RESUMO: Esta dissertação tem por objetivo geral estudar e questionar as razões e origem da imunidade tributária religiosa nos sistemas jurídicos ocidentais e como tal direito reconhecido como fundamental ainda se mantém em diversos ordenamentos jurídicos como o brasileiro ou o de países europeus. Seria a imunidade tributária religiosa uma proteção e garantia ao cidadão e às instituições religiosas ante o Estado ou um privilégio concedido por este com vistas a disfarçar uma laicidade proclamada ou escolher as instituições que possam se aliar ao governante, em um reflexo histórico da união Estado-Igreja ou, ainda mais antigo, Estado-Religião. Em breves palavras, após examinarmos os referenciais históricos e a bibliografia jurídica disponível, ademais das evidentes obras históricas necessárias à fundamentação do trabalho, concluiu-se pela advertência da necessidade de manutenção da imunidade tributária, afastando quaisquer hipóteses de incidência, não se ignorando ou deixando de coibir excessos, sob pena de perseguição a grupos específicos ou a formação de aparatos institucionais-religiosos não democráticos.
Palavras-chave: Imunidade tributária religiosa. Tributos. Religião. Direito Tributário.
ABSTRACT: This dissertation has the general objective of studying and questioning the reasons and origin of religious tax exemption in western legal systems and how such a right recognized as fundamental still remains in several legal systems such as Brazil or European countries. Would religious tax exemption be a protection and guarantee to citizens and religious institutions before the State, or would it be a privilege granted by it with a view to disguising a proclaimed secularism or choosing institutions that can ally with the ruler, in a historical reflection of the State-Church union or, even older, State-Religion system. In a nutshell, after examining the historical references and the available legal bibliography, in addition to the evident historical works necessary to substantiate the work, we concluded by warning of the need to maintain tax exemption, ruling out any hypothesis of incidence, not ignoring or leaving to restrain excesses, under penalty of persecution of specific groups or the formation of non-democratic institutional-religious apparatuses.
Keywords: Religious Tax Exemption. Taxes. Religion. Tax Law.
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. 1.1. Conceito. 1.2. Constituição e Imunidade. 1.3. Imunidade Tributária Religiosa.
Introdução
Este brevíssimo artigo científico é resultado de um trabalho mais amplo sobre o desenvolvimento dos direitos humanos e o papel das instituições religiosas após a queda do Império Romano, o resgate dos valores e do trabalho desenvolvido pelos filósofos gregos e, posteriormente, como a Reforma Protestante apresentou resultados diversos ao esperado, não se resumindo apenas aos temas teológicos tratados por Martinho Lutero, mas como uma permissão à liberdade de pensamento e o início do Iluminismo por outros meios.
Entretanto, durante a pesquisa, necessitou-se buscar bases mais sólidas para a questão do respeito às leis e ao desenvolvimento constitucional, desde a Carta Magna de 1215, que já incluía o cerne da imunidade tributária religiosa ao assegurar a proteção aos bispos contra as inventivas do monarca, tendo resultado numa nova pesquisa, o que levou ao estudo das bases do Direito Tributário Constitucional, qual seja, um Direito Tributário em que os direitos fundamentais são sua base de existência, validade e eficácia e a preocupação com os direitos dos contribuintes está assegurada, em texto positivado.
As Constituições brasileiras trataram do assunto de forma semelhante durante a história constitucional do país, em que pese a ausência do direito público subjetivo na Constituição Imperial de 1824, simbólico dado que o Estado imperial brasileiro daquele quartel temporal ser um Estado de fé religiosa, católico romano, vedando a prática pública de outros credos. Em evolução oposta, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi clara, solene, objetiva e propositiva ao explicitar o Princípio da Imunidade Tributária, na espécie religiosa, em relação às instituições religiosas, situações ou bens definidos de forma específica pela Carta Magna.
A pesquisa se apoiou em breve pesquisa bibliográfica de constitucionalistas e tributaristas como Roque Antonio Carrazza, Regina Helena Costa, Luciano Amaro, Paulo de Barros Carvalho e Ives Gandra da Silva Martins, buscando clarear o tema e contribuir para uma síntese da ciência tributária neste tema frequentemente levantado pela sociedade civil.
1. Desenvolvimento
1.1. Conceito
O Princípio da Imunidade Tributária sob a esfera religiosa assegura que a União, os Estados e os Municípios, que tem a competência de tributar, não poderão exigir ou aumentar impostos dos templos de qualquer culto, tornando-se mandamento constitucional, sacralizado em texto hierárquico superior. Tamanha vedação impõe limites à capacidade dos entes federados em tributar os que estão amparados pela imunidade (AMARO, 2009).
A imunidade é bastante diversa da não-incidência ou isenção, havendo que inicialmente se diferenciar os institutos tributários, posteriormente se concentrar no tema em si proposto e verificar se o impedimento de o Estado exercer sua competência de tributar igrejas se estende aos tributos em geral ou aos impostos. E, por fim, a questão de justiça tributária e se há um privilégio ou uma proteção às instituições religiosas.
Esta pesquisa que intenciona resumir extensa discussão sobre a imunidade tributária religiosa e sua natureza necessita, em seus pilares, conceituar imunidade e a diferenciar dos conceitos de não-incidência e isenção, conforme o que ensina a Constituição Federal e explica o magistério dos doutrinadores.
Em síntese, isenção seria a exclusão feita pela legislação infraconstitucional de parcela da hipótese de incidência tributária, sendo a isenção um fragmento parcial que a lei retira das hipóteses de incidência da regra de tributação. De outro lado, habita a descrição cuja natureza não se encontra na lei, da sua ausência, aliás, provém sua natureza, qual seja, a não-incidência, que nada mais é que não incide tributação pois não se uma visualiza ou descreve qualquer hipótese de incidência, se estiver descrita em regra jurídica, tratar-se-á de não incidência tributária juridicamente qualificada, já quando há a mera omissão legal, a doutrina descreve como não-incidência simples.[1]
Em supremacia de importância, porém, aparece a Imunidade Tributária, a que o Professor Roque Carraza define:
“Um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.”[2] (Grifo nosso).
Em bons termos, nada mais é que uma limitação constitucional ao poder de tributar, ou seja, uma vedação criada pela Constituição à incidência da norma jurídica de tributação, assim a Constituição exprime o alcance e natureza de um tributo, muitas vezes limitando o poder de tributar. Esta limitação não é destinada ao sujeito passivo, o contribuinte, mas pelo contrário, ao Estado, que deve ser limitado sob pena de se tornar o Leviatã.
A imunidade tributária não passa de uma exclusão proveniente da descrição do alcance constitucional do tributo. Não raro a Constituição poderá excluir da incidência determinado objeto ou sujeito da sua regular incidência, manifestando-se como exceção à regra constitucionalmente qualificada prevista entre as hipóteses de alcance do tributo.
A diferença entre isenção e imunidade se dá ictu oculi porque a primeira está em norma infraconstitucional, enquanto a segunda está manifestada na Constituição, em que pesem eventuais equívocos no texto constitucional como a previsão no artigo 195, § 7º, cuja redação usa o termo isento, sendo que, como apreendido, deveria estar redigido como imune pois se trata de não-incidência constitucionalmente qualificada.
1.2. Constituição e Imunidade
Nas lições do Professor Roque Carrazza, a maior legislação tributária do nosso ordenamento é, indubitavelmente, a Constituição[3], e não o Código Tributário Nacional (CTN) ou qualquer lei complementar que lhe substitua, pois nada há que superar a Carta Magna, aliás, esta cuja história para o Direito Tributário remonta aos idos de 1215 com a Magna Charta Libertatum, em que a imposição dos lordes sobre o rei João Sem Terra se fez com a assinatura de documento que limitava o alcance do poder real. Não há como conhecer verdadeiramente um país em sua estrutura orgânico-jurídica sem passar pela leitura constitucional, ao menos quando falamos no desenvolvimento constitucional posterior aos anos 1940[4].
O Direito Tributário, altamente vinculado ao Direito Constitucional, conjunto do Direito Público por primazia, trata de liberdades e limitações e dispõe não apenas sobre liberdade, mas também igualdade e fraternidade, assegurando direitos e garantias e impondo atos positivos como o dever de prover o Estado de recursos, além de qual papel o Estado pode assumir perante todos, o que decorre de uma história constitucional que nos organiza no Ocidente desde a era pré-cristã, passando pela Magna Carta inglesa ou na evolução de um Direito de cunho menos estatal ou mais humanitário após as Revoluções Americana e Francesa. O que, sob o estudo das dimensões ou gerações[5], os direitos fundamentais se evidenciaram através de clamores por liberdade, reunidos aos direitos de igualdade e, posteriormente, os direitos de fraternidade foram também reconhecidos como verdadeiras dimensões para a necessária saúde do Estado e de seus súditos.
Portanto, no Brasil, não há como realizar um estudo do direito, mais especialmente do Direito Tributário, sem uma acurada visão e crítica acerca da Constituição, já que não somente o texto constitucional é a fonte de onde emanam todas as regras e instituições do Estado, sendo a gênese deste, regulando e expondo diretrizes acerca da relação entre os Poderes Constituídos e sua relação com seus súditos modernos, os cidadãos e todos os que estejam dentro do território nacional, independente de nacionalidade e da capacidade dos exercícios do direito, à luz do artigo 5º.
Quanto ao tema aqui em estudo, a Constituição brasileira, demonstrou-se profícua, o que também reassegura a conexão entre o Código Tributário Nacional de duas décadas antes e se comprova pela coordenação de princípios e dispositivos que guiam a ação estatal de exigir tributos, como bem expõe Ives Gandra:
“O certo é que, entendo eu, garantias e direitos expostos no art. 150 e em outros dispositivos da Lei Suprema estão alargados pelo Código Tributário Nacional, no que diz respeito a princípios como são os da 'benigna amplianda', da retroatividade premiai, da integração analógica a favor do sujeito passivo, do `in dubio pro reo'. Parece -me, pois, que não só a Constituição assegura garantias e direitos ao contribuinte, estes imutáveis, enquanto não modificável a ordem constitucional, como outras garantias e direitos podem ser introduzidos, inclusive nas ordens constitucionais inferiores, a que não é lícito retirar direitos supremos, mas a que é lícito acrescentar elenco maior de proteção. O discurso inicial do art. 150 cuida, pois, exclusivamente, de parcela importante de garantias, mas não de todas elas. Até porque, na busca da proteção jurídica, a Constituição deve voltar-se sempre à proteção da sociedade contra o excesso de poder do Estado." (O sistema tributário na Constituição, 6'. ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 254).” (Grifo nosso).
Sendo assim, no Brasil, a União, estados, municípios e o Distrito Federal devem seguir à risca a previsão do texto constitucional como manual de deveres, limites e vedações, preservando, entre todos os princípios, a liberdade e a propriedade, e ressalvando uma igualdade no momento de tributar e reparando desigualdades através da fraternidade em distribuir tais recursos ou mesmo de onerar.
A Constituição da República em 1988 o fez de forma bastante coordenada ao impor competências e princípios tributários, atribuindo, dando competência, às pessoas políticas a capacidade de criar ou eliminar tributos, descrevendo a norma jurídica tributária e seu alcance, tal fenômeno de poder é concedido pela Carta Política somente às pessoas políticas. Ademais, a Constituição descreveu todos os tributos e suas espécies, bem como a possibilidade rara e restrita de criação de outro imposto que não esteja previsto na Carta Política, o chamado Imposto Residual, de competência exclusiva da União Federal.
Dentro deste escopo de competência é que habita a delimitação da competência tributaria ao conjunto principiológico que resulta na imunização de sujeitos e objetos por previsão constitucional recaindo sobre certas pessoas, bens e situações.[6] Conforme já tratado, há casos de não incidência, isenção e imunidade, ou seja, uma não-incidência constitucionalmente prevista, bem como é manifestado na Constituição a necessidade de lei complementar em determinados casos para que seja autorizada a atividade vinculada plena de competência tributária, i.e. o empréstimo compulsório - artigo 148 da Constituição Federal – caso o Congresso Nacional exerça sua competência tributária e aprove lei complementar criando tal espécie tributária.
Todavia, há um rol de imunidades que abarca sujeitos e objetos que não poderão sofrer o peso do Estado no seu ato de tributar, os protegendo com vedações, imunizando-os, ao que se convenciona de imunidade tributária, que, aliás, deverá ser interpretada hermeneuticamente com a interpretação mais ampla ou extensiva, dada a ciência própria da hermenêutica, o que orienta um comportamento de in dubio pro imunitate, assim como ocorre no Direito Penal, todavia assistimos abusos neste ou naquele ensinamento.
1.3. Imunidade Religiosa
Como objetiva este artigo, tratemos acerca da imunidade religiosa, prevista sobre instituições de cunho religioso, atingindo seus sujeitos e seus objetos, conforme contempla o artigo 150, inciso VI, b, da Carta Republicana de 1988, ao transformar em mandamento que são imunes à tributação por meio de impostos o patrimônio, a renda, e os serviços dos templos de qualquer culto.
Como afirma a doutrina, está a imunidade tributária religiosa em fenômeno conectivo implícito com a liberdade religiosa, resultado de guerras e combates durante a história da humanidade a oeste ou a leste de Suez[7], ou seja, tema universal que demonstra a unidade humana pela busca por uma compreensão do divino e o desejo de vivenciar práticas de fé condizentes com suas crenças[8]. Associar liberdade religiosa à imunidade tributária pode se assemelhar a estelionato argumentativo, diriam alguns, todavia, é impossível de ignorar que o poder de Estado em vários momentos históricos usou da tributação para tolher liberdades e aprisionar seus inimigos, não seria diferente com as religiões.
Assim, a liberdade religiosa assegurada na Constituição em vários artigos apartados geograficamente, contudo relacionados, i.e. artigos 5º, VI, VII, VIII e 19, e constitui-se na liberdade de manifestar livremente suas convicções religiosas e de promover seu credo e culto, o que foi mantido mesmo na Constituição Imperial de 1824, entretanto o culto diverso do da Fé Católica deveria ser em ambientes privados.
O mandamento de respeito à liberdade religiosa é uma evolução social e jurídica resultante da Constituição de 1891, influenciada pelo positivismo e cientificismo, o que implicou na separação entre a Igreja Católica e o Estado, no contexto da República incipiente, também marcada pela memória da crise da chamada Questão Religiosa, crise institucional entre Dom Pedro II e a Igreja Católica em que o Imperador devia dar ciência às nomeações e indicações das ordenações ao episcopado, sendo o clero um corpo da burocracia eclesiástica dentro do império, assim lecionou Carraza[9]:
“No Brasil, não houve um cesaropapismo tão intenso, mas veja, a própria unção dos bispos dependia do aval do imperador. Havia um tratado entre o Brasil e Roma — na época, inclusive os Estados papais eram soberanos — pelo qual, sem a aprovação do imperador, nenhum sacerdote podia ser ungido bispo. Isso gerou inclusive a famosíssima questão religiosa: três bispos criticaram uma conduta do imperador e por isso foram encarcerados, sob o aspecto jurídico — licitamente encarcerados — porque eles estavam submetidos a um código de conduta de funcionários públicos que eram.” (Grifo nosso).
A positivação de um Estado laico demandou alterações culturais e orgânicas ao Brasil, todavia, a questão filosófica e jurídica permanece, qual seja, o limite entre Religião e Estado e alcance da laicidade, cuja definição é bifronte, de um lado protege as religiões do abuso do Estado, de outro lado, evita que o Estado se influencie pelas religiões e aja contrário ao interesse público, dando azos à opressão de um grupo dominante sobre outro grupo menos favorecido, reunindo o interesse religioso de cunho privado ao poder de império estatal[10]. Por isso a previsão do artigo 19, I, de nossa Constituição Cidadã[11], que disciplina:
“é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. (Grifo nosso).
A contradição aparente que está na leitura do preâmbulo acerca da proteção de Deus durante a elaboração do texto constitucional ao se reunirem em Assembleia Nacional Constituinte já foi trazida ao Supremo Tribunal Federal e resultou em julgamento que entendeu não ferir a laicidade do país, sendo mero vetor de interpretação constitucional, não uma norma constitucional material.
Como resultado das previsões constitucionais, ficaram assegurados aos cultos em geral a proteção da imunidade tributária, contudo, respeitando as leis do país, os bons costumes e a segurança nacional, sendo que em caso de dúvida a hermenêutica leciona pelo benefício do imune.
A imunidade tributária assegurada no art. 150, VI, veda a instituição de impostos, não ou seja, é uma imunidade que abarca apenas a espécie tributária dos impostos, não abrangendo taxas, contribuições e outras espécies, atendo-se a pontos que o povo brasileiro reputou fundamentais, como Luciano Amaro[12] profere:
“O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação).” (Grifo nosso).
A quem põe em xeque argumentos acerca da necessidade de imunidade aos entes estatais, privados ou religiosos, recomenda-se a leitura do caso do século XIX nos EUA em que ficou nítida a intenção de tolher ou enfraquecer outro ente usando como medida supostamente legal a tributação excessiva. Em 1819 a Suprema Corte daquele país teve que decidir se era constitucional ou não que o estado componente da federação pudesse tributar a União Federal, no caso em tela, Maryland tributara a União, que levou àquela corte o questionamento e, sob a presidência de John Marshall, foi relatado que o mero exercício da tributação por meio de impostos poderia decorrer em destruição do tributado.
Portanto, se não se intenta destruir, alijar, ferir ou sucumbir determinado ente, evita-se a tributação de determinado ente, ademais, a violência tributária tem o intuito de manter o Estado para o bem comum, tendo a Constituição entendido que também as religiões poderiam exercer atividade suplementar de interesse comum, desde que observadas as leis do país, imunizando alguns entes de parcela do poder estatal, afim de resguardar o princípio da liberdade religiosa, limitando que sejam alvos de impostos lato sensu os templos de qualquer culto, como dispõe o artigo 150 da Carta Magna[13]:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto;
(...)
§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” (Grifo nosso).
A vedação inclui impostos em geral, tais como os incidentes sobre renda ou doações, os serviços religiosos em geral, tais como o celebrado pelos sacramentos, o conforto da palavra ou atos espirituais quaisquer manifestados nos mais diversos cultos, mas não somente. Há casos frequentemente esquecidos tais como a importação de bens para a melhor celebração do seu culto ou para o alcance espiritual, além das situações em que há a fabricação e circulação dos utensílios litúrgicos dos mais variados, o que, em exemplo arriscado, poderia ser obstado pela tributação estatal mediante altas alíquotas sobre a produção de bens religiosos ou sobre a prestação dos serviços religiosos mediante argumentos como o famoso pecunia non olet, naqueles casos em que o Estado viesse a perseguir uma religião ou povo específico, tais como atos realizados na história mais recente (Nazismo e as leis de Nuremberg) ou mais distante (Filipe IV de França e a perseguição aos judeus).
A relação entre patrimônio, renda, serviços e a atividade essencial religiosa pode ser direta ou não, ao que o STF[14] já foi questionado e julgou o RE 325.82239, em que considerou constitucional a imunidade indireta para bens que gerem renda e sejam destinados às finalidades religiosas:
“Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, b e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços "relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido.” (Grifo nosso).
De outro lado, o STF decidiu que a Maçonaria[15] não poderia ser abrangida pela imunidade ao entender que não se trata de culto, mas de confraria por não professar religião específica, ao que parte da doutrina já se manifestou contrária em razão da própria hermenêutica reclamar interpretação extensiva.
Conclusão
Destarte, em razão de todo o histórico e desenvolvimento da noção de Direito Tributário, enriquecida pela visão mais moderna dos Direitos Humanos, não há como negar que a vedação da cobrança de tributos aos templos de qualquer culto não é privilégio dos imunizados, é proteção contra o Estado, assim como também uma proteção ao Estado através da laicidade. O Estado que dá imunidade é o mesmo que afasta as religiões de influências que possam causar danos ao interesse público nacional. A imunidade ipso facto resguarda a laicidade, preserva o Estado, protege o cidadão, assegura o fiel e cumpre o mandamento constitucional da liberdade religiosa.
Aos críticos da imunidade tributária, muitas vezes críticos quanto à religião X ou Y ou mesmo um combatente de todas as religiões, é importante se lembrar que a Constituição de um país deve proteger a todos, maiorias e minorias, assegurando espaço legítimo a todos, pois um dia o perseguidor pode ser perseguido, sendo condizente com a natureza humana os atos de ação e reação. É sob à luz da história e a viagem pelos séculos que através de uma longa via do Direito nos foi possível legislar, organizar, sistematizar meios de proteção às liberdades religiosas ou mesmo a liberdade de em nada crer, assegurando que o Estado não viole os direitos dos seus cidadãos ou que outros cidadãos não o violem.
Assim, a República Federativa do Brasil, iluminada por sua história política de perseguições, violência e, também, tolerância, que em sua sétima constituição, houve de preservar a liberdade religiosa, a laicidade e não negar seu passado colonial cristão, mas, acima de tudo, reconhecer que, formado pelos vários povos que aqui viviam ou vieram buscar asilo, garantir inviolabilidade religiosa manifestando-se também pelo caminho econômico do Direito Tributário, extensão científica e filosófica do Direito Público, resguardando a dignidade da pessoa humana.
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NOTAS:
[1] Machado, Hugo de Brito. Isenção, não incidência e imunidade. Artigo publicado pela Gen Jurídico. Disponível em https://genjuridico.jusbrasil.com.br/artigos/418480360/isencao-nao-incidencia-e-imunidade. Acessado em 12 de jan. 2020.
[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 705.
[3] __________. Palestra na AASP. Disponível em https://www.conjur.com.br/2014-jul-21/leia-palestra-roque-carrazza-imunidade-tributaria-religiao. Acessado em 12 de jan. 2020.
[4] Faz-se necessário recordar que a Constituição Alemã de Weimar de 1919 estava em vigor durante todo o regime nacional-socialista na Alemanha dos anos 1930-1940, o que foi possível mediante uma série de teorias e a atuação política sobre o Judiciário daquele país.
[5] Debate realizado pela doutrina sobre a nomenclatura a ser utilizada, adotamos a nomenclatura apontada por Ingo W. Sarlet, qual seja, dimensão. Para isso, ver SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição, Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 55.
[6] CARRAZZA, Roque Antonio. op. cit.,
[7] “À leste de Suez” é uma referência ao Canal de Suez e a passagem náutica que liga o Mediterrâneo ao oceano Índico, bem como ao poema “The Road to Mandalay” do escritor britânico do século XIX, Joseph Rudyard Kipling em que há descrições geográficas criticáveis, porém ainda assim representam o sentimento do homem britânico no Oriente em comparação com a vida ocidental no antigo Império Britânico.
[8] SOUZA, Gelson Amaro de. A religião, o Estado e o homem. In: LAZARI, Rafael José Nadim de; BERBARDI, Renato; LEAL, Bruno Bianco (orgs.). Liberdade religiosa no estado democrático de direito: questões históricas, filosóficas, políticas e jurídicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 70.
[9] Ver Palestra na AASP. op. cit.,
[10] SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos tribunais e a laicidade do Estado. In: MAZZUOLI, Valerio de
oliveira; SORIANO, Aldir Guedes (Cood.) Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas
para o século XXI. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 214.
[12] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 176.
[13] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acessado em: 14 fev. 2020.
[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 325.822/SP. Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 18.12.2002. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=260872 .Acessado em: 24 fev. 2020.
[15] Ver STF, 1ª Turma, RE: 562351/RS, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento: 04/09/2012
Mestrando em Ciências Aeroespaciais no PPGCA da Universidade da Força Aérea. Advogado e professor, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014). Especialista em Direito Ambiental, Direito Constitucional e Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Tem experiência na área de Direito Público, especialmente Direito Internacional Público e Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Thiago dos Santos. Imunidade tributária religiosa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jul 2020, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54917/imunidade-tributria-religiosa. Acesso em: 25 nov 2024.
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