Resumo: O instituto da prescrição intercorrente, muito antes de ser inserido no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu no bojo da doutrina e da jurisprudência, pois necessitava-se de um mecanismo apto a dar maior celeridade aos processos judiciais, adormecidos nas morosas instâncias judiciais, aguardando a localização de bens dos executados para penhora, ou mesmo a sua citação. Formalmente, a prescrição intercorrente nasceu no ordenamento jurídico tributário com o advento da Lei nº 11.051, de 2004, que modificou a Lei das Execuções Fiscais (LEF), introduzindo nesta o parágrafo 4º ao artigo 40. Nesse contexto, há quem defenda a constitucionalidade desse parágrafo, por acreditarem que foi uma mera positivação de um comportamento reiterado dos nossos tribunais, embasado em princípios jurídicos, como o da celeridade processual e razoável duração do processo. Entretanto, para que o comportamento reiterado se incorpore ao mundo jurídico sob a forma de lei, submetendo-se ao processo de positivação de normas, deve-se obedecer, estritamente, os procedimentos legislativos definidos na Constituição Federal, sob pena de se criar um estado de insegurança jurídica. Portanto, este artigo tem por objetivo demonstrar a inconstitucionalidade formal objetiva da decretação ex officio da prescrição intercorrente do crédito tributário, durante a propositura das ações de execução fiscal.
Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Prescrição Intercorrente. Crédito Tributário. Execução Fiscal.
ABSTRACT: The institute of intercurrent prescription, long before it was inserted in the Brazilian legal system, emerged in the midst of doctrine and jurisprudence, as a mechanism was needed to speed up the lawsuits, asleep in the slow judicial instances, waiting for the location of assets of those executed for seizure, or even their summons. Formally, the intercurrent prescription was born in the tax legal system with the advent of Law nº 11.051, of 2004, which modified the Law of Tax Foreclosures (LEF), introducing in this paragraph 4 to article 40. In this context, there are those who defend the constitutionality of this paragraph, because they believe that it was a mere affirmation of the repeated behavior of our courts, based on legal principles, such as procedural speed and reasonable duration of the process. However, for the repeated behavior to be incorporated into the legal world in the form of law, submitting to the process of positivization of norms, the normative procedures defined in the Federal Constitution must be strictly obeyed, under penalty of creating a state. of legal uncertainty. Therefore, this article aims to demonstrate the objective formal unconstitutionality of the ex officio decree of the intercurrent prescription of the tax credit, during the filing of tax enforcement actions.
Keywords: Unconstitutional. Prescription intercurrent. Tax Credit. Tax Enforcement.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. NORMAS GERAIS EM DIREITO TRIBUTÁRIO: EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR PELA CF/88. 3. A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. 3.1 ABORDAGEM HISTÓRICA. 3.2 CONCEITO DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 3.3 A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E O ARTIGO 40 DA LEI 6.830/80. 4. ADEQUAÇÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE TRIBUTÁRIA AO TEXTO CONSTITUCIONAL. 4.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES. 4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS A CONSTITUCIONALIDADE DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL. 4.3. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL. 4.4 A REPERCUSSÃO GERAL DADA AO RE N° 636562 DO STF. 5. A ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO STJ E O ART. 40 DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL. 6. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL OBJETIVA DO § 4º, ART. 40 DA LEF. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1. INTRODUÇÃO
A prescrição intercorrente é um conceito jurídico recente no ordenamento legal brasileiro, e em especial no Direito Tributário. Embora a expressão seja empregada tanto na esfera administrativa como na esfera judicial, o presente artigo abordará a análise do instituto apenas em sede de execução fiscal, explorando, de forma específica, a prescrição intercorrente prevista no parágrafo 4º do artigo 40 da Lei n° 6.830/1980, mais conhecida como a Lei das Execuções Fiscais, ou simplesmente LEF.
O citado parágrafo 4º, da Lei 6.830/1980, disciplina que: “se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato”. (LEF, 1980). No entanto, a Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu artigo 146, inciso III, letra b, reservou à lei complementar (LC) o tratamento de matéria relacionada à prescrição tributária (BRASIL, 2018). Assim, o tema tornou-se objeto de grande debate jurídico, pois a LEF, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e que, atualmente, trata expressamente da prescrição intercorrente, é uma lei ordinária, o que revela certa incoerência com preceitos explícitos da Carta Magna.
Diante disso, o objetivo primordial desse artigo será a análise da viabilidade constitucionalidade ou não da decretação ex officio da prescrição intercorrente do crédito tributário, no curso de execuções fiscais. Ademais, analisar-se-á o posicionamento moderno de Tribunais Superiores como o STJ, bem como a atual situação do Recurso Extraordinário n° 636562, em que se discute, à luz dos art. 146, III, b, da Constituição Federal, a constitucionalidade ou não, do artigo 40, §4º, da Lei 6.830/1980, sob a alegação de o tema proposto é de regulamentação exclusiva por lei complementar, sendo reconhecida a existência de repercussão geral ao debate.
Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa nas bibliografias relevantes, nas jurisprudências dos Tribunais Superiores, na Rede Mundial de Computadores, em revistas e pareceres apropriados ao tema analisado, bem como em teses, artigos e trabalhos acadêmicos pertinentes ao escopo examinado, buscando através de uma análise minuciosa identificar os pontos mais importantes do contexto e formar um conjunto de informações, esclarecendo assim as dúvidas sobre o tema.
2. Normas gerais em direito tributário: exigência de lei complementar pela cf/88
A Constituição de 1988 selecionou diversos temas de ordem tributária que somente poderão ser disciplinados por meio de lei complementar. É a chamada reserva de lei complementar. (MAZZA, 2016, p. 351).
O art. 146, inciso III, alínea b, da CF/88 prevê que cabe à lei complementar, dentre outras funções, estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. (BRASIL, 2018).
Portanto, o texto constitucional expressamente definiu as funções acima à lei complementar. De fato, cabe a esse instrumento legislativo, do ponto de vista material, a função de complementação geral da Constituição, seja através da criação de normas ou apenas com a operacionalização de seus institutos. Nesse sentido, o professor Eduardo Sabbag (2019, p. 998) ressalta que a “lei complementar visa “complementar” uma norma constitucional não autoexecutável, ou seja, visa explicar norma despida de eficácia própria, sujeitando-se à aprovação, no Poder Legislativo, por maioria absoluta(...)”.
O art. 69 da CF/88 menciona que: “as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta” (BRASIL, 2018). De fato, tal quórum qualificado, conforme previsto, pressupõe a existência de um maior consenso entre os parlamentares do que o necessário para a aprovação de uma lei ordinária e, portanto, uma maior dificuldade na aprovação de certas matérias sensíveis, conferindo uma estabilidade adicional para os temas reservados à lei complementar. (MAZZA, 2016, p. 68). Portanto, é de fácil percepção que a aprovação de uma lei complementar demanda maior esforço do legislativo, o que a torna, naturalmente, mais estável em face da eventual tentativa de modificação ulterior.
Destarte, segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho:
(...) as normas gerais de direito tributário, veiculadas pelas leis complementares, são eficazes em todo território nacional, acompanhando o âmbito da validade espacial destas e se endereçam aos legisladores das três ordens de governo da federação, em verdade, seus destinatários. A norma geral articula o sistema tributário da constituição às legislações fiscais das pessoas políticas (ordens jurídicas parciais). São normas sobre como fazer normas, em sede de tributação (...). (COÊLHO, 1992, p. 109).
Vale acrescentar, ainda, que o artigo 24 da CF define a competência concorrente entre os membros da República Brasileira, e aborda em seu § 1º que compete à União, no âmbito da legislação concorrente, limitar-se a estabelecer normas gerais, inclusive no âmbito tributário (BRASIL, 2018). Portanto, tais normativos são editados pela União, através do Congresso Nacional, no intuito de estabelecer regras de convivência pacífica entre os entes federativos, determinando que quando todos forem competentes para legislar sobre determinado assunto, dentro do âmbito de sua competência local, torna-se necessário seguir normas gerais padronizadoras e vinculantes, oriundas do legislativo central, e regulamentadas por lei complementar.
Seguindo esse raciocínio, o ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Melo, proferiu seu voto no RE 136.215-4/RJ:
(...). Nessa condição formal, a lei complementar, que veicula regras disciplinadoras do conflito de competências tributárias e que dispõe sobre normas gerais em direito tributário, evidencia-se como espécie normativa que, embora necessariamente obediente às diretrizes traçadas pela carta da República, constitui manifestação superior da vontade jurídica do próprio Estado Federal. A autoridade dessa lei complementar – cuja gênesis reside no próprio texto da Constituição – vincula, em sua formulação normativa, as pessoas políticas que integram, no plano da Federação Brasileira, a comunidade jurídica total. (...)
Sendo assim, as leis ordinárias emanadas pelo Congresso Nacional, como regra, veiculam normas federais, isto é, comandos aplicáveis somente ao âmbito da União. Ao passo que as leis complementares originárias do legislativo federal, geralmente, são veículos introdutores de normas materialmente nacionais, vale dizer, obrigatórias simultaneamente para todas as entidades federativas. (MAZZA, 2016, p. 351). Nessa linha, o professor Eduardo de Moraes Sabbag (2019, p. 753), ao discorrer sobre a competências legislativas dos entes estatais, pondera que:
(...) a União, valendo-se da lei complementar, apenas adensa o desenho constitucional, evitando “descer a detalhes”, o que poderia desconjuntar os princípios federativos, da autonomia municipal e da autonomia distrital. Não é demasiado relembrar que, uma vez editada a lei complementar, os Estados e o Distrito Federal poderão também editar normas que cuidem da mesma matéria, exercendo sua competência suplementar na busca do atendimento das peculiaridades específicas (art. 24, § 2, CF).
Dessa forma, Estados e o Distrito Federal utilizam como regra no âmbito do Direito Tributário a lei ordinária para legislar de forma suplementar e residual. A justificativa é que essa espécie normativa do direito exige regras mais flexíveis para sua aprovação do que as regras exigidas para aprovação da lei complementar geral.
Contudo, Eduardo de Moraes Sabbag (2019, p. 741) esclarece que, apesar do legislador originário ou reformador ter atrelado à lei complementar a disciplina de matérias de especial importância, para cujo regramento seja prudente a obtenção de maior consenso legislativo, pois tais relações encerram situações vocacionadas à instabilidade na relação jurídico-obrigacional tributária, o instituto normativo da LC não pode extinguir normas já consagradas no texto da Lei Maior, como, por exemplo, extinguir a prescrição, sob pena de ser decretada a sua inconstitucionalidade.
Por fim, a lei com status de complementar que trata de normas gerais sobre direito tributário é o Código Tributário Nacional (CTN), Lei nº 5.172 de 1966. Embora o CTN tenha sido criado por meio de lei ordinária, ele foi recepcionado pela Constituição da República como sendo norma materialmente pertencente à lei complementar. Nessa linha, o professor Alexandre Mazza (MAZZA, p. 62) argumenta que:
“(...) o Código Tributário foi recepcionado, pelo Texto de 1988, como lei complementar. Seus temas, assuntos, matérias são reservadas à lei complementar. Daí falar-se que o CTN tem natureza dúplice ou híbrida, na medida em que é formalmente lei ordinária, mas materialmente lei complementar”. (Grifo nosso)
Relevantes são os ensinamentos dos estudiosos Hugo de Brito Machado e Luciano Amaro que, respectivamente, discorrem sobre a mudança de status sofrida pelo CTN:
Na verdade, o Código Tributário Nacional continua sendo uma lei ordinária. Ocorre que ele trata de matéria que, hoje, está reservada a lei complementar. Matéria que hoje somente por lei complementar pode ser tratada. Assim, é evidente que seus dispositivos que tratam de matéria privativa de lei complementar, só por essa espécie normativa podem ser alterados. (2004. p.86.)
Ocorre, porém, que, exigindo a nova Constituição um modelo legislativo diferenciado, para cuidar das matérias reguladas na lei anterior, a alteração da disciplina legal dessas matérias passa a só poder ser tratada nos moldes da nova forma constitucionalmente definida, o que põe a lei anterior no mesmo nível de eficácia da norma que a nova Constituição exige para cuidar daquelas matérias. (2003. p.167)
Sendo um instrumento materialmente complementar, conforme visto acima, o CTN em seus artigos 156, inciso V, e 174, disciplinou a prescrição tributária, atendendo à determinação constitucional do artigo 146, III, alínea b, conferindo-lhe a importância devida, pois o assunto é de interesse de todos os entes políticos da Federação, o que requer um maior rigor no disciplinamento das situações jurídicas que envolvam a prescrição tributária. Nesse sentido, é a jurisprudência pacificada no Supremo Tribunal:
EMENTA: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributária têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, III, b, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias” (...), (RE 560626, Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-232 DIVULG 04-12-2008 PUBLIC 05-12-2008 EMENT VOL-02344-05 PP-00868 RSJADV jan., 2009, p. 35-47)
Assim, a prescrição em matéria tributária está expressamente prevista no CTN, como matéria afeta à reserva legal complementar, nos termos do artigo 146, III, b da CF de 1988. Porém, a Lei de Execuções Fiscais, que compreende o art. 40 aqui debatido, é originalmente lei ordinária. Vale ressaltar que a LEF nasceu como lei ordinária e foi recepcionada pela nova ordem constitucional de 1988 com o mesmo status, permanecendo assim até os dias atuais.
Por fim, o CTN - nossa lei de normas gerais tributárias, gozando de supremacia em relação às normas gerais em matéria tributária, pois desfruta de status de lei complementar em razão da aplicação do princípio da recepção constitucional das normas, somente poderá ser alterado do por nova lei complementar ou pelas normas que lhe forem hierarquicamente superiores. (SABBAG, 2019, p. 998).
3. A prescrição intercorrente no processo judicial tributário
3.1 Abordagem histórica
A paralisação da ação executiva fiscal, seja por conta de não ter sido encontrado o devedor ou seus bens para a satisfação do crédito fiscal, ou mesmo quando em virtude da inércia da autoridade tributária em dar o devido andamento ao processo, tem sido objeto de grande debate na doutrina e jurisprudência brasileira.
Nesse contexto, advém o artigo 40, caput e § 2º, da LEF, os quais preveem a suspensão da execução por um ano na hipótese de não localização do devedor ou bens penhoráveis e após o transcurso desse prazo, deve o juiz ordenar o arquivamento dos autos. (LEF, 1980). Fazendo uma interpretação literal desses dispositivos, concluímos que a citada suspensão, promoverá também a suspensão da prescrição, pelo mesmo período de um ano. Seguindo esse raciocínio, o professor Rinaldo Mouzalas (2016, p.902), em seu curso de direito processual civil, esclarece que “essa conclusão decorre do § 2° do art. 40 da Lei n° 6.830/80 (que estabelece a suspensão de até 1 ano sem iniciar a contagem do prazo prescricional) em combinação com o art. 174 do CTN (que estabelece o prazo prescricional de 5 anos para a cobrança do crédito tributário).”
A celeuma jurídica, no entanto, consiste na interpretação em conjunto do caput com os preceitos do § 3º do referido art. 40 da LEF. Segundo o caput, durante a suspensão da execução não correrá o prazo prescricional, e para o § 3º será possível o desarquivamento da execução, a qualquer tempo, caso sejam encontrados bens do devedor passíveis de penhora. (LEF, 1980). Soma-se a esses dois dispositivos o art. 174, inciso I, do CTN, que determina a suspensão do prazo prescricional com o despacho do juiz que ordenar a citação do devedor (CTN, 1966). Pronto, estaríamos diante de um cenário de postergação eterna da execução fiscal, passando uma impressão de imprescritibilidade da ação executiva fiscal, criando, assim, um cenário de deletéria insegurança jurídica (SABBAG, p. 1030).
De qualquer maneira, após o arquivamento previsto no citado § 2º, tem início do que se convencionou chamar de prescrição intercorrente, em que, após transcorrido o prazo prescricional, sem que fossem localizados o devedor ou achados bens penhoráveis deste, ocorreria a extinção do crédito tributário.
Tanto o STJ como o STF, ainda na década de 1980, acabaram por acolher a tese da prescrição intercorrente nos casos de arquivamento superior ao período quinquenal:
Ementa: Tributário. Execução fiscal. Prescrição. CTN. Art. 174. Lei 6.830/80, art. 40. As disposições do art. 40, e seus parágrafos, da Lei 6.830/80, devem ser interpretadas em harmonia com o princípio geral da prescrição tributária contido no art. 174 do Código Tributário Nacional, que é lei complementar. Esse entendimento de afastar a prescrição por tempo indeterminado, se assenta no princípio de que deve haver um momento de estabilidade jurídica, geradora da paz social, que é objetivo primordial do Poder Judiciário, e esta estabilidade, em termos de prescrição da ação para a cobrança do crédito tributário, se assenta no art. 174, fixada em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva, só interrompida nas hipóteses que enumera seu parágrafo único, não incluída nestas as do art. 40 da Lei 6.830/80. Recurso conhecido e provido. (STJ. 1ª Turma. REsp 1.942/PR, rel. Min. José de Jesus Filho. J. 05.11.1990.)
Ementa: Execução fiscal. Arquivamento. Prescrição. O art. 40 da Lei 6.830/80 é silente quanto ao prazo máximo de suspensão do curso da execução. Todavia, cumpre afastar interpretação que identifique à imprescritibilidade. Analogicamente, considerar-se-á o prazo de um ano. (STJ. 2ª Turma. Resp. 6.783/RS, rel. Min. Vicente Cernicchiaro. J. 17.12.1990.)
Ementa: Prescrição. Execução fiscal. Embargos do devedor. O pedido de parcelamento do débito fiscal importa em interrupção da prescrição (CTN, art. 174, parágrafo único, inciso IV). Determinada a citação do devedor, antes de fluir o quinquênio prescricional, e expedido o mandado de citação, nenhum requerimento formulou o credor, desde o despacho ordenando a citação, com vistas a prorrogar-se o prazo indispensável a sua realização, nada reclamando contra a demora no cumprimento do mandado. Aplicação do art. 219, §§ 3º e 4º, do CPC, em ordem de ter-se como insubsistente o antecipado efeito da interrupção da prescrição. Inercia do credor caracterizada. Negativa da vigência do art. 174, do CTN. Prescrição consumada. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF. 1ª Turma. RE 99.867-5/SP, rel. Min Neri da Silveira. J. 30.04.1984.)
Porém, apenas duas décadas depois da consolidação desse entendimento nos tribunais superiores, vem a legislação tributária acompanhar o posicionamento jurisprudencial, por meio do art. 6º da Lei 11.051/2004, que acabou por acrescentar o parágrafo 4º ao art. 40 da LEF.
Até antes da publicação do referido § 4º, para resolver as lides, os juízes podiam utilizar técnicas de integração e interpretação do Direito, em razão da omissão da lei quanto à prescrição intercorrente, a exemplo do previsto nos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/1942), tais como a analogia, os costumes os princípios gerais do Direito, os fins sociais a que se dirige a lei e as exigências do bem comum.
Contudo, com advento do citado § 4º, a atividade do juiz ficou vinculada à lei, em razão do princípio da legalidade, e suas decisões pautar-se-iam nos limites legais e constitucionais vigentes. Nesse ponto, o professor Eduardo Sabbag (2019, p. 1031) discorre que:
“Com o art. 6º da Lei n. 11.051/2004 (...) foi possível demarcar uma data limítrofe para a suspensão das execuções fiscais, permitindo-se ao juiz das execuções, na busca da estabilização dos conflitos e da necessária segurança jurídica aos litigantes, pronunciar-se de ofício sobre a prescrição – a chamada prescrição intercorrente -, o que antes lhe era defeso, por se tratar de direito patrimonial, em razão do art. 219, § 5º do CPC (...) ”
Nessa linha, é o entendimento doutrinário do estudioso Humberto Theodoro Júnior (2018, p. 80):
A regra inovadora consta do § 4º do art. 40, da Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/1980), que foi acrescentado pela Lei n. 11.051/2004. Com esse dispositivo, duas questões problemáticas foram superadas: a admissibilidade da prescrição intercorrente no curso do processo judicial e sua decretabilidade de ofício pelo juiz. A regra é especial e agora foi estendida às obrigações civis, em razão da revogação do art. 194, do Código Civil. Em estrutura similar à observada na execução fiscal, o Código de Processo Civil de 2015 regulou o procedimento a ser observado para que a prescrição intercorrente seja decretada na execução civil por iniciativa do juiz (art. 921, §§ 1º a 5º). Nada impede, porém, que, havendo requerimento do devedor (art. 193, do CC), venha o juiz a reconhecer prescrição intercorrente, por abandono da causa pelo credor.
Portanto, o novo § 4º do art. 40 da LEF positivou a certeza do término da demanda executória, resolvendo assim a imperfeição do § 2º do mesmo art. 40, sobretudo, em relação ao lapso temporal do arquivamento administrativo. Com a nova redação do § 4º, esse arquivamento terá prazo definido, isto é, apenas 5 anos, em obediência ao prazo quinquenal de prescrição elencado no art. 174 do CTN.
Outra problemática que o § 4º veio elucidar foi em relação ao § 3º do mesmo artigo, segundo o qual depois de arquivado o processo de execução fiscal, caso surgisse a “qualquer momento” o devedor ou bens penhoráveis, pouco importava o prazo de prescrição descrito no CTN, os autos seriam desarquivados para prosseguimento da execução forçada. De fato, percebe-se uma antinomia entre o § 3º e § 4º, cuja solução é a aplicação do critério cronológico na interpretação dos parágrafos, já que, a Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro (LINDB), disciplina: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. (LINDB, 1942) (Grifo nosso).
Dessa forma, adiante da aparente incompatibilidade entre as duas normas legais, já que uma tem caráter prescritível (§ 4º), porém, a outra implicitamente transmite a ideia de imprescritibilidade dos créditos tributários da Fazenda Pública (§ 3º), deve prevalecer a inteligência prevista no § 4º do art. 40 da LEF, que tacitamente derroga a expressão “a qualquer tempo” mencionada no § 3º do artigo citado, sobretudo porque deve prevalecer o fundamento de que “lei posterior derroga lei anterior”. (LINDB, 1942)
3.2 Conceito de prescrição intercorrente
No campo jurídico, o fenômeno da prescrição intercorrente pode ser entendido como a perda do direito de exigir um direito pela falta de ação no curso do processo judicial. Ela é chamada de intercorrente porque sobrevém durante o transcurso da ação, e sua constituição inicial tem origem nos ditames da doutrina e jurisprudência, cujo objetivo era evitar a eternização de uma ação judicial, seja pela não localização do devedor insolvente, ou mesmo pela não localização de bens passíveis de penhora.
Segundo os ensinamentos dos doutrinadores Minardi e Didier, a prescrição intercorrente é definida da seguinte forma:
Para Minardi (2016, p. 183):
A prescrição intercorrente refere-se à prescrição interrompida que recomeçou a correr, extinguindo o direito de ação. A prescrição intercorrente começa a correr imediatamente após o fato ou momento em que aconteceu 16 a causa determinante da interrupção. Assim, quando o juiz profere despacho de citação na execução fiscal, segundo o artigo 174, parágrafo único, 1, do CTN, estará interrompida a prescrição, ou melhor, o prazo zera e volta inteirinho para a Fazenda realizar a satisfação do seu crédito tributário. Nesse instante começa a fluir a contagem do prazo da prescrição intercorrente que será de 5 anos.
Segundo Didier (2017, p. 456) “É preciso definir o que se entende por prescrição intercorrente. Prescrição intercorrente é aquela que ocorre durante a litispendência, o que inclui o período que separa as fases de conhecimento e de execução da decisão”.
Nessa linha, é os dizeres do Ministro Luiz Fux, ao analisar o AgRgREsp 756.739/SP-2005, segundo o qual ao se permitir ao fisco manter uma latente relação processual inócua, sem citação e com prescrição intercorrente evidente, é conspirar contra os princípios gerais de direito, que disciplinam que as obrigações nasceram para serem extintas e o processo deve representar um instrumento de realização da justiça.
Portanto, sendo uma espécie de prescrição, sua ocorrência verifica-se quando o exequente, de forma inócua, deixa de promover atos necessários ao bom andamento processual. Mesmo que este dê o andamento inicial à execução, provando assim o seu interesse de agir, não é admissível que sua pretensão perdure por tempo indeterminado, pois a parte credora deve dar continuidade à demanda inicial, até porque o litígio necessita de um desfecho.
Esta inércia processual, característica da prescrição intercorrente é corroborada pelos doutrinadores Cristiano Chaves e Nelson Rosevald, que asseguram:
A prescrição intercorrente é verificada pela inércia continuada e ininterrupta do autor no processo já iniciado, durante um tempo suficiente para a ocorrência da própria perda da pretensão. De modo evidente, havendo andamento regular e normal do processo, não haverá a prescrição intercorrente (2014, p. 659).
Portanto, a expressão “intercorrente”, na seara da execução fiscal, caracteriza a situação na qual a prescrição, anteriormente já interrompida, volta a correr no curso do processo, e nele completa o transcurso de seu prazo. Por isso, não pode ser confundida com a prescrição iniciada antes do ajuizamento da demanda, passível de ser decretada pelo juiz no curso da execução fiscal ou de qualquer ou outra ação, ainda que de iniciativa do contribuinte.
Além disso, pode-se dizer que não há prescrição intercorrente quando sua causa constitutiva é o próprio sistema judiciário, tanto é assim que, o STJ editou o enunciado de súmula 106 que reza: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”.
Em síntese, a problemática central desse trabalho constitui-se na análise da constitucionalidade ou não das hipóteses previstas no caput e no §4º do art. 40 da LEF, posto que tais hipóteses normativas estabelecem, respectivamente, casos de suspensão e interrupção da prescrição, cuja introdução no ordenamento jurídico se deu por lei ordinária, ou seja, contrariando formalmente o art. 146, III, b da CF/88.
3.3 A prescrição intercorrente e o artigo 40 da lei 6.830/80
Como se sabe, no sistema normativo brasileiro, cabe à Lei nº 6.830/1980 (LEF) dispor sobre as ações de cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública. De forma subsidiária, recorre-se ao Código de Processo Civil, no caso de não haver previsão expressa na LEF.
Na esfera da Execução Fiscal, há dispositivo expresso acerca da possibilidade de consumar-se a prescrição no curso de processo fiscal suspenso. Vejamos o teor do artigo 40 da Lei 6.830/80, Lei de execuções Fiscais:
Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. (...)
§2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
§4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004) (Grifo nosso).
Como visto, na ação de execução fiscal, tal desleixo é apontado à Fazenda Pública, que na qualidade de exequente, e depois de ter o crédito tributário definitivamente constituído, deve empenhar-se em encontrar bens que possam garantir o crédito tributário inadimplido. Entretanto, pode o devedor, ou seus bens penhoráveis, não serem localizados no início do processo. Nestas hipóteses, poderá a autoridade judicial suspender o curso da execução fiscal, com base no caput do artigo 40, sem que o prazo prescricional transcorra.
Após a efetivação da suspensão citada, o § 2º do artigo 40 permite à autoridade judiciária que arquive o processo, caso tenha decorrido o período de 1 ano desde a suspensão sem que o próprio devedor ou seus bens tenham sido localizados. Para grande parte da doutrina, é nesse momento (arquivamento) que o prazo prescricional intercorrente de 5 anos tem seu termo inicial.
Dessa forma, após o fim da suspensão do processo e consequente arquivamento administrativo dos autos pelo juiz (conforme §2º do art. 40 da LEF), inicia-se a prescrição intercorrente dentro do processo de execução, consagrada pelo § 4ª do art. 40 da LEF, possibilitando ao juiz julgador reconhecer e decretar de ofício e no curso do processo de execução fiscal (por isso intercorrente) uma situação já aperfeiçoada no tempo (art. 174), uma vez que não existem dívidas eternas.
Apesar da importância dada ao novo dispositivo, vale ressaltar que a mudança acabou por esconder uma esperteza do legislador. Antes da entrada em vigor do citado § 4º, o entendimento sedimentado da jurisprudência era de que o termo inicial do prazo prescricional seria o momento em que se dera a paralisação da execução (caput do art. 40).
Com o advento do § 4º, o termo inicial do lustro prescricional passou a ser o arquivamento da execução fiscal, a qual, segundo o § 2º do mesmo art. 40, somente pode se dar após o transcurso de um ano sem que tenham sido localizados o devedor ou bens penhoráveis deste (HARADA, op. cit., p. 63). Portanto, ocorreu um adiamento dos feitos executivos, ganhando as fazendas públicas mais um ano de prolongamento para execução fiscal que, pelo entendimento anterior, fatalmente seriam atingidas pela prescrição.
Nesse diapasão, o professor Leandro Paulsen (2017, p. 289) explica que:
A prescrição intercorrente é a que ocorre no curso da Execução Fiscal quando, interrompido o prazo prescricional pelo despacho do Juiz que determina a citação, se verificar a inércia do Fisco exequente, dando ensejo ao reinício do prazo quinquenal. O art. 40 da LEF estabelece que, não encontrado o devedor ou bens, haverá a suspensão do processo por um ano. Tal prazo é para que o Fisco exequente realize diligências administrativas para localizar o devedor e bens, conforme o caso. Durante tal suspensão, presume-se que o Exequente esteja diligente, de modo que o reinício do prazo prescricional só ocorre após o decurso do ano de suspensão, caso o Fisco permaneça inerte. Assim, nos autos, transcorrerão seis anos, desde a suspensão, para que se possa considerar ocorrida prescrição intercorrente.
Ademais, cabe destacar que, no caso da paralisação do processo, além do descaso do exequente (Fazenda Pública), é essencial o decurso do quinquênio legal como elemento indissociável para a caracterização da prescrição intercorrente do crédito tributário. Assim, dentro do prazo de suspensão, ou até antes dele, deve a Fazenda Pública empenhar esforços nas diligências no sentido de encontrar bens pertencentes ao devedor e passíveis de constrição.
Para o professor Eduardo Sabbag (2019, p.1033), “a Fazenda Pública, abandonando a execução fiscal, dará ensejo à prescrição intercorrente, em razão da paralisação superior a um quinquênio legal. Nesse passo, a prescrição intercorrente pressupõe a inércia da exequente.”
Dessa forma, a inércia do credor da ação deve ser decretada de ofício ou arguida pela parte devedora após o início da ação de execução. Portanto, nos termos do art. 174 do CTN, decorrido um prazo hábil de 5 anos ininterruptos, sem qualquer manifestação da Fazenda Pública nos autos, com respaldo suficiente para suspender ou interromper a prescrição no curso da execução fiscal, o juiz estará autorizado a declarar prescrito o direito da Fazenda Pública.
4. ADEQUAÇÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE TRIBUTÁRIA AO TEXTO CONSTITUCIONAL
4.1. Considerações preliminares
As alterações introduzidas na Lei de Execução Fiscal, com o advento da Lei Ordinária de número 11.051 de 2004, produziram um grande debate sobre a constitucionalidade ou não do § 4º do artigo 40 da LEF, posto que o mecanismo da prescrição intercorrente, até então discutido apenas na seara jurisprudencial, tornou-se uma norma legal expressa, trazendo inovação no mundo jurídico, ao permitir que o magistrado decretasse ex officio a prescrição intercorrente na ação de execução dos créditos tributários.
Neste ponto, parte da doutrina defende a inconstitucionalidade do instituto, uma vez que a Lei nº 11.051/2004, que introduziu o referido parágrafo na LEF, é simples lei ordinária, restando assim consubstanciado um vício formal, pois para a matéria debatida, a CF impõe, de forma exaustiva, que seja disciplinada por meio de LC, conforme previsto em seu artigo 146, inciso III, alínea b. Portanto, para tal corrente, o vício insanável reside no fato de que a Lei nº 11.051/2004 é mera lei ordinária e a normatização geral em matéria tributária, principalmente sobre a prescrição, é matéria constitucionalmente reservada à lei complementar, sobretudo, porque esta é repleta de particularidades definidas no próprio texto constitucional, como o quórum qualificado e a temática relevante para o cenário jurídico do país.
Por outro lado, existem doutrinadores que defendam a constitucionalidade do instituto da prescrição intercorrente tributária, pois a matéria inovadora traz consequências apenas de ordem processual, o que não desrespeita a regra do artigo 146 da Carta Magna vigente, pois definiu-se apenas um prazo estritamente processual, cujo objetivo foi privilegiar o célere andamento das demandas executivas fiscais.
Tem-se, assim, um aparente choque entre princípios constitucionais balizadores das normas jurídicas. De um lado, o instituto da reserva legal e, do outro, os norteadores constitucionais da segurança jurídica e celeridade processual. Neste caso, caberá ao intérprete da lei contornar o problema, ou melhor acalmar a colisão, privilegiando uma aplicação de ambos os princípios, com intensidade diferentes, sem, contudo, decretar a invalidade de algum. Neste sentido, é a doutrina de Robert Alexy:
Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e de acordo com outro permitido – um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta (ALEXY, 2008, p. 93) (Grifo nosso).
Por fim, vale frisar que a inovação normativa ora debatida, em nada afeta a modalidade de prescrição intercorrente aplicada aos créditos de natureza não-tributária, cujos prazos prescricionais podem constar de leis especiais, a exemplo do crédito de FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), regulado pela Lei nº 9.601, de 21/01/98, cujo prazo de prescrição é de trinta anos.
4.2 Argumentos favoráveis a constitucionalidade da prescrição intercorrente na execução fiscal
A defesa da constitucionalidade da prescrição intercorrente no Direito Tributário possui diversas correntes. Uma das mais relevantes argumenta que a ocorrência da prescrição intercorrente se dá no campo do Direito Processual e não no Direito Material e, portanto, não há argumentos capazes de promover a inconstitucionalidade do fenômeno. Sua validade jurídica é defendida porque o instituto não estabelece novos prazos e nem altera os legalmente existentes, nem modifica elementos essenciais previstos no 174 do CTN, pois sua índole é estritamente processual.
Nesse sentido, o professor Eduardo Sabbag (2019, p.1032) esclarece que: “(...) a norma não tratou de prazo prescricional, alterando a sistemática de contagem ou o período quinquenal, por exemplo, mas se limitou a dispor sobre matéria de direito processual civil”.
Ademais, corroborando essa linha de raciocínio, temos os ensinamentos do professor Hugo de Brito Machado Segundo, sobre a constitucionalidade do artigo 40 da LEF, asseverando o seguinte:
Alguns autores entendem que se trata de disposição inteiramente inválida, não recepcionada pela Constituição Federal de 1988, na medida em que a prescrição do crédito tributário seria matéria privativa de lei complementar (CF/88, art. 146, III, b). Há quem afirme que tal disposição é inconstitucional, pois teria cuidado de matéria privativa de lei complementar (CF/88, art. 146, III, “b”). Tal argumento, porém, não se sustenta. É importante perceber que a Lei n.º 11.051/2004 não cuidou de prazos prescricionais. Não alterou a forma de contá-los, seus termos inicial e final, nem o número de anos ao cabo do qual estão consumados. Não. Limitou-se a dispor sobre norma de direito processual civil, relativa aos poderes do juiz de declarar uma situação pré-existente. A prescrição consumou-se por conta da incidência do art. 174 do CTN, tendo a alteração legislativa apenas dada ao juiz o poder de reconhecer isso ex officio. Não se pode cogitar, portanto, de agressão ao art. 146, III, “b”, da CF/88. (2006, p.333).
Segundo esse doutrinador, o instituto tem natureza jurídica eminentemente processual, pois o artigo 40 da LEF não constitui uma nova espécie de prescrição, em confronto ao que disciplina o artigo 146, III, b da CF, e que a inclusão do parágrafo 4º deve ser interpretada de forma harmoniosa e coerente com o artigo 174 do CTN, posto que apenas adjudica poderes ao juiz para que, no curso do processo de execução já arquivado, reconheça uma situação consolidada no tempo e decrete a prescrição na fase processual, ou seja, no curso do processo vigente.
Sobre o tema, o renomado professor Doutor da Universidade Federal de Pernambuco, Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p. 311), esclarece o seguinte:
Em se tratando de regra processual, sua aplicação é imediata, alcançando os processos em curso. Não se está a modificar o prazo da prescrição, regra que não poderia atingir as demandas em curso. A norma passou, apenas, a autorizar a apreciação de dada matéria (prescrição intercorrente na execução fiscal) de ofício, constituindo regra de processo, cuja incidência, sobre ser imediata, alcança os processos em curso.
Ademais, outra parte da doutrina defende que a alteração na LEF promovida pela Lei Ordinária nº 11.051/2004 é constitucional, por entenderem que a suspensão mencionada no caput do art. 40 da LEF não seria uma suspensão da própria prescrição tributária, conteúdo reservado à LC, mas tão somente a suspensão dos atos processuais da execução fiscal, o que acarretaria consequentemente a suspensão da prescrição tributária.
Para esses estudiosos existem sim, uma perfeita sintonia constitucional entre o art. 40 da LEF e o CTN. Assim, para eles, a prescrição intercorrente na execução fiscal seria uma espécie de norma processual tertium genius, portanto, diferente da prescrição tributária, mas gozando do mesmo fundamento de validade constitucional, ou seja, funda-se na mesma fonte primária do ordenamento jurídico, retirando sua validade do art. 22, inciso I, da CF/1988, pois o constituinte originário não exigiu lei complementar para disciplinar conteúdo processual.
4.3. Argumentos contrários à constitucionalidade do instituto da prescrição intercorrente na execução fiscal
Como sabemos, a famosa Lei n° 6.830 é de 1980 e entrou em vigor antes da promulgação da Constituição Federal de 1988. Ocorre que, com a previsão do artigo 146 da CF/88, ao dispor que apenas lei complementar seria o instrumento legal adequado para tratar sobre normas gerais de legislação tributária e, principalmente, sobre a prescrição dos créditos fiscais, grande parte da doutrina concluiu que a Carta Magna não havia recepcionado o art. 40 da LEF, arguindo-se, dessa forma, a tese da inconstitucionalidade do instituto da prescrição intercorrente no Direito Tributário, pois tal norma entraria em conflito direto com outros preceitos defendidos na Lei Fundamental e, principalmente, com a prescrição tributária do CTN (art. 174).
Nessa linha, o doutrinador Victor Hugo Reis Pereira, ao comentar a inovação trazida pela Lei 11.280/2006 no CPC de 1973, aborda que:
Vale destacar que não existe fundamento lógico que induza qualquer constitucionalidade ao art. 40, § 4º da LEF. Primeiro por ofender reserva à Lei Complementar. Segundo, por ter sido tal mudança veiculada por lei posterior à CF, motivo pelo qual não há que se falar em recepção material, culminado em sua inconstitucionalidade. Em terceiro ponto, ao aduzir que a interpretação conjuminada com o CTN preserva a constitucionalidade da lei, abre-se forte precedente de burla à reserva complementar, uma vez que, doravante, não mais é necessário haver lei em sentido estrito complementar para validamente regulamentar a matéria; é bastante tão somente qualquer ato normativo consonante com o CTN para poder legislar acerca de qualquer dos pontos reservados pelo art. 146 da CF, ao ponto de, no futuro, não ser surpresa admitir definição de tributo por resolução, uma vez que a mesma guardou harmonia com o CTN. (PEREIRA, 2006)
Assim, o conflito reside na primeira parte do §4°, pois inovou ao incluir novo termo a quo para a contagem do prazo da prescrição intercorrente, a saber o despacho que ordena a suspensão da execução. Trata-se, a rigor, de nova causa de interrupção da prescrição, não disciplinada no art. 174 do CTN, uma vez que tem o poder de reiniciar o prazo de prescrição. Portanto, tal inovação jamais poderia ocorrer no bojo da LEF, pois, sendo materialmente lei ordinária, não seria o mecanismo constitucional adequado para tratar de prescrição, tema afeto à reserva legal de lei complementar.
Há ainda correntes que defendem que o §4° do art. 40 padece de vício de inconstitucionalidade, visto que, tenta majorar o prazo da prescrição para seis anos, sendo um ano da suspensão da ação de execução fiscal, artigo 40 §§ 2° e 4° da LEF, mais cinco anos previstos para a prescrição tributária no artigo 174, caput do CTN. Dessa maneira, ter-se-ia fixado novo lapso temporal para concretização da prescrição tributária, que não teria mais início com a constituição definitiva dos créditos tributários e sim, após o arquivamento dos autos pelo juiz, conforme a interpretação do art. 40, § 4°, da LEF.
Nesse diapasão, posicionou-se o processualista Leandro Paulsen (2017, p. 289), ao discorrer sobre a arguição de inconstitucionalidade nº 0004671-46.2003.404.7200, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, apontando a invasão à matéria reservada a lei complementar:
(...) o TRF4 decidiu pela inconstitucionalidade parcial do art. 40, caput e § 4o, da LEF, por entender que a interpretação que leva ao prazo de seis anos viola a reserva de lei complementar para cuidar de prescrição. Sua Corte Especial entende que não caberia ao legislador ordinário estabelecer hipótese de suspensão da prescrição, tampouco levar ao aumento do prazo quinquenal. Daí por que conta o prazo de cinco anos já a partir do despacho que determina a suspensão da execução e não do decurso de um ano.
Dessa forma, argumenta-se que tal possibilidade só seria viável com a instituição de LC, oriunda do poder legislativo federal, pois conforme esses doutrinadores, o artigo 40 da LEF traz modalidade de suspensão e interrupção da prescrição tributária não prevista na legislação complementar.
Portanto, diversos são os argumentos e motivos elencados pelos doutrinadores contrários a possibilidade da aplicação da prescrição intercorrente no Direito Tributário. Uns se apegam mais a violação direta a própria Constituição Federal, haja vista, existir previsão constitucional atrelando a matéria da prescrição tributária à reserva absoluta de lei complementar, tornando-se impossível o disciplinamento por intermédio de lei ordinária.
4.4 A repercussão geral dada ao RE n° 636562 do STF
O tema da prescrição intercorrente, disciplinada no artigo 40, § 4°, da Lei 6.830/1980, passou a ter a sua constitucionalidade discutida no Recurso Extraordinário nº 636.562/SC, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, datado de 01/04/2011.
No extraordinário mencionado, a União sustenta a constitucionalidade do artigo 40, caput e § 4º da LEF. Diz da plena aplicabilidade do dispositivo, pois durante o lapso da suspensão, a relação processual permaneceria ativa, de modo que o reinício do prazo prescricional ocorreria apenas após o decurso do ano de suspensão, caso a Fazenda Pública não tivesse êxito em localizar bens penhoráveis de propriedade do executado. Portanto, não ficaria configurada a inércia da recorrente, porque continuaria a diligenciar com o objetivo de encontrar tais bens. (RE nº 636.562/SC, 2011).
Ademais, aborda que o citado artigo 40, em seu texto original, não fixava o termo final da suspensão processual e a introdução do § 4º ao aludido teria garantido a segurança jurídica e compatibilizado a sistemática da LEF com as regras previstas no artigo 174 do CTN. (RE nº 636.562/SC, 2011).
Ademais, o referido extraordinário sustenta que, sob o ângulo da repercussão geral, a temática ultrapassa o interesse subjetivo das partes, tendo em vista que a declaração de inconstitucionalidade do caput e do § 4º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal alcançaria milhares de execuções de débitos fiscais em andamento na justiça brasileira, estando em jogo significativos valores a serem cobrados pela recorrente. Assim, foi o posicionamento do relator sobre o assunto:
Está em debate a problemática alusiva ao próprio processo legislativo no que se teria a derrogação, mediante lei ordinária, da complementar consubstanciada no Código Tributário Nacional. A espécie é passível de repetir-se em inúmeros casos. Além disso, a interposição do extraordinário com base no disposto na alínea “b” do inciso III do artigo 102 da Carta Federal, ante a declaração, na origem, de inconstitucionalidade de norma abstrata e autônoma, gera, por si só, a repercussão geral. Ao Supremo cabe a guarda da Lei Maior, isso considerada a derradeira instância.
Eis a manifestação do relator acerca da inconstitucionalidade formal objetiva:
A matéria tem alçada constitucional, na medida em que a Constituição estabelece ser reservada lei complementar para dispor sobre prescrição e decadência em matéria tributária (art. 146, III, b da Constituição). Neste caso, a incompatibilidade entre a lei ordinária e a lei complementar se resolve diretamente com base no texto constitucional, e não com as regras de vigência e revogação aplicáveis indistintamente a todas as normas jurídicas, com base na Lei de Introdução ao Código Civil.
Ademais, os fundamentos que forem adotados para estes precedentes condicionarão o exame de outras questões que envolvam estabelecimento da sistemática de reconhecimento judicial de prescrição e de decadência.
Ante o exposto, manifesto-me pela existência da repercussão geral da questão constitucional controvertida.
Na mesma linha, foi o posicionamento da Procuradoria Geral da República (PGR), ao julgar que no mérito, o disposto na parte final do caput, art. 40 da LEF é incompatível com o disposto no artigo 146, inciso III, “b”, da Constituição Federal, que reserva à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência tributárias, inclusive sobre interrupção e suspensão dos prazos. (RE nº 636.562/SC, 2011).
Portanto, os votos iniciais do Relator e da PGR no Recurso Extraordinário nº 636.562/SC foram no sentido de declarar a inconstitucionalidade formal objetiva, pois a norma em exame foi elaborada em desacordo com as diretrizes estabelecidas pela Constituição da República de 1988.
5. A ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO STJ E O ART. 40 DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL
A recente jurisprudência do STJ sobre a aplicabilidade do art. 40 da LEF foi consolidada pela Primeira Seção do citado Tribunal, ao julgar o Recurso Especial nº 1.340.553–RS, sob o regime dos recursos repetitivos, cujo acórdão foi publicado em 16/10/2018 e transitou em julgado em 14/05/2019, conforme as teses de 566 a 571:
Tese 566: “O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 – LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução.”
Tese 567 e 569: “Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável.”
Tese 568: “A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens.”
Tese 570 e 571: “A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial – 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.”
Sua maior colaboração foi a definição sobre a forma de contagem da prescrição intercorrente prevista no art. 40, em especial quando o executado não é localizado, ou quando não são encontrados bens penhoráveis.
Da análise dos referidos temas supracitados, em síntese, pode-se concluir que, não ocorrendo a citação do devedor, o que interromperia a prescrição, e/ou não sendo encontrados bens passíveis penhora, inicia-se de imediato os efeitos do art. 40 da LEF, o que se encontra, inclusive, sumulado pelo STJ por meio da Súmula nº 314 do STJ: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”.
Portanto, sendo o Fisco intimado desse insucesso na execução, automaticamente iniciaria o prazo de suspensão disciplinado no caput do art. 40, independentemente da existência de pronunciamento do Juízo ou de petição, por parte da Fazenda. Nesse ponto, vale destacar que a ciência do Fisco é obrigatória e, após esta, restará suspensa a Execução Fiscal, com vista dos autos aberta à Fazenda Púbica (§1º e 2º do art. 40).
Após transcorre 1 ano da referida citação da Fazenda, inicia-se o prazo prescricional intercorrente de 5 anos, em obediência aos preceitos do art. 174 do CTN. Dessa forma, apenas quando exauridos 6 anos após a ciência do Fisco da não localização do devedor e/ou de bens penhoráveis é que a Execução Fiscal sofrerá os efeitos da prescrição intercorrente, a qual poderá ser reconhecida e decretada de ofício pelo Juiz, após ouvir a Fazenda Pública (§4º do art.40, LEF), promovendo, assim, a extinção da Dívida Ativa Fiscal.
Nesse contexto, para que ocorra a interrupção da prescrição intercorrente é necessária a ocorrência concreta de atos capazes de modificar a inércia processual, como a efetiva citação do devedor ou constrição patrimonial, mediante ato próprio do juízo exequente.
Por fim, cabe acrescentar que, segundo a jurisprudência do STJ, se ao final do prazo de 6 anos a Fazenda Pública for intimada do término final do prazo prescricional intercorrente, sem ter sido notificada nas etapas anteriores, terá nesse momento e dentro do prazo para manifestar-se, a oportunidade de promover a localização do devedor ou de bens passíveis de penhora e apontar a existência, no passado, de qualquer causa que tenha interrompido ou suspendido a prescrição, sob pena de ser consagrada a prescrição intercorrente.
6. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL OBJETIVA DO § 4º do art. 40 da LEF
A análise da constitucionalidade das normas aborda a verificação da conformidade formal e material da lei à Carta Política de 1988. Define-se inconstitucionalidade como sendo “qualquer desconformidade de um ato normativo em relação à Constituição”. (FERRAZ, 2006, p. 428). Da mesma forma, a inconstitucionalidade das leis é “expressão, em sentido mais lato, designativa da incompatibilidade entre atos ou fatos jurídicos e a Constituição”. (TAVARES, 2003, p. 174).
Do ponto de vista do requisito material, trata-se da averiguação da coerência do objeto da lei ou do ato normativo com a Carta Magna. Já em relação aos requisitos formais, a Constituição estabelece regras para a elaboração das leis, cujo desrespeito a suas diretivas caracteriza a inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo. Em síntese, conceitua-se as duas espécies de inconstitucionalidade como a “desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum preceito ou princípio constitucional”. (FERRAZ apud RAMOS, 2006, p. 62).
Portanto, a inconstitucionalidade formal/extrínseca caracteriza-se pela divergência entre o procedimento de formação da lei e o procedimento previsto na Constituição. Assim, mesmo que haja harmonia entre o texto da lei e a Carta Magna, mas no processo legislativo não foi seguido o procedimento de formação estabelecido pela CF/88, está caracterizada a inconstitucionalidade de caráter meramente formal.
Dessa forma, mesmo que o art. 146 da Constituição tenha reservado à lei complementar a matéria da prescrição tributária, o legislador infraconstitucional trouxe para o ordenamento jurídico nacional a prescrição intercorrente através de uma lei ordinária, a Lei nº 11051/2004. Assim, é clara a inconstitucionalidade do combatido § 4º do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal, cuja ocorrência demostramos nesse trabalho.
Não pode uma lei ordinária tratar de matéria destinada originariamente à lei complementar, sob pena de infringir o princípio da reserva de lei complementar, expressamente disposto no art. 146 da CF/88. Assim, a prescrição intercorrente deve ser encarada como nova modalidade de prescrição, pois o citado § 4º, ao permitir o reconhecimento de ofício da prescrição intercorrente fiscal, criou uma possibilidade de se ver extinto o crédito tributário.
Tal entendimento é corroborado pela pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
O Código Tributário Nacional tem natureza de lei complementar, sendo hierarquicamente superior a Lei de Execuções Fiscais. Não pode, portanto, lei ordinária estabelecer prazo prescricional da execução fiscal previsto em lei complementar. (REsp 151.598/DF, Rel. Min. Garcia Vieira).
Da mesma forma, as decisões judiciais reiteradas não podem (e não devem) fazer o papel constitucionalmente determinado ao legislador, tampouco servirem de marco para justificarem a constitucionalidade de determinada norma jurídica.
Assim, para essa corrente doutrinária, a inclusão do §4º ao art. 40 da LEF é inovação privativa a lei complementar e não a lei ordinária, sendo, portanto, inconstitucional o referido comando legal.
Por fim, ao realizar uma leitura sistemática do caput e do § 4º do art. 40 da LEF, obtém-se a seguinte conclusão: suspenso o processo executivo, consequentemente estará suspensa a prescrição por um ano, conforme o §2º. Além disso, após o transcurso desse período, no qual o prazo prescricional estava suspenso mediante o arquivamento dos autos, a prescrição será interrompida e assim após seis anos será consumada a prescrição intercorrente, contrariando, assim, o CTN e a CF/88.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, cabe destacar que, ao introduzir o parágrafo 4º ao art. 40 da LEF, o legislador almejou corrigir as discrepâncias anteriores do caput e demais parágrafos do art. 40. De fato, é perceptível a sua melhor intenção, pois seu desejo foi evitar a postergação eterna da execução fiscal, estabelecendo hipóteses de consumação da prescrição tributária. Parabéns!
Para tanto, o novo § 4º do art. 40 positivou a certeza do término da demanda executória, ao fixar um lapso temporal para o arquivamento administrativo, de 5 anos, em obediência ao prazo quinquenal de prescrição do art. 174 do CTN. Da mesma forma, houve a derrogação tácita do § 3º do mesmo artigo, impendido, assim, o desarquivamento do processo de execução fiscal, caso surgisse a “qualquer momento” o devedor ou bens penhoráveis.
Embora louvável sua intenção, resta evidente que o meio utilizado para a produção da referida norma não foi o mais adequado, padecendo de vício de rito processual, pois § 4º do art. 40 da LEF afronta diretamente o art. 146, inciso III, letra b, da Constituição Federal, segundo o qual cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição.
Dessa forma, o legislador constituinte, ao consagrar o fundamento da reserva de lei complementar, buscou privilegiar características exclusivas do instituto, a exemplo do quórum qualificado, relevância do conteúdo a temas de importância nacional, em defesa do princípio federativo. Assim, sua intenção primária foi evitar a desordem legislativa e insegurança jurídica no ordenamento, que eventualmente poderiam ocorrer através das ordens jurídicas estaduais e distritais.
Apesar disso, e contrariando dispositivo expresso na Carta Política de 1988, uma lei ordinária, a 11.051/2004, veio tratar de matéria constitucionalmente reservada à lei complementar. Portanto, resta configurada a inconstitucionalidade formal objetiva, tendo em vista a incongruência entre o procedimento de formação da lei e procedimento previsto na Constituição. Trata-se, assim, de vício de rito ou de procedimento, pois a matéria destinada a reserva de lei complementar, foi aprovada por meio de simples lei ordinária.
Nesse ponto, ao acrescentar novo termo a quo para a contagem do prazo da prescrição intercorrente, o indigitado §4° criou causa de interrupção da prescrição não prevista no art. 174 do CTN, em fragrante desrespeito ao fundamento da reserva legal de lei complementar.
Ademais, ao tenta majorar o prazo da prescrição para seis anos, sendo um ano da suspensão da ação de execução fiscal (artigo 40, §§ 2° e 4° da LEF), mais cinco anos previstos para a prescrição tributária (artigo 174, caput do CTN), a lei ordinária de nº 11.051/2004 teria fixado novo lapso temporal para concretização da prescrição tributária, que não teria mais início com a constituição definitiva dos créditos tributários e sim, após o arquivamento dos autos pelo juiz, conforme a interpretação dada ao art. 40, § 4°, da LEF.
Muito embora algumas correntes da doutrina defendam que a supracitada Lei não criou nenhuma modalidade de prescrição, mas apenas consagrou expressamente algo que a jurisprudência já vinha admitindo, não é sensato tratar a situação com tamanha simplicidade, pois ao permitir que o juiz reconheça de ofício a prescrição intercorrente na execução fiscal, estamos diante da possibilidade de ver o crédito tributário extinto.
Portanto, conclui-se que a decretação ex officio da prescrição intercorrente no Direito Tributário é inconstitucional, sobretudo em razão da natureza formal de sua lei instituidora, pois a prescrição intercorrente entrou no ordenamento jurídico com o advento da lei ordinária de nº 11.051/2004, que modificou a Lei das Execuções Fiscais ao introduzir nesta o parágrafo 4º do artigo 40.
Assim sendo, mesmo após a introdução do citado dispositivo, continua sendo vedado ao juiz decretar de ofício a prescrição intercorrente, visto que a matéria deduzida na execução fiscal é de direito patrimonial, sob pena de flagrante violação ao art. 146, inciso III, alínea b, da CF/88 e os artigos 219, § 5º do CPC e 194 CC. Dessa forma, apenas as partes interessadas no processo poderão arguir a prescrição ao juízo que, após a oitiva da Fazenda Pública, poderá decidir validamente.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. (2008), Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 5. ed. São Paulo: Malheiros.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9 ed. São Paulo: Saraiva 2003.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17 ed. São Paulo: Saraiva 2011.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 55. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
__________. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, 2015.
__________. Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília: Senado Federal, 2002.
__________. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Brasília: Senado Federal, 1966.
__________. Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Lei de Execuções Fiscais. Brasília: Senado Federal, 1980.
CARRAZA. Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 31 ed. São Paulo. Malheiros, 2017.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 5 ed. ver, ampl. E atual. São Paulo: Dialética, 2007.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Execução. Salvador: JusPodivm, 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Volume I. 12 ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
FERRAZ. Sérgio Valladão. Curso de Direito Constitucional: teoria e questões. Rio de Janeiro. Elsevier, 2006.
GONÇALVES, Luís. A prescrição intercorrente no Direito Tributário brasileiro, 2012. Disponível em: < https://www.fesdt.org.br/docs/revistas/8/prescricao-intercorrente-direito-tributario-brasileiro.pdf >. Acesso em: 05 abr. 2021.
HARADA, Kiyoshi. Prescrição intercorrente na execução fiscal. Disponível em: <http://www.idtl.com.br/artigos/188.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2021.
JUNIOR, Humberto Theodoro. Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2016.
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MINARDI, J. Direito Tributário: OAB 1º e 2º fases. 5 ed. ver. atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2016.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.
MOUZALAS, Rinaldo. Processo Civil. Volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual.- Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
PEIXOTO, DM. Prescrição intercorrente na execução fiscal. São Paulo: Dialética, 2016.
PEREIRA, Victor Hugo Reis. A prescrição em face da reforma processual (Lei nº 11.280/06) e a Fazenda Pública. Análise processual preliminar da prescrição: direito de ação e situação da prescrição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 999, 27 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8163/a-prescricao-em-face-da-reforma-processual-lei-n-11-280-06-e-a-fazenda-publica. Acesso em: 02 abr. 2021.
Superior Tribunal de Justiça. Informativo de jurisprudência. Número 635. Brasília, 9 de novembro de 2018. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/PDF/Inf0635.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
TAVARES. André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Saraiva, 2003.
Artigo publicado em 13/07/2021 e republicado em 28/08/2024
Analista Tributário da Receita Federal do Brasil. Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Raphael Leite de. A inviabilidade constitucional da decretação de ofício da prescrição intercorrente no processo de execução fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 ago 2024, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/56977/a-inviabilidade-constitucional-da-decretao-de-ofcio-da-prescrio-intercorrente-no-processo-de-execuo-fiscal. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.