KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[1]
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo tratar sobre a inconstitucionalidade de impor o regime de separação de bens para pessoas com mais de 70 anos, que está previsto no art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002. Inicialmente foi demonstrado sobre o casamento do regime de bens na legislação brasileira, assim como sobre o regime de separação obrigatória de bens. Também, foi mostrado as disposições legais que protegem o idoso, previstas tanto na Constituição Federal de 1988, assim como no Estatuto do Idoso. Foram analisados os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade como parâmetros para a compreensão sobre a inconstitucionalidade do dispositivo previsto no Art. 1.641, inciso II, do Código Civil. Ainda, pela presente pesquisa ficou evidenciado que o artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, pela sua imposição aos maiores de 70 anos quanto ao regime de separação de bens, fere diversos princípios e normas constitucionais, assim como o direito dos idosos. Por fim, como metodologia para o presente artigo, foi utilizado o método de pesquisa exploratória, utilizando-se de pesquisas científicas sobre referido tema, tais como, legislações, artigos jurídicos, informativos eletrônicos, dentre outros.
Palavras-Chaves: Direito Idoso; Inconstitucionalidade; Regime de Bens para Casamento.
ABSTRACT: This article aims to address the unconstitutionality of imposing the system of separation of property for people over 70, which is provided for in art. 1,641, item II, of the Civil Code of 2002. Initially it was shown about the marriage of the property regime under Brazilian law, as well as the mandatory separation of property regime. Also, it was shown the legal provisions that protect the elderly, provided for both in the Federal Constitution of 1988, as well as in the Elderly Statute. The principles of human dignity, freedom and equality were analyzed as parameters for understanding the unconstitutionality of the provision provided for in Article 1,641, item II of the Civil Code. Also, from the present research it was evident that article 1,641, item II, of the Civil Code, by its imposition to the over 70 years on the regime of separation of goods, hurts several constitutional principles and norms, as well as the right of the elderly. Finally, as a methodology for this article, it was the method of expository and exploratory research, using scientific research on this topic, such as legislation, legal articles, electronic informative, among others.
Keywords: Elderly Law; Unconstitutionality; Marriage of Goods Regime.
SUMÁRIO: 1. Introdução, - 2. O casamento e o Regime de bens na Legislação Brasileira, -3. Regime de Separação Obrigatória de Bens, - 4. Ordenamento Jurídico e a Proteção ao Idoso: 4.1 Estatuto do Idoso, -5 Princípios e Normas Constitucionais Afrontados Sobre a Imposição do Regime de Separação Obrigatória de Bens Para Maiores de 70 anos: 5.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, 5.2 Princípio da Liberdade, 5.3 Princípio da Igualdade, - 6. Normas Afrontadas Pelo Artigo 1641, Inciso II do Código Civil, -7. Conclusão, -8. Referências.
O Ordenamento jurídico brasileiro é orientado pela Constituição Federal de 1988, desde os primeiros atos para criação da norma até a sua posterior vigência no caso concreto. Por esse motivo, editar uma lei sem observar as regras e princípios inseridas na chamada carta maior, importa na possibilidade de ser declarada inconstitucional.
Dessa forma, o presente artigo tem como foco o artigo 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002, que dispõe sobre a obrigatoriedade do regime de separação de bens no casamento da pessoa maior de 70 anos. Preliminarmente cabe destacar a importância do direito de família dentro do ordenamento jurídico, assim como da Constituição Federal para toda a sociedade.
Portanto, deve ser analisado se esse dispositivo respeita os direitos do indivíduo enquanto ser humano e a própria entidade familiar em relação a Constituição Federal como o próprio Código Civil.
Assim no presente artigo inicialmente serão expostas breves considerações sobre o casamento na legislação brasileira, do regime de bens e do regime de separação obrigatória de bens.
Também, será exposto quanto a pessoa do idoso dentro da sociedade brasileira, assim como os direitos assegurados aos idosos pela Constituição Federal e pelo Estatuto do Idoso, além de uma análise dos princípios constitucionais (igualdade, liberdade e da dignidade da pessoa) quanto a imposição desse regime às pessoas septuagenárias
Ainda, serão analisados os princípios apontados pela doutrina, pela jurisprudência e pelalegislação como parâmetros para se questionar sobre a inconstitucionalidade do regime de separação obrigatória de bens para as pessoas maiores de setenta anos.
Por fim, importante mencionar que para a realização dos objetivos para a elaboração do presente artigo, foi utilizado o método de pesquisa expositivo e exploratório, utilizando-se de pesquisas científicas sobre referido tema, tais como, legislações, artigos jurídicos, informativos eletrônicos, dentre outros.
2. O CASAMENTO E O REGIME DE BENS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
O casamento entrou na história da humanidade como um processo de socialização e que no decorrer do tempo e da história tem-se tentado naturalizar o mesmo, mas que na realidade o casamento nada mais é do que uma instituição social, tal qual a propriedade privada (COLARES, 2001).
Dessa forma, o casamento é um ato civil que celebra a união conjugal de duas pessoas, tendo como finalidade a construção de uma família, que produz consequências sociais, pessoais e patrimoniais entre cônjuges e filhos, porque com o casamento, são estabelecidos os vínculos de afinidade entre os cônjuges e seus parentes assim como quanto aos deveres com os filhos e não menos importante o regime patrimonial de bens adotado (FERREIRA, PEREIRA & CARVALHO, 2017).
Sob a ótica civil constitucional atual, o casamento está envolto pelo princípio da afetividade, o que se contrapõe diretamente ao patrimonialismo característico do Código Civil (CC) de 1916 (CALGARO, 2018).
Assim, o casamento é um ato de livre espontânea vontade, onde os cônjuges são livres para fazer e manifestar seus desejos, desde que seguindo os parâmetros impostos pela lei, inclusive a liberdade para escolher qual regime de bens será adotado no casamento.
De acordo com Clóvis Beviláqua(1976, p.34 apud Colares, 2000) quanto a sua definição de casamento na óptica de legitimação estatal das relações carnais e implicitamente estabelecendo suas consequências na órbita patrimonial, o mesmo define o casamento como:
O Casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer. (COLARES,2000).
Os regimes de bens encontram-se fundamentados do Art. 1658 aos 1688 do Código Civil Brasileiro, que são: Regime de Comunhão Parcial, Regime de Comunhão Universal, Regime de Participação Final nos Aquestos e Regime de Separação de Bens (BRASIL, 2002).
Destaca-se que o Código Civil de 2002 instituiu o regime da separação de bens obrigatório para maiores de 60 anos e, tal dispositivo, foi alterado pela Lei nº 12.344 de 9 de dezembro de 2010, majorado para 70 anos, idade a partir da qual se torna obrigatório o regime da separação de bens no casamento (FIGUEIREDO e CABRAL, 2012).
Dessa forma, o Código Civil de 2002 em seu art. 1641, II, dispõe que as pessoas maiores de 70 anos que contraírem matrimônio, deverão adotar unicamente o regime de separação obrigatória de bens e, dessa maneira e para uma melhor compreensão quanto a constitucionalidade dessa norma, importante que seja analisada quanto o seu principal destinatário, ou seja, a pessoa maior de setenta anos dentro da sociedade brasileira e dos instrumentos legais voltados para essa parcela da população (CABRAL, 2016, p.13).
Portanto, os regimes de bens são conjuntos de regras que serão aplicadas aos bens das pessoas que contraírem matrimônios, desta forma irá regular o patrimônio que ambos os cônjuges possuíam antes do casamento bem como, aqueles que foram adquiridos na constância do casamento, e produzirá efeitos com a dissolução do casamento, seja ele por divórcio ou pela morte de um dos cônjuges (FERREIRA, PEREIRA & CARVALHO, 2017).
Importante ressaltar aqui que a escolha do regime de bens ocorrerá durante o processo de habilitação para o casamento civil, no cartório de registro civil das pessoas naturais, devendo ser observado o princípio da autonomia da vontade, de acordo com o que preceitua o artigo 1.639 do Código Civil (2002) que “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver” (BRASIL, 2002).
3. REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS
Quanto ao regime obrigatório da separação de bens, este regime se apresenta como uma autêntica exceção à autonomia da vontade e à livre escolha que permeia o regime de bens porque trata-se de situações que a lei impõe o respectivo regime, impedindo a manifestação dos contraentes, onde quanto a separação obrigatória de bens de acordo com art.1.641, diz:
É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL, 2002).
Portanto, o regime matrimonial de bens constitui-se no conjunto de normas aplicáveis às relações patrimoniais no casamento e no nosso ordenamento jurídico estão previstos quatro tipos de regimes patrimoniais, ou seja, a comunhão universal de bens (artigo 1.667 do CC); comunhão parcial (artigo 1.658 do CC); separação de bens – voluntária (artigo 1.687 do CC) ou obrigatória (artigo 1.641, inciso II) e participação final nos aquestos (artigo 1.672 do CC). (BORDONI, 2014, p. 2).
Ressalta-se que o que está mencionado na segunda hipótese trazida pelo artigo 1.641, inciso II, onde fica estabelecido que em situações em que pessoas maiores de 70 anos pretendem se casar, esses devem obrigatoriamente adotar o regime de separação obrigatória de bens.
Das várias previsões que visam negar efeitos de ordem patrimonial ao casamento, nenhuma delas justifica o risco de gerar enriquecimento sem causa. Porém, das hipóteses em que a lei determina o regime de separação obrigatória de bens, a mais desarrazoada é a que impõe tal sanção aos nubentes maiores de 70 anos (CC 1.641, II), em flagrante afronta ao Estatuto do Idoso (FERREIRA, PEREIRA & CARVALHO, 2017).
Essa regra do artigo 1.641, II, do Código Civil estabelece restrições na esfera volitiva e patrimonial das pessoas idosas, onde presume a incapacidade dos mesmos, o que gera uma situação discriminatória, principalmente porque a sociedade atual vivencia uma evolução do conceito de família e o aumento da expectativa de vida da população, além da existência do Estatuto do Idoso que atribui as pessoas a partir dos 70 anos proteção integral de seus direitos, objetivando seu envelhecimento digno. (BORDONI, 2014, p.2).
Também se deve frisar que a legislação tende a proteger a pessoa idosa, tendo em vista que há uma suposta vulnerabilidade e que portanto, ao fazer tal imposição o legislador coloca a pessoa maior de 70 anos com uma suposta incapacidade, mas vale ressaltar que vulnerabilidade e incapacidade são coisas completamente diferentes.
4. ORDENAMENTO JURÍDICO E A PROTEÇÃO AO IDOSO
Os direitos dos idosos, contidos na Constituição Federal de 1988, está fundamentado em princípios como a cidadania e a dignidade da pessoa humana, passou a fazer parte do direito, que buscará formar uma sociedade livre, justa e solidária, não devendo haver nenhuma forma de discriminação (BORDONI, 2014).
Assim, quanto aos direitos das pessoas idosas, Paulo Roberto Barbosa Ramos, (2003, p. 133), esclarece que:
Assegurar os direitos fundamentais das pessoas idosas é uma alternativa inteligente para a garantia dos direitos de todos os seres humanos. Todavia, fez-se observar que somente serão assegurados os direitos fundamentais aos idosos na medida em que aos seres que envelhecem seja garantido, durante a existência, o direito à dignidade.
Também, cabe salientar que na CF de 1988, foram estabelecidas as normas específicas de proteção ao idoso, em seus artigos 229 e 230, onde rege que os filhos maiores devem amparar os pais na velhice, carência e enfermidade, sendo também como dever da família o amparo, o bem estar e a defesa de sua dignidade, assim como da sociedade e do Estado, inclusive, em seu art. 203 dispõe sobre uma renda mínima aos idosos que não possuem recursos próprios ou da família para a manutenção desses. (BRASIL, 1988).
Portanto, a obrigação do Estado de benefícios positivos garantindo aos idosos uma série de direitos e ações voltados à sua integração social.
Em 1º de outubro de 2003 com a aprovação da Lei 10.741/2003 estatuto do idoso, nasceu com essa lei um importante instrumento de defesa dos direitos do idoso, contendo disposições específicas quanto a atuação do Estado e da sociedade, oferecendo ao idoso um envelhecimento digno de toda a sociedade. (BORDONI, 2014).
Importante dizer quem alguns países, por sua cultura, nesse caso as orientais, ainda é comum que o idoso esteja atuante em atividades de trabalho, onde é respeitado por sua sabedoria e experiência, diferentemente de algumas sociedades ocidentais, onde o idoso é visto como uma pessoa que não possui capacidade para participar da cadeia produtiva, como é o caso no Brasil. (BERTELLI, 2006, p.2).
Dessa forma, quando se coloca o idoso à margem da sociedade, negligenciando o princípio da Igualdade da liberdade e dignidade, são retirados dos idosos as garantias constitucionais, mas que essas garantias são cabíveis para qualquer indivíduo.
Como afirma Whitaker (2007, p.14-15):
Não basta existir o Estatuto do Idoso. É preciso que ele seja cumprido na íntegra. Não basta proclamar hipoteticamente a sabedoria dos velhos. É preciso criar infraestrutura apropriada às limitações da idade - especialmente no espaço urbano - para que possamos exercer essa sabedoria. [...] Vivemos em sociedades industriais, caracterizadas por um consumo desvairado, poluídas desde o solo até a camada de ozônio, marcada pelo estresse das formas mais deletérias de sociabilidade, com predominância da competição. Nesse tipo de sociedade nem os jovens adultos conseguem ter saúde.
Portanto deve haver um instrumento jurídico que estabeleça a isonomia entre os idosos e toda a sociedade, onde o estatuto do idoso foi gerado com fundamentos de uma doutrina da proteção integral e que estabelece direitos diferenciados frente a condição característica de pessoas que estão passando por um processo natural de envelhecimento, porque isso envolve aspectos importantes para a pessoa, ou seja, aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
Primeiramente, importante destacar o Estatuto do Idoso, em seus artigos 1º, 2º e 3º caput, que fazem menção a proteção da pessoa idosa.
Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Por esse motivo no artigo 2º do estatuto do idoso consta que o idoso goza de todos os direitos fundamentais relativos a pessoa humana, para isso resta asseguradas todas as oportunidades e facilidades para que esse tenha a sua saúde física e mental resguardada, além de ter o seu aperfeiçoamento moral intelectual espiritual e social. Portanto, é uma violação ao referido estatuto se a pessoa de idade avançada for tratada de forma discriminatória. (BORDONI, 2014).
Ainda, importante ressaltar que os artigo 3º do Estatuto do Idoso, rege que tanto a família, a comunidade e ao poder público, que esses assegurem para o idoso com absoluta prioridade os direitos fundamentais direcionados a pessoa humana, compreendendo as garantias de atendimento preferencial em órgãos públicos e privados que prestam serviços públicos, entre outras garantias.
Ainda, no Artigo 45 do estatuto do idoso, estão descritas as medidas de proteção contra violações que possa ocorrer quanto aos direitos assegurados aos idosos, ou seja, encaminhamento do idoso a família ou curador, orientação, acompanhamento e apoio, tratamento de saúde em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar inclusão em programa oficial ou comunitário para tratamento da dependência de drogas santo do Idoso como pessoa de sua convivência que eu perturbe, abrigo ou entidade ou temporário.
Ainda, em seus artigos 46 e 47 o estatuto do idoso também trouxe as determinações de ações governamentais e não governamentais como orientações para o pleno atendimento ao idoso com as políticas sociais básicas já estabelecidas pela lei 8.842/94.
E, além das políticas sociais básicas da lei 8.842/94, também as políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo; serviços de prevenção e atendimentos as vítimas de negligencia, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; localização de parentes ou responsáveis de idosos deixados em hospitais e instituições de longa permanência; proteção das entidades de defesa dos direitos do idoso e campanha para mobilizar a opinião pública a participar do atendimento ao idoso.
Também importante destacar que com previsão na lei 8842/94 os conselhos nacionais, estaduais, distritais e municipais são os encarregados para cumprimento dos direitos dos idosos.
Portanto o estatuto do idoso é uma resposta ao preceito constitucional que previu uma custódia inaudita àquele que “alternativamente a morte precoce, atingiu a ancianidade” (NALINE, 2012, p.446) e se apresenta como um instrumento capaz de dar tutela a dignidade da pessoa idosa e com isso diminuindo as desigualdades e acarretando em um crescente sentimento de cidadania. (BORDONI, 2014).
E, de acordo com Schopenhauer (2012, p. 20):
[...] o velho não é um inválido do tempo, e a velhice não é simplesmente o ocaso da vida, que se tem de protelar o máximo possível, nem a fase do "marasmo" senil e da perda dos sentidos, que conflui na morte. A velhice torna-se, antes, o coroamento da existência, o fim positivo, para o qual o indivíduo se prepara e todo o decorrer da vida se orienta. Se for mesmo verdade que já começamos a envelhecer desde o nascimento [...] a qualquer momento da vida é nossa tarefa envelhecer bem.
Isso porque quando as pessoas envelhecem e se tornam idosos, os mesmos continuam querendo exercer sua autonomia, porque a vida não está restrita a juventude mas sim, a vida passa indo e vindo, por diversas fases, e quando chega a terceira idade pode significar apenas uma mudança de estilo de vida.
5. PRINCÍPIOS E NORMAS CONSTITUCIONAIS AFRONTADOS SOBRE A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS PARA MAIORES DE 70 ANOS
Os princípios e normas da constituição são de grande importância na história dos direitos humanos, são direitos de vários tamanhos que orientam o ordenamento jurídico brasileiro, dessa maneira, o não cumprimento desses princípios fere inteiramente as garantias proclamadas na Constituição Federal de 1988.
Portanto, quando é imposto a separação obrigatória do regime de bens para maiores de 70 anos, isso viola vários princípios de grande importância no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que não são mais observados com a imposição do artigo 1641, II do código civil.
Como ensina Geraldo Ataliba (2001, p. 6-7):
[...] princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico, Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente a perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legalização, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas consequências (ATALIBA, 2001).
Por esse motivo os princípios têm um lugar de destaque no ordenamento jurídico porque expressam com mais intensidade os valores do que as normas, e dessa maneira, os princípios estabelece de forma absoluta, determinando os limites do sistema jurídico: “a colcha de retalhos de normas postas está assentada neles. Se essa colcha fosse, por um motivo qualquer, retirada, eles estariam lá, sob ela” (NUNES, 2002, p. 23).
Portanto, qualquer norma que venha ferir os princípios constitucionais,essa deve ser revista, editada e ainda, se necessário, até mesmo revogada, porque se trata de direitos e garantias relacionadas e direcionadas a pessoa humana.
5.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoal humana é o de maior importância quando se trata de direitos e garantias próprias a pessoa humana, por se tratar de um princípio norteador entre todos os demais incluídos no direito brasileiro.
Por isso, ensina a ilustre doutrinadora Maria Berenice Dias (2010, p.62):
É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado no primeiro artigo da Constituição Federal. A Preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional.
Por que tratar de um Estado democrático e pela sua importância, o legislador na promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe esse princípio logo no artigo 1º, inciso III da mesma:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).
Entende-se que se o Estado de forma arbitrária interferir na vontade da pessoa maior de 70 anos, quanto ao regime de casamento, esse deixa de observar o princípio da dignidade humana, ferindo um direito de escolha da pessoa idosa, assim como, também estará ferindo outros princípios, conforme será demonstrado.
O princípio de liberdade se encontra no artigo 5o, caput da constituição federal de 1988, onde diz que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (BRASIL, 1988).
Importante ressaltar que quando se trata da Liberdade da pessoa humana é necessário que se faça uma análise mais detalhada sobre o assunto, porque a liberdade tem ligação com diversos aspectos, ou seja, quando a pessoa possa escolher o que é melhor para si, desde que respeite o que é a lei determina e dessa maneira podendo exercer um direito seu que é a autonomia da vontade.
Portanto, o princípio da liberdade está relacionado ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, e como diz Lobo, (2011, p. 69);
A realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral. (LÔBO, 2011).
Assim, se o Estado impor as maiores de 70 anos o regime de separação obrigatória de bens, estará de certa maneira tratando essa pessoa idosa com indiferença quanto as demais pessoas, o que é contrário ao princípio da igualdade que está no artigo 5º, caput da CF/1988.
Também como afirma Maria Helena Diniz (2008, p. 27):
O princípio da liberdade refere-se ao livre poder de formar comunhão de vida, a livre decisão do casal no planejamento familiar, a livre escolha do regime matrimonial de bens, a livre aquisição e administração do poder familiar, bem como a livre opção pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole. (DINIZ, 2008).
Assim, entende-se que a escolha do regime de casamento deve ser de livre escolha do casal, não devendo e nem cabendo ao estado que o mesmo imponha esse tipo de regime para os maiores de 70 anos de forma arbitrária
O Princípio da Igualdade também é de grande importância no ordenamento jurídico brasileiro, além de inúmeros outros princípios, e pode ser encontrado no artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988, como segue:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (BRASIL, 1988).
Conforme estabelece o artigo 5º, caput da CF/1988, observa-se que é vedado qualquer tipo de distinção entre pessoas, e assim quando o estado impõe o regime de bens as pessoas maiores de 70 anos,o mesmo (Estado) está fazendo essa distinção, porque de certa forma, está tratando a pessoa idosa de forma diferente das demais, como se colocando a pessoa idosa como incapaz na escolhade seu próprio regime de bens.
Assim, como demonstrado, para vários doutrinadores e pela própria Constituição tal imposição do artigo 1.641, inciso II do Código Civil é inconstitucional porque fere também princípios constitucionais e normas que se encontram na Lei maior que é a Constituição Federal.
Portanto, resta demonstrado que os princípios importantíssimos, com essa a imposição do regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos que estão no artigo 1.641, inciso II do CC, estão em desarmonia com a Constituição Federal, porque as normas essenciais e importantes não estão sendo observadas.
É objeto de severas críticas por diversos ramos do direito quanto ao que está previsto no art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, onde estabelecendo aos maiores de 70 anos, como regime de separação absoluta de bens, para os casamentos realizados entre esses idosos.
Inicialmente como o primeiro dispositivo a ser mencionado é o artigo 5º inciso X da Constituição Federal de 1988,onde dispõe que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, inclusive, que é assegurado até mesmo o direito a indenização em caso de dano material ou moral decorrente de tal violação. (BRASIL, 1988).
Portanto, como assegurado por esse dispositivo quanto ao direito a intimidade, a vida privada e a honra da pessoa humana, o Código Civil está de forma arbitrária intervindo na vida privada dos idosos, não respeitando na legislação o princípio da isonomia, com isso ferindo a honra dos mesmos, de certa forma gerando constrangimento ao idoso, porque o mesmo não poderá optar pelo regime de bens no casamento, mesmo esse idoso tendo a sua capacidade plena para os atos da vida cível (FERREIRA, et al, 2017).
Já no próprio Código Civil vigente, vale mencionar o artigo 1.513, caput, que diz: “Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. (BRASIL, 2002).
Também, importante mencionar o artigo 1.513, caput, do Código Civil, onde consta que é defeso a qualquer pessoa seja ela de direito público ou de direito privado, em interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Está aí mais uma inobservância da norma, porque o casamento se trata de vida em família, e o estado não pode intervir de forma arbitrária estabelecendo o regime de bens, porque o mesmo pode não ser satisfatório para os cônjuges, e dessa maneira ferindo direito da autonomia privada, o que é um direito para toda pessoa que quer e tem de regulamentar os seus próprios interesses.
Quanto ao Estatuto do Idoso, em seu artigo 2º, caput, rege que:
Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (BRASIL, 2003).
Assim quando esse artigo assegura ao idoso por lei ou por outros meios todas as oportunidades e facilidades para que seja preservado [...] seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social, enfatiza que isso deve ser em condições de liberdade e dignidade. (FERREIRA, 2017).
Outra importante norma é o que consta no disposto do artigo 5º inciso XLI da Constituição Federal de 1988, onde estabelece que “[...] a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. (BRASIL, 1988).
Assim, ao se analisar os dispositivos mencionados anteriormente, fica explícito que a lei em vários aspectos protege claramente os direitos dos idosos, inclusive podendo ser alvo de sanções para quem deixar de cumprir o que estabelece a legislação.
Ficou claro, que o legislador deixou de observar um fator importante, sobre o idoso maior de 70 anos, porque o mesmo:
No decorrer da vida vão amadurecendo e ganhando experiência, seja na vida profissional ou amorosa, e por muitas vezes sabem lidar melhor com determinadas situações do que pessoas mais jovens. Porém, o legislador não se atentou para o lado positivo, olhando apenas para a vulnerabilidade proveniente da idade avançada (FERREIRA, 2017, p. 15).
Importante destacar que após a publicação do Código Civil de 2002, apareceram diversas críticas sobre o tema, que acarretaram na apresentação de vários Projetos de Leis visando alterar o limite de idade, ou seja, o PL 4.944/2009 de autoria do Deputado Federal Osório Adriano pleiteando o aumento para 80 anos; o PL 6.594/2009 de autoria do Deputado Fernando Coruja sugerindo o limite de 70 anos; e o PL 108/2007 de autoria da Deputada Federal Solange Amaral, pleiteando o aumento da idade mínima para 70 anos. (CABRAL, 2016, p. 44).
Por essa movimentação legislativa, foi aprovado o Projeto de Lei 108/2007 e convertido na Lei 12.344/2010, que alterou o art. 1641, II do Código Civil de 2002 e determinando a obrigatoriedade do regime da separação de bens no casamento para as pessoas maiores de 70 anos. (CABRAL, 2016, p. 44).
Dessa forma, foram apresentados também alguns projetos de leis no Congresso Nacional que buscavam a revogação desse dispositivo do Código Civil Brasileiro pelo fato do mesmo estar em dissonância com a Constituição Federal.
Entre esses, pode-se destacar o PL 4.945/2005 do Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia, que havia sido proposto ainda quando em vigor o limite de 60 anos e que atualmente encontra-se arquivado e que pleiteava a revogação do art. 1641, II do CC/2002, sob a justificativa de que:
É atentatório à dignidade humana dos mais velhos, que ficam impedidos de livremente escolher o regime de bens, ao se casarem, como punição pela renovação do amor”. Assevera ainda que tal imposição é incompatível com os arts. 1º, III, e 5º, I, X e LIV da Constituição Federal. (CABRAL, 2016).
Também, o PL 209/2006, de autoria do Senador José Maranhão, atualmente arquivado, o qual também buscava a revogação de referido dispositivo, onde afirma que tal imposição “constitui uma intervenção estatal abusiva na instituição familiar, além de ser discriminatória e ofensiva aos princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade de constituir família”. (CABRAL, 2016, p. 45).
E, ainda que existem iniciativas legislativas em fase de tramitação no Congresso Nacional, ou seja, os Projetos de Lei 470/2007 da Senadora Lídice da Mata e o PL 2285/2007 do Deputado Federal Sérgio Barradas Carneiro, ambos projetos propõem a criação de um Estatuto das Famílias que terá como objetivo revogar os artigos referentes ao Direito de Família do Código Civil atual e criando um microssistema, semelhante ao direito consumerista (CABRAL, 2016, p. 45).
Ambos os projetos citados anteriormente, tem o apoio do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e que propõem a supressão do art. 1641, II, fundamentando que tal dispositivo tem caráter discriminatório além de atentatório à dignidade dos cônjuges.
Já o PL 189/2015 do Deputado Federal Cleber Verde, traz em seu bojo uma ampla fundamentação a favor da revogação do art. 1641 do Código Civil de 2002, e entre esses argumentos está a de que tal dispositivo “ofende ao princípio da liberdade, da autonomia de vontade, da isonomia e da dignidade da pessoa humana”
Portanto, após análise dos princípios e normas expostos anteriormente, ficou evidenciado que ocorre uma grande agressão aos direitos dos idosos maiores de 70 anos, Por que o estado impõe aos mesmos um regime de bens no casamento, que para os mesmos não seja o melhor, ocorrendo também a violação ao princípio da intervenção mínima, por que existe no ordenamento jurídico dispositivos que proíbe ao estado a intervenção de forma arbitrária nas relações de família.
Fica claro portanto, que é o artigo 1.641, inciso II, do Código Civil fere princípios importantíssimo, assim como, garantias trazidas pela Constituição Federal de 1988.
Por todo o exposto, analisados vários princípios constitucionais e normas vigentes da legislação, e que são de grande relevância no ordenamento jurídico brasileiro, que ora foram demonstradas e confrontadas, não restam dúvidas que o artigo 1641, inciso II, do Código Civil deve ser revisto, porque fere direitos adquiridos aos idosos maiores de 70 anos.
Pela presente pesquisa, analisando-se o casamento no direito de família e na Constituição Federal, a família recebe uma grande proteção pela lei, assim como os idosos acima de 70 anos, tanto pela Constituição Federal como pelo estatuto do idoso.
Também quanto à questão dos regimes de bens no casamento existentes no Brasil bem como suas características mas principalmente, sobre o artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, quem impõe o regime separação obrigatória de bens aos idosos com mais de 70 anos, esse artigo coloca o idoso com uma incapacidade, restringindo e tentando impedir que eu mesma escolha o seu próprio regime de bens.
E, como demonstrado no presente artigo, quando o artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, essa imposição deve ser revista pela legislação, porque o legislador de forma arbitrária, impôs aos idosos maiores de 70 anos o regime de separação de bens que fere diversos princípios e normas constitucionais, que são os princípios da dignidade da pessoa humana.
Também, pode-se observar que o legislador deu ênfase apenas para o lado patrimonial ao fazer tal imposição deixando de lado a questão sentimental assim como o direito de escolha do idoso, discriminado e impedindo que o maior de 70 anos possa escolher seu próprio regime de bens.
Isso porque, também o idoso tem o direito de dispor dos seus bens da melhor forma que lhe couber e que bem entender, desde que obedecidos os parâmetros estabelecidos nalei e na legislação.
Além do mais, o idoso deve ser tratado de forma igualitária as demais pessoas, não podendo haver nenhum tipo de discriminação, e se for observado as legislações vigentes e os princípios constitucionais, fica evidenciado a inconstitucionalidade de tal imposição em relação a pessoa idosa.
Por fim, nota-se que faz necessário uma reforma legislativa no tocante o artigo 1.641 inciso II, do Código Civil, sobre a imposição do regime de separação obrigatória de bens para a pessoa maior de 70 anos.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Kaillane Maia da. Vedação da liberdade de escolha de regime de bens no casamento para maiores de 70 anos e imposição da separação total Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2019, 04:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/53869/vedao-da-liberdade-de-escolha-de-regime-de-bens-no-casamento-para-maiores-de-70-anos-e-imposio-da-separao-total. Acesso em: 23 dez 2024.
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