JOÃO HENRIQUE DE AMORIM SOBRINHO[1].
MARIA CELESTE CORDEIRO LEITE SANTOS[2]
ANTÔNIO RAIMUNDO BARROS DE CARVALHO JUNIOR[3]
LAIS BERTI RESQUETI [4]
(coautores)
Resumo: Este artigo analisa historicamente a evolução dos Direitos dos Animais, os principais cortes históricos e os respectivos expoentes que influenciaram mundialmente à doutrina relacionada à matéria, fazendo uma avaliação crítica da disciplina jurídica brasileiro atualmente vigente. O artigo tece, ainda, considerações acerca das novas perspectivas que se colocam, em virtude do avanço da legislação.
Palavras-chave: Direito dos Animais, Bioética, Fauna, Proteção Animal
Abstract: This article analyzes historically the evolution of Animal Righs, the main historical courts and the respective exponents that influenced the doctrine related to the subject worldwide, making a critical evaluation of the current Brazilian legal discipline. The article also makes considerations about the new perspectives that arise due to the advancement of the legislation.
Keywords: Animal Righs, Bioethics, Fauna, Animal Protection.
SUMÁRIO : 1. Introdução. 2. A Declaração Universal Dos Direitos Dos Animais – D.U.D.A. .3. Direitos dos animais e a bioética. 4 Legislação nacional atual acerca da proteção aos animais. 5. Novas perspectivas do direito dos animais. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
A história da civilização humana moderna, influenciada pela renascença e pelas ideias humanistas, é marcada pelo pensamento antropocêntrico, segundo o qual, em síntese, o homem é o centro do universo e tudo o que existe se presta à satisfação humana. Essa linha de pensamento se contrapõe ao teocentrismo medieval, em que Deus era o centro do pensamento científico e cultural.
O hiperdesenvolvimento da civilização, contudo, trouxe consigo inúmeros problemas relacionados à finitude dos recursos naturais existentes em nosso planeta, de maneira a impulsionar um amplo movimento em direção à mitigação do antropocentrismo, abrangendo aspectos relacionados principalmente à flora e à fauna, em visão ampla de proteção ao meio ambiente.
Antes, porém, filósofos do quilate de Rousseau e Voltaire já haviam se debruçado sobre a especificidade do tema da conscientização humana sobre os direitos dos animais. O primeiro, no prefácio de sua obra “Discurso Sobre a Origem da Desigualdade[5]”, de 1754, objetou:
“Por esse meio, terminam também as disputas sobre a participação dos animais na lei natural; porque é claro que, desprovidos de luz e de liberdade, não podem conhecer essa lei; mas, unidos de algum modo à nossa natureza pela sensibilidade de que são dotados, julgar-se-á que devem também participar do direito natural e que o homem está obrigado, para com eles a certa espécie de deveres. Parece, com efeito, que, se sou obrigado a não fazer nenhum mal a meu semelhante, é menos porque ele é um ser racional do que porque é um ser sensível, qualidade que, sendo comum ao animal e ao homem, deve ao menos dar a um o direito de não ser maltratado inutilmente pelo outro.” (ROUSSEAU, Jean-Jaques, 1754)
Já o segundo, ainda mais à frente de seu tempo em relação às escolas de pensamento que influenciaram sua época, no seu “Dicionário Filosófico” obtemperou:
“Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os irracionais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Então aquela ave que faz seu ninho em semicírculo quando o encaixa numa parede, em quarto de círculo quando o engasta num ângulo e em círculo quando o pendura numa árvore, procede aquela ave sempre da mesma maneira? Esse cão de caça que disciplinaste não sabe mais agora do que antes de tuas lições? O canário a que ensinas uma ária, repete-a ele no mesmo instante? Não levas um tempo considerável em ensiná-lo? Não vês como ele erra e se corrige? Será porque falo que julgas que tenho sentimento, memória, idéias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento. Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrar-te suas veias mesaraicas. Descobres nele todos os mesmos órgãos de sentimento de que te gabas. Responde-me, maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os elatérios do sentimento sem objetivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não inquines à natureza tão impertinente contradição.” [6].(VOLTAIRE, François Marie Arouet, 1764)
Percebe-se nos dois discursos a relação do animal-homem com às demais espécies não humanas no sentido de sua sensibilidade, mas não só isso, também é considerado o aspecto de sua composição orgânica, isto é, enquanto ser vivo dotado dos mesmos órgãos necessários à sobrevivência. Sob tal ótica não haveria diferença entre animais humanos e não humanos que justificasse o tratamento desigual entre ambos ou, ao menos, os maus tratos dos primeiros em relação aos segundos.
Alguns anos mais tarde, Jeremy Benthan publicou a obra “Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação” em que, ao desenvolver sua teoria sobre o princípio do utilitarismo, segundo o qual o bem-estar máximo da coletividade é objeto de busca incessante e as ações são boas quando tendem a promover felicidade e más quando tendem a causar o oposto, discorreu sobre o tema do sofrimento animal, asseverando ser ele tão real e moralmente relevante como a dor humana. Para Bentham, a capacidade de expressar a dor em linguagem não é relevante para a forma como um ser deve ser tratado. Falava em direitos morais para se referir às proteções que pessoas e animais devem ter. Na obra o autor proferiu os célebres dizeres:
“Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos do torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser senciente ao mesmo destino.” [7]( BENTHAM, Jeremy, 1984)
O autor é considerado um dos primeiros escritores a possibilitar e fomentar o discurso científico acerca do direito dos animais.
Em 1931, em uma convenção de ecologistas realizada em Florença, na Itália, estabeleceu-se o dia 04 de outubro dos próximos anos, data em que se celebra a Festa de São Francisco de Assis, padroeiro dos animais e do meio ambiente, como sendo o Dia Mundial dos Animais. Desde então, diversos eventos são realizados em todo o mundo em celebração à data.
Na década de 70, por sua vez, surgem os movimentos bem-estaristas e especistas, provavelmente fundados nas ideias de Rousseau, sustentando a impossibilidade de maus tratos desnecessários aos animais não humanos, sem lhes atribuir, contudo, a qualidade de possuidores de direitos morais, por sua incapacidade em fazer escolhas.
Em contraposição ao especismo, Peter Singer, filósofo e professor australiano, movido pelas ideias utilitaristas, publica em 1975 o clássico “Libertação Animal”, impulsionando um movimento que de lá para cá se desenvolveu sobremaneira em nível global, influenciando a legislação de diversos países. Na obra, o autor sustenta que todos os animais são iguais e que:
“a extensão do princípio básico da igualdade de um grupo para outro não implica que devamos tratá-los da mesma maneira, ou que devamos conceder-lhes os mesmos direitos. O que devemos ou não fazer depende da natureza dos membros desses grupos. O princípio básico da igualdade não requer tratamento igual ou idêntico, mas sim igual consideração. Igual consideração por seres diferentes pode levar a tratamentos e direitos distintos. [8](SINGER, Peter, 2013)
Segundo Singer, a ideia de que os animais são seres autômatos teria se sido proposta no século XVII por René Descartes.
Ao que se percebe, portanto, em que pese os esforços de diversos filósofos em sentido contrário naquele mesmo século, prevaleceu a ideia proposta por Descartes, no sentido de que os animais não pensam, não tem almas, logo não sentem dor, muito provavelmente porque ela se aproximava dos interesses econômico-políticos da época.
A importância adquirida pelo tema ao longo dos anos foi tamanha que em 27 de janeiro de 1978 a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO editou, em convenção realizada em Bruxelas, na Bélgica, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais.
2 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS – D.U.D.A.
A declaração tem como cerne a igualdade entre os animais e o direito à existência e ao respeito a todos eles.
Tendo sido editada após três anos da publicação da obra de Singer, é perceptível a influência do pensamento do autor na Declaração Universal dos Direitos dos Animais.
O artigo 1º da Declaração traz em seu bojo a igualdade entre os animais diante da vida e o direito à existência. Todo o capítulo 1 da “Libertação Animal”, trata exatamente do mesmo tema, que aliás lhe dá o nome (Todos os animais são iguais...).
A proteção dada aos animais pela Declaração, abrange aspectos relacionados ao respeito, ao não extermínio pelo homem em face à sua igualdade e à impossibilidade de maus tratos.
O artigo 2º da D.U.D.A., estabelece que o homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito e tem o dever de pôr seus conhecimentos a serviço dos animais.
Intrigante é o aspecto humanitário conferido aos animais não humanos que vem estampado no artigo 2º, item 3, no sentido de garantir aos animais o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
De acordo com a Declaração, se houver necessidade de se matar um animal, ele deve ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não lhe provocar angústia. O teor do artigo 3º, item 2, faz a afirmação. Desse texto podemos, mais uma vez, notar a influência da obra de Singer, que, diferentemente de Tom Regan, não defende a total ruptura em relação à exploração animal, embora seja um entusiasta do veganismo, em que pese ele próprio, não seja vegano.
Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir, e toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito. Esse é o teor do artigo 4º.
De acordo com o artigo 5º do documento, Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie, e toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.
As disposições do artigo 6º da declaração se adequam à realidade de muitas pessoas, já que as ações ali descritas ocorrem frequentemente. O texto dispõe:
“Artigo 6.º
1. Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural.
2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.”
Importante frisar, ainda, que o artigo 7 da declaração resguarda ao animal que trabalha o direito à limitação do tempo e intensidade do trabalho, a uma alimentação adequada e ao repouso, guardando relação com aspectos da legislação trabalhista humana, ao menos em nível nacional.
Finalmente, o documento condena à experimentação científica que traga dor aos animais. Permite-lhes a morte, desde que necessária, instantânea, sem dor ou angústia.
Critica-se a natureza jurídica da Declaração, já que jamais foi oficialmente registrada na ONU, não consta dos sites sequer do site da UNESCO, tratando-se de um documento de natureza moral e ética, mas sem caráter normativo. O Brasil, por exemplo, que é signatário, não a ratificou até a presente data.
No entanto, é bem verdade que embora sem força normativa, tem influenciado diversos países a reverem sua legislação, como se verá adiante.
Outros autores, tais como Tom Regan[9], tornaram-se expoentes em defesa dos Direitos dos Animais, adotando, porém, fundamentos diversos. Para Regan, há necessidade de uma ruptura total da exploração animal para que os direitos dos animais sejam exercidos, argumentando que os animais não deixarão a sua posição de servidão enquanto estiverem na convivência com os humanos. Há coincidência nessas duas correntes de pensamento na proposta de adoção de um estilo de vida vegetariano pelos seres humanos.
3 DIREITOS DOS ANIMAIS E A BIOÉTICA
Existem, portanto, atualmente duas grandes correntes de pensamento na Filosofia contemporânea que defendem a atribuição de dignidade e direitos aos animais e sua inclusão na Ética. São elas o Defensorismo ou Liberalismo dos animais e Abolicionismo, as quais se diferem em suas teorias e seus argumentos, bem como na finalidade.
A primeira tem como seu maior expoente Peter Singer, e defende o reconhecimento de direitos aos animais e sua convivência digna com os seres humanos em um mesmo habitat. Sustenta que os argumentos para a não inclusão dos animais não humanos na Ética enquanto membros de uma comunidade e a negação de seus direitos saco os mesmos que foram utilizados em outros tempos para a negativa dos direitos das mulheres e negros.
A segunda teoria é capitaneada por Tom Regan, sustenta a necessidade da total abolição da exploração animal. Há coincidência nessas duas correntes de pensamento na proposta de adoção de um estilo de vida vegetariano pelos seres humanos.
A par dos movimentos existentes em nível internacional, que têm por motivação originária os maus tratos causados aos animais criados em cativeiro para consumo humano, abatedouros e granjas, em condições cruéis, bem como o uso impróprio de animais em pesquisas científicas, no Brasil, um dos poucos países do mundo onde há previsão constitucional para o tema, há outros motivos.
Sabe-se que em território nacional também existem novilhos criados sem sequer qualquer possibilidade de locomoção para que fiquem mais gordos ou galinhas criadas em gaiolas, mas, as discussões também envolvem as práticas esportivas impróprias e ilegais, tais como as brigas ou rinhas de galo, os rodeios, as farras-do-boi e outros.
Não raro, a utilização desses animais possui características de crueldade, exigindo grande esforço físico, que os leva à exposição de doenças, lesões e diminuição da qualidade de vida.
E por essa razão é que os movimentos na direção da defesa dos direitos dos animais tem aumentado, tanto nos níveis de organizações nacionais e internacionais de defesa dos animais, quanto na atuação científica e filosófica, no sentido da promoção da capacitação dos profissionais do Direito no campo especifico de leis que rege o Direito dos Animais, entendido como o conjunto de regras e princípios que estabelece os direitos fundamentais dos seres não humanos, diferenciando a proteção do ser não humano enquanto fauna, e, enquanto individuo senciente, portador de valor intrínseco e dignidade própria.
Também no campo do Direito de Família, já se discute a questão da família multiespécie e da violência doméstica contra animais, já que os animais de estimação no Brasil, segundo dados do IBGE[10], somam uma população de 52,2 milhões de cães, 37,9 milhões de aves, 22,1 milhões de gatos e 18 milhões de peixes, num total de 132 milhões de animais de estimação em direta convivência com seres humanos. O Brasil tem a 4ª maior população de animais de estimação e a 2ª em número de cães, gatos e aves.
Em muitas casas brasileiras os animais substituem, pelas mais diversas razões, os filhos humanos, integrando o núcleo familiar. Também auxiliam idosos ou pessoas portadoras de necessidades especiais.
O campo, portanto, para estudo da violência doméstica cometida com esses membros não humanos das famílias também já é farto.
Nesse sentido é que a Bioética se mostra um campo muito fértil para os debates inerentes ao tema, contribuindo para o aumento do acervo científico, o qual é capaz de influenciar o próprio direito positivo.
4 LEGISLAÇÃO NACIONAL ATUAL ACERCA DA PROTEÇÃO AOS ANIMAIS.
O jurista Silvio Rodrigues[11] lecionava que “coisa é tudo o que existe objetivamente, com exclusão do homem”. Tudo aquilo que não é humano, pois, é coisa. De seu ensinamento, ainda, podemos extrair a afirmação de que os bens são coisas úteis ou raras, suscetíveis de apropriação pelo homem em virtude de seu valor econômico. Logo, os bens seriam espécie do gênero coisa.
O Código Civil brasileiro segue exatamente tal linha de raciocínio ao dispor em seu artigo 82 que os bens móveis são aqueles suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Sendo, portanto, os animais seres não humanos, tem tratamento de “coisa” na lei civil pátria.
Ao tratar do tema, explica Daniel Braga Lourençoque:
“Como se teve oportunidade de verificar quando da análise das teorias indiretas, a maior parte dos nossos juristas, vinculados à dogmática clássica civilista, abraça a arcaica noção de que a natureza jurídica dos animais seja a de coisa, de bem móvel”, e acrescenta: “Nesse sentido, como coisas, os animais seriam meros objetos de direito, suscetíveis de apropriação e ampla fruição pelo homem”. [12] (LOURENÇO, Daniel Braga., 2008)
Em que pese o tratamento civil coisificado atribuído aos animais não humanos, é certo que há um nível mínimo de proteção jurídica previsto na Constituição da República, notadamente no artigo 225 que estabelece, in verbis:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 96, de 2017)”
Para assegurar esse direito, o §1º, inciso I, do mesmo artigo, atribui ao Poder Público a obrigação de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a proteção da fauna e da flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade, dentre outras medidas.
A partir desse dispositivo constitucional, editou-se a Lei Federal nº 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. A Seção I do Capítulo V dessa lei prevê os crimes e as penas cometidos contra animais silvestres, domésticos e domesticados, nativos ou exóticos, prevendo os casos de abusos e maus tratos. Trata-se de crimes de menor potencial ofensivo, sujeitos à detenção e multa.
Evidentemente, não é o tratamento que se coaduna às ideias do biocentrismo de Singer, em que os animais não humanos não tem sua proteção fundada não na garantia a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas no direito do próprio ser senciente, que é aquele que tem percepção, sente dor, angústia, medo, prazer etc.
Por essa razão é que Daniel Braga Lourençopreleciona que, “é comumente propalado pela doutrina jurídica pátria que o destinatário da norma ambiental e, em última análise, das ditas normas protetivas é o próprio ser humano” [13], no sentido de que o enfoque do legislador não está no ser não humano, mas exatamente na antiga visão antropocêntrica.
Buscou-se na Carta Magna proteger todas as espécies que integram a fauna brasileira, independentemente de sua função ecológica, como elemento do bem jurídico meio ambiente, de natureza difusa, contrapondo-se à natureza civil privada do Código Civil.
Nessa toada é que é tão verdadeira a afirmação de Danielle Tetü Rodrigues, no sentido de que:
“A bem da verdade, sob a égide jurídica os Animais são protegidos da seguinte forma: primeiro, os Animais continuam sendo considerados coisas ou semoventes, ou coisas sem dono, conforme os dispositivos do Código Civil Brasileiro e, nesse sentido, são protegidos mediante o caráter absoluto do Direito de Propriedade, ou seja, como propriedade privada do homem e passíveis de apropriação. Aqui se encontram os animais domésticos e domesticados, considerados coisas, sem percepções ou sensações. Segundo, como patrimônio da União, sendo que a biodiversidade terrestre pertence ao Direito Público e, portanto, devem ser protegidos como bens socioambientais inseridos na categoria de bens difusos, o que, diga-se de passagem, já foi grande evolução no âmbito protecionista dos direitos dos Animais. Sob essa proteção estão incluídos os Animais silvestres em ambiente natural, e os exóticos, os quais são originários de outros países.” [14],( RODRIGUES, Danielle Tetü, 2008)
A legislação pátria ainda está longe das ideias de Singer para quem há provas científicas irrefutáveis de que os animais sentem dor, sofrem de medo, de terror, de modo que são capazes de sofrer em consequência de danos físicos, diretos e indiretos, como medo, ansiedade ou estresse, merecendo proteção jurídica senão equivalente àquela destinada ao animal-homem, ao menos adequada, que lhes garanta o seu não sofrimento.
Na contramão da corrente, foi publicada em 06 de junho de 2017 a Emenda Constitucional nº 96, que incluiu o §7º no artigo 225 da Carta Constitucional, com os seguintes dizeres, para desespero dos utilitaristas:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§7º não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
Aparentemente, subsomem-se ao texto recém incluído da Constituição as festas conhecidas como “rodeios” e “farras-do-boi”, as quais têm sido objeto de diversas ações civis públicas promovidas por órgãos ministeriais dos Estados.
5 NOVAS PERSPECTIVAS DO DIREITO DOS ANIMAIS.
No dia 07 de agosto de 2019 foi aprovado pelo Senado Federal o Projeto de Lei nº 27/2018, que teve origem na Câmara dos Deputados sob nº 6.799/2013, conformando-se ao acervo de iniciativas do Deputado Federal Ricardo Izar.
O projeto estabelece regime jurídico especial para os animais não humanos, aproximando-se em muito o atual tratamento legislativo nacional daquele almejado por Singer.
O projeto estabelece como objetivos fundamentais a afirmação dos direitos dos animais não humanos e sua proteção, a construção de uma sociedade mais consciente e solidária e o reconhecimento de que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passiveis de sofrimento.
De acordo com o artigo 3º do projeto referido. Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa
Finalmente, o Projeto de Lei nº 27/18, encerra-se alterando o tratamento dado aos animais não humanos incluindo ao artigo 79 do Código Civil o artigo 79-B, que impede o tratamento coisificado dos animais não humanos em âmbito civil.
Trata-se de uma iniciativa ainda tímida e desprovida de regulamentação, mas que já indica o caminho pelo qual a legislação pátria irá se enveredar.
O Projeto de Lei nº 10.827/2018, de iniciativa da Câmara dos Deputados, por outro lado, aumenta as penas previstas no artigo 32 da Lei Federal nº 9.605/98 de 03 a um ano de detenção e multa, para 03 a 07 anos de reclusão e multa.
Existem, ainda, diversas leis estaduais, como é o caso da Lei Estadual 16.784, de 28 de junho de 2018, que proíbe a caça, em todas as suas modalidades, sob qualquer pretexto, forma e para qualquer finalidade, em todo o Estado de São Paulo.
No Estado de São Paulo podemos citar, ainda, a Lei 11.977/05, que institui o Código de Proteção aos Animais do Estado, que, no artigo 18, por exemplo, proíbe a criação de animais destinados ao consumo, privando-os da sua liberdade de movimentos.
O artigo 20 da mesma norma proíbe a luta entre animais. Provas de rodeio e espetáculos similares que envolvam o uso de instrumentos que visem induzir o animal à realização de atividade ou comportamento que não se produziria naturalmente sem o emprego de artifícios também são proibidos pelo artigo 22.
A Lei Municipal nº 6.435, de 27 de dezembro de 2018, dispõe sobre a proteção e bem-estar dos animais, as normas para a criação e comercialização de cães e gatos e define procedimentos referentes a casos de maus tratos a animais no Município do Rio de Janeiro e dá outras providências.
Percebe-se que há um movimento no sentido de promover em todo o território nacional a defesa dos direitos dos animais como seres em si mesmos, dotados de valor intrínseco.
6 Conclusão
Inegável a importância da discussão do tema dos Direitos dos Animais no campo da Bioética. Com efeito, aparentemente as características do modelo capitalista escolhido pela sociedade humana ocidental, associada aos influxos do pensamento antropocêntrico renascentista, fizeram com que os animais não humanos, seres sencientes que são, capazes de sentir dor, prazer, angústia, medo, estresse etc., não recebessem tratamento jurídico adequado ao longo do desenvolvimento da civilização.
Os movimentos em defesa dos direitos dos animais e os trabalhos científicos destinados a formar opinião sobre o tema foram cruciais para que o Poder Público no Brasil passasse a entender a importância de se refinar a legislação pátria, que já conta com uma proteção muito mais voltada à questão civil da propriedade, ou ainda ao meio ambiente, cuja proteção, em última análise, se destina a servir os próprios seres humanos, inclusive as próximas gerações, influenciando as autoridades constituídas na elaboração de novo arcabouço normativo, capaz de proteger os animais não humanos como seres em si mesmos, dotados de direitos.
Após mais de 40 anos da publicação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, na convenção realizada em Bruxelas, a pretensão de se garantir o direito à existência, ao respeito entre as espécies, à proibição aos maus tratos passará, finalmente, ao que tudo indica, a fazer parte do acervo normativo do direito brasileiro.
De outra banda, não se pode negar, igualmente, que após mais de 30 anos da promulgação da Constituição da República, há um possível avanço significativo em termos da legislação de proteção aos animais.
7 Referências Bibliográficas
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BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 20/11/2019.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/documentos/camaras-tematicas/insumos-agropecuarios/anos-anteriores/ibge-populacao-de-animais-de-estimacao-no-brasil-2013-abinpet-79.pdf/view Consultado dia 14 de novembro.
LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais Fundamentação e Novas Perspectivas. Ed. Sergio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre. 2008.
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[1] Graduado em Direito pelo Centro Universitário FIEO -UNIFIEO, Osasco, São Paulo, Brasil, Mestrando em Direito Urbanístico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
[2] Livre Docente em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil. Pós-Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
[3] Graduado em Direito pela Universidade Nilton Lins, Manaus, Amazonas, Brasil, Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Metropolitana Unidas Associação Educacional, Funcionário Público Estadual do Tribunal de Justiça do Amazonas.
[4] Graduada em Direito na Universidade do Norte do Paraná, campus arapongas – Pós graduada em direito processual penal, pela Universidade Estadual de Londrina, Mestranda em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
[5] ROUSSEAU, Jean-Jaques. Discurso sobre a origem da desigualdade. 1754. Ed. Ridendo Castigat Mores. Versão para eBook. eBooksBrasil.org. Consultado em 12 de novembro de 2019.
[6] VOLTAIRE. Dicionário filosófico. 1764. Ed. Ridendo Castigat Mores. Versão para eBook. eBooksBrasil.org. Consultado em 12 de novembro de 2019.
[7] BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. 1789. Os pensadores. 3ª Ed. São Paulo. Abril Cultural. 1984.
[8] SINGER, Peter. Libertação Animal. 1ª Ed. Wmfmartinsfontes: São Paulo. 2013.
[9] REGAN, Tom. Jaulas Vazias Encarando o desafio dos Direitos dos Animais. Ed. Lugano. Rio de Janeiro. 2006.
[10]http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/documentos/camaras-tematicas/insumos-agropecuarios/anos-anteriores/ibge-populacao-de-animais-de-estimacao-no-brasil-2013-abinpet-79.pdf/view Consultado dia 14 de novembro.
[11] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 33ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.I., p.116.
[12] LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais Fundamentação e Novas Perspectivas. Ed. Sergio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre. 2008.
[13] LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos Animais Fundamentação e Novas Perspectivas. Ed. Sergio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre. 2008.
[14] RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os Animais. 2ª Ed. Juruá Editora: Curitiba. 2008.
Advogado. Assessor Especial Chefe de Gabinete. Mestrando em Teoria Geral e Filosofia do Direito e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela PUCSP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Francisco Tadeu da Silva e. Direito dos animais, uma nova perspectiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 fev 2021, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/56158/direito-dos-animais-uma-nova-perspectiva. Acesso em: 21 nov 2024.
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