No Brasil, infelizmente foram muitas as notícias de corrupção divulgadas pela mídia e uma que talvez as pessoas já nem se lembrem tanto é a que ficou conhecida como “caso Jorgina de Freitas”. Tratou-se de fraude contra o Instituto Nacional do Seguro Social envolvendo advogados, contadores, peritos e juiz e que causou prejuízos milionários à autarquia federal. No final do ano passado o Superior Tribunal de Justiça analisou um ponto específico do caso: teria o INSS sido vítima de dano moral?
De início, vale a pena recordar que o INSS é uma autarquia federal, ou seja, uma pessoa jurídica de direito público, criada e extinta por lei, e com capacidade administrativa para o exercício de atividades típicas de Estado. A doutrina administrativista ensina que autarquia é uma “pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração Indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidas de caráter econômico, sejam próprias e típicas do Estado”.
A Constituição Federal, promulgada em 05/10/1988, previu como garantia fundamental a indenização por danos ainda que exclusivamente morais. É o que consta do artigo 5º, inciso X, segundo o qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação”.
E tão logo entrou em vigor o texto constitucional surgiu o questionamento se seria possível a pessoa jurídica ser indenizada por danos morais tendo o Superior Tribunal de Justiça concluído que sim por meio da sua súmula de jurisprudência nº 227 que é textual ao afirmar que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
Ocorre que mesmo após a edição da referida súmula ainda se tinha dúvidas se a pessoa jurídica de direito público – União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas – poderia ser vítima de dano moral. E novamente instado a se pronunciar sobre a questão o STJ concluiu pela impossibilidade de pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral.
O informativo nº 125 do jurisprudência em teses do STJ vai nessa direção ao dizer que “a pessoa jurídica de direito público não é titular de direito à indenização por dano moral relacionado à ofensa de sua honra ou imagem, porquanto, tratando-se de direito fundamental, seu titular imediato é o particular e o reconhecimento desse direito ao Estado acarreta a subversão da ordem natural dos direitos fundamentais”.
Os julgados mais relevantes que deram origem a tal interpretação foram o REsp nº 1.258.389/PB, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão e o REsp nº 1.505.923/PR, relatado pelo Ministro Herman Benjamin. O que há de comum entre eles é o exercício do direito de crítica dos cidadãos contra as pessoas jurídicas de direito público. Ou seja: de acordo com o STJ pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por dano moral quando exercido o direito de crítica por parte dos cidadãos.
Ocorre que agora, ao analisar o REsp nº 1.722.423/RJ, a segunda turma do STJ, por unanimidade, e seguindo o voto do relator, Ministro Herman Benjamin, decidiu que é cabível indenização por danos morais em face de pessoa jurídica de direito público quando o que está em discussão é a própria credibilidade da instituição.
Colhe-se do voto do relator a seguinte passagem: “Embora haja no STJ diversas decisões em que se reconheceu a impossibilidade da pessoa jurídica de Direito Público ser vítima de dano moral, o exame dos julgados revela que essa orientação não se aplica ao caso dos autos. (…) O que se extrai é que a credibilidade institucional da autarquia previdenciária foi fortemente agredida e o dano reflexo sobre os demais segurados da Previdência e os jurisdicionados em geral é evidente, tudo consubstanciado por uma lesão de ordem extrapatrimonial praticada por agentes do Estado, que não pode ficar sem resposta judicial”.
É de se ressaltar que o STJ não decidiu, ele próprio, qual o valor de indenização por danos morais que seria cabível no caso concreto. Ao contrário, determinou que o processo retorne ao Tribunal Regional Federal da 02ª Região a fim de que este tribunal, considerando a premissa de que é possível pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral neste caso concreto, analise a questão da forma como entender de direito.
Portanto, talvez ainda seja cedo afirmar categoricamente que a partir do “caso Jorgina de Freitas” o STJ tenha mudado o seu posicionamento acerca do tema envolvendo dano moral e pessoa jurídica de direito público.
Parece-nos mais correto afirmar que a partir desse julgado o STJ passa a admitir expressamente a possibilidade de pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral sempre que o que estiver em discussão seja a própria credibilidade da instituição. O tempo dirá se essa jurisprudência é a que vai prevalecer a partir de agora.
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