A denominada prova testemunhal, em que pese bastante utilizada no meio forense, nem sempre goza do melhor tratamento na prática dos trabalhos do Poder Judiciário.
Aliás, muito se fala de modo pejorativo acerca da prova testemunhal, onde, não raro, existe uma menção a esta como sendo a prostituta das provas, a pretexto de seu suposto grau de insegurança, imprecisão e inconsistência. Esclarece a doutrina:
Deplorada por muitos, dada à notória falibilidade humana, e pelo mau uso que não poucos inescrupulosos fazem do testemunho, a verdade é que o processo não pode prescindir do concurso das testemunhas para solucionar a grande maioria dos litígios que são deduzidos em juízo.
Nesse particular, o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 estipulou uma série de normativas acerca da produção da prova testemunhal, justamente por considerá-la relevante para o desfecho justo e efetivo de diversas demandas submetidas ao crivo do Poder Judiciário.
Não obstante, um artigo que pouco se fala, porém vem gerando diversos problemas de ordem prática em sua aplicação, é o dispositivo 463 da norma processual. Notadamente no tema da expedição de certidão de comparecimento em juízo em favor das testemunhas.
Como é cediço, as pessoas geralmente possuem um trabalho. Este é quase um pressuposto da existência digna. Até porque sem recursos próprios para sobreviver, qualquer cidadão, em tese, padeceria, exceto se vivesse de doações.
Atualmente, aliás, possuir um trabalho não é fácil. O alto índice de desemprego, catalisado pela pandemia da COVID19, exige dos trabalhadores uma atenção redobrada quanto aos deveres funcionais junto aos seus empregadores. Caso contrário, o risco de demissão é elevadíssimo.
Entre outros fatores, o quesito trabalhista é um aspecto que desestimula o interesse das pessoas em geral quando o assunto se trata de assumir a condição de testemunha em processo judicial.
Ora, as pessoas precisam (têm) que trabalhar. Quanto a isto, dispõe o CPC:
Art. 463. O depoimento prestado em juízo é considerado serviço público.
Parágrafo único. A testemunha, quando sujeita ao regime da legislação trabalhista, não sofre, por comparecer à audiência, perda de salário nem desconto no tempo de serviço. (grifou-se)
Assim, no plano legal a testemunha possui direito subjetivo de não sofrer perda de salário nem desconto no tempo de serviço devido ao comparecimento à audiência. E no plano prático, como isto funciona?
Primeiramente, muitos empregadores não veem com bons olhos essas ausências laborais, não raro exigindo a compensação de horas pelo trabalhador que necessitou atuar como testemunha em processo judicial. O que, à toda evidência, é uma ilegalidade.
Entretanto, o Poder Judiciário também não vem colaborando com os cidadãos que desejam contribuir em juízo na condição de testemunhas, função essa considerada pelo CPC como serviço público.
Isto porque muitos cartórios (e até juízes) vêm se negando a expedir certidões de comparecimento das testemunhas em juízo, criando obstáculos à justificativa de falta desta junto aos seus empregadores.
As motivações cartorárias são diversas, iniciando por suposta alegação de que não há quem possa assinar o documento pessoalmente (como se assinatura digital não existisse!) ou até mesmo de que a ata de audiência serviria como comprovação de comparecimento.
E pior: estes casos vêm ocorrendo até em processos sujeitos à tramitação em segredo de justiça, sob a alegação do cartório da Vara de que o departamento de recursos humanos da empresa deveria guardar sigilo sobre as informações da ata de audiência!
Assim, imagine-se que uma testemunha tenha que apresentar na empresa empregadora uma comprovação de comparecimento em juízo, retornando àquela desprovida de uma certidão sob a alegação de que o cartório da Vara informou a inexistência de servidor público para assiná-la.
Faz sentido que o empregado/testemunha seja penalizado profissionalmente no âmbito de sua empresa empregadora por uma omissão do Poder Judiciário?
É razoável que se viole a vida privada e a intimidade de cidadãos e se junte uma ata de audiência onde há discussão completa e detalhada de questões sensíveis ao empregado/testemunha ou a terceiros, a exemplo de processos de adoção, guarda e divórcio, entre outros?
A par disso, não é demasiado lembrar que a Constituição Federal garante:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
Portanto, é urgente que o Poder Judiciário colabore e faça uma leitura justa e adequada do artigo 463 do CPC à luz do artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, a fim de que não se trate a norma processual como letra morta em prejuízo da própria testemunha.
Faz-se necessário evitar um desestímulo à produção da prova testemunhal, notadamente pela dificuldade que as partes venham a encontrar para apresentar em juízo testemunhas aptas a cumprir esse serviço público, nesta última hipótese simplesmente por conta de uma negativa injustificada de certidão de comparecimento em juízo.
NOTAS:
LOPES, João Batista. A Prova no Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
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