Artigo apresentado à Universidade Brasil, polo de Fernandópolis, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Graduação (Bacharelado) em Direito. Orientadores: Prof. Ademir Gasques Sanches e Prof. Me. Érica Cristina Molina dos Santos.
RESUMO: O advento da internet (web) representou um marco histórico para a humanidade, melhorou a comunicação, trouxe rapidez no compartilhamento de dados e informações e facilitou a vida cotidiana das pessoas. Entretanto, ao conectar o mundo, a web também trouxe a possibilidade de práticas virtuais ilícitas de toda ordem. Esta pesquisa, de revisão bibliográfica, teve por objetivo buscar entendimento dos principais aspectos da ocorrência dos crimes cibernéticos, sua tipificação e o conteúdo de algumas leis no ordenamento jurídico brasileiro voltado a esses crimes. Os resultados apontaram que, apesar dos avanços conseguidos pelas Leis 12.737/2012 e 12.965/2014, que secundam o Código Penal brasileiro na tipificação e imputação criminal às condutas cibernéticas ilícitas, há necessidade de alterações das normais legais para se realizar um combate mais efetivo à impunidade do delito virtual e oferecer segurança jurídica para o uso da internet diante da nova realidade digital.
Palavras-chave: internet, crimes cibernéticos, normas legais, combate
ABSTRACT: The advent of the internet (web) represented a historic mark for humankind, improved communication, brought speed and data and information sharing, and facilitated people's daily lives. However, by connecting the world, the web also brought the possibility of illicit virtual practices of all kinds. This research, under a bibliographic review, aimed to understand the main aspects of the occurrence of cybercrimes as well as their typification, and the content of some laws in the Brazilian legal system related to these crimes. The results showed that Laws 12.737/2012 and 12.965/2014, which support Brazilian Penal Code, brought important advances in the typification and criminal imputation to any illicit cyber conduct. However, there is need to introduce changes in the legal norms to make the combat against impunity for cybercrime more effective and to provide legal certainty for internet use in the face of the new digital reality.
Keywords: internet, cybercrimes, legal norms, fight
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DESENVOLVIMENTO. 2.1 Conceito. 2.2 Classificação e tipificação dos crimes. 2.3 Legislação brasileira.
2.4 Investigação dos crimes cibernéticos. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
A internet, como um marco histórico da humanidade, foi criada para melhorar a comunicação entre as pessoas e trazer mais rapidez na troca e compartilhamento de informações (CAMPELO; PIRES, 2017). Ao conectar o mundo, fez com que os indivíduos a utilizassem para facilitar sua vida cotidiana. Hoje, não há negar-se que o mundo é considerado predominantemente digital, e a internet (web) faz parte do dia a E-mails, facebook, twitter, páginas virtuais, redes sociais e a web como um todo interligam milhões de computadores e celulares e compartilham todo tipo de ações, informação e dados. Pela web veiculam desde o simples ato de fazer compras, pagar uma conta, realizar transferências ou depósitos bancários, a tudo que pode ser efetivado sem que o usuário se desloque até lojas físicas, bancos etc. Praticamente, todas as tarefas podem ser executadas por um sistema computacional, e o mundo real passou a ser veiculado no ciberespaço, onde não se exige a presença física para o relacionamento das pessoas (MAUES; DUARTE; CARDOSO, 2016). No Brasil, com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) na década de 1980, a web expandiu-se por todo o território nacional, vindo a integrar-se, pela internet, ao resto do mundo. Não se deve desconsiderar que o avanço das novas tecnologias tenha influenciado imensamente as relações interpessoais e comerciais, por comunicações pessoais, informações e compartilhamento de dados com rapidez e eficiência, e trouxe inúmeros benefícios à população (MAUES; DUARTE; CARDOSO, 2016). Todavia, apesar de todos os seus benefícios, com a inovação e as facilidades que ela trouxe às pessoas, é fácil de se pensar que a rede da internet também tenha proporcionado formas de cometimento de práticas ilícitas já existentes ou novas, condutas a que se tem denominado de criminalidade digital, igualmente de forma rápida e eficiente (CAMPOS; PRADO, 2017; CAMPELO; PIRES, 2017), tais como pornografia infantil e adulta, homofobia, racismo, estelionato, crime contra a vida e casos de intolerância religiosa (CAIADO; CAIADO, 2018; KUMAGAI, 2016).
Essa prática crescente de ilícitos no meio digital configura um elevado custo aos usuários, criando, adicionalmente, a falsa sensação de impunidade aos infratores (CRUZ; RODRIGUES, 2018) devido, principalmente, à ausência de legislação adequada, às dificuldades para determinação da autoria do crime, ligada à [in]competência de julgamento, à coleta das provas, às perícias e até mesmo à execução das penas, que se veem prejudicadas e ineficientes (BROTOT, 2017). Mas, contrariamente ao que “as pessoas creem, os crimes praticados através da internet possuem tipificação e, quando identificado os infratores, se tem a sanção penal” CRUZ; RODRIGUES, 2018, p. 6).
Pela internet esses comportamentos criminosos se tornam especialmente perigosos, uma vez que se pode acessar remotamente, de forma lícita ou não, e decifrar sistemas informatizados, possibilitando o cometimento de todos os tipos de crimes, de difícil rastreamento, traduzindo-se em uma zona de ilusão onde não existe o direito (MIRAGEM, 2009). Embora se reconheça tratar-se “de uma ilusão efêmera, pois tal distanciamento não torna impossível o rastreamento das condutas ilícitas e sua consequente punição” (CAMPOS; PRADO, 2017, p. 1), os crimes cibernéticos são uma novidade recente no sistema jurídico (FERREIRA; FERREIRA JÚNIOR, 2010).
Esta pesquisa, de cunho de revisão da literatura, visou realizar uma análise dos principais aspectos dos crimes cibernéticos, tipos de ocorrências e algumas leis do ordenamento jurídico brasileiro voltadas a esses crimes.
A cibernética envolve a ciência dos sistemas de informação, e os crimes cibernéticos representam condutas praticadas contra alguém (pessoa física ou jurídica) pelo emprego dos sistemas da informática. Tais crimes violam o estado natural dos dados e os recursos oferecidos por um sistema de processamento (compilação, armazenamento ou transmissão) e constituem um atentado contra a pessoa, a integridade corporal e a liberdade individual, a honra, um bem juridicamente protegido, a ordem econômica, o patrimônio individual ou público, a administração pública, a segurança da informática, ou seja, são uma ação antijurídica e condenável (ALMEIDA, 2015; CAMPELO; PIRES, 2019).
Um crime é conduta típica, culpável, porque viola norma jurídica, e os crimes de informática (também chamados de cibernéticos, digitais, virtuais, cybercrimes) são cometidos por meio de computadores ou contra eles mesmos (ALMEIDA, 2015; MAUES; DUARTE; CARDOSO, 2018). Em sua maioria, são crimes praticados pela internet, em que o computador é o instrumento material para sua perpetração (CAMPELO; PIRES, 2019). Todavia, não é necessária conexão com a internet para a consumação do crime (ALMEIDA, 2015), uma vez que ela é, em essência, o meio de acesso empregado e não o instrumento: é pela invasão de dados de um computador que se comete o delito, como, por exemplo, furto de dinheiro de conta bancária, cópia de fotos pessoais com o fito de ameaça à vítima, extorsão ou mácula de sua imagem (GONÇALVES, 2017).
Os crimes cibernéticos, similarmente aos crimes comuns, são “condutas típicas, antijurídicas e culpáveis, porém praticadas contra ou com a utilização dos sistemas da informática” (BORTOT, 2017, p. 341). Em outras palavras, um crime realizado por computador é um comportamento ilegal, que objetiva apropriar-se indevidamente (ou transmitir) dados e informações considerados sigilosos ou pessoais em busca de algum favorecimento próprio. Trata-se de um crime ou contravenção, dolosa ou culposa, praticada por pessoa física ou jurídica, com emprego da informática, que transgride a segurança informática, a integridade das pessoas ou organizações e a confidencialidade. Em sentido mais amplo, o crime cibernético é um delito eletrônico tal como qualquer outra conduta criminosa que emprega a tecnologia como método, meio ou fim.
Tais operações delituosas são executadas por sujeitos ativos do delito (COURI, 2009; ALMEIDA, 2015) como: hackers, responsáveis pelos crimes, pessoas de grande habilidade técnica em sistemas de informática que, normalmente, invadem máquinas e adulteram softwares, aplicando-lhes novas funcionalidades diante de falhas nos sistemas; os crackers (conhecidos por black hats, ou chapéus negros), especialistas cujo desafio é vencer os sistemas, são os verdadeiros invasores de computadores que adulteram programas e dados, comparados a terroristas, e aplicam seu amplo conhecimento da informática com propósitos ilícitos (furto de dados, valores e outros ilícitos) (COURI, 2009; CAMPOS; PRADO, 2017); OLIVEIRA, 2017). Diferentemente e em sentido oposto, os white hats (chapéus brancos) se encontram entre os que empregam seu conhecimento de informática para aperfeiçoar os sistemas de segurança de um software, atuando de forma legal (BORTOT, 2017).
2.2 Classificação e tipificação dos crimes
A utilização da internet e de sistemas informatizados para transmissão e arquivamento de dados é uma realidade inquestionável, mas não se pode dizer o mesmo da segurança das operações, sujeitas a invasões e práticas ilícitas (virtuais ou cibernéticos), com prejuízos frequentemente elevados aos usuários da rede (CAMPOS; PRADO, 2017; MAUES; DUARTE; CARDOSO, 2018).
Para Almeida et al. (2015), os crimes cibernéticos, conforme a doutrina brasileira dominante, são delitos de natureza formal (aqueles que se consumam no momento da prática da conduta delitiva). Maggio (2013, s.p.) explica:
Trata-se de crime comum ([...] praticado por qualquer pessoa), plurissubsistente (costuma se realizar por meio de vários atos), comissivo (decorre de uma atividade positiva do agente: “invadir”, “instalar”) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (quando o resultado deveria ser impedido pelos garantes – art. 13, § 2º, do CP), de forma vinculada ([...] cometido pelos meios de execução descritos no tipo penal) ou de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio de execução), conforme o caso, formal (se consuma sem a produção do resultado naturalístico, embora ele possa ocorrer), instantâneo (a consumação não se prolonga no tempo), monossubjetivo (pode ser praticado por um único agente), simples (atinge um único bem jurídico, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada da vítima).
Entre os crimes cibernéticos, Oliveira et al. (2018), secundados por Sanches e Ângelo (2018), mencionam como os mais comuns: os crimes contra a honra, difamação, calúnia e injúria, pedofilia e pornografia infantil, divulgação não autorizadas de conteúdo, violação dos direitos autorais e criação de perfis falsos. Na atualidade, porém, dentre as classificações doutrinárias para crimes virtuais, adota-se a que mais se aproxima da realidade dos fatos. Embora existam divergências quanto a classificar os crimes de informática, eles podem ser distribuídos em crimes próprios e impróprios (FERREIRA; FERREIRA JÚNIOR, 2010; CAMPELO; PIRES, 2019).
Os primeiros (próprios) referem o emprego do computador como meio e objeto para a execução dos crimes, e do sistema informático do sujeito passivo (vítima) para a prática de condutas criminosas cometidas contra, por exemplo, o sistema financeiro, independentemente da motivação, com a invasão de dados não autorizada: visa-se modificar, alterar, inserir dados falsos em softwares ou hardwares, ou simplesmente causar danos (OLIVEIRA et al., 2017). Almeida et al. (2015, p. 224) corroboram que crimes virtuais próprios “são aqueles em que o sujeito ativo utiliza o sistema informático do sujeito passivo, no qual o computador como sistema tecnológico é usado como objeto e meio para execução do crime”.
Os segundos (impróprios) referem condutas ilícitas perpetradas contra bens jurídicos tutelados pelo Estado (crimes tipificados) (CAMPOS; PRADO, 2017). Almeida et al. (2015, p. 225) consideram estes crimes como aqueles executados com a “utilização do computador, ou seja, por meio da máquina [...] utilizada como instrumento para realização de condutas ilícitas que atinge todo o bem jurídico já tutelado”. Trata-se, portando, de crimes já tipificados na lei, executados com o uso do computador e da rede, embora o computador não seja elemento essencial para a prática criminosa, como é o caso da pedofilia, que pode servir-se de outros meios que não a informática para a produção do ato ilícito (CAIADO; CAIADO, 2018).
Como um sistema de informação (computador) é um instrumento de ação (como armas, explosivos etc., usados de forma criminosa) para se cometer um delito, ele também deve ser tutelado pelo Estado quanto ao ataque ou lesões a bens e interesses que advierem a partir de seu uso, quer em atividades individuais, quer em atividades coletivas ou sociais, uma vez que o computador passou a ser instrumento para a prática criminal. Deve-se destacar que a informática trouxe a prática de novos delitos além daqueles anteriormente previstos no ordenamento jurídico brasileiro, que passaram a exigir regulamentação própria para se evitar a impunibilidade desses crimes cometidos pelo ambiente virtual (BORTOT, 2017).
Quanto aos crimes cibernéticos, consideram-se a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade como elementos que fundamentam sua classificação, uma vez que os crimes com essas características já se enquadram no ordenamento penal pátrio. Campelo e Pires (2019, p. 4) entendem que tipificar um crime é “descriminar qual o tipo de crime e definir sua punição”, o que requer esclarecer seu tipo penal, constitucionalidade, esfera de proteção, significância da conduta criminosa, causalidade, imputação objetiva e subjetiva (crime doloso ou culposo), grau de participação do ofendido, consequências e danos gerados, consumação ou tentativa, entre outros aspectos tipificadores. É pertinente destacar que, no âmbito virtual, as tecnologias proporcionaram condutas criminosas novas, sendo necessária aptidão para reconhecer e punir as modalidades de crimes virtuais: muitas práticas já são ordenadas penalmente (e.g., pedofilia e pornografia infantil), mas existem crimes virtuais de pouca ocorrência, não se tendo ainda a devida proteção do internauta.
Todavia, não se fala em tipicidade do crime virtual sem se pensar no código penal, aplicado em conjunto com algumas legislações existentes voltadas aos crimes virtuais, alguns dos quais já tipificados na legislação penal como os crimes de ameaça, difamação, calúnia, injúria, apologia ao crime ou criminoso, falsa identidade, dentre outros, alterando apenas o cenário da prática criminosa (COURI, 2009; CRUZ; RODRIGUES, 2018). Como a internet é tão somente um instrumento de execução do delito, não se pode afirmar que o ordenamento jurídico brasileira proteja o espaço virtual, o que não impede qualquer investigação no sentido de elucidar tais crimes.
Embora relativamente novo no âmbito legal, as condutas virtuais criminosas aparecem no atual panorama global com a exigência de alterações na legislação penal informática com o fito de se evitar a impunidade dos delitos informáticos de qualquer natureza (ALMEIDA et al., 2015). De um modo geral, costuma dizer que existem os crimes informáticos puros, puros sem previsão legal (e alguns com previsão legal) e os impuros (COURI, 2009).
Os crimes virtuais puros ocorrem quando o autor do evento age para atacar, virtual ou fisicamente, sistemas, redes, programas e unidades de armazenamento de dados, mesmo que a legislação para enquadrá-los seja incipiente: caso da interceptação de e-mail pessoal, comercial, da administração pública ou qualquer correspondência virtual, conforme artigos 151 e 152 do CP (BRASIL, 2013) e art. 10º da Lei 9296/96 (BRASIL, 1996), porque se constituem violação e divulgação de informações sigilosas ou reservadas (art. 153, §1º-A do CP), contidas nos sistemas de informação ou banco de dados. Couri (2009) ainda reconhece outros delitos virtuais puros tais como: inserção de dados falsos, alteração ou exclusão indevida de dados corretos, alteração não autorizada de sistema de informação ou softwares (art. 313-B do CP) (BRASIL, 2013), violação da proteção intelectual de programa computacional para sua comercialização (art. 12 da Lei 9.609/98) (BRASIL, 1998).
Os crimes virtuais puros sem previsão legal não possuem tipificação penal expressa, isto é, apresentam ausência de definição legal (conceitos, implicações, sanção penal expressa), como o envio de vírus e e-mail bombing – crimes típicos cujo objeto é o computador – que apenas recebem reprimenda no art. 163 do CP (BRASIL, 2013), posto que geram danos apenas aos seus receptores. São crimes de difícil subsunção, isto é, inclusão ou enquadramento a uma normal legal em abstrato, devendo-se enquadrar uma conduta ou fato concreto à norma jurídica (norma-tipo) para poder tipificar o crime. O mesmo ocorre quando programas espiões ou sem controle (cookies, spywares, freewares) registram as informações pessoais do usuário (pessoais ou comerciais), para, posteriormente, se venderem tais informações sem consentimento do usuário; ou quando ocorre a instalação de programa espião (como o vírus “cavalo de troia”) por meio de arquivo anexado que, após instalado no computador, apropria-se de informações, arquivos e senhas do usuário para o autor do delito provocar danos ao usuário. Trata-se de uma verdadeira invasão capaz de produzir danos irreversíveis à máquina (e seus programas instalados) e ao indivíduo a que se destinam (COURI, 2009).
Os crimes informáticos impuros correspondem ao uso do computador como instrumento simples de produção de ofensa a outros bens tutelados juridicamente, tais como crimes contra a honra, injúria, de ameaça furto, apropriação indevida, violação autoral, escárnio, favorecimento da prostituição, ato obsceno, incitação ou apologia ao crime ou ao criminoso, falsificação de dados, estelionato eletrônico, pornografia infantil, racismo e xenofobia, dentre outros. Há de se lembrar, ainda, que alguns crimes virtuais impuros têm previsão legal, como estelionato, pedofilia entre outros (COURI, 2009; MACHADO, 2014; ALMEIDA, 2015; MAUES; DUARTE; CARDOSO, 2018).
Diante da realidade criada pela internet, a legislação tem procurado adaptar-se às novas configurações em busca de um ordenamento jurídico atual para a matéria, de forma abrangente. Apesar de o Código Penal brasileiro (BRASIL, 2013) ter sido elaborado em 1940, não abrangendo, pois, elementos para tipificar e enquadrar os crimes eletrônicos, acredita-se seja possível aplicar os princípios gerais do Direito Penal às condutas criminosas no ambiente virtual, além de algumas destas condutas digitais já encontrarem amparo legal no Código Penal brasileiro, mesmo diante da insuficiência de normas específicas, pelo aproveitamento tanto quanto possível da legislação existente (CAMPOS; PRADO, 2017; SANCHES; ÂNGELO, 2018).
Até 2012, não havia legislação específica para punir os crimes cibernéticos próprios, mas apenas legislação para crimes cibernéticos impróprios (BORTO, 2017). Foi em decorrência de alguns episódios, como os ataques a sites do governo e divulgação de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, com alta repercussão, em diversos sites (CRUZ; RODRIGUES, 2018), que se abriram as discussões para punir os autores de condutas infracionais no meio virtual. Foram propostas e sancionadas, em caráter de urgência (ALMEIDA, 2015), duas leis que cobriam deficiências no ordenamento jurídico brasileiro: a Lei 12.735/2012 (BRASIL, 2012a), conhecida como “Lei Azeredo”, e a Lei 12.737/2012 (BRASIL, 2012b), conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”.
Brasil (2012a) propunha tipificar condutas assumidas pelo uso de sistema eletrônico, digital ou similares, praticadas contra sistemas informatizados, ao mesmo tempo em que autorizava que os órgãos da polícia judiciária estruturassem setores e equipes especializadas para o combate de ações delituosas em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado. Na mesma data, a lei 12.737 (BRASIL, 2012b) tratou da tipificação criminal e alterou o artigo 154-A do Código Penal (BRASIL, 2013) quanto à invasão de dispositivo informático[1], crime novo que passou a ser acrescido ao ordenamento jurídico:
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. (BRASIL, 2012b).
A referida lei transcende a condenação do infrator e atinge, igualmente, o indivíduo que “produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput” do Art. 154-A (BRASIL, 2012b), ficando sujeito às mesma sanções do autor da conduta ilícita.
Campelo e Pires (2019) resumem as penas colimadas na lei, mesmo que em forma de crime subsidiário ou apenas doloso: seis meses a um ano se o crime por invasão resultar na obtenção de comunicações eletrônicas privadas, de segredos comerciais ou industriais, de informações sigilosas definidas em lei e do controle remoto não autorizado do dispositivo invadido.
Mas foi em 2014 que a Lei 12.965/2014 (BRASIL, 2014), chamada Marco Civil da Internet, trouxe regulamentação para o uso da internet no Brasil. Ele surgiu visando normatizar as relações no ambiente virtual e as condutas não contempladas pelo ordenamento brasileiro. A lei estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determinou diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação ao uso da web.
Além das garantias constitucionais (BRASIL, 2012c), entre os princípios reiterados por Brasil (2014, Art. 3º) estão: garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, sob a tutela da Constituição Federal; prevenção e proteção à privacidade, à inviolabilidade das informações e dados pessoais; neutralidade e estabilidade da rede, bem assim sua segurança e funcionalidade; estímulo ao uso de boas práticas e responsabilização dos agentes infratores.
Cabe, aqui, entretanto, uma ressalva sobre a inviolabilidade: ainda não está pacificado nos tribunais o que caracteriza “a violação indevida de mecanismo de segurança, conforme é definido no dispositivo legal, visto que nem sempre o usuário possui qualquer nível de segurança implementado ou que talvez seja inviável comprovar tal violação” (CAIADO; CAIADO, 2018, p. 14). Logo, embora as leis brasileiras sejam um avanço importante no combate à criminalidade cibernética no País, ainda requerem ajustes para os diversos aspectos da criminalidade digital (ALMEIDA et al., 2015; BORTO, 2017).
2.4 Investigação dos crimes cibernéticos
A liberdade de expressão e de comunicação é uma garantia da liberdade do homem e um direito fundamental seu. Por outro lado, o anonimato se faz aviltante, sem que se possa responsabilizar o autor perante terceiros, principalmente quando expõe ideias que maculam as pessoas, sendo ele mesmo (o anonimato) vedado pelo art. 5º da Constituição da República (BRASIL, 2012c). Ora, a internet permite que seja garantido o anonimato, o que pode gerar reflexos negativos no mundo real, mas não se pode aceitar a faculdade do anonimato se constitua uma liberdade para fins ilícitos (COURI, 2009): a liberdade privada e o direito à privacidade são um bem maior dos cidadãos, e o Código Penal protege contra a violação dessa privacidade, quer por invasão de domicilio, quer por violação, sonegação ou destruição de correspondência (BRASIL, 2013). Em decorrência, pode-se dizer que, na rede, o anonimato é relativo, uma vez que se devem restringir práticas delituosas. Mesmo sendo ainda deficiente, a legislação brasileira procura atender à demanda sempre crescente para elucidar e punir os tipos de crimes virtuais (ALMEIDA et al., 2015).
Assim trata o Direito Digital:
A possibilidade de visibilidade do mundo atual traz também riscos inerentes à acessibilidade, tais como segurança da informação, concorrência desleal, plágio, sabotagem por hacker, entre outros. Assim, na mesma velocidade da evolução da rede, em virtude do relativo anonimato proporcionado pela internet, crescem os crimes, as reclamações devido a infrações ao Código de Defesa do Consumidor, as infrações à propriedade intelectual, marcas e patentes, entre outras. (PINHEIRO, 2011, p. 76).
Engana-se, entretanto e em contrapartida, aquele que acredita serem os crimes cibernéticos intocáveis, à margem do mundo real, sem vigilância. O crime informático é um ilícito material, que deixa vestígios, detectáveis por meio de perícias bem constituídas nos termos do Código de Processo Penal (BRASIL, 2013), a serem realizadas, preferencialmente, por profissional habilitado que tenha conhecimentos em informática e em sistemas de comunicação, viabilizando coleta e instrução das provas (COURI, 2009; CRUZ; RODRIGUES, 2018), embora se reconheça que a persecução penal de crimes em ambiente virtual inda seja insatisfatória, quer pela deficiência de leis tipificadoras, quer por ausência de peritos habilitados e até mesmo por falhas ou falta de cooperação internacional (ALMEIDA, 2015).
Pesquisadores de segurança digital se permitem, potencialmente, mudar as forenses digitais para melhor eficácia nas investigações, embora se compreendam as muitas limitações às investigações e aos modelos de segurança. Além disso, a abordagem nos crimes pode produzir impacto mínimo devido a falhas na políticas ou leis e motivações existentes por detrás de uma infração (CAIADO; CAIADO, 2018).
Esta pesquisa permitiu aferir alguns aspectos relevantes para entendimento dos principais aspectos dos crimes cibernéticos, sua tipificação e o ordenamento jurídico brasileiro relativo aos crimes virtuais.
Os crimes cibernéticos, tais como os crimes comuns, são condutas típicas, culpáveis e antijurídicas, que traduzem um comportamento ilegal de apropriação indevida de informações e dados, sigilosos ou pessoais, para favorecimento próprio. São crimes executados pela web, em que o computador é apenas um instrumento de execução.
Trata-se de crime ou contravenção, praticados por pessoa física ou jurídica, que ofendem a segurança informática e a integridade ou a confidencialidade de pessoas ou organizações. Entre os crimes cibernéticos mais comuns se encontram: os crimes contra a honra, difamação, calúnia e injúria, pedofilia e pornografia infantil, divulgação não autorizada de conteúdos e criação de perfis falsos. A classificação de tais crimes virtuais considera a aproximação com o crime real, levando-se em conta tipo penal, constitucionalidade, conduta criminosa e causalidade, objetividade e subjetividade do delito (doloso ou culposo), consequências e danos provocados, consumação ou tentativa, entre outras facetas tipificadoras.
Embora recentes no âmbito legal e apesar dos avanços importantes no combate à criminalidade digital no País, a tipificação e imputação criminal das condutas cibernéticas ilícitas carecem de mudanças e adequações na legislação penal informática para se evitar a impunidade desse tipo de delito. Todavia, apesar das deficiências do atual ordenamento jurídico brasileiro (como a Lei 12.737/2012 e Lei 12.965/2014), a legislação brasileira tem buscado atender à crescente demanda de esclarecimento dos crimes cibernéticos e sua justa punição.
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil, campus Fernandópolis - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAIDA, Fernando Henrique Menezes da Silva. Crimes cibernéticos: tipificação e legislação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 maio 2020, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54506/crimes-cibernticos-tipificao-e-legislao-brasileira. Acesso em: 15 nov 2024.
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