RESUMO: o presente estudo tem como escopo trazer à baila discussão jurídica acerca da súmula 397 do STF, perquirindo-se a sua eventual superação, a sua aplicação nos tribunais, e o contexto histórico em que foi criada. Demais disso , este artigo se propõe a analisar se o referido enunciado sumular não macula as atribuições dos órgãos previstos no artigo 144 da Constituição Federal, notadamente a Polícia Federal e as Polícias Civis estaduais. Por fim, o presente artigo também busca questionar se o supramencionado verbete viola ou não o princípio da "separação dos Poderes".
PALAVRAS-CHAVE- súmula 397 do STF. Separação de Poderes. Segurança Pública. Polícia Legislativa.
ABSTRACT- This study aims to make a legal reflection on the Supreme Court 397, asking if it is outdated, how the courts apply it, and its origin. In addition, the article proposes to analyze whether this precedent does not affect the attributions of the organs provided for in article 144 of the Federal Constitution, notably the Federal Police and the state Civil Police, and if, in fact, its normative provision is justified before the principle of "separation of powers".
KEYWORDS- 397 of the Supreme Court. Separation of Powers. Public security. Legislative Police.
INTRODUÇÃO
É notório, no meio jurídico, a discussão sobre os limites de cada "Poder " em um Estado Democrático de Direito. A partir dessa constatação, e se observando as recente operação feita pela Polícia Federal no Congresso Nacional, denominada "Operação Desintegração", que começou em 2017,e que teve como alvos principais o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e o filho dele, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), discute-se sobre a legitimidade ou não das polícias legislativas elaborarem inquérito policial nas dependências das Casas Legislativas.
A partir do episódio supramencionado, e tendo em vista a celeuma jurídica existente sobre a superação ou não da súmula 397 do STF, notadamente porque foi elaborada durante o Regime Militar ( 1964), faz-se oportuno ponderá-la ,tendo como norte a Carta Magna de 1988.
BREVE HISTÓRICO DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"
Não há uniformidade doutrinária acerca do surgimento do modelo de repartição de funções dos poderes. É possível afirmar, porém, que grande parcela dos estudiosos apontam que o modelo da "separação de Poderes" atual remete a estudos teóricos da " Trias Politica, que é um modelo de governar cuja criação é proveniente da Grécia Antiga, ou mesmo foi delineada por Aristóteles, em sua obra "A Política".
Fixado tal ponto histórico, é oportuno tecer que a ideia de separação de poderes tem como antecedente histórico determinante o surgimento do Estado Liberal. De fato, em um Estado Absolutista não há que se falar em divisão de Poderes, visto que a onipresença e supremacia estatal se impõem de modo praticamente ilimitado. Esta conjuntura de Estado, embora não haja unanimidade quanto à definição do momento exato , durou até por volta do século XIX, derrocado principalmente pela influência dos ideais iluministas na sociedade.
Partindo-se desse contexto ,é possível afirmar que o embasamento fundamental da da repartição de funções entre os poderes advém do modelo de Estado Liberal. Neste, refuta-se a figura de um líder central e absoluto. Dentro dessa perspectiva, é possível afirmar, não se descurando da divergência jurídica, que que o princípio da "separação de Poderes", nos moldes atuais foram estabelecidos por Montesquieu, em sua obra "O Príncipe".
Neste arranjo político proposto pelo citado filósofo , a soberania do Estado, embora una, encontra-se repartida entre poderes constitucionalmente estabelecidos,e cada um destes ( Legislativo ,Executivo e Judiciário) exerce funções típicas. No Brasil, a separação de poderes está prevista no artigo 2º da Carta Magna.
ATUAÇÃO DAS POLÍCIAS LEGISLATIVAS E LEGITIMIDADE DA ELABORAÇÃO DE INQUÉRITOS POLICIAIS NO ÂMBITO DAS CASAS LEGISLATIVAS
Estabelecida a breve retórica histórica sobre a separação de função entre os poderes, é pertinente apontar que o primeiro texto constitucional brasileiro a prever que o Legislativo tinha poder de polícia próprio foi a Constituição do Império do Brasil (de 25 de março de 1824). Esta Carta Maior apontava que o Senado era dotado desta prerrogativa, e isto, precisamente, em seu art. 21.
Posto mais essa referência histórica, é de bom alvitre pontuar que a súmula 397 do STF foi confeccionada no dia 03 de abril de 1964, quatro dias após, portanto, do início do regime militar.Nesse contexto , sua elaboração foi fundamentada para resguardar o princípio da "separação dos poderes", que estava declinado, à época, no art.36 da Constituição Federal de 1946.
Trazendo à baila a atual Constituição Federal(1988), tem-se que os artigos 51, IV, e 52, XIII asseguram às casas legislativas a possibilidade de instituírem e regularizarem suas polícias.Com base nessa previsão constitucional, o Senado Federal , por meio da Resolução 59/02 dispôs, sobretudo nos artigos 2 º, IX, e 4º, sobre as atribuições da Polícia Legislativa no referido órgão. Na mesma linha,a Câmara dos Deputados,em seu Regimento Interno (Res. no 17, de 1989) ,tratou da questão atinente ao funcionamento e atribuições da Polícia Legislativa de sua Casa, especialmente nos arts. 267 e ss.
Ante tais apontamento, percebe-se que, conquanto haja instrumentos normativos regularizando às atribuições das polícias legislativas, e se tenha previsão constitucional para que estas sejam instituídas, a Carta Magna não dispôs, expressamente, sobre a possibilidade de ser confeccionado inquérito policial no âmbito das casas legislativas.
Dentro desse cenário, parte da doutrina e da jurisprudência vêm afirmando que a súmula 397 do STF encontra-se superada, pois, cabe à Polícia Federal a investigação e formulação de inquéritos policiais quando de crimes praticados no âmbito do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. Para os defensores deste posicionamento, argumenta-se que a Polícia legislativa não consta no art. 144 da CFRB/88, sendo que apenas a Polícia Federal, a Polícia Civil, a Polícia Militar e as Forças Armadas (estas duas últimas, exclusivamente, para os crimes ditos militares) possuem funções investigatórias.
Para a citada corrente doutrinária, com assento na CFRB/88, a Polícia Federal é quem possui atribuição para “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas( art. 144,I, E § 1º, I E IV, da CFRB/88) , o que inclui a confecção de inquéritos policiais no seio das Casas Legislativas
A partir dessa perspectiva,como o Senado Federal e a Câmara dos Deputados são órgãos da União, incabível que a polícia legislativa , sem atribuição investigatória delineada na Constituição Federal, elabore inquérito policial sobre os crimes cometidos em suas dependências.
Aplicando tal entendimento , tem-se como exemplo a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1 º Região, no processo de Mandado de Segurança nº. 0005585-43.2015.4.01.0000. Neste acórdão emblemático, o apontado tribunal asseverou que os atos de investigação para apuração de supostos delitos cometidos no âmbito do Senado Federal não constituem exclusividade da Polícia daquela Casa Legislativa.
Explicou o referido Tribunal que o artigo 144, inc. IV,do § 1º, da CFRB/88, dispõe expressamente que compete à Polícia Federal, com exclusividade, o exercício das funções de polícia judiciária da União, assim,inafastável a conclusão que eventual exceção a essa norma apenas pode ser admitida se prevista também na própria Constituição.
Lado outro, para os que defendem a plena validade da súmula 397 do STF, entendimento que, ao que parece, predomina, o retromencionado enunciado sumular não macula as atribuições da Polícia Federal, mas sim, representa uma disposição vinculante ( art.927, IV, CPC-15) que assegura a plenitude da independência do Legislativo.
Nessa toada, consoante os defensores da validade da súmula 397 do STF, este verbete resguarda o princípio da separação de poderes- que é cláusula pétrea(art.60, § 4º,III,CFRB/88)-,impedindo ingerências indevidas do Executivo ( "Poder" em que se encontram as Polícias Judiciárias) sobre o Legislativo.
CONCLUSÃO
Percebida a celeuma jurídica em relação à superação ou não da súmula 397 do Supremo Tribunal Federal, e isto ocorre, sobretudo, em face do momento histórico em que ela foi elaborada e do tempo que já transcorreu de sua elaboração, faz-se oportuno que a Corte Suprema se manifeste sobre o tema.
Nesta linha,é importante que o STF, no intuito de por fim ao tratado debate jurídico, manifeste-se, de forma vinculada, acerca da validade ou não do apontado enunciado sumular, através, por exemplo, de enunciado de súmula vinculante (art. 103-A da CFRB/88).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEAL, DAVIDSON DANIEL. O princípio da separação dos Poderes e a Súmula 397 do STF. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2020, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54989/o-princpio-da-separao-dos-poderes-e-a-smula-397-do-stf. Acesso em: 26 dez 2024.
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