A questão atinente aos problemas brasileiros no tema do acesso ao funcionalismo público não é nova, porém vem sendo objeto de recentes críticas e contribuições doutrinárias, as quais se debruçam com afinco acerca de grandes contradições do cenário nacional no campo do serviço público.
Entre essas contradições com o modelo meritório de acesso à função pública está o nepotismo. Antes institucionalmente aceito, em que pese a reprovação por expressiva parcela dos cidadãos, o Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2008, editou a Súmula Vinculante nº 13 sobre o nepotismo nos seguintes termos:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
Não obstante o inegável avanço trazido por esta Súmula Vinculante nº 13, notadamente para a efetivação dos princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência administrativas (artigo 37 da Constituição Federal), tempos depois o STF também admitiu a possibilidade de exclusão dos denominados agentes políticos deste entendimento sumular, a saber:
As nomeações para cargos políticos não se subsumem às hipóteses elencadas nessa súmula. Daí a impossibilidade de submissão do caso do reclamante, nomeação para o cargo de Secretário Estadual de Transporte, agente político, à vedação imposta pela Súmula Vinculante 13, por se tratar de cargo de natureza eminentemente política. Por esta razão, não merece provimento o recurso ora interposto. [Rcl 6.650 MC-AgR, voto da rel. min. Ellen Gracie, P, j. 16-10-2008, DJE 222 de 21-11-2008.] (grifou-se)
Os cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando os seus ocupantes enquadrados na classificação de “agentes administrativos”. 2. Em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo deve ser analisada caso a caso, a fim de se verificar eventual “troca de favores” ou fraude a lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do Poder Executivo, em todas as esferas da Federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante 13. [Rcl 7.590, rel. min. Dias Toffoli, 1ª T, j. 30-9-2014, DJE 224 de 14-11-2014.] (grifou-se)
Direito Administrativo. Agravo interno em reclamação. Nepotismo. Súmula Vinculante 13. 1. O Supremo Tribunal Federal tem afastado a aplicação da Súmula Vinculante 13 a cargos públicos de natureza política, ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral. Precedentes. 2. Não há nos autos qualquer elemento que demonstre a ausência de razoabilidade da nomeação. [Rcl 28.024 AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 29-5-2018, DJE 125 de 25-6-2018.] (grifou-se)
Segundo a jurisprudência do STF, quanto aos agentes políticos prevalece a regra da não-incidência da Súmula Vinculante nº 13, podendo ser aplicada, apenas de modo excepcional, caso comprovada na situação concreta analisada algum cenário fático inadmissível, a exemplo de: a) fraude; b) inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral; e c) nepotismo cruzado por designações recíprocas em troca de favores.
Em que pese esse entendimento, compreende-se que o objetivo sumular acima não foi o de permitir exceções na forma em que o próprio STF vem admitindo. Por exemplo, não se mostra moralmente aceitável que um Prefeito Municipal venha a nomear a própria esposa no cargo público de provimento em comissão de Procuradora Geral do Município, sob o argumento de que se trataria de uma agente política e a mesma possuiria Pós-Doutorado em Direito, além de mais de 30 (trinta) anos de experiência advocatícia.
Ainda assim, na hipótese deveria incidir a Súmula Vinculante nº 13, pois o acesso de tal profissional ao serviço público se diria por uma decisão pessoal do próprio esposo (Prefeito Municipal). Diante de milhares de brasileiros que também possuem larga experiência profissional e titulações acadêmicas, estes não foram sequer cogitados pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, que preferiu a sua esposa, o que não demonstra qualquer comportamento alinhado à moralidade e à impessoalidade administrativa.
De outro lado, a título de mera argumentação, se a redação atual da Súmula Vinculante nº 13 não abarcasse expressamente os agentes políticos, o STF deveria promover uma revisão de respectivo texto sumular para estender essa vedação e não para excepcioná-la numa espécie de institucionalização do nepotismo.
O exemplo de moralidade administrativa e impessoalidade deveria partir justamente destas autoridades públicas que ocupam o status de agentes políticos, pois se estes são os primeiros a ingressar no serviço público mediante vínculos de parentesco, como serão um espelho de conduta para os demais servidores públicos e a sociedade em geral?
É dizer em palavras simples: o exemplo deveria vir da cúpula.
Portanto, é necessária uma urgente revisitação deste tema pela atual composição do Supremo, a fim de que o combate ao nepotismo no serviço público não seja, ainda, blindado de controle pelo Poder Judiciário no que concerne aos agentes políticos.
A reprovação das condutas dos agentes políticos nomeante e nomeado como exceção e não como vedação absoluta, acaba por manter nefastas práticas centenárias da vida pública e política brasileira, as quais a maioria da população tem repulsa. Inexiste, pois, uma justificativa jurídica e social para se permitir a perpetuação de agente políticos ingressando no serviço público como se estivessem acima da própria Constituição Federal.
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