EMANUELLE ARAÚJO CORREIA[1]
(orientadora)
RESUMO: Na contemporaneidade, tem-se visto uma mudança jurisprudencial dos legisladores acerca de ser possível ou não a condenação dos genitores em razão do abandono moral no âmbito familiar. O abandono socioafetividade por um dos genitores configura, em tese, um abandono material e intelectual, e consequentemente gerando prejuízos para a sua prole na sua convivência social, familiar e amorosa. O problema central da pesquisa reside no questionamento de verificar a possibilidade de indenização por danos morais em virtude do abandono socioafetivo. Para alcançar o objetivo foi realizada uma pesquisa descritiva, qualitativa e o método de coleta de dados utilizado foi o bibliográfico integrativo. Pôde-se concluir que existe a possibilidade do descendente procurar a máquina judiciária a fim de ser indenizado moralmente, em razão da omissão de seu genitor com o afeto, mas para isso é necessário a comprovação do dano sofrido, por meios do preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, bem como o apoio de laudos psicossocial.
Palavras-chave: Abandono. Cabimento processual. Indenização. Socioafetividade
ABSTRACT: In contemporaneity, there has been a jurisprudential change of legislators about whether or not the conviction of parents is possible due to moral abandonment in the family environment. The socio-affectionate abandonment by one of the parents constitutes, in theory, a material and intellectual abandonment, and consequently generating losses for their offspring in their social, family and loving coexistence. The central problem of the research lies in the questioning of verifying the possibility of indemnity for moral damages due to socio-affective abandonment. To achieve the objective, a descriptive research was carried out, with a qualitative approach to deepen this theme and on the technical bibliographic procedure. It could be concluded that these changes provoked negative reflexes from the analysis of the rights inherent to the subjects of the social security legal relationship, with commitments related to constitutional guarantees.
Keywords:Abandonment. Indemnity. Procedural justification. Socio-affectivity
INTRODUÇÃO
A estrutura familiar, direitos e obrigações dos genitores com os seus filhos encontra-se expresso na legislação civilista (Código Civil de 2002). Todavia, somente a previsão de uma responsabilidade material não é suficiente na relação familiar que atualmente vivemos e que tanto muda.
Em pese não existir o princípio da efetividade, a socioafetividade foi um meio em que o legislador encontrou para suprir as lacunas dos laços familiares, pois é de suma importância a presença de afeto para a criação do indivíduo pertencente à sociedade.
Porém, no que se refere a este vínculo, existem vários casos do abandono socioafetivo, moral ou material que demonstre que a criança está desamparada, e em consequência muitos são os casos que em se buscam indenização moral em virtude dessa ausência.
Salienta-se que, atualmente, não existe nenhum posicionamento pacificado sobre a possibilidade de indenização por danos morais em virtude do abandono socioafetivo. Nesse sentido, este trabalho objetiva fazer um estudo sobre qual é o melhor posicionamento a ser tomado, diante dessas mudanças cíveis e constitucionais apresentadas no ordenamento jurídico pátrio, com o propósito de normatizar e evitar julgamentos no âmbito de direito processual divergentes.
Para tanto, utilizou-se como metodologia de pesquisa a forma descritiva, que interage na busca investigativa de informações sobre a temática para melhor delimitá-la, facilitando a formulação das hipóteses rumo a alcançar os resultados. Tratando-se da técnica de pesquisa, teve-se como a bibliográfica integrativa composta pelo método dedutivo, mediante o estudo de princípios, leis e teorias. Já a forma de abordagem, usou-se a qualitativa para entender a problemática auxiliada nas interpretações pontuadas pelo legislador.
Dando continuidade, para atingir o propósito da problematização, o artigo foi estruturado da seguinte maneira: No primeiro capítulo será abordado como a socioafetividade se incorpora no âmbito familiar do código civil, tendo em vista que não se trata de um princípio, bem como a sua importância para suprir as lacunas no mesmo contexto da base familiar. No segundo capítulo explana acerca da indenização por danos morais e, no terceiro, a possibilidade de indenização decorrentes do abandono socioafetivo.
1. AFETO NO ORDENAMENTO JURÍDICO CIVILISTA E NA ESTRUTURA FAMILIAR
O afeto tem uma grande importância na estrutura familiar contemporânea e é elemento basilar da convivência em uma sociedade conjugal. O Código Civil de 2002 identificou a família como um local de realização existencial do ser humano, assim deixou-se de ser reconhecida apenas aquela relação filial biológica, mas como aquelas relações desenvolvidas dos filhos com os seus genitores por meio do afeto.
Essa convivência não se esgota com o exercício de poder dos genitores previsto no ordenamento jurídico civilista (art. 1.634 do C.C/02), é muito além que isso, desenvolve por meio do carinho, atenção, cuidados, e sobretudo na formação da sua personalidade de forma completa e sadia, tornando-o um indivíduo para a sociedade. Nesse sentido envolve um dever material, bem como um dever moral.
Neste mesmo seguimento aduz Gonçalves (2016, p. 57):
O ente humano necessita, durante sua infância, de quem o crie e eduque, ampare e defenda, guarde e cuide dos seus interesses, em suma, tenha a regência de sua pessoa e seus bens. As pessoas naturalmente indicadas para o exercício dessa missão são os pais. A eles confere a lei, em princípio, esse ministério, organizando-o no intuito do poder familiar.
É crescente o processo de transição de paradigmas na família, no qual é possível verificar a existência de um espaço destinado à socioafetividade por seus membros. Assim, atualmente é necessário que exista laços afetivos entre os seus progenitores com os seus descendentes. No mesmo sentido relata Calderòn (2013, p. 56) No decorrer da modernidade o espaço conferido à subjetividade e à afetividade alargou-se e verticalizou-se a tal ponto que, no último quarto do século XX, já era possível sustentar a afetividade como vetor das relações pessoais.
Embora não se trate de um princípio normativo do direito de família, pois se trata como elemento fático nas entidades familiares, este deu-se através das alterações de paradigmas nas relações/estruturas familiares e com um discurso jurídico mais formal em conjunto com a lei. Nesse mesmo sentido entende Almeida; Rodrigues Jr (2012, p. 41):
O afeto não abrange a normatividade. Da necessidade de sua verificação, para reconhecimento de realidade familiares não são criadas por intermédio do direito, não decorre a sua exigibilidade intersubjetiva. [...] O afeto é um sentimento de afeição para com alguém, soa intrínseco ao mesmo a característica da espontaneidade.
É por meio da socioafetividade que se promove uma estabilidade entre a família, dando sentido primordialmente à dignidade da pessoa humana do filho, que está sendo amparado, cuidado e norteado como ser humano. Desse modo, o merecimento da tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em comunhão espiritual e de vida.
Sob essa concepção, Pereira (2019, p.25) argumenta que:
Interligado ao princípio da dignidade está o da afetividade. Este é o principal fundamento das relações familiares. E por mais que não haja no texto maior da magna carta sua caracterização como um direito fundamental, pode-se dizer que o afeto decorre da constante valorização da dignidade da pessoa humana, sendo assim por essência, cláusula pétrea, um direito fundamental do cidadão.
Enquanto valor jurídico demonstra a grande evolução que o direito de família vem conquistando, uma vez que o afeto passou a ser fator relevante nas soluções dos conflitos familiares, sendo considerado a essência da filiação, já que o amor exerce valor jurídico.
O exercício do Poder Familiar dos progenitores decorre naturalmente de uma relação social construída, seja ela através de um matrimônio ou de um fato que acabou resultando em um fruto. Este direito não é irrenunciável, assim jamais os pais poderão renunciar dos seus direitos e deveres para a sua prole. Durante esse desempenho familiar os cônjuges/pais possuem uma ampla liberdade sobre os cuidados concernentes aos seus filhos e estando sujeitos a esse poder, ainda enquanto menores (art. 1.630 do C.C/2002).
A respeito, dispõe da Constituição Federal de 1988 em seu art. 226, § 7º:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Corroborando, Alves (2013, p. 78):
O dever de convivência, então, deriva do poder familiar, o qual é irrenunciável e indelegável, sendo que a entidade familiar pressupõe laços de afetividade e ambiente harmonioso, necessários à construção e desenvolvimento do menor, com o objetivo de contribuir para sua formação digna.
Vale ressaltar que o Poder familiar perante os seus rebentos não é absoluto, existindo a possibilidade da sua perda, estando previsto as suas causas no art. 1.635 do Código Civil. Ademais, o ordenamento jurídico não altera a faculdade de estabelecer julgamentos morais de atos realizados pelos pais, no entanto pode trazer soluções e a prevenção de situações onde se verifica a negligência inadmissível com os filhos.
O Estado regula em todos os âmbitos concernente a uma possível relação jurídica de uma sociedade, bem como ela em um todo e não seria diferente no que tange às famílias. Assim, o Ente procurou estabelecer critérios a serem seguidos e respeitados nos laços familiares em consonância com os avanços modernos. Todavia, essas regulamentações não foram suficientes, pois atualmente existem uma quantidade de lacunas em relação às atitudes dos pais com os seus filhos.
Um exemplo desse instituto é o abandono socioafetivo que nada mais é do que a atitude omissiva dos pais, seja ele o homem ou a mulher, no cumprimento do seu dever, decorrente do poder familiar. Ressalta-se que este abandono engloba tanto a ausência material, que envolve assistência financeira para a sua subsistência, educação, criação, bem como o moral que nada mais é que a indiferença socioafetiva entre o genitor e o seu filho.
Alves (2013, p. 2) argumenta que:
A constituição familiar, bem como todos os seus atributos, tais como cuidados, educação, sustento, afeto, são aspectos fundamentais na formação da personalidade do homem. Portanto, quando essa estrutura acontece de forma errônea ou incompleta, obviamente acarretará danos, sejam de natureza psíquica, moral, social ou até física. É o que pode acontecer com uma pessoa que se desenvolve sem o explícito afeto de seus genitores. O que muitas vezes provoca traumas ou psicoses irreparáveis.
Dando continuidade, embora não exista uma grande quantidade de ações criminais, pois dependendo do enquadramento essas ausências podem configurar um crime, conforme previsão do Código Penal (arts. 133 e 244) e, o abandono acaba gerando a cessação do poder de família.
Frequentemente, o abandono socioafetivo ocorre tanto em virtude da dissolução conjugal, em que atribui-se a guarda para um dos genitores e que a partir daí começa a ocorrer o início dessa ausência com a preocupação apenas com a pensão alimentícia, visto que se veem obrigado judicialmente, não podendo a distância ser utilizado como desculpa para justificar a ausência moral dos pais com o seu filho, como também existem os casos que não necessita deste motivo, sendo gerado esse ciclo antes mesmo que sua prole venha ao mundo.
A ausência da convivência familiar pode gerar danos irreparáveis, capazes de mexer na estrutura do ser humano, uma vez que ausência por si só causa dano, abalo na esfera psicológica e afetiva de um filho, razão pela é necessário muitas vezes da intervenção do judiciário.
Ressalta-se que o abandono socioafetivo causa mais danos do que abandono material, nesse sentido destaca Claudete Carvalho Canezin, já que, embora a carência financeira possa ser suprida por terceiros interessados, como parentes, amigos, ou até mesmo pelo Estado, através dos programas assistenciais, o afeto e o carinho negado pelo pai a seu filho não pode ser suprido pelo afeto de terceiros, muito menos pode o Estado suplantar a ausência paterna.
Geralmente, é mais corriqueiro que o abandono socioafetivo ocorra por parte do poder familiar paterno do que o maternal. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatísticas - IBGE (2020) [...] em 2018, 5,74% dos registros de nascimento ficaram com o campo do nome do pai em branco e, em 2019, 6,15% das crianças nasceram sem ao menos o sobrenome paterno.
Nesse sentido, é visível que existem uma grande quantidade de pessoas que sofrem com isso, com uma relação social, que é importante na vida de uma pessoa, que associa com um vínculo de sofrimento, desprezo que podem geram problemas comportamentais e demonstrar sinais dessa existência em relações amorosas, familiar e da sociedade.
Atualmente, tem-se observado uma crescente procura pelo Judiciário, com o objetivo de que sejam resolvidos os casos de abandono afetivos na filiação, em virtude da quebra dos deveres jurídicos imposta pelo Estado aos genitores.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
A responsabilidade decorre de uma conduta voluntária violadora de um dever jurídico. Conforme Gonçalves (2018, p. 25) toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se a ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo o autor do dano.
Dessa forma o instituto da responsabilidade civil traz uma ideia de “restabelecer” o dano e diferentemente da responsabilidade penal, no âmbito civil a responsabilidade atinge o patrimônio do devedor, que irá responder por suas obrigações.
Quando se causa um dano ou prejuízo a uma pessoa há o dever de repará-lo ou ressarci-lo, mesmo que este tenha agido de forma dolosa (com intenção) ou culposa (sem intenção). A responsabilidade civil surge com o rompimento de uma norma jurídica existente, obrigando então o causador do dano a indenizar a vítima. Nesse mesmo sentido, consagra o art. 186 do Código Civil de 2002, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
No mesmo ponto de vista, narra Cavalieri Filho (2017, p.2):
A responsabilidade civil parte do posicionamento que todo aquele que violar um dever jurídico através de um ato lícito ou ilícito, tem o dever de reparar, pois todos temos um dever jurídico originário o de não causar danos a outrem e ao violar este dever jurídico originário, passamos a ter um dever jurídico sucessivo, o de reparar o dano que foi causado. O ato jurídico é espécie de fato jurídico.
Nesse sentido, é notório que existam elementos fundamentais para a caracterização da responsabilidade civil, sendo que a primeira é a conduta humana, no qual poderá ser omissiva ou comissiva, que dependendo da situação gera ilícito ou ato lícito. O segundo requisito seria a culpa ou o dolo do agente, consistindo na vontade de cometer a violação do direito ou na falta de negligência. Neste caso, conforme o Código Civil para obter a reparação do dano, a vítima geralmente tem que provar o dolo ou a culpa stricto sensu do agente. Todavia, esse lastro probatório se torna muito difícil de ser apresentado, sendo admitido, em hipóteses admitidas, alguns casos específicos de responsabilidade sem culpa.
Quanto ao terceiro requisito, este seria a da causalidade que nada mais é o vínculo necessário entre o dano e a ação humana, a relação de causa e efeito entre a ação e omissão do agente. Sem ela não existe a obrigação de indenizar. Por último e não menos importante é o dano, podendo ser material ou moral e sem a prova do dano ninguém poderá ser civilmente responsabilizado.
Nas palavras de Gagliano e Pamplona Filho (2019, p. 36), seriam apenas três requisitos, vejamos:
A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou o prejuízo, e o nexo de causalidade [...].
Ora, dar-se este posicionamento tendo em vista que existem situações no ordenamento jurídico que é atribuído a responsabilidade civil a um indivíduo por um dano que não foi causado diretamente por ele, mas sim por terceiros que mantém um vínculo jurídico, tratando-se da responsabilidade civil objetiva, o que não convém ao tema em tese.
Nesse sentido, essa reparação é a consequência de um ato, seja ele por ação ou omissão que foi praticado e violado um direito de terceiro, podendo ser feito o pedido no âmbito civil, familiar e consumidor. Por esse ângulo, ressalta Mello; Folador, (2019, p.única) Observa-se que a indenização na esfera moral pode e é cabível no âmbito da família, pois como em qualquer círculo social a família, de igual modo, reúne indivíduos com diferentes desejos e anseios, ligados por laços sanguíneos e afetivos.
No que tange a indenização em virtude do abandono socioafetivo, este trata-se de um ressarcimento que originou de uma responsabilidade extracontratual, isto pois decorre de uma violação do texto legal, a vista de uma ação ilícita do agente, devendo a culpa ser sempre provada pela a vítima, assim o descendente que se sentiu prejudicado pelo ausência de afetividade deve comprovar as consequências oriunda dessa abandono, neste ponto não deve comprovar a dor sentida por anos, mas sim a violação do seu direito da personalidade.
Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2019, p. 36), a indenização moral seria:
Trata-se, em outra palavras, do prejuízo ou lesão do direitos, cujo o conteúdo não é pecuniário, nem comercial redutível a dinheiro, como é caso ao direito da personalidade, a saber o direito à vida, à integridade física, à integridade psíquica e a integridade moral [...].
Contudo, a finalidade deste tipo de ação não é o de obrigar a amar ou indenizar a falta de amor, mas de amparar a vítima pelo dano sofrido decorrente de omissão, uma vez que o objetivo da ação é exclusivamente ao cumprimento do dever que tem o pai com o filho, na forma material, já que o amor não foi dado ao filho. Consoante Machado (2012, p. única) é imprescindível a comprovação de que o alijamento do filho do convívio familiar foi a causa do dano à sua personalidade e isso apenas se torna possível a partir da realização de laudos psicossociais e perícias técnicas.
Neste caso, a indenização moral é compensável e não é vista como a eliminação do prejuízo. Assim afasta-se a ideia de que o dinheiro equivale a dor/ sofrimento da pessoa e que essa quantia pecuniária irá sanar quaisquer desentendimentos. Assim reconhece uma dupla função dessa indenização, sendo a primeira de caráter punitivo e pedagógico em relação ao culpado e a de satisfação à vítima. O dever de indenizar, assume um caráter de pena privada, uma sanção pelo comportamento ilícito do agente.
A respeito, narra Silva (2000, p. única) é preciso cuidado para não transformar as relações familiares em relações argentarias, de tal sorte que dependendo de cada caso concreto, o juiz deverá ser sábio na aplicação do direito em face de postulações a esse título.
Nesse contexto, para alcançar a função punitiva da reparação dos danos, deve haver a conscientização dos pais de que o dano causado ao filho pode gerar muitos problemas psicológicos, sendo que o simples fato de “pagar com dinheiro”, não irá desfazer ou consertar o que não tem conserto, uma vez que a conduta deve ser evitada, por reprovável e grave.
Ademais, nesses cabimentos estes não pode ter tido apenas como o mero dissabor, pois ultrapassa os limite dos desgostos que a vida pode oferecer ao chamado homem-médio, o que será analisado é a frustração que eleva-se a um nível de impossibilidade da aceitação da situação, ou seja, não tem algo que se compare a dor que se sente.
Ressalta-se que a lei não traz nenhum parâmetro a ser utilizado pelo magistrado como dosagem dessa indenização, e vem sendo um problema para os julgadores, devido ao aumento dos casos e a dificuldade de encontrar os argumentos ou critérios necessários para se estimar a sua real valoração. Atualmente o montante é fixado analisando caso a caso pelo o juiz responsável devendo ser estabelecido de forma justa, com base na extensão e na gravidade do prejuízo causado e na capacidade econômica das partes.
3 VIABILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM VIRTUDE DA SOCIOAFETIVIDADE
No direito de família existe a previsão de direitos e obrigações dos pais com os seus filhos (arts. 1.634 a 1.638 do Código Civil de 2002). Todavia, esses artigos positivados servem como uma ideia de como se deve dá as relações familiares, isso partido por parte do Estado que tem o dever de regular acerca das sociedades conjugais. Os pais também têm a obrigação de zelar por os seus filhos, sejam economicamente, moral, intelectual e fisicamente, isso ao seu livre arbítrio conforme o art. 226, § 7º da CRFB/88.
Conforme Pereira (2019, p. 45) sabendo que as relações em sede familiar são caracterizadas pelos laços afetivos e envolvem uma série de aspectos afetivos entre seus componentes, ocorrem inúmeras situações em que são ignorados os deveres de família. Assim, existem lacunas nas condutas dos pais com filhos e muitos têm afetado a personalidades dos descendentes dentro da sociedade e em suas relações familiar e amorosas, dentre eles está o abandono afetivo, que nada mais é, a omissão dos pais, ou um deles com os seus filhos, em sua criação, carinho, afeto, o não cumprimento com as funções de autoridade parental e recusa injustificada de convivência.
Atualmente essa teoria tem ganho crescimento, tendo em vista as quantidades de casos nas relações humanas, e em virtude disso houve um crescimento de demanda com a intenção de receber indenizações morais em razão da ausência da afetividades dos progenitores com os seus descendentes.
Assim a discussão, gira em torno da admissibilidade da indenização em matéria de abandono afetivo na filiação, com base nessa perspectiva, são divergentes as opiniões sobre está temática, para alguns a questão do abandono afetivo na filiação encontra solução dentro do próprio direito de família, com a destituição do poder familiar, para outros manifesta favoravelmente às reparações pecuniárias, uma vez comprovada a existência do dano moral.
Para Dias (2009, p. 137) comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado.
Sob essa ótica, entende Branco (2006, p. 97):
A conduta omissiva dos pais no tocante à formação moral dos filhos, permitindo-lhes o livre acesso a ambientes nocivos ao seu desenvolvimento, ao contato com jogos, álcool e drogas, entre outros fatores deturpadores da personalidade, constitui, portanto, a adoção de comportamento ilícito, uma vez que viola um dever juridicamente imposto aos titulares do poder familiar.
Neste segmento existe uma quantidade de doutrinadores que são favoráveis à monetarização de indenização por danos morais, quando violam um dever jurídico e o direito da personalidade dos seus descendentes. Ao passo que para outros não seria necessário a indenização pecuniária em si, mas tão somente, sanção no âmbito familiar, tendo em vista que os genitores detém de uma responsabilidade em decorrência da lei.
No mesmo sentido, compartilha Diniz (2009, p. única):
O descumprimento desse dever de convivência familiar deve ser analisado somente na seara do direito de família, sendo o caso para perda do poder familiar. Esse entendimento defende o melhor interesse da criança, pois um pai ou uma mãe que não convive com o filho não merece ter sobre ele qualquer tipo de direito.
Outra concepção é aquela que ninguém pode obrigar os pais a amar seus filhos, trata-se de uma escolha arbitrária, sem imposição. Sobre este argumento, destaca Hironaka (2011, p. única):
[...] é certo que não se pode obrigar ninguém ao cumprimento do direito ao afeto, mas é verdade também que, se esse direito for maculado – desde que sejam respeitados certos pressupostos essenciais – seu titular pode sofrer as consequências do abandono afetivo e, por isso, poderá vir a lamentar-se em juízo, desde que a ausência ou omissão paternas tenham-lhe causado repercussões prejudiciais, ou negativas, em sua esfera pessoal – material e psicológica – repercussões estas que passam a ser consideradas, hoje em dia, como juridicamente relevantes.
Este tema tem passado por grande controvérsias a respeito do assunto, por ser um novo viés familiar que deve ser organizado e que não é pacificado os posicionamentos pelo ordenamento brasileiro.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio do Recurso Especial REsp 1.159.242/SP no ano de 2012 reconheceu pela primeira vez no ordenamento jurídico a possibilidade de indenização por abandono socioafetivo. No acórdão a Ministra Relatora Nanci Andrigh (2012, p. 9) arguiu o seguinte:
[...] Nota-se, contudo, que a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos. [...] grifos não original
No mesmo seguimento, a partir desse julgado, alguns Tribunais passaram a julgar da mesma forma:
RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DOAÇÃO INOFICIOSA. IMPROCEDÊNCIA. ABANDONO AFETIVO. CONSTATADO. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. 1. [...]. 2. O abandono afetivo é identificado quando o dever de sustento, guarda e educação do filho não são cumpridos, de modo que tal omissão de assistência social, moral e psíquica deve ser compensada com indenização a título de danos morais. 3. Recursos de Apelação conhecidos e não providos. (TJ-AM - AC: 06310140620168040001 AM 0631014-06.2016.8.04.0001, Relator: Maria das Graças Pessoa Figueiredo, Data de Julgamento: 09/03/2020, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 11/03/2020). (grifos não original)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO RECONVENCIONAL. INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER DE CUIDAR. COMPROVAÇÃO DO ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTE STJ. 1- O art. 1.634 do Código Civil impõe como atributo o poder de familiar a direção da criação dos filhos e o dever de ter os filhos em sua companhia. 2- “ O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situações de vulnerabilidade. (REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 29/11/2017). PRIMEIRA APELAÇÃO CÍVI, CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. (TJ-GO - Apelação (CPC): 02657633920168090175, Relator: JAIRO FERREIRA JUNIOR, Data do Julgamento: 09/09/2019, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 09/09/2019). (grifos não original)
Em contrapartida alguns Tribunais divergiram no posicionamento, tendo em vista que ainda é objeto de intensa discussão doutrinária e jurisprudencial. Nesse sentido, colhe-se jurisprudência de Tribunais que não adotaram as mesmas colocações:
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS (ABANDONO AFETIVO) - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA- CONDENAÇÃO DO RÉU AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO DE R$ 10.000,00 - Recurso de ambas as partes - Réu que insiste na reforma da sentença, afastando-se a condenação - Autora que busca a majoração da indenização - Em se tratando de pedido de indenização por danos morais, por alegado abandono afetivo, há que se constatar, com cuidado, todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil, a saber, a prática de ato ilícito, a existência de dano indenizável e o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano - Dano que no caso não é “in re ipsa”, sendo imprescindível a produção de estudo psicossocial, inclusive para a comprovação do nexo causal - Precedente do Col. STJ - Não comprovação, no caso do autos, dos alegados danos psicológicos experimentado pela autora - ônus da prova do fato constitutivo do direito que compete à autora, nos termos do art. 373, I do CPC - ùnica prova produzida pela autora que diz respeito às oitivas de testemunhas e informantes, que não estão aptas a atestar o alegado dano psicológico - Prova pericial indeferida por anterior decisão interlocutória, mas não impugnada pela autora em preliminar de contrarrazões, nos termos do § 1º do art. 1.009 do CPC/2015, restando precluso o direito de sua reprodução - Em razão da não comprovação dos danos e do nexo causal, de rigor a improcedência do pedido - Sentença reformada - RECURSO DO RÉU PROVIDO, PREJUDICADO O APELO DA AUTORA. (TJ-SP - AC: 101058717220178260019 SP 1010587-17.2017.8.26.0019, Relator: Angela Lopes, Data de Julgamento: 26/10/2020, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação? 26/10/2020.). (grifos não original)
Corroborando:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO PELO GENITOR, AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ATO ILÍCITO. 1. Responsabilidade civil decorrente da prática de ato ilícito depende da presença de três pressupostos, quais sejam, a conduta culposa ou dolosa, o dano e o nexo de causalidade. Nesse contexto, nos termos da orientação emanada pelo STJ, a possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais por abandono afetivo exige detalhada demonstração de ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam mercantilizados e para que não se fomente a propositura de ações judiciais motivadas unicamente pelo interesse econômico-financeiro. In casu, nos termos do que fora apurado nos autos e pelas particularidade que envolvem a causa, não demonstrou a autora prejuízo efetivo que tenha sofrido o alegado abandono afetivo de seu genitor, situação que leva à improcedência do pedido indenizatório. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. (TJ-GO- Apelação (CPC): 04205496320168090006, Relator: SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, Data de Julgamento: 28/08/2019, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 28/09/2019). (grifos não original)
Destarte, diante da ausência de um posicionamento pátrio majoritário os tribunais nacionais estão à mercê, cada um julgando de com que acredita estar certo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se faz clara a necessidade do Estado regular sobre as normas concernentes à sociedade, e não seria diferente no direito de família, pois a sociedade conjugal é à base da sociedade e essa proteção é fundada no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Ao longo das mudanças jurídicas, o conceito “família” no Código Civil foi-se alterando conforme os avanços da sociedade. Em pese todas essas normatividades, atualmente é visível que no âmbito da estrutura familiar regulado pelo o Ente federal, apresentam lacunas que não foram supridas.
O afeto constitui um direito individual, ou seja, uma liberdade que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, uma vez que se fazem necessárias ao bem como de todos e também é um elemento basilar da convivência familiar.
O abandono socioafetividade por um dos genitores configura, em tese, um abandono junto aos seus descendentes, e consequentemente gerando prejuízos para a sua prole. Em decorrência disso existe uma grande procura no judiciário a fim de receberem a quantia.
Com base em todos os argumentos utilizados, pôde-se concluir que pode sim um descendente que se viu prejudicado em sua vida por ausência de afetividade procurar o judiciário no intuito de receber indenização por danos morais. Não se defende, porém, o uso irresponsável e leviano da reparação civil nos casos de abandono afetivo. Com efeito, apenas se fará possível a reparação pecuniária, nestes casos, uma vez comprovada a existência dos requisitos caracterizadores da responsabilidade civil e os danos psicológicos oriundos dessa omissão, o que será possível com o apoio de psicossociais.
REFERÊNCIAS
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TJ-GO - Apelação (CPC): 02657633920168090175, Relator: JAIRO FERREIRA JUNIOR, Data do Julgamento: 09/09/2019, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 09/09/2019. JusBrasil2019. Disponível: https://tj-go.jusbrasil.com.br /jurisprudencia/754885283/apelacao-cpc-2657633920168090175
TJ-SP - AC: 101058717220178260019 SP 1010587-17.2017.8.26.0019, Relator: Angela Lopes, Data de Julgamento: 26/10/2020, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação? 26/10/2020.JusBrasil 2020. Disponível: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1114281902/apelacao-civel-ac-10105871720178260019-sp-1010587-1720178260019
[1] Possui graduação em Direito pela Faculdade UNIRG_TO; Especialização “lato-sensu” em Direito Processual Civil e Penal (2006) e em Direito Público (2007), pela Faculdade FESURV-GO; Mestrado em Direito pela Universidade de Marília-SP (2010), Doutorado em Direito Privado pela Pontifícia Universidade de Minas Gerais (2017). Atua como advogada no Estado do Tocantins e como professora no curso de Direito do Católica do Tocantins. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil.
Artigo publicaddo em 10/06/2021 e republicado em 08/08/2024
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins (UNICATOLICA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VITóRIA ARAúJO CORRêA ACáCIO, . Abandono socioafetivo e a obrigação de indenizar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2024, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/56721/abandono-socioafetivo-e-a-obrigao-de-indenizar. Acesso em: 21 nov 2024.
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