RESUMO: O presente artigo tem por escopo a abordagem do Direito Contábil, destacando objetivos, origens, conceito e sua natureza. O Direito Contábil não é recente, porém, a estrutura atual veio em decorrência de mudanças na perspectiva do homem em se fixar em determinado lugar, ou seja, com a revolução na agricultura. A relação jurídico-contábil é acompanhada por normas próprias e princípios que também são aplicados. É por meio deste que será fornecido o maior número de informações necessárias para que os empresários tomem as devidas decisões ou providencias dentro da sociedade empresária e fora dela, registrando e controlando seus bens e tributos através de técnicas para controle do patrimônio das organizações por meio da aplicação de normas e procedimentos inerentes, mediando e informando os fatos jurídicos contábeis aos dono da empresa. Por fim, não serão deixadas de fora as teorias que são estudadas por essa ciência como a Teoria da Ultra vires e a Teoria da Aparência.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Contábil; Relação Jurídico-Contábil; Fatos Jurídicos Contábeis.
ABSTRACT: The scope of this article is to approach the Accounting Law, highlighting objectives, origins, concept and its nature. Accounting law is not recent, however, the current structure came as a result of changes in the perspective of man to settle in a certain place, that is, with the revolution in agriculture. The legal-accounting relationship is accompanied by specific rules and principles that are also applied. It is through this that the largest number of necessary information will be provided for the entrepreneurs to take the necessary decisions or measures within the business society and outside it, registering and controlling their assets and taxes through techniques to control the assets of the organizations through the application of inherent rules and procedures, mediating and informing the legal accounting facts to the company owner. Finally, the theories that are studied by this science such as Theory of Ultra Vires and Theory of Appearance will not be left out.
KEYWORDS: Accounting Law; Legal-Accounting Relationship; Accounting Legal Facts.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Teoria Ultra Vires Societatis; 3. Teoria da Aparência; 4. Conclusão; 5. Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
A contabilidade e o direito são ciências que, aparentemente, sempre andaram juntas. Os primeiros registros acerca dessa simbiose entre as duas ciências remontam à época longínqua de cerca de 2000 anos a.C no famoso Código de Hammurabi, uma das primeiras e mais famosas codificações legais do mundo. Nele, estão contidos diversos mandamentos que regularam na época as relações civis, penais, formas de julgamento e também registros de contabilidade.
Mais adiante, em Roma, a contabilidade passou a ser obrigatória até mesmo nas famílias e considerada como meio de prova. E aos poucos a escrituração contábil obrigatória e regulada por lei ou instrumento normativo equivalente foi tomando os antigos impérios e monarquias e, juntamente com a sociedade, evoluindo.
No Brasil, a atuação das ciências contábeis é totalmente regulamentada por leis e outros instrumentos normativos infra legais, mas a sua primeira regulação deu-se no ano de 1850 no Código Comercial, que instituiu a obrigação das empresas realizarem toda a escrituração contábil e elaboração anual de Balanço Geral.
O Código Comercial, entretanto, apesar de obrigar a escrituração contábil, não trouxe um arcabouço detalhado de normas e procedimentos padrões contábeis, deixando a cargo dos contadores ou das empresas definirem seus modelos de escrituração.
A grande mudança, nesse sentido, veio com a primeira Lei de Sociedade por Ações, Decreto-Lei nº 2.627/40 que passou a regular a escrita contábil com maior riqueza de detalhes e instituir novas obrigações para a escrituração contábil, tais como avaliação de ativos, depreciação de bens, apuração e distribuição de lucros, reservas, além de balanço e demonstrativos de Perdas e Lucros.
A partir desse marco regulatório, novas regras foram sendo implementadas pelo estado, principalmente de caráter fiscal, a fim de se auxiliar na apuração dos tributos, de modo que, com o tempo e novas regulações, foi-se criando uma diferenciação entre a escrita contábil e a escrita fiscal, posto que possuíam e possuem até hoje regulamentações distintas, apesar de as obrigações não serem independentes entre si, posto que parte da escrituração fiscal depende da escrituração contábil.
Hoje, a escrituração contábil é regulamentada pelo Código Civil, na parte que trata de direito empresarial, a partir do art. 1.179 e possui requisitos muito bem definidos pelo art. 1.183, a saber:
Deverá ser procedida em idioma nacional; Todos os valores reproduzidos serão em moeda corrente nacional; Deverá obedecer à ordem cronológica; A escrita deve ser de forma contábil; Não pode ter espaços em branco, entrelinhas, borrões, rasuras, emendas ou transportes para as margens; Deverá ser procedida com base em documentos.
Importante registrar que a escrituração contábil, bem como a emissão de relatórios, análises, demonstrações e balancetes somente poderão ser procedidas por profissional contabilista devidamente habilitado junto ao Conselho Regional de Contabilidade. Existe hoje dois livros de escrituração contábil que são obrigatórios às pessoas jurídicas. São eles o Diário e o Razão. No livro diário são feitos os lançamentos dia a dia, um a um, obedecendo a cronologia de cada operação e fazendo referência ao documento comprobatório do fato, devendo ser registrados também os balanços e demais demonstrações de encerramento de exercício.
Para cada lançamento deverá corresponder à movimentação em uma conta contábil (ex.: caixa, receita, contas a pagar, despesas, dentre outros.) e para cada conta contábil creditada, pelo menos uma deve ser debitada e vice-versa, de sorte que a soma dos débitos sempre será igual à soma dos créditos.
Já o livro Razão é utilizado para resumir e totalizar anualmente os lançamentos do Livro Diário, por conta e subconta e não na ordem cronológica, devendo constar nele a data do lançamento, contrapartida, histórico, descrição se débito ou crédito, saldo e natureza do saldo. A finalidade do livro Razão, além de resumir os lançamentos, é de facilitar a consulta às totalizações dos lançamentos. Por exemplo, para sabermos a receita de uma empresa em determinado mês pelo livro Diário, precisaríamos identificar cada lançamento e separar cada um deles que envolve a conta receita para só então totalizar. No Razão, as informações estão dispostas de forma mais simplificada, com mais detalhes significativos.
Atualmente, os livros contábeis Diário e Razão devem ser não mais autenticados fisicamente na Junta Comercial da situação da empresa, mas transmitidos anualmente via internet pelo Sistema Público de Escrituração Digital – SPED Contábil. Sistema que dá acesso às informações tanto à Junta Comercial como à Receita Federal.
A propósito da Receita Federal, cabe-nos também descrever brevemente a prática da escrituração fiscal que, neste caso, impõe, a depender do tipo de empresa e sua finalidade, uma série de obrigações acessórias (fazendo referência ao direito tributário) de escriturações em livros próprios dos lançamentos que importem em recolhimento de impostos, dentre os quais destacamos:
O direito contábil surge, portanto, dessa relação de mão dupla entre o direito e a contabilidade, em que o direito enquanto instrumento positivo normatiza o fazer contábil e as ciências contábeis enquanto objeto de regulamento legal, mas, acima de tudo, instrumento auxiliar ao deslinde de questões diversas, fornece subsídios ao direito, seja como meio de prova essencial, seja como instrumento de garantia de segurança jurídica. Nesse mesmo sentido, Martinez (2002, p. 42) leciona:
O Direito Contábil Positivo é, então, o conjunto de instrumentos jurídicos prescritivos que regulam a técnica contábil, constituindo, para fins didáticos, ramo autônomo do Direito, em virtude da unidade que se obtém da análise de um tema comum: a técnica contábil. Entre os aspectos aos quais o Direito Contábil se reporta cabe destacar: i) a obrigatoriedade da escrituração contábil; ii) a contabilidade como meio de prova; iii) a elucidação dos conceitos contábeis. Nesse contexto, a Ciência do Direito Contábil trataria do conjunto de enunciados declarativos que têm como propósito descrever o conjunto das normas jurídicas contábeis. Essa ciência estudaria o conteúdo das normas jurídicas contábeis, em concepção sistêmica para o Direito. O cientista do Direito Contábil deve fazer considerações críticas do direito-objeto (e, portanto, de sua linguagem). Ao refletir sobre a natureza do objeto do Direito Contábil, ele constrói o que poderia ser entendido como a doutrina jurídico-contábil.
Dessa maneira, em que pese as parcas publicações e estudos específicos de direito contábil ainda hoje no Brasil e também a certeza da unicidade do direito e do ordenamento jurídico, o ramo do direito contábil, como instrumento de facilitação da compreensão e delimitação do objeto de estudo, surge como essencial instrumento didático para revelar a importância do ramo.
Alguns autores contabilistas consideram o direito contábil como um ramo da contabilidade. Todavia, filiamo-nos à posição de que não é possível essa classificação. A contabilidade não cuida do estudo das leis, da juridicidade dos fatos, interpretação e aplicação de normativos, entre tantas outras profundidades que somente o direito e sua técnica interpretativa, com profundo acabou teórico, pode cuidar. As ciências contábeis, nesse viés, cuidam, como já dito, do histórico financeiro, patrimonial e obrigacional de uma empresa, a partir da elaboração de documentos que lhe são próprios seguindo as mais diversas regulamentações.
Depreende-se, portanto, que o direito contábil é na verdade uma junção das ciências contábeis e do direito. Se encontra no ponto de intersecção entre as duas ciências. A corroborar com a tese aqui sustentada e arrematando todo o exposto acerca deste tópico, Martinez (2002, p. 44) explica:
O Direito incide sobre os fatos contábeis, mas a natureza destes é diferente, pois a Contabilidade tem por objeto essencial a grandeza econômica do patrimônio e suas variações em face dos atos de gestão, enquanto o Direito aprecia os fenômenos do ponto de vista da harmonia social. Nem todas as relações de Direito correspondem a fatos contábeis e nem todos os fatos contábeis criam relações jurídicas novas.
2 A TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS
A teoria ou o instituto da Ultra Vires Societatis teve surgimento no Reino Unido, em meados do Século XIX, visando a coibir atos de abuso ou desvios por parte dos administradores de empresas, prezando pela aplicação da boa-fé e razoabilidade por estes. O instituto ainda muito incipiente reputava nulo todo e qualquer ato que extrapolasse os limites das obrigações e direitos previstos no contrato social das empresas.
A evolução natural da sociedade trouxe ao instituto ares de maior bom senso e razoabilidade, adaptando-o aos conceitos mais modernos de gestão, bem como às novas conjunturas econômicas mundiais, de modo que o ato extrapolador de poderes, que até então era tido como nulo, passou a ter um caráter de ineficaz em relação à sociedade, de modo que o terceiro de boa-fé pôde requerer o cumprimento da obrigação não da sociedade, mas do administrador que instituiu a obrigação.
No Brasil, o histórico da teoria Ultra Vires é recente, posto que somente teve lugar no ordenamento jurídico a partir do Código Civil de 2001 e sua aplicação para atos pretéritos não é cabível. Observe o Enunciado 219 da III Jornada de Direito Civil:
219 – Art. 1.015: Está positivada a teoria ultra vires no direito brasileiro, com as seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratifica-lo; (c) o CC amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d) não se aplica o CC 1015 às sociedades por ações, em virtude de existência de regra especial de responsabilidade dos administradores.
Dessa maneira, a teoria Ultra Vires, prevista no art. 1.015 do Código Civil, estabelece que os atos praticados por administrador que extrapolem o contrato social da empresa podem ser imputados contra esse mesmo administrador, responsabilizando-o. Com efeito, percebe-se que o indigitado art. 1.015 está inserto no capítulo do Código Civil que trata das sociedades simples, o que, a princípio e com base na estrita legalidade, não alcança as sociedades limitadas.
A interpretação não pode, entretanto, limitar-se a localização do artigo no código, vez que o art. 1.053, prevê expressamente a possibilidade de integração das normas atinentes às sociedades limitadas com as atinentes a sociedade simples a partir de sua aplicação supletiva, sendo possível, portanto, a aplicação da teoria Ultra Vires às empresas limitadas. Observe:
Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.
Para melhor se compreender a aplicação desta teoria ou instituto, faz-se essencial o perfeito entendimento dos pormenores que a revestem, a exemplo da figura do administrador ou gerente ou diretor. O célebre doutrinador Rubens Requião (2012, p. 595), de forma bastante esclarecedora conceituou:
O Código Civil designa como administrador a pessoa encarregada de gerir a sociedade, limitada ou não, atuando como seu órgão. Será o diretor, com a sua variada adjetivação (presidente, vice-presidente, executivo, financeiro, comercial etc.), o tradicional gerente, com sua simples ou variada qualificação. A expressão gerente estava consagrada na doutrina e nas leis, para (I) designar o sócio, nomeado pelo contrato social, da administração da sociedade limitada, embora houvesse, comumente, (II) os gerentes “não estatutários”, contratados diretamente pelos sócios ou pelo administrador, órgão da sociedade e atuando sob estrita supervisão destes; ou os empregados responsáveis pela administração, às vezes geral, da empresa, ou por setores ou unidades desta, com responsabilidade jurídica (por delegação ou mandato), ou ao menos, técnica.
O administrador ou diretor ou gerente, seja ele sócio ou não, é, portanto, a pessoa responsável por, no seu âmbito interno, comandar e gerir a empresa em todos os seus aspectos e, no seu âmbito externo, representa-la ativa e passivamente, externando a vontade da pessoa jurídica.
As empresas são livres para, em seu ato constitutivo, deliberar como se dará a sua administração, se um dos sócios se tornará o administrador, se todos os sócios serão administradores, podendo agir em conjunto ou separadamente, ou se formará um colegiado de sócios para deliberar acerca dos assuntos atinentes à administração.
Por óbvio, a maioria das empresas e geralmente de pequeno e médio porte optam por terem um sócio administrador, enquanto as maiores podem compartimentar a administração em diretorias e gerências, terceirizando a pessoas estranhas à sociedade e dividindo as responsabilidades, desde que devidamente pactuadas no contrato social.
Ao(s) administrador(es) de empresa caberá as obrigações previstas em lei, além daquelas estatuídas no contrato social. O art. 1.011 do Código Civil determina que o administrador deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
Determina o CC, ainda, no parágrafo 1º do mesmo artigo, que não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação.
Ainda acerca dos deveres dos administradores, Fábio Ulhôa Coelho (2007, p. 454) esclarece que os deveres de diligência e lealdade prescritos aos administradores de sociedade anônima, embora referidos na LSA (arts. 153 e 155), podem ser vistos como preceitos gerais, aplicáveis a qualquer pessoa incumbida de administrar bens ou interesses alheios. A eles se submetem, nesse sentido, o administrador judicial da massa falida, o mandatário, o liquidante ou interventor da instituição financeira, e, também, o administrador da sociedade limitada e arremata:
Como as atribuições da administração, no plano interno, são as de administrar a empresa, os membros do órgão devem ser diligentes e leais. Tais deveres representam, portanto, os parâmetros de aferição do desempenho dos diretores da limitada. Sua responsabilidade tem lugar, assim, quando desatendidos os deveres gerais dos administradores (CC, arts. 1.011, 1.016 e 1.017).
Na prática, os tribunais brasileiros tem aplicado a teoria Ultra Vires em diversas situações, com entendimentos diferentes e até mesmo relativizando a teoria, sempre de acordo com a casualística. Um ponto importante que cabe-nos ressaltar aqui e que tem sido bastante repisado nos julgados é que geralmente é a própria empresa (sociedade) a prejudicada em situações em que há extrapolação dos limites impostos pelo contrato social e é dever processual e lógico da empresa comprovar não só os prejuízos, mas principalmente que o administrador, sócio ou não, ultrapassou os limites do contrato social ou do mandato.
A forma mais simples e lógica de fazê-lo é juntando aos autos cópia do contrato social ou do mandato, no caso de administrador não sócio. Outro ponto relevante que os tribunais têm levado em conta ao julgar a aplicação do instituto é a sua aplicação em consonância com a proteção da atividade empresarial, exigindo daqueles que contratam com este tipo de empresa, notadamente as instituições financeiras, que tenham conhecimento acerca das normas e objetos contidos no contrato social, em clara presunção de hipossuficiência da empresa face tais instituições ou mesmo de igualdade.
O entendimento dominante é de que instituições financeiras possuem aparato, estrutura pessoal, interesse e principalmente o dever de ter conhecimento acerca pelo menos da legitimidade de quem se diz representante de uma empresa, bem como dos limites de seus poderes na sociedade, como dever de zelo e cautela, a fim de garantir a segurança dos negócios jurídicos. A ilustrar, vejamos o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Ementa: APELAÇÃO - NULIDADE DE ATOS JURÍDICOS - ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA - ATUAÇÃO EM EXCESSO DE PO-DER - CONTRAIR OBRIGAÇÕES ESTRANHAS AO INTERESSE SOCIAL
-VENDA DE BENS IMÓVEIS - ART. 1.015, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
-TERCEIROS COMPRADORES DE BOA-FÉ - HOMEM MEDIUM - ATOS ULTRA VIRES - DÍVIDA CONFESSADA - TRANSFERÊNCIA DE PARTE DE IMÓVEL - EVIDENCIADA QUALQUER DAS HIPÓTESES DESCRITAS NOS INCISOS DO ART. 1.015, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - RETORNO AO STATU QUO ANTE - RECURSO PROVIDO. Não causa qualquer perplexidade o condicionamento do deferimento do pedido de urgência mediante à apresentação de uma contracautela (caução adequada e idônea). Impõe-se a invalidação de atos jurídicos ante a demonstração de alguma nulidade ou existência de vícios de consentimento a macular a vontade e autonomia da parte que o praticou. Todos os atos praticados pelo administrador de uma sociedade empresária gravitam inexoravelmente em torno dos objetivos consignados no seu contrato social. Segundo o disposto no art. 1.015 do Código Civil de 2002, “”no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir””. Os Atos ultra vires são aqueles realizados além do objeto da delegação ou transferência de poderes, ou seja, são aqueles realizados com excesso de poder ou com poderes insuficientes pelos administradores de uma sociedade. Não se deve proteger o terceiro que tenha conhecimento, ou devesse ter, do objeto social e dos limites da atuação dos administradores da sociedade empresária contratante, em razão da profissionalidade de seus atos. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação 1070107196048-1/005, Rel. Desembargador MARCELO RODRIGUES, 11ª CÂMARA, julgado em 25/03/2009. DJ 08/05/2009).
Por fim, a arrematar todo o entendimento acerca da Teoria Ultra Vires e sua aplicação, essencial se faz trazer à lume o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ARRAS RECEBIDAS POR SÓCIO DA EMPRESA DEMANDADA SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA. PROCE-DÊNCIA DO PEDIDO. Uma vez demonstrado nos autos o recebimento das arras por sócio da empresa demandada quando da celebração de contrato de promessa de compra e venda posteriormente descumprido, fato sequer negado pela requerida, a mera circunstância de o firmatário não gozar de poderes de administrador não inviabiliza a pretensão de devolução dos valores adiantados pela autora como sinal. A adoção expressa pelo direito brasileiro da Ultra Vires Douctrine no art. 1.015 do Código Civil de 2002 deve ser temperada pela aplicação da Teoria da Aparência e o princípio da boa-fé quando demonstrado que o sócio sem poderes de administração transacionava com terceiros, em nome da sociedade, aparentando ostentar poderes de representação da pessoa jurídica. Procedência do pedido de cobrança. Precedentes desta Corte e do STJ. APELO DESPRO-VIDO. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação 70035842152, Rel. Desembargador LIEGE PURICELLI PIRES, 17ª CÂMARA, julgado em 16/12/2010. DJ: 14/01/2011).
Assim, a despeito da letra fria da lei, a interpretação dada pelos tribunais brasileiros visa principalmente a aferir no caso concreto a boa-fé das partes litigantes e a proteger a empresa de tais atos que podem ser severamente prejudiciais, em consonância também com a Teoria da Aparência que é o assunto do próximo tópico.
3 TEORIA DA APARÊNCIA
Para se compreender a teoria da aparência, que é consubstanciada no erro e na boa-fé, torna-se imperioso o estudo introdutório destes elementos enquanto subsídios fundamentais deste instituto. Para a doutrina majoritária que trata do tema, comete erro passível da aplicação da teoria da aparência aquela pessoa que tem como verdadeiro o que não o é. Caracteriza-se, portanto, como um vício de consentimento por uma falsa impressão da realidade.
A conceituação de erro não se encerra nisso, porque o erro também possui tipos, como o erro substancial, que é aquele essencialmente responsável para a realização do negócio jurídico, ou seja, não fosse a percepção equivocada da realidade, a pessoa não faria determinado negócio jurídico, impingindo-lhe, portanto, a anulabilidade.
Neste caso, não trata o direito de proteger o erro grosseiro, facilmente perceptível por qualquer pessoa. O erro substancial é aquele escusável ou, nos termos do Código Civil, aquele que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio, o que pode facilmente ser confundido como boa-fé subjetiva.
A boa-fé, por sua vez, possui duas acepções distintas. A que interessa para o presente estudo é a boa-fé subjetiva, que é aquela em que o sujeito desconhece as reais condições jurídicas de determinada situação, mas acredita se tratar de algo bom e que não vá prejudicar a si ou outrem.
A aparência, nesse sentido, para a teoria aqui estudada, é aquela capaz de conferir direitos ao seu titular, posto que, imbuído de boa-fé, cometeu erro essencial, escusável portanto, na realização de um negócio jurídico. Observemos a conceituação trazida na doutrina de Tepedino e Fachin (2011, p. 959):
Aparente, adjetivo (do latim apparens, entis), significa: “1) que aparece e não é, fingido, imaginário, suposto; visível, evidente, manifesto, que se mostra ou aparece à vista; parecido, semelhante. 4) verossímil, provável. O conceito vulgar de aparência é justamente essa de aparecer, ou de parecer, sem ser, de aspecto exterior de alguma coisa da qual não se conhece e interior, de sinal de algo, mostra enganosa, fingida, análogo. Daí a ideia de imaginário, de fingido ou simulado; de suposto; de provável ou verossímil; de exterior, ainda que seja apenas visível, o evidente, o que se mostra ou aparece à vista, o manifesto. Verifica-se, assim, que num conceito técnico, a aparência, é a manifestação de algo, interior ao próprio fenômeno aparente, que pode levar o observador a conhecer sua realidade, mas que, sempre, será uma exteriorização, um vestígio ou sinal, de uma realidade interior, de uma realidade manifestada (ou aparente) verdadeira ou não.
Surge a teoria da aparência no sentido de proteger aquele por estar diante de uma situação aparente (de acordo com o conceito acima), realiza negócio jurídico com quem não detinha direitos para realiza-lo, impondo que o negócio aparente, juridicamente, surta os mesmos efeitos do que aparentava ser.
Apesar de largamente aplicada e aceita doutrinariamente e jurisprudencialmente, a teoria da aparência, diferentemente da ultra vires não possui previsão legal expressa no ordenamento jurídico brasileiro. Na verdade, as largas hipóteses de sua aplicação dentro do direito civil se dão a partir da interpretação e uso da analogia de determinados artigos do Código Civil. Por exemplo, há no art. 1.817 a figura do herdeiro aparente e as consequências ao negócio que se realiza com ele; já a interpretação do art. 689 permite a criação da figura do mandato aparente, além de tantos outros, mas o que nos interessa no estudo do direito empresarial é o que está disposto no art. 1.015, a saber:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II - provando-se que era conhecida do terceiro;
III- tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
O artigo acima transcrito é o que fundamenta a aplicação da teoria Ultra Vires Societatis, todavia nos interessa como objeto de estudo os incisos do parágrafo único, que elencam as hipóteses de aplicação da teoria. Entretanto, a não ocorrência das hipóteses previstas nestes incisos, ou seja, a leitura deles a contrário sensu nos remete à teoria da aparência.
O inciso I trata da limitação de poderes do administrador devidamente inscrita ou averbada no contrato social. É ilógico que um terceiro de boa-fé, homem médio que, verificando a aparência de administrador de sociedade em determinada pessoa, creia que ela não tenha poderes para realizar determinado negócio jurídico e peça para verificar o contrato social da empresa ou que determinado bem móvel de uso da empresa de fato não lhe pertença, não podendo a empresa alienar o que não lhe é seu de direito.
Em outros termos, a teoria da aparência é, na verdade, o freio e contrapeso da aplicação da teoria ultra vires. Enquanto esta surge com fito de proteger a sociedade de desmandos, atos abusivos, estranhos ou extrapoladores ao contrato social, aquela surge como forma de proteção ao terceiro de boa-fé que comete erro essencial e realiza negócio jurídico com o administrador da sociedade que atua em desrespeito aos limites de seus poderes, havendo, neste caso, responsabilização da sociedade.
Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 190) pontua que, para a estabilidade das relações negociais, o direito gravita em torno de aparências. As circunstâncias externas, não denotando que o portador da quitação seja um impostor, tornam o pagamento válido.
Como exemplo, o célebre autor cita que quando chegamos ao caixa de um banco e efetuamos um pagamento, não temos a necessidade de averiguar se a pessoa que recebe é funcionária da instituição financeira. Na verdade, a aparência é uma forma de equilíbrio de toda vida social.
A doutrina tem elencado como requisitos para a aplicação da aparência nos negócios o que ilustramos, para fins didáticos na tabela a seguir:
Presentes, pois, tais requisitos, a aplicação da teoria da aparência leva à consequência lógica de que o ato aparente deverá gerar os mesmos resultados do ato que se esperava ou da situação que acreditava-se ser verdadeira. A teoria, nesse sentir, é na verdade uma expressão da segurança jurídica e estabilidade social, preservando aquele que agiu de boa-fé.
Hélio Borghi (1999, p. 50), citando De Mattia assevera que este é o preço da eficácia do sistema: os direitos adquiridos por terceiros, graças ao desempenho da teoria da aparência, são oponíveis ao verdadeiro titular do direito, daí a importância da estrita observância das regras elencadas infra, para a devida caracterização dos efetivos casos de aparência de direito.
Arrematando todo o exposto, trazemos a fala de Arnaldo Rizzardo (1982, p. 225) que, ao citar Orlando Gomes, aponta que o princípio da proteção aos terceiros de boa-fé e a necessidade de imprimir segurança às relações jurídicas justificam a aparência. Orlando Gomes aponta três razões principais, que servem, igualmente, de fundamento: 1 - para não criar surpresas à boa fé nas transações do comércio jurídico; 2 - para não obrigar os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que evidencia a aparência; 3 - para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade jurídica.
Encerra o autor aduzindo que a boa fé nos contratos, a lealdade nas relações sociais, a confiança que devem inspirar as declarações de vontade e os comportamentos exigem a proteção legal dos interesses jurisformizados em razão da crença em uma situação aparente, que tomam todos como verdadeira.
4 CONCLUSÃO
Por fim, o Direito Contábil é considerado peça-chave para as relações jurídico-contábeis presente nas relações econômicas atuais a exemplo das movimentações existentes no patrimônio de uma sociedade, em que serão resumidos os fatos jurídicos por meio de um relatório da empresa, ficando os donos cientes da situação que se encontra sua instituição, já que a contabilidade é responsável pelo registro em livros próprios e pela apuração dos resultados para saber se houve lucro ou prejuízo. Nesse sentido, existem as normas efetivamente legais, tais como o Código Civil, a Lei das Sociedades por Ações e outras leis dispersas, e existem as normas infralegais, oriundas do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, quando aprovadas. As normas jurídico-contábeis, regulamentam tanto a estrutura das demonstrações financeiras quanto os direitos e as obrigações existentes nas relações da pessoa jurídica com seus contratantes (stakeholders).
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Pesquisador - UNIFOR
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TELES, FILIPE EWERTON RIBEIRO. Direito Contábil: Origem, Conceito e Natureza Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 set 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/55170/direito-contbil-origem-conceito-e-natureza. Acesso em: 22 nov 2024.
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