uso desse instituto, visto que ele pode, inclusive, permitir que o criminoso delator saia ileso perante seus crimes, através do não oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, torna-se importante compreender melhor seu conceito.
Emanuelle Araújo Correia e Kennya Kelli Rangel Oliveira (2016) definem a delação premiada como uma ferramenta de investigação que consiste na oferta de benefícios pelo Estado ao acusado/indiciado para que esse, além de confessar o crime praticado, ofereça informações úteis para desvendar o fato delituoso.
Outra definição é dada por Gabriel César Zaccaria de Inellas (2000, p.93), que conceitua delação premiada como: “a afirmativa do corréu, ao ser interrogado, pela qual, além de confessar a autoria de um fato antijurídico, igualmente atribui a um terceiro a participação, como seu comparsa. Só se pode falar em delação quando o réu também confessa”.
Observa-se, então, tratar-se de um acordo através do qual o suspeito de um crime assume o compromisso de colaborar com as investigações e delatar os coautores do crime, ou integrantes da organização criminosa, com o objetivo de receber benefícios acordados previamente.
Assim, o instituto da delação premiada, denominada como “colaboração premiada” pelo legislador através da Lei nº 12.850/13, oferece apoio a um indivíduo que transgrediu a lei que, em troca de abrandar sua punição, colabora com a justiça revelando detalhes do processo criminoso realizado, citando nomes, valores e ferramentas que compuseram o delito (BRASIL, 2013).
Tal instituto foi um mecanismo instaurado em vários lugares do mundo como uma forma de ajudar a solucionar crimes mais complexos ou dirimi-los com a maior eficiência possível. Porém, trata-se de um mecanismo de certa forma contrário às normas estabelecidas em lei, pois fornece ao criminoso delator uma série de benefícios, o que torna seu uso pela justiça controverso.
Um bom exemplo para seu uso é citado por Pedro Henrique Carneiro da Fonseca (2008), que seria em casos de sequestro, onde o criminoso em delação poderia informar o local do cativeiro e denunciar comparsas, permitindo às autoridades uma solução mais rápida, evitando meses de investigação policial. Outro exemplo é com a prisão de traficantes, que através da delação podem levar à apreensão de enorme quantidade de drogas, evitando os riscos e o tempo de uma operação policial mais dispendiosa.
Ou seja, a delação premiada é um mecanismo para descobrir algo não sabido, premiando aquele que informa os mecanismos para ir à busca da verdade. Assim, a delação premiada confere um prêmio a um criminoso, que geralmente é a diminuição de pena para esse que contribui com o poder judiciário. Mas, apesar das controvérsias, é um mecanismo que pode fornecer informações valiosas para a justiça brasileira, auxiliando no combate a organizações criminosas.
A delação premiada é um instituto que segue sendo alvo de críticas que envolvem tanto as diversas questões em aberto em relação ao seu modus operandi, estabelecido recentemente pela Lei n. 12.850/13, quanto ao seu enquadramento no Ordenamento Jurídico brasileiro, seja em relação à sua compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, ou, ainda, no que se refere especificamente ao sistema processual penal (AIRES; FERNANDES, 2017).
É interessante, portanto, trazer uma abordagem sobre como surgiu esse instituto e como ele ocorre em diversos países, fazendo um comparativo com a forma como é aplicado no Brasil e como foi implementado no ordenamento nacional.
A delação premiada, desde o início dos tempos, era uma ferramenta utilizada com frequência, e tendo uma larga aceitação por todos. Estando presente até mesmo na Bíblia Sagrada, no relato que conta quando Judas Iscariotes entregou Jesus, por apenas 30 moedas de Prata, como é narrado no evangelho de Mateus.
Todavia, apesar dos indícios sobre a utilização da delação premiada chegarem há tempos longínquos, sua institucionalização no universo jurídico já é algo bem mais recente. Seu início no Direito ocorreu no princípio do século 19, na Alemanha, através do filosofo Rudolf Von Ihering, para ajudar a solucionar crimes em que o estado se mostrava impotente. Em 1853 Rudolf disse:
Um dia os juristas vão ocupar-se do direito premial. E farão isso quando, pressionados pelas necessidades praticas, conseguirem introduzir a matéria premial dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade ou arbítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas, sobretudo no interesse superior da coletividade (IHERING apud CERQUEIRA, 2005, p.25).
Observa-se que o direito premial faz parte da origem da delação premiada, que no Brasil era muito utilizada na época da escravidão, nos anos de 1800, e foi muito utilizada no combate à máfia italiana e, também, é muito difundida nos Estados Unidos, como será visto em seguida.
A delação premiada, à forma como se conhece hoje, é originária do direito italiano, cuja origem se deu na década de 1970, quando o país enfrentava ações terroristas, predominantemente de crimes de extorsão mediante sequestro, além da forte influência das máfias que ali haviam se instalado. No entanto, foi na década de 1980 que o instituto penal em análise obteve maior destaque e eficácia (LOBO, 2016).
Diante desse cenário, o Governo italiano criou leis com o objetivo de combater essas ações criminosas que assolavam o país, auxiliando o Estado no combate aos atos terroristas e as associações da máfia. Foi nesse contexto que surgiu o instituto da Delação Premiada, sob o escopo da expressão "Colaboradores da Justiça", que inicialmente recebeu a denominação de pentitismo, que em português significa algo como "arrependido", denominação que foi criada pela imprensa italiana quando se referia ao instituto jurídico. Na legislação italiana, o instituto previa para o réu que confessasse sua autoria ou participação em ato criminoso, assim como fornecesse informações que se mostrassem úteis para elucidação do crime e/ou a possibilidade de impedir a execução dos crimes para os quais a organização criminosa se constituiu, receberia um prêmio legal que variava desde a suspensão condicional do processo e atenuante da pena, até a extinção da punibilidade, além de proteção de sua família, pelo Estado (LOBO, 2016).
Um dos casos mais notórios foi o de Tommaso Buscetta, integrante da máfia ítalo-americana, que foi preso no Brasil e, em seguida, extraditado para os Estados Unidos e depois para a Itália, onde acabou fornecendo informações que possibilitaram os chamados “maxis processos” na Itália, onde cada um chegou a ter ao menos 400 réus sendo defendidos, e tudo isto com informações cedidas por Tommaso Buscetta.
Entretanto, devido às delações, ele sofreu represálias, o que levou ao assassinato de vários membros de sua família, como filhos, irmãos e sobrinhos. Por conta disso, Tommaso teve que receber nova identidade do governo norte americano, além de passar por diversas cirurgias plásticas, e o que restou de sua família também obteve nova identidade, e foram colocados para moradia em um local onde ninguém sabe até os dias de hoje.
Nos EUA, a delação premiada é conhecida por plea bargaining, que em português significa “um ato de negociação através do argumento”, o que pode ser interpretado como "barganhar". O plea bargaining é um instituto penal que consiste em uma negociação realizada entre um membro do Ministério Público (MP) e a defesa do acusado, onde esse deve fornecer todas as informações que possui sobre o crime praticado. Em compensação, o MP pode, inclusive, não prosseguir com a acusação. No sistema norte-americano há uma ampla discricionariedade a cargo do MP no que se refere ao processo penal, tanto que o próprio MP é quem comanda a fase investigativa, assim como decide sobre a instauração ou não da ação penal. Há estudos que afirmam a elevada eficiência da plea bargaining, dizendo que ela soluciona cerca de 85% dos crimes nos EUA (LOBO, 2016).
Nesse caso, observa-se que difere do que ocorre no Brasil onde, via de regra, imperam o princípio da indisponibilidade e o da obrigatoriedade. Portanto, nos EUA, fica sob responsabilidade do juiz apenas a fase de homologação do acordo, restando ao MP todas as demais ações que são relativas à realização do pacto da delação entre a acusação e defesa.
O instituto da delação premiada foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro nas Ordenações Filipinas, em seu Livro V, o qual tratava da parte criminal, vigorando de janeiro de 1603 até o ano de 1830, quando foi editado o Código Criminal do Império do Brasil (PIERANGELI, 2004). Conforme explica Sergio Rodas (2015), o uso do instituto teve seu início no Brasil em movimentos histórico-políticos, um deles a inconfidência mineira, quando o coronel Joaquim Silvério dos Reis, delatou os seus companheiros e obteve da fazenda real o perdão de suas dívidas.
Embora não tenha sido em processo judicial, a denúncia de Silvério foi o primeiro caso de delação premiada. Após isto, ele ganhou emprego público, uma mansão, e salário vitalício. Também houve o instituto da delação premiada no Golpe Civil-Militar de 1964, com o fim de descobrir supostos criminosos que não concordavam com o regime militar repressivo (GUIDI, 2006).
Na história mais recente, há inúmeros exemplos ocorridos durante os governos após o Golpe Civil-Militar de 1964, seguidos ao Ato Institucional nº 05 (AI-5), que incluía a delação em condições adversas, geralmente em busca de pessoas contrárias ao governo (SANTOS, 2005).
Hoje, o direito positivo brasileiro já possui diversos dispositivos legais que instituíram a possibilidade jurídica do aproveitamento das declarações do colaborador/imputado como elemento de prova no processo penal. Esses dispositivos legais são os seguintes: Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/1990, art. 8.º, par. único.); Código Penal (art. 159, 4.º – extorsão mediante sequestro); Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/1998, arts. 1.º e 5.º); Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei n. 9.807/1999, arts. 13 e 14); Lei Antitóxicos (Lei n. 11.343/2006, art. 41) e, mais recentemente, a Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/2013, arts. 4º ao 7º), que revogou a Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034/1995), e foi a que mais se preocupou em regulamentar o instituto da delação premiada no Brasil.
Todavia, embora a Lei nº 12.850 tenha fixado parâmetros para o mecanismo da delação premiada, ainda há algumas lacunas que precisam ser preenchidas, e exigem uma regulamentação mais aprofundada sobre esse instituto que vem sendo tão utilizado atualmente no país.
Hodiernamente, se utiliza este instituto com objetivo de abordar uma criminalidade diferente da comum, como a que é praticada por organizações criminosas, em especial aos referentes aos crimes de “colarinho branco”, que frequentemente são responsáveis pelo financiamento de votos em cargos políticos em diversas instâncias pelo país.
Contudo, ao se avaliar seu desenvolvimento histórico no Ordenamento Jurídico brasileiro, fica evidente que, até sua previsão na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06), o instituto se fundamentava na ideia de prêmio, ficando caracterizado como um direito subjetivo do delator, alcançando resultados previstos na eventual lei que o previsse (AIRES; FERNANDES, 2017).
Esse foco foi alterado a partir da Lei n. 12.529/11, conhecida como Lei do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que veio estruturar o sistema brasileiro de defesa da concorrência e dispor sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, e passou a prever o acordo de leniência. E esse acordo de leniência se refletiu no estabelecimento de um verdadeiro procedimento de acordo de delação premiada na Lei n. 12.850/13. Pode-se observar que, até então, não se falava em um acordo prévio de colaboração, mas simplesmente na estipulação de um prêmio para aquele que colaborasse.
Assim, após a delação premiada vir presente em diversas legislações brasileiras, mesmo que de forma incompleta, a Lei nº 12.850/13 trouxe em seu corpo legal, na Seção I, uma previsão um pouco mais completa, de forma e conteúdo, para o instituto da delação premiada, lembrando que é chamada pelo legislador de “colaboração premiada”.
A referida Lei traz, em seus artigos, as normativas para o acordo de delação premiada, contendo as diretrizes para a efetuação do contrato propriamente dito, bem como as obrigações, deveres e direitos do colaborador e, no art. 4º, §13, a previsão sobre o registro dos atos de colaboração por meios ou recurso de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual. Mas essa nova regulamentação, apesar de ter tornado mais clara a definição das disposições gerais sobre o instituto, ainda não foi capaz de desfazer algumas controvérsias, como será visto ao longo do estudo.
José Alexandre Marson Guidi (2006) define bem a natureza jurídica da delação premiada:
Nosso Código Penal possui um arremedo de delação premiada utilizando como atenuante genérica, previsto no artigo 65, incido III, alínea “b”, em que se “premia” o criminoso que tenha buscado, espontânea e eficazmente, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano. In verbis: “Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade” (GUIDI, 2006, p.112).
Seguindo essa mesma linha de pensamento, o legislador também previu no artigo 16 do Código Penal o Arrependimento Posterior, que beneficia aquele que, de forma voluntária, desiste de prosseguir na execução do crime ou age de forma a impedir que o resultado se produza. Todavia, esses não são casos de delação premiada propriamente dita, pois não é exigido nenhum requisito específico e os benefícios ao indivíduo são mitigados.
O entendimento que prevalece é que o instituto da delação premiada teria a natureza jurídica de prova (GUSTAVO, 2015). Entretanto, trata-se de uma prova anômala, visto não se amoldar as provas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como pelo fato desta ter seu valor mitigado, em relação ao artigo 4º, § 16 da Lei 12.850/13, que diz, in verbis: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador” (BRASIL, 2013).
Trata-se de prova anômala porque não se trata de uma confissão propriamente dita, visto que, para tanto, deveria se configurar como uma declaração voluntária de um suspeito ou acusado de um delito, atingindo o próprio confidente, mas no caso da delação premiada atinge-se, também, um terceiro. Também não se configura como um testemunho, pois um de seus pressupostos é que a pessoa seja estranha ao feito e equidistante das partes, o que não ocorre na delação premiada, visto que o delator teve participação no ato criminoso e se encontra em situação de beneficiário processual. Dessa forma, configura-se como prova anômala, já que não se identifica com nenhuma outra prova prevista pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Ainda assim, pode-se dizer que a delação premiada tem natureza jurídica de prova, por meio da qual o investigado, denunciado ou ainda réu condenado, contribui com a investigação através de suas declarações/delações, identificando seus parceiros ou coautores do crime, ainda revelando a estrutura hierárquica da organização criminosa, com o objetivo de prevenir futuras infrações penais, auxiliando à justiça a recuperar de forma total ou parcial os frutos dos delitos praticados, em prol de obter benefícios processuais (FERNANDES; ALMEIDA; MORAES, 2009).
Todavia, é importante destacar que, apesar de sua natureza jurídica de prova, a delação deve sempre ser vista com cautela, pois há imputação de fatos a terceiros, portanto a valoração desse objeto de prova deve vir acompanhada/corroborada de outros elementos de prova. Afinal, é preciso atentar que os delatores fazem suas delações no intuito de obter uma vantagem, seja ela processual, econômica ou de qualquer outra ordem.
Torna-se, portanto, premente que, para que sirvam como meio de prova, as informações provenientes da delação premiada sejam corroboradas por outros elementos mais objetivos e externos ao instituto, que venham a comprovar a veracidade da delação. Isso significa que apesar de ter natureza jurídica de prova, a colaboração premiada não basta, por si só, como meio de prova,
Dessa forma, é fundamental que as informações fornecidas pelo delator acrescentem novos elementos para as investigações. Caso contrário, ele apenas fará jus ao atenuante da confissão, conforme previsto pelo artigo 65 do Código Penal. Ou seja, é preciso que haja uma colaboração efetiva proporcionada pelas informações, elucidando aspectos relacionados ao caso em questão, como a identificação de coautores do crime, apreensão de objetos, recuperação de produtos desse ato criminoso, entre outros.
Assim, a delação premiada possui papel de importância na persecução penal, já que contribui para a elucidação de crimes relacionados com organizações criminosas, que dificilmente seriam solucionados sem essas delações. Entretanto, há questões relacionadas com problemas éticos e com sua constitucionalidade, que são colocadas em xeque por alguns doutrinadores, e merecem uma avaliação mais aprofundada.
Entre as principais justificativas para o emprego da delação premiada estão a de auxiliar na solução de casos e, também, na celeridade dos processos. Nesse sentido, os autores Murilo T. Aires e Fernando A. Fernandes (2017) alertam que a lentidão processual promove um dano crucial na produção probatória do caso concreto, pois os vestígios do fato geralmente se desfazem no lapso temporal.
Esse fato acaba causando uma sensação de impunidade para a população que acompanha esses casos relacionados aos crimes organizados, mesmo porque eles geralmente se tornam de grande interesse da mídia, o que, por sua vez, leva a uma quebra de confiança dos cidadãos em uma justiça eficaz.
Assim, a Lei 12.850/13, ao regularizar o instituto da delação premiada, trouxe várias inovações, normatizando sua utilização, o que permitiu que se tornasse um importante instrumento para elucidar uma série de tipos criminais, facilitando e acelerando a investigação policial, servindo como um “atalho”, permitindo uma conclusão mais rápida de muitas investigações relacionadas ao crime organizado.
É justamente nesse sentido que se justifica o uso desse instituto, ou seja, quando sua aplicabilidade no ordenamento jurídico se traduz em importante ferramenta para o enfrentamento do crime organizado. Isso porque os instrumentos tradicionais não estão mais se mostrando eficazes no combate dessa dimensão criminosa, tornando a delação premiada uma arma imprescindível que permite enfrentar essas novas formas de criminalidade (CORREIA; OLIVEIRA, 2016).
Desse modo, o Estado, que é o responsável pela segurança pública e tem por dever prevenir e punir as organizações criminosas, encontrou na delação premiada a ferramenta para conseguir combater essas organizações, fornecendo ao delator a oportunidade de negociar sua punição em troca de informações. E é por meio desse instrumento que o Estado tem tentado suprir sua carência na seara investigativa dessas organizações criminosas, tendo em vista que, sem as informações conseguidas através das delações, muitos crimes não seriam desvendados por falta de pistas.
Por exemplo, para atuar de forma eficaz na repressão de delitos como os de lavagem de dinheiro, é necessário que o Estado disponha de um robusto aparato que tenha capacidade de viabilizar um constante acompanhamento de relações e movimentações financeiras, não apenas no âmbito interno, mas também associado a um apoio internacional. É fato que o Brasil hoje já possui um esboço de tal empreendimento, entretanto o mesmo ainda é precário frente às diversificadas estratégias dessas organizações criminosas para execução do processo de lavagem de dinheiro.
Nesse sentido, a delação premiada se mostra um recurso de grande relevância para suprir as dificuldades investigativas de combate a esses crimes, principalmente por possibilitar uma compreensão mais ampla dos mecanismos utilizados pelas organizações, como, também, por identificar coautores e fornecer informações sobre o patrimônio ilicitamente movimentado (SILVA; SILVA; BRAGA, 2017).
Assim, a delação premiada possui enorme eficácia em investigações de crimes considerados difíceis de serem resolvidos devido ao poder econômico da organização, já que permite que esses criminosos tenham evolução em seu modo de agir e fornece acesso à tecnologia de ponta. Nesses casos, o instituto é fundamental para desbaratar essas organizações, em especial onde pessoas muito poderosas se apropriam de dinheiro público através de contratos manipulados.
O melhor exemplo disso é o caso da Operação Lava Jato, visto que em casos de investigações criminais deste tipo de ilícito, a delação de coautores torna mais céleres e econômicos tanto o processo penal quanto a persecução penal. Em crimes desse vulto, que possuem esquemas de dimensões enormes, se levariam anos até que fosse possível se chegar a todos os cúmplices dos atos criminosos, se não houvesse as delações. Ou, ainda pior, é provável que nunca se chegasse a todos os envolvidos, muito menos aos chefes da organização (MOREIRA; GONÇALVES, 2018).
Em relação ao caso específico da Operação Lava Jato, foi por meio das delações que se revelou a participação e o envolvimento de grandes empreiteiras e empresários, bem como de políticos renomados (incluindo do executivo) e até mesmo de partidos políticos que faziam parte da organização que coordenava esse enorme esquema de corrupção, desvio e lavagem de dinheiro, inclusive com gigantescas remessas de dinheiro para o exterior. Tudo isso só foi possível por meio das delações premiadas, tendo em vista que os detalhes dos esquemas só podem ser revelados por quem faz parte deles.
Sendo assim, pode-se dizer que se trata de “um mal necessário”, visto ser uma forma eficaz para se “quebrar a espinha dorsal das quadrilhas”, ao permitir que um de seus membros possa se arrepender e entregar as atividades dos demais e proporcionar para o Estado um resultado positivo no combate ao crime organizado. Com isso, a delação premiada permite maior eficiência e celeridade na persecução criminal, especialmente em vista das manifestações complexas que são típicas da atividade do crime organizado, e que se encontram enraizadas nos mais diversos segmentos e instituições, apresentando, muitas vezes, uma estrutura quase impenetrável e de perversa nocividade social (FREIRE JÚNIOR; DEZAN, 2017).
Portanto, com o uso desse controverso instrumento, permite-se que as investigações descubram como funcionam os esquemas, quem são os demais membros da organização e quais crimes vêm sendo cometidos. Possibilita o resgate de sequestrados em crimes de sequestro, apreensões de drogas em crimes relacionados ao tráfico de drogas, repatriação de dinheiro público desviado para fora do país e a prisão dos chefes das organizações, além de outras vantagens que justificam o uso da delação premiada.
Uma das principais questões controversas relacionada à delação premiada é a questão ética da traição, visto que os doutrinadores que se opõem ao instrumento colocam como questão justamente o seu caráter aético, visto que premia a traição, o que ofende os valores morais cultivados na sociedade, e onde nem mesmo no código dos criminosos se admite a traição.
Neste sentido, o atual Ministro da Justiça, Sérgio Fernando Moro, notório por ter conduzido os processos resultantes da Operação Lava Jato, defende que a delação premiada não é um estímulo a práticas antiéticas feitas pelo estado, mas sim um instrumento que auxilia de forma muito valiosa a aplicação das leis do país:
Sobre a delação premiada, não se está traindo a pátria ou alguma espécie de “resistência francesa”. Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio. Registre-se que crimes contra a Administração Pública são cometidos às ocultas e, na maioria das vezes, com artifícios complexos, sendo difícil desvelá-los sem a colaboração de um dos participantes (MORO, 2004, p.58).
Entretanto, diante do fato de que a delação deve ser um ato espontâneo, há os que defendam que não cabe prender uma pessoa para fragilizá-la no intuito de obter a delação. Assim, algumas questões se sobressaem nesse cenário: a prisão do réu retira a voluntariedade necessária para a colaboração premiada? Limites éticos estariam sendo rompidos com a combinação entre colaboração e prisão? (SUXBERGER; MELLO, 2017).
Nesse sentido, cabe refletir que com a delação premiada acaba por se romper com a unicidade do ordenamento jurídico, visto que se fornece uma série de benefícios a um infrator e promove um tratamento diferenciado entre criminosos coautores de um mesmo crime. Portanto, fica a dúvida sobre onde estão os limites éticos nessas questões, o que será respondido conforme o desenrolar das investigações mediante os dados fornecidos pelo delator. Ou seja, vale a pena deixar alguns aspectos éticos de lado se isso conduzir a benefícios maiores nos rumos da investigação.
Frisa-se que a delação deve se tratar de uma decisão de livre vontade, isto é, ação da delação só será ética se for consciente, livre e responsável e só será virtuosa ser for livre. Nesse caso, a liberdade pressupõe autonomia, ou seja, é preciso que resulte de uma decisão do próprio sujeito, e não da obediência a uma ordem, a um comando ou a uma pressão externa (MENDES, 2017).
Contudo, há que se questionar, também, a ética do criminoso delator, tendo em vista que, ao relatar as informações pertinentes, o mesmo pode omitir fatos relevantes sobre o crime em questão, ou sobre seu papel real na organização criminosa, de forma a se beneficiar, prejudicando outros, relegando aos demais competências criminosas que eram suas.
Nesse caso, outra questão ética controversa que se relaciona com o instituto é o receio sobre recair culpa sobre inocentes, pois, no intuito de se obter um benefício relevante através da cooperação processual, juntamente com a possibilidade de ter que cumprir uma pena mais grave caso o processo siga seu trâmite normal, pode levar os criminosos à produzirem delações falsas, gerando uma consequente suspeita sobre pessoas que, na verdade, são inocentes.
Para evitar isso, a legislação precisa possuir mecanismos reguladores capazes de evitar esse tipo de situação, e é o que a Lei 12.850 de 2013 trouxe, o que ajudou a minimizar bastante esses riscos, evitando que sejam aplicadas sanções a um inocente, a partir do momento que determina que as delações sejam comprovadas por outras evidências probatórias.
Na opinião de Glauco de Oliveira Marciliano e Lúcio Flávio Moreira e Pereira (2017), o instituto é muito benéfico para a qualidade da democracia de qualquer Estado, e é, inclusive, instituído nas normas internacionais da Organização das Nações Unidas, para proporcionar um combate realmente efetivo ao crime organizado e a corrupção.
Afinal, mesmo diante de questões éticas, é preciso reconhecer que sem o instituto da delação premiada muitas organizações criminosas não seriam reveladas e continuariam cometendo seus ilícitos sem que o Estado fosse capaz de desenvolver algum método eficaz para expor e responsabilizar esses criminosos.
Na doutrina e entre os doutrinadores existem grandes dúvidas em relação à constitucionalidade da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro, havendo juristas que defendem que o instrumento viola alguns direitos e garantias fundamentais, princípios estes que regem o devido processo legal e a moralidade pública.
Assim, em relação a sua constitucionalidade, os professores Cezar Roberto Bitencourt e Paulo César Busato (2014, p.130) comentam o seguinte:
O art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República prevê expressamente que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Sendo assim, não é possível que, uma vez fixada a pena, transitada em julgado a sentença, um acordo de colaboração premiada possa implicar a afetação desta coisa julgada, reduzindo pena ou alterando o regime do seu cumprimento, independentemente do quantum de pena aplicado! [...]. Seria, isto sim, um estímulo para calar-se, e para ser utilizado somente se tudo der errado, ou seja, somente se ao cabo de toda a instrução e o esgotamento dos recursos, pudesse o réu ainda valer-se de um instrumento útil apenas para reduzir sua pena ou melhorar o regime do seu cumprimento.
Já Sérgio Dayrell Ribeiro (2010) considera o instituto da delação premiada um dos mais eficientes meios probatórios do Ordenamento Jurídico atual e, sendo empregado respeitando o princípio do contraditório e em conjunto com as demais provas dos autos, terá um papel de extrema importância no combate às organizações criminosas.
O Princípio do contraditório foi inserido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, e pode ser compreendido como a possibilidade de atuação da parte implicada nos atos processuais. No caso da delação premiada o princípio do contraditório também está presente, para garantir o sucesso das investigações em consequência das informações fornecidas pelo delator, sendo realizado após a confirmação, ou seja, após se obterem as provas. Nesse caso, ao ser intimado o comparsa à ação penal, este terá o direito de questionar e esclarecer as questões relacionadas com o depoimento do delator, garantindo-se assim o princípio do contraditório.
Em relação ao princípio da ampla defesa, também pode-se entender estar presente, pois a delação premiada precisa ser voluntária e, em todo instante, o delator se encontra assistido por seu defensor. Sendo assim, pela voluntariedade e pela garantia da assistência jurídica, o instituto se encontra amparado pela ampla defesa
Também é importante lembrar que, para que haja um acordo de delação premiada, o delator precisa confessar que cometeu o crime em questão, o que acaba por contradizer a Constituição Federal no que garante o direito de o investigado não produzir provas contra si mesmo. Trata-se de um direito fundamental, garantido pelo inciso LXIII do artigo 5º, do qual o réu precisa abrir mão para fazer a delação.
Além disso, ao renunciar ao direito de manter-se em silêncio, que é garantido constitucionalmente, o delator passará a ter a obrigação de dizer a verdade. Todavia, nesse caso, o delator abre mão desses direitos com o objetivo de receber outros benefícios considerados por ele mais vantajosos (NUNES; SILVA; OLIVEIRA, 2018).
Ainda sobre essa questão dos direitos fundamentais do delator, os mesmos não devem ser utilizados como um escudo protetor para a prática de atividades ilícitas, nem tampouco serem usados como argumentos para afastar ou diminuir a responsabilidade civil ou penal por seus atos criminosos, constituindo-se assim em total desrespeito ao verdadeiro Estado de Direito.
Todavia, não há como negar que existe um “mal-estar” para muitos sobre a ideia de conceder um benefício, ainda que previsto em lei, para um sujeito que cometeu um delito. Nesse caso, cabe a análise das palavras de Murilo T. Aires e Fernando A. Fernandes (2017), que dizem que, realizada determinada contra conduta valorizada pela lei, essa poderia ser na abrangência do arrependimento substantivo (quando há a exigência de reintegração da própria ofensa típica, anulando a ofensividade ao bem jurídico), seja no que tange ao arrependimento processual (quando o arrependido se coloca à disposição para colaborar com a repressão penal). Conforme os autores, a delação premiada se enquadra como arrependimento processual.
Mas é justamente essa noção de “prêmio”, ou seja, de premiar um criminoso, que gera certa controvérsia no estudo desse instituto, o que faz com que seja considerado, por vezes, contraditório. De fato, é preciso verificar que a delação premiada não expressa, em um primeiro momento, substancialmente um benefício positivo, mas, na verdade, a imposição de um “mal menor” ao criminoso que depois colaborou para a investigação. Nesse caso, o conceito de “prêmio” deve ser entendido mais como um incentivo para a colaboração, ocorrendo tanto em aspecto geral, quanto especial (AIRES; FERNANDES, 2017).
Ao avaliar sua constitucionalidade, portanto, observa-se que apesar das inúmeras controvérsias existentes a respeito de sua constitucionalidade, o instituto da colaboração premiada se configura como legítimo, visto ser ato voluntário do delator, não havendo para tanto imposição estatal; sua possibilidade de aplicação somente pode ser feita em matérias de interesse público; apenas as informações da colaboração premiada não são suficientes para criminalizar outrem, sendo utilizada como uma prova auxiliar que irá direcionar a investigação, o que atende ao objetivo da celeridade processual; todos os atos delatórios devem ser assistidos por um defensor, resguardando a ampla defesa, o contraditório e aplicação da jurisdição.
Através dessa pesquisa pode-se concluir que a delação premiada é um estímulo fornecido pelo Estado com o objetivo de chegar a verdade processual, sendo um instrumento válido que auxilia na investigação policial, com intuito de combater e reprimir crimes mais complexos, em especial os que se apresentam como ilícitos de organizações criminosas, inclusive as ditas de “colarinho branco”. Trata-se de um instrumento que auxilia a justiça a identificar e encontrar outros participantes de ilícitos envolvidos em organizações criminosas, e que sem a delação dificilmente seriam identificados e capturados.
Mesmo estando prevista no ordenamento jurídico brasileiro desde a década de noventa, por meio da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072 de 1990), a delação premiada só entrou no cenário jurídico-policial, efetivamente, na última década, através do combate à corrupção no Brasil, começando com as investigações do que popularmente foi chamado de esquema do Mensalão e, em seguida, o Petrolão, na Operação Lava Jato. Assim com seu uso cada vez mais constante, surgiram vários debates sobre esse instrumento, com questionamentos sobre sua constitucionalidade, ética, moralidade, momento de aplicação, entre outros.
Por outro lado, tal instrumento possibilita vantagens processuais e investigatórias que não seriam conseguidas de outra forma, tendo em vista que ninguém melhor do que o próprio réu para elucidar aspectos sobre o modus operandi da organização criminosa a qual pertence, quem sãos seus demais integrantes e outros elementos e características que possam levar a verdade dos fatos.
Apesar da posição contrária de parte da doutrina sobre o uso desse instrumento, fica claro para esse estudo que as particularidades que são apresentadas pelas organizações criminosas atualmente exigem uma reestruturação da dogmática penal com o desenvolvimento e uso de estratégias novas e diferenciadas para que se consiga a obtenção de provas. Sendo assim, a delação premiada surge e tem se sustentado na busca da eficiência penal.
Mas é preciso destacar que a delação premiada somente poderá ser considerada válida e eficaz, enquanto instrumento probatório, se puder cumprir com alguns pré-requisitos, como o fato de ser voluntária, for efetuada na presença de seu defensor e do Ministério Público, e que suas informações sejam efetivas e de contribuição preventiva, evitando que novos crimes ocorram, e/ou que tenham eficácia repressiva, auxiliando a polícia e o Ministério Público na coleta de provas contra os demais membros da organização criminosa, permitindo suas prisões.
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[i] Professor, Mestre e Orientador deste artigo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/7418626605380398
Advogado
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUADROS, Otair Soares. A delação premiada no combate ao crime organizado no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2019, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/53632/a-delao-premiada-no-combate-ao-crime-organizado-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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