RESUMO: O presente estudo visa analisar a possibilidade de condenação do poluidor por dano moral coletivo na seara ambiental, de modo a promover a efetiva e integral reparação do dano, nos moldes do art. 225, §3, da Constituição da República Federativa do Brasil, e do art. 14, § 1º da Lei n. 6.938/81.
PALAVRAS-CHAVE: meio ambiente, responsabilidade ambiental, proteção integral, dano moral coletivo.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DO DANO MORAL COLETIVO AMBIENTAL. 2.1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. 2.2 DO DANO MORAL COLETIVO. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS.
A Constituição Federal elencou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um de direito fundamental de terceira dimensão, de interesse difuso, transindividual e de natureza indivisível.
Na defesa desse direito, a reparação civil ambiental assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva e integral, fundada no risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano.
O dever de compensação por dano moral ambiental é, nesse cenário, um tema cada vez mais presente nos casos em que o poluidor desrespeita e legislação ambiental e se recusa a recompor as consequências de seu ilícito. O também denominado dano extrapatrimonial é passível de reparação tanto na esfera individual quanto coletiva, fundamentado na premissa de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A possibilidade de indenização por dano moral está prevista no artigo 5º, V, da Lei Maior e no art. 1º da Lei da Ação Civil Pública. Os diplomas normativos não restringem a violação à esfera individual e mudanças históricas e legislativas têm levado a doutrina e a jurisprudência a entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu patrimônio imaterial.
Nesse caminhar, pretende-se abordar a relevância da temática, especialmente em razão da especificidade e consolidação do tema na tutela ambiental.
2. DO DANO MORAL COLETIVO AMBIENTAL
2.1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL
De proêmio, assenta-se que a inauguração da fase holística no Direito Ambiental, advinda com a promulgação da Lei n. 6.938/1981 e da Constituição Federal de 1988, permitiu que o meio ambiente fosse erigido à condição de direito fundamental, filiando-se a um antropocentrismo temporalmente mitigado. Em se tratando de direito fundamental, o interesse ao meio ambiente ecologicamente equilibrado traz consigo as qualidades da indisponibilidade, imprescritibilidade, inalienabilidade e indivisibilidade, devendo ser protegido pelo Poder Público e pela Coletividade para as presentes e futuras gerações (art. 225, CF).
Sob esse viés, a Constituição Federal preceitua a tríplice responsabilização por lesões ao meio ambiente nas searas penal, civil e administrativa, consagrando a independência entre as esferas sancionatórias (art. 225, §3, CF). Visa-se, desse modo, a máxima tutela ambiental sem que isso represente qualquer bis in idem entre as instâncias, já que cada qual possui seu objeto de tutela específico.
Destarte, nos termos do aludido dispositivo, “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
No que concerne à responsabilidade civil, prevê a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu 14, § 1º, que “o poluidor é obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
Não remanescem dúvidas, neste particular, de que, na seara cível, adotou-se um regime de responsabilidade objetiva, extremado – uma vez calcado na teoria do risco integral –, solidário e ilimitado, que abrange toda e qualquer espécie de dano, seja de índole patrimonial, seja moral, causado por ato comissivo ou omissivo.
Isso porque, pontifica com maestria OLIVEIRA (2014, p. 1.016) que “em aspectos fundamentais, a responsabilidade civil ambiental norteia-se pelos princípios da prevenção, do poluidor pagador, da solidariedade intergeracional, e da reparação integral.” E acrescenta:
Prevenção porque a essência de todo o direito ambiental é a adoção de medidas de antecipação, preventivas. Com a ocorrência do dano ambiental, adentra-se no princípio do poluidor-pagador, em que uma de suas faces é a obrigação do empreendedor em reparar os danos causados ao meio ambiente. Essa reparação, por sua vez, deverá ser de forma integral, em uma tentativa de retorno ao status quo ante ou o mais próximo possível. Todos esses princípios, em última análise, convergem para uma responsabilidade ética entre as gerações, uma vez que é necessário legar o ambiente em condições similares ou melhores para as gerações futuras. (OLIVEIRA, 2014, 1.016)”
A respeito da responsabilidade objetiva por dano ambiental, leciona Paulo Affonso Leme Machado acerca do dever jurídico de reparação:
Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, §1º, da Lei 6.938/1981). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo-lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. (MACHADO, 2016, p.409-410)
Nessa trilha, esse dispositivo consagrou, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da teoria do Risco Integral, em que não é possível a quebra do vínculo de causalidade pelo fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.
A responsabilidade por dano ambiental é objetiva e pautada no risco integral, não se admitindo a aplicação de excludentes de responsabilidade. Conforme a previsão do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, recepcionado pelo art. 225, §§ 2º e 3º, da CF, a responsabilidade por dano ambiental, fundamentada na teoria do risco integral, pressupõe a existência de uma atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, impondo-se ao empreendedor a obrigação de prevenir tais riscos (princípio da prevenção) e de internalizá-los em seu processo produtivo (princípio do poluidor-pagador). Pressupõe, ainda, o dano ou risco de dano e o nexo de causalidade entre a atividade e o resultado, efetivo ou potencial, não cabendo invocar a aplicação de excludentes de responsabilidade. Precedente citado: REsp 1.114.398-PR, DJe 16/2/2012 (REPETITIVO). (REsp 1.346.430-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/10/2012).
De efeito, os elementos para responsabilização civil por danos ambientais consistem apenas na existência do agente poluidor, do dano e do nexo de causalidade. Por consequência, é irrelevante a análise do elemento subjetivo do agente de causar o dano, aplicando-se a todos que direta ou indiretamente teriam responsabilidade pela atividade causadora do dano.
Elucidando o tema, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino asseverou que a responsabilidade objetiva está calcada na noção de risco social, implícito a determinadas atividades, sendo essa imputação atribuída legalmente àqueles que devem ressarcir os danos provocados por atividades exercidas no seu interesse e sob seu controle.
Imputa-se objetivamente a obrigação de indenizar a quem conhece e domina a fonte de origem do risco, devendo, em face do interesse social, responder pelas consequências lesivas da sua atividade independente de culpa. Nesse sentido, a teoria do risco como cláusula geral de responsabilidade civil restou consagrada no enunciado normativo do parágrafo único do art. 927 do CC, que assim dispôs: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". A teoria do risco integral constitui uma modalidade extremada da teoria do risco em que o nexo causal é fortalecido de modo a não ser rompido pelo implemento das causas que normalmente o abalariam (v.g. culpa da vítima; fato de terceiro, força maior). Essa modalidade é excepcional, sendo fundamento para hipóteses legais em que o risco ensejado pela atividade econômica também é extremado, como ocorre com o dano nuclear (art. 21, XXIII, "c", da CF e Lei 6.453/1977). O mesmo ocorre com o dano ambiental (art. 225, caput e § 3º, da CF e art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981), em face da crescente preocupação com o meio ambiente. Nesse mesmo sentido, extrai-se da doutrina que, na responsabilidade civil pelo dano ambiental, não são aceitas as excludentes de fato de terceiro, de culpa da vítima, de caso fortuito ou de força maior. [...]. (REsp 1.373.788-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 6/5/2014).
Assim, afasta-se a teoria do risco criado, já que o caso fortuito, a força maior e o fato exclusivo de terceiro não têm o condão de afastar a reparação pelo dano ambiental, bastando a prova do dano e do nexo de causalidade para configuração da responsabilidade.
Diante do fato de que o autor deverá provar apenas que existe um nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação ambiental, convencionou-se que a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental (súmula 618, STJ). Como consequência, o agente que cria ou assume o risco de causar danos ambientais possui o encargo de provar a exclusão de sua responsabilidade.
No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo). 6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, 'Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução' (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar 'que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva'. (REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009).
Em relação ao poluidor, o conceito legislativo que lhe é dado consiste na “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, diretamente ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3, IV, Lei n. 6.938/81).
A imposição ao poluidor da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados advém do art. 4, inc. VII, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, sendo que não apenas o causador direto do dano ambiental será responsabilizado, como também o será o poluidor indireto.
Isso porque, diante da natureza do dano ambiental, em observância aos arts. 258, 259 e 275, todos do Código Civil, trata-se de uma obrigação indivisível, já que sua prestação tem por objeto uma prestação não suscetível de divisão. Nesse paralelo, havendo dois ou mais devedores, cada um será obrigado pela dívida em sua integralidade, podendo o credor exigir a prestação de apenas um ou de todos os devedores, ressalvando-se, contudo, o direito de regresso daquele que pagou contra os que não efetuaram o pagamento.
Destarte, nos termos do art. 942 do Código Civil, os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado. Caso a ofensa tenha mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Por esse motivo, tanto o poluidor direto quanto o poluidor indireto é considerado co-autor da degradação ambiental, dada a responsabilidade solidária entre as partes.
Nas lições de Antônio Herman Benjamin acerca da solidariedade envolvendo dano ambiental:
A solidariedade no caso, é não só decorrência de atributos particulares dos sujeitos responsáveis e da modalidade de atividade, mas também da própria indivisibilidade do dano, consequência de ser o meio ambiente uma unidade infragmentável. A responsabilização in solidum, em matéria ambiental, encontra seu fundamento originário no Código Civil, na teoria geral dos atos ilícitos; com maior ímpeto e força reaparece na norma constitucional, que desenhou de forma indivisível o meio ambiente, “bem de uso comum de todos”, cuja ofensa estão os “poluidores” (no plural mesmo) obrigados a reparar, propiciando, por isso mesmo, a aplicação do art. 892, primeira parte, do Código Civil, sendo credora a totalidade da coletividade afetada. (BENJAMIN, 1998, p.38)
A respeito do tema, colaciona-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. REPARAÇÃO E PREVENÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS E URBANÍSTICOS. DESLIZAMENTOS EM ENCOSTAS HABITADAS. FORMAÇÃO DO POLO PASSIVO. INTEGRAÇÃO DE TODOS OS RESPONSÁVEIS PELA DEGRADAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DESNECESSIDADE. 1. Hipótese em que a pretensão recursal apresentada pelo Município de Niterói se refere à inclusão do Estado do Rio de Janeiro no polo passivo da Ação Civil Pública que visa a reparação e prevenção de danos ambientais causados por deslizamentos de terras em encostas habitadas. 2. No dano ambiental e urbanístico, a regra geral é a do litisconsórcio facultativo. Segundo a jurisprudência do STJ, nesse campo a “responsabilidade (objetiva) é solidária” (REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22.8.2005, p. 202); logo, mesmo havendo “múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio”, abrindo-se ao autor a possibilidade de “demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo” (REsp 880.160/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.5.2010). No mesmo sentido: EDcl no REsp 843.978/SP, Rel. Ministro Heman Benjamin, Segunda Turma, DJe 26.6.2013. REsp 843.978/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9.3.2012; REsp 1.358.112/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.6.2013. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 432.409/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 19/03/2014)
Assim, com base na teoria americana do “bolso profundo” (deep pocket doctrine), busca-se solucionar a dificuldade de se estabelecer o verdadeiro responsável pelo ressarcimento, dada a solidariedade entre os agentes, imputando a prática àquele que seja mais saudável financeiramente para arcar com os danos.
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
A responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, é de natureza objetiva solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. (STJ. Segunda Turma. REsp 1.454.281/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 9/9/2016).
Extrai-se, nesse ínterim, que, ressalvados os casos expressamente previstos, a lógica do sistema é a não obrigatoriedade quanto à formação de litisconsórcio, já tendo sido reconhecida a impossibilidade de denunciação da lide em demandas ambientais, sob pena de retardar a reparação dos danos, a saber:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC INOCORRÊNCIA. DANO AO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILIDADE. RELAÇÃO ENTRE PRETENSOS DENUNCIANTE E DENUNCIADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. 1. Em primeiro lugar, não existe a alegada ofensa ao art. 535 do CPC. A contradição que autoriza o manejo dos aclaratórios é aquela que ocorre entre a fundamentação e o dispositivo, e não a interna à fundamentação. A obscuridade apontada confunde-se com o inconformismo da parte acerca do julgamento da controvérsia de fundo proferido pelo Tribunal, situação não enquadrada entre os vícios do art. 535 do CPC. 2. Em segundo lugar, pacífico o entendimento desta Corte Superior a respeito da impossibilidade de denunciação à lide quando a relação processual entre o autor e o denunciante é fundada em causa de pedir diversa da relação passível de instauração entre o denunciante e o denunciado, à luz dos princípios da economia e celeridade processuais. Precedentes. 3. Na espécie, a responsabilidade por danos ao meio ambiente é objetiva e a responsabilidade existente entre os pretensos denunciante e denunciado é do tipo subjetiva, razão pela qual inviável a incidência do art. 70, inc. III, do CPC. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1213458/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 30/09/2010)
Registra-se, por oportuno, ser possível, o ressarcimento do poluidor indireto que tiver indenizado o dano pelo poluidor direto, de modo regressivo.
Nesse cenário, o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor” (Súmula 623-STJ).
Consequentemente, a obrigação ambiental adere ao título de domínio ou posse e recai sobre todos os proprietários, ainda que não sejam eles os responsáveis por desmatamentos anteriores, independentemente de boa ou má-fé dos adquirentes. Inclusive, esse regime de responsabilização ambiental do proprietário/possuidor do bem degradado, independentemente de ter sido o autor do ato lesivo, foi positivado pelo art. 2º § 2º, do Código Florestal.
Flexibiliza-se, ao que se observa, a exigência de demonstração do nexo causal, pois ainda que adquirida posteriormente a propriedade, não se reverte a degradação existente, dela se beneficiando o novo proprietário/possuidor, ainda que não tenha sido o causador do dano, motivo pelo qual responde indiretamente, na condição de poluidor, de modo a se resguardar a função socioambiental da propriedade (art. 1.228, §1º, do Código Civil de 2002 - "CC/02").
Por sua vez, em relação ao dano gerado, entende-se ser a poluição uma das espécies de degradação ambiental, podendo, nos moldes do art. 3, III, da Lei n. 6.938/81 advir da degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
Frederico Amado (2018, p. 532-533) aduz que a poluição pode ser lícita ou ilícita e, a depender da intensidade, pode ser absorvida pelos ecossistemas sem que acarrete necessariamente um dano ambiental. Ressalva o autor que “mesmo a poluição licenciada não exclui a responsabilidade civil do poluidor, na hipótese de geração de danos ambientais, pois esta não é sancionatória, e sim reparatória”.
Édis Milaré (2011, p. 1119), por sua vez, define dano ambiental como “a lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação (alteração adversa) do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”
Já Morato Leite (2012, p. 101-102), analisando as normas ambientais, elucida que o “dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e, indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem”.
Nas lições de Paulo de Bessa Antunes:
Dano ambiental é dano ao meio ambiente. Meio ambiente é conceito cultural. É a ação do ser humano que vai determinar que deve e o que não deve ser entendido como meio ambiente. O meio ambiente é um bem jurídico autônomo. O bem jurídico meio ambiente é tutelado pelo direito público e pelo direito privado. O meio ambiente é res communes omnium. Uma coisa comum a todos, que pode ser composta por bens pertencentes ao domínio público ou ao domínio privado. A propriedade do bem jurídico meio ambiente, quando se tratar de coisa apropriável, pode ser pública ou privada. A fruição do bem jurídico meio ambiente é sempre de todos, da sociedade. Igualmente, o dever jurídico de proteger o meio ambiente é de toda a coletividade e pode ser exercido por um cidadão, pelas associações, pelo Ministério Público ou pelo Estado (2013, p. 151-153).
Observa-se, nesse passo, que o dano ambiental, constitui-se, na maioria das vezes, um dano complexo, uma vez que além da dificuldade ou, até mesmo, da impossibilidade de recomposição do seu estado anterior, ainda apresenta particularidades temporais (intervalo entre a causa e a manifestação do dano), espaciais (efeitos transfronteiriços) e causais (multiplicidade de causadores e cumulatividade de efeitos) (LEITE, 2015, p. 573).
A respeito das classificações do dano ambiental, Oliveira (2014, p. 1.021) posiciona-se de acordo com a extensão do bem protegido a extensão do dano ambiental e a sua reparabilidade.
Em relação à extensão do bem, é possível configurá-lo como dano ambiental lato sensu, dano ecológico puro e dano individual ou reflexo. O primeiro afeta os interesses difusos da coletividade enquanto o segundo se circunscreve exclusivamente ao meio ambiente natural, ou seja, os ecossistemas. Por fim, o dano ambiental individual ou reflexo afeta interesses particulares que apenas indiretamente protegem o bem ambiental.
Quanto à extensão do dano, relaciona-se o dano patrimonial e o dano extrapatrimonial, sendo àquele a parda material do bem enquanto este ofende valores imateriais, de modo a reduzir o bem-estar e a qualidade de vida da sociedade.
No tocante à reparabilidade, existem basicamente duas formas principais de reparação do dano ambiental: a recuperação natural ou o retorno ao “status quo ante” e a indenização em dinheiro. A primeira é considerada modalidade ideal enquanto a última trata de uma forma indireta de reparação da lesão cometida.
Assim, reparação natural pode ocorrer por recuperação in natura ou por compensação ecológica, havendo preferência para a reparação da lesão causada no local específico em que ocorreu o dano. Estabelecida essa premissa, somente no caso em que seja impossível a reparação natural, assentou-se a necessidade de se observar a reparação por meio da compensação ecológica.
Pacífico o entendimento de que a reparação do dano ambiental deve ocorrer preponderantemente in natura, ou seja, buscando-se a reconstrução do meio ambiente em suas condições originais, fazendo-o retornar ao status quo ante. A indenização, ou seja, a compensação em pecúnia, deve ocorrer nos casos que a recomposição in natura mostre-se tecnicamente inviável ou insatisfatória, apresentando cunho subsidiário, ou quando a atuação danosa do agente justifique a cumulação, o que deve ser feito de forma fundamentada. (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.516.278 – SC, MINISTRO HERMAN BENJAMIN, 19/12/2016)
Ressalta-se que nada impede a possibilidade de cumulação dos pedidos em obrigação de fazer, não fazer e indenizar, pois nem sempre a reparação in natura garantirá uma reparação integral, sendo imperiosa a indenização dos efeitos remanescentes ao dano.
“A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa” (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27.9.2011, DJe de 4.9.2012).
Nessa perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça sumulou seu entendimento, segundo verbete 629, admitindo, no âmbito da ação civil pública ajuizada em decorrência de dano ambiental, a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar:
Na hipótese de ação civil pública proposta em razão de dano ambiental, é possível que a sentença condenatória imponha ao responsável, cumulativamente, as obrigações de recompor o meio ambiente degradado e de pagar quantia em dinheiro a título de compensação por dano moral coletivo. Isso porque vigora em nosso sistema jurídico o princípio da reparação integral do dano ambiental, que, ao determinar a responsabilização do agente por todos os efeitos decorrentes da conduta lesiva, permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar. Ademais, deve-se destacar que, embora o art. 3º da Lei 7.347/1985 disponha que "a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer", é certo que a conjunção "ou" - contida na citada norma, bem como nos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 - opera com valor aditivo, não introduzindo, portanto, alternativa excludente. (REsp 1.328.753-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/5/2013).
Segundo a Corte Cidadã “vedar a cumulação desses remédios limitaria, de forma indesejada, a Ação Civil Pública - importante instrumento de persecução da responsabilidade civil de danos causados ao meio ambiente -, inviabilizando, por exemplo, condenações em danos morais coletivos”. Além disso, acrescentou ser papel do juiz levar em conta o comando do art. 5º da LINDB, devendo-se atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, de forma a constatar que “a norma ambiental demanda interpretação e integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura”, amparando sujeitos vulneráveis e interesses difusos e coletivos da maneira que lhes seja mais eficaz na perspectiva de seus objetivos.
No paradigmático julgado, o Superior Tribunal de Justiça aduziu, ainda, que caso houvesse uma imediata e completa restauração do dano ambiental nas condições originalmente dispostas, não haveria que se falar em indenização. Nada obstante, pelo fato da restauração in natura nem sempre ser possível tecnicamente para reverter ou recompor o dano, deve-se atentar para as demais dimensões do dano ambiental causado, em consonância com os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano.
Cumpre ressaltar que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos processos ecológicos em si mesmos considerados). Em suma, equivoca-se, jurídica e metodologicamente, quem confunde prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e nova lesão (obrigação de não fazer). (REsp 1.328.753-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/5/2013).
Logo, não haveria que se falar em “bis in idem” nesses casos, já que, considerando as diversas naturezas e finalidades da condenação, somente com a análise do caso em concreto se poderia fixar a responsabilidade sobre o dano. Nesse caminho decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao consolidar que “é possível a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar nos casos de lesão ao meio ambiente, contudo, a necessidade do cumprimento de obrigação de pagar quantia deve ser aferida em cada situação analisada” (STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1538727/SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 07/08/2018).
Da mesma forma, pontifica a doutrina de Romeu Thomé (2016, 571-572):
Tendo em vista o respeito ao princípio da reparação in integrum do dano ambiental, a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado é plenamente compatível com a indenização pecuniária pelos danos causados. Caso haja, portanto, restauração completa e imediata do meio ambiente lesado ao seu estado anterior, não há que se falar em indenização. Vale ressaltar que, no caso de dano transindividual, sendo faticamente viável a reparação in natura, a tutela ressarcitória deve ser presrada de forma específica. Não sendo possível, e com o intuito de buscar a completa reparação do dano, caberá também indenização. Não há qualquer impedimento, portanto, de que o ressarcimento de forma específica (in natura) seja cumulado com o ressarcimento em dinheiro.
Depreende-se que aquele que explora a atividade coloca-se na posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão sempre vinculados a ela, de modo a se afastar a invocação de excludentes de responsabilidade civil.
Por esse motivo, não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de direito ambiental (Súmula 613, STJ), de modo que inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. Segundo o tribunal superior, “o tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados são as gerações futuras que carecem de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome (REsp 948.921/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009).
Assim, estar-se-ia perpetuando um suposto direito de poluir, em contramão ao postulado do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida.
Aliás, uma análise detida da jurisprudência pátria indica que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça têm se inclinado no sentido de que as infrações contra o meio ambiente são de caráter continuado, razão pelo qual as ações de pretensão de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis.
O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação. 8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. (REsp 1120117/AC, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 19/11/2009).
É que não se pode perder de vista que a fundamentalidade dos interesses envolvidos, uma vez que Direito Ambiental submete-se a regime próprio, mantendo um regramento autônomo, ainda que esteja sujeito a diálogos com outros ramos do ordenamento.
Desse modo, a dimensão protetiva que lhe confere a Carta Magna, garante ao meio ambiente uma titularidade coletiva, colocando-o como bem de uso comum do povo para presentes e futuras gerações. Não sem razão, é inviável impor-se às gerações futuras o ônus de arcar com os efeitos resultantes da destruição ambiental causada pelo homem, comprometendo sua saúde e bem-estar.
Por outro lado, em sede de danos ambientais privados, ou seja, aqueles decorrentes de danos difusos que violam à esfera patrimonial de pessoas identificadas, o entendimento é oposto, considerando-os prescritíveis, sujeitos ao prazo trienal do art. 206, §3º, V, CC. Como o STJ já teve a oportunidade de se manifestar sobre recomposição dos danos ambientais:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL POR PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS EM TRATAMENTO DE MADEIRA DESTINADA À FABRICAÇÃO DE POSTES. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO OU CONGRUÊNCIA. INTERPRETAÇÃO AMPLA DA INICIAL. POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL INDIVIDUAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES. AÇÃO COLETIVA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE. [...]4. O dano ambiental pode ocorrer na de forma difusa, coletiva e individual homogêneo este, na verdade, trata-se do dano ambiental particular ou dano por intermédio do meio ambiente ou dano em ricochete. 5. Prescrição: perda da pretensão de exigibilidade atribuída a um direito, em consequência de sua não utilização por um determinado período. 6. O termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização por dano ambiental suportado por particular conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo. [...] (REsp 1641167/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 20/03/2018)
Firmadas tais premissas acerca da responsabilidade objetiva ambiental, passa-se a analisar a possibilidade de caracterização do dano moral coletivo na seara ambiental.
Diante da transcendência do dano ambiental, o qual afeta valores na coletividade relacionados ao patrimônio natural, artificial e cultural – tais como a qualidade de vida, a saúde, o sossego, o senso estético, os valores culturais, históricos e paisagísticos - a agressão passa de uma dimensão individual para uma dimensão coletiva, a ensejar a reparação de forma mais ampla.
Devendo a reparação ambiental ser realizada da forma mais completa possível, observa-se, portanto, que a condenação para recuperação da área lesionada não impede que o poluidor seja obrigado a indenizar eventuais danos morais e residuais decorrentes do ilícito.
A extensão do dano ao meio ambiente permite uma subdivisão entre dano patrimonial e dano extrapatrimonial ou moral.
Isso porque o local degradado não irá se reconstituir imediatamente à situação anterior, de maneira que a indenização, calcada no princípio da reparação integral, deve abranger também o período em que a coletividade ficará privada daquele bem e dos efeitos benéficos que ele produzia, mormente em se tratando de meio ambiente.
Segundo Leite (2004, p. 361-362), o dano moral ambiental estará caracterizado quando "o prejuízo ao indivíduo ou à coletividade for não-patrimonial (por ter lesado bens imateriais)", ou seja, quando não há repercussão na esfera interna da vítima de forma exclusiva, mas sim em relação ao meio social em que vive. Conforme seus ensinamentos:
Nesse caso, o dano atinge valores imateriais da pessoa difusa ou da coletividade, como, por exemplo, a degradação do meio ambiente ecologicamente equilibrado ou da qualidade de vida, como um direito intergeracional, fundamental e global. Não é, nessa perspectiva, o meio ambiente um meio intermediário entre o dano e o lesado; mas é ele próprio lesado, ocorrendo uma perda de qualidade de vida das presentes gerações e um comprometimento à qualidade de vida das futuras gerações (humanas e não humanas). Entra-se aqui em uma visão antropocêntrica alargada, na qual a preservação ambiental não corresponde apenas a interesses humanos imediatos, mas preponderantemente, a um valor ínsito do meio ambiente, que, se preservado, culmina na sadia qualidade de vida de toda a coletividade.
Por essa razão, percebe-se que, assim como o dano moral individual, também o coletivo é passível de reparação, deixando de ser tão somente um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas.
Depreende-se do texto constitucional ser assegurada a indenização por dano moral àquele que for lesionado, não havendo qualquer espécie de restrição que se possa levar a conclusão de que somente a esfera individual seria passível de reparação (art. 5, V, CF).
De igual modo, a aplicabilidade do instituto do dano moral decorrente de agressões ao meio ambiente está prevista no art. 1º da Lei Federal n. 7.347/85, consagrando a reparação e toda e qualquer espécie de lesão subjetiva à coletividade
A respeito do tema, José Ricardo Alvarez Viana leciona:
Em apertada síntese, portanto, assevera-se que o dano moral ambiental é perfeitamente admissível em nosso sistema. Além de contemplado, expressamente, pelo ordenamento jurídico, não encerra incompatibilidades empíricas para sua ocorrência ou identificação. Sua aferição é até mais fácil do que no caso do dano moral individual, porquanto evidencia-se com um sentimento público de comoção e perturbação a determinada comunidade como decorrência da degradação ambiental. Além disso, difere do dano ambiental comum, o qual afeta o patrimônio ambiental em sua concepção material, enquanto o dano moral corresponde a um sentimento psicológico social adverso suportado por determinado grupo de pessoas (2004, p. 138).
Nesse sentido, Carlos Alberto Bittar Filho (2004) adverte:
[...] Consiste o dano moral coletivo na injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, na violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa).
Conforme os ensinamentos de Édis Milaré (2015, p. 330)., a configuração do dano ambiental moral não está vinculada ao reconhecimento de dor ou sofrimento:
[...] o Superior Tribunal de Justiça, superando posição anterior que recusava ressarcibilidade por dano moral coletivo ambiental – ao entendimento de que estaria relacionado à noção de dor, de sofrimento psíquico, incompreensível com a noção de transindividualidade (= indeterminação do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa e da reparação) -, acabou por adotar uma visão mais adequada sobre a questão, contribuindo para a consolidação de uma hermenêutica ambiental mais sensível aos princípios constitucionais e ao caráter difuso do meio ambiente.
Registra-se que, após certa celeuma, o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir que a degradação ao meio ambiente é capaz de ensejar a condenação ao pagamento de dano moral coletivo, sendo que seu reconhecimento prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. A propósito, em julgado da ministra Eliana Calmon, consignou-se:
O dano extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade enquanto realidade massificada, que a cada dia reclama mais soluções jurídicas para sua proteção. É evidente que uma coletividade pode sofrer ofensa à sua honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições e ao seu direito a um meio ambiente salutar para si e seus descendentes. Isso não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. Essas decorrem do sentimento de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à ideia do coletivo (REsp n. 1.269.494/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 24.09.2013).
No mesmo norte, a compensação por dano moral coletivo:
PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM URBANÍSTICA. LOTEAMENTO RURAL CLANDESTINO. ILEGALIDADES E IRREGULARIDADES DEMONSTRADAS. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. DANO AO MEIO AMBIENTE CONFIGURADO. DANO MORAL COLETIVO. (…) 3. A reparação ambiental deve ser plena. A condenação a recuperar a área danificada não afasta o dever de indenizar, alcançando o dano moral coletivo e o dano residual. Nesse sentido: REsp 1.180.078/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 28/02/2012. 4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos" (REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010.) (…) (REsp 1410698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, j. em 23/06/2015).
Para o dimensionamento da pretensão à indenização, além da extensão do dano e da postura do poluidor, deve-se verificar se a quantia é capaz de desestimular outras condutas danosas, impedindo a lucratividade do poluidor com o prejuízo advindo da atividade degradadora.
Por força princípio do poluidor-pagador, deve-se internalizar as externalidades negativas advindas da execução da atividade, o que vale dizer que, àquele que lucra com determinada operação responde pelos riscos e desvantagens dela resultantes. Busca-se impedir, portanto, uma privatização dos lucros e uma socialização dos danos relacionados à atividade poluidora.
Nesse sentido, é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
A quantificação do dano moral coletivo reclama o exame das peculiaridades de cada caso concreto, observando-se a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo (se presentes), a verificação da reincidência e o grau de reprovabilidade social (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 163/165). O quantum não deve destoar, contudo, dos postulados da equidade e da razoabilidade nem olvidar dos fins almejados pelo sistema jurídico com a tutela dos interesses injustamente violados. [...] Suprimidas as circunstâncias específicas da lesão a direitos individuais de conteúdo extrapatrimonial, revela-se possível o emprego do método bifásico para a quantificação do dano moral coletivo a fim de garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso. (REsp 1487046/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 16/05/2017)
A quantificação da indenização por dano moral ambiental coletivo, deve ser arbitrada, portanto, considerando não apenas a gravidade do fato em si e a culpabilidade do agente responsável, mas também a eventual culpa concorrente da vítima, o grau do prejuízo causado à coletividade, a condição social, econômica e política das partes envolvidas e o caráter pedagógico da indenização por danos morais ambientais coletivos.
Nesse caminhar, no entendimento do Ministro Luis Felipe Salomão, “é inadequado pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo” (REsp 1.354.536-SE, Quarta Turma, julgado em 26/3/2014).
Pelo exposto, à míngua dos ensinamentos trazidos à baila, verifica-se ser necessário ponderar os fatores para se alcançar uma justa indenização a fim de que não haja de um lado um enriquecimento ilícito por parte do poluidor e para que, de outro, a sociedade possa ser devidamente compensada pelos danos morais experimentados.
Consoante exposto, a Constituição Federal categorizou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem difuso pertencente à coletividade, essencial à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. A fim de tutelá-lo estabeleceu que as condutas ou atividades consideradas lesivas sujeitam os infratores às sanções penais e administrativa sem prejuízo da obrigação de reparar os danos causados.
Sendo a responsabilização pelos atos que desrespeitam as normas ambientais de caráter objetivo e integral, o poluidor é obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados ao meio ambiente em razão da prática de sua atividade.
Assim, a responsabilidade civil destacada pela Lei Maior engloba também o dano moral (art. 5, V), que, em consonância com disposição infraconstitucional (art. 1, Lei 7.347/85), admite a reparação civil por danos morais ambientais coletivo, por meio de ação civil pública.
Conquanto tenha havido certa celeuma inicial a respeito da aplicabilidade do dano moral coletivo na seara ambiental, o Superior Tribunal de Justiça assentou seu entendimento em prol da mais ampla e completa reparação ambiental.
Espera-se, desse modo, que a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado possa ser plena, de modo que a condenação de recuperar uma área danificada não afaste o dever de indenizar, incluído neste o dano moral coletivo.
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Pós-Graduada em Direito Ambiental – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito Constitucional – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito Penal – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito Sanitário – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito da Criança e do Adolescente – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito Difuso e Coletivo– Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduada em Direito Público – Anhanguera Uniderp. Pós-Graduada em Direito Processual Penal – Escola do Ministério Público de Santa Catarina. Pós-Graduada em Direito Processual Civil – Damásio Educacional. Bacharel em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIMONI, Lanna Gabriela Bruning. Responsabilização civil por dano moral coletivo ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54735/responsabilizao-civil-por-dano-moral-coletivo-ambiental. Acesso em: 27 nov 2024.
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
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