Resumo: O presente artigo tem por objetivo expor as diretrizes da interpretação jurídica, conceituando-a e alocando-a em seus diversos âmbitos, especialmente no que tange à interpretação conforme a Constituição. Utilizando-se do método comparativo de doutrinas divergentes, conclui que a interpretação conforme a Constituição é uma espécie de interpretação sistemática, método esse criado pela hermenêutica jurídica. Ainda, estabelece as premissas de cabimento e aplicabilidade da técnica de interpretação conforme a Constituição, esclarecendo também a motivação pela qual não considera a utilização do princípio como mecanismo de controle de constitucionalidade. Dessa forma, o trabalho buscou esclarecer os vieses e a sistemática da interpretação jurídica e da interpretação conforme a Constituição, a qual deve servir como vetor hermenêutico da legislação de modo a atingir os objetivos precípuos do Direito e da lei, quais sejam a pacificação social, o estabelecimento da ordem e a manutenção e desenvolvimento sadio do Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Interpretação Jurídica. Conceito. Necessidade. Variedade. Hermenêutica Jurídica. Interpretação conforme a Constituição. Cabimento. Aplicabilidade. Interpretação sistemática. Controle de Constitucionalidade.
Abstract:This article aims to expose the guidelines of legal interpretation, conceptualizing and allocating it in its various spheres, especially with regard to interpretation according to the Constitution. Using the comparative method of divergent doctrines, it concludes that the interpretation according to the Constitution is a kind of systematic interpretation, a method created by legal hermeneutics. It also establishes the premises of the appropriateness and applicability of the interpretation technique according to the Constitution, also clarifying the motivation for which it does not consider the use of the principle as a mechanism for controlling constitutionality. Thus, the work sought to clarify the biases and systematics of legal interpretation and interpretation according to the Constitution, which should serve as a hermeneutical vector of legislation in order to achieve the main objectives of law and law, namely social pacification, the establishment of order and the maintenance and healthy development of the Democratic Rule of Law.
Keywords: Legal Interpretation. Concept. Necessity. Variety. Legal Hermeneutics. Interpretation in accordance with the Constitution. Fit. Applicability. Systematic interpretation. Constitutionality Control.
Sumario: 1.Introdução 2. Interpretação Jurídica 2.1. Conceito 2.2. Necessidade de interpretação da norma jurídica 2.3. Variedade de Interpretações Jurídicas Possíveis 2.4. A Hermenêutica Jurídica como limitadora da atividade interpretativa 3. O Princípio da interpretação conforme a constituição 3.1. A interpretação conforme a Constituição como espécie de interpretação sistemática 3.2. Controle de Constitucionalidade como mera decorrência (possível e necessariamente posterior) do princípio da interpretação conforme a Constituição 3.3. Cabimento e aplicabilidade do princípio da interpretação conforme a Constituição 4. Considerações finais 5. Referências Bibliográficas
Historicamente, os direitos fundamentais sempre fomentaram debates de extrema relevância social. Desde a Revolução Francesa, surgiram diversas dimensões desses direitos, as quais tinham como foco, em momento inicial – primeira geração, a garantia de direitos civis e políticos, exigindo uma prestação negativa do Estado, pautada pela não intervenção na vida privada do indivíduo. Como bem salienta Scalquette:
“Os direitos de primeira dimensão são os direitos de liberdade, pois são fruto do pensamento liberal burguês, de caráter fortemente individualista, aparecendo como uma esfera limitadora da atuação do Estado, isto é, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado nas liberdades do indivíduo” (SCALQUETTE, 2004,p.34)
Posteriormente – especificamente após a Primeira Grande Guerra, verificou-se uma profunda deterioração do quadro social, levando ao surgimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão, colocando o Estado como garantidor e responsável pela concretização de um ideal de vida digno na sociedade. Na concepção trazida por Novelino:
“Ligados ao valor igualdade, os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais, econômicos e culturais. São direitos de titularidade coletiva e com caráter positivo, pois exigem atuações do Estado” (NOVELINO, 2009, p.362).
No entanto, com o avanço das sociedades contemporâneas, verificou-se a necessidade de atender tanto a direitos difusos (aqueles cujos titulares não se pode determinar, nem mensurar o número exato de beneficiários, como, por exemplo, o direito à preservação ao meio ambiente, ao desenvolvimento humano e sustentável, à paz, à comunicação e ao patrimônio artístico e histórico da sociedade) quanto a direitos coletivos (que possuem um número determinável de titulares, que por sua vez compartilham determinada condição, como os grupos sociais vulneráveis e/ou marginalizados). Nesse sentido, tal geração de direitos passou a exigir não só uma atuação positiva do Estado, mas também de toda a sociedade civil, a qual atua, precipuamente, através das organizações não-governamentais e através de ações populares promovidos no Judiciário em face daqueles que desrespeitam tais direitos. Nesse sentido, leciona Paulo Bonavides:
“Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já o enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade” (BONAVIDES, 2006, p. 563).
Nesse contexto, apesar do dever de se eximir de sua interferência em certos setores da vida social como forma de respeito às liberdades individuais, o Estado tem, em outros âmbitos, o dever de atuação do qual não pode (e não deve) se esquivar, visto que a sociedade brasileira se encontra pautada por um Estado Social Democrático de Direito, estando este, portanto, juridicamente obrigado a exercer as ações de efetivação de direitos.
Desse modo, é preciso esclarecer que a Administração Pública, assim considerada em sua integralidade, está vinculada ao cumprimento dos direitos fundamentais constitucionais. Tal vinculação emerge e se afirma à medida que não possibilita qualquer margem de discricionariedade ao Estado no que tange à oportunidade ou conveniência de sua realização, mas, tão somente, a possibilidade de definição das diretrizes com que vai atuar, isto é, escolhendo a forma que julga mais benéfica para cumprir a referida obrigação, a qual é resultante da finalidade constitucional. Assim, é exigido que o Poder Público se atente à efetividade e observância completa desses direitos, materializando-os no plano concreto.
Faz-se necessário, portanto, estabelecer que a forma que o Estado escolhe para sanar as deficiências sociais e atender às imposições que pairam sobre ele traduz-se em uma política pública, sempre com direcionamento específico e pontual a uma demanda social.
Contudo, por diversos fatores, tais como ineficiência e corrupção, há muitas falhas na atuação Poder Público, seja pela ausência de formulação de tais políticas com o viés de cumprimento dos comandos constitucionais, seja por sua inaplicabilidade e inefetividade prática. Tal deficiência é visível na sociedade brasileira, atestando a infeliz concepção de que muitos desses direitos são, segundo Flávio Luís “mais utopia que realidade” (OLIVEIRA, 2012, p. 97).
Nesse sentido, restando evidente a incapacidade na concretização de políticas públicas e o consequente desrespeito aos direitos sociais, de modo geral, iniciou-se uma movimentação de aclamação ao Poder Judiciário para que, através de sua função de aplicador da lei, exija do Poder Executivo o cumprimento das disposições normativas sociais. Desse modo, diante da omissão dos demais poderes frente aos direitos e garantias fundamentais, vem restando ao Poder Judiciário uma atuação política de orientação do texto constitucional, não podendo este permanecer como figura neutra em face de tão grave infração de direitos trazidos pela Carta Magna.
Faz-se necessário, portanto, em razão dessa contínua e reiterada omissão do Estado em, efetivamente, garantir direitos constitucionalmente elencados, que estes sejam assegurados por outra via que não a legislativa, culminando no atual movimento de “Judicialização” de demandas que, em tese, não deveriam ter de se tornar objeto de requerimento ao Poder Judiciário. Nesse diapasão, cumpre salientar o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso, o qual expõe:
“Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo. Essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico constitui uma mudança drástica no modo de se pensar e de se praticar o Direito no mundo romano-germânico” (BARROSO, 2016, p. 437).
Nesse limiar, deve-se ressaltar que as questões mais relevantes do país, principalmente as de natureza política e criminal, têm sido objeto de crescente ativismo judicial, especialmente por parte da maior corte jurídica do país, o Supremo Tribunal Federal (STF). Tal fenômeno integra um processo de expansão informal das competências do Supremo Tribunal Federal, semelhantemente ao modo com tem sido utilizada a técnica da interpretação conforme a Constituição, que, apesar de ser fenômeno sutil para muitos e não tão observado, também tem relevância ímpar para toda a coletividade em virtude do fato de que, se tal técnica for utilizada de modo negligente, pode levar a usurpação da competência do Poder Legislativo para legislar e perpassando tal função ao Judiciário, o que claramente fere preceitos constitucionais.
O supracitado método de interpretação conforme a Constituição não se aplica diretamente à Constituição, mas à legislação infraconstitucional, que deve estar em conformidade com aquela. Em verdade, é um método hermenêutico que objetiva garantir a compatibilidade da norma ao ordenamento constitucional. Tal técnica, portanto, deve sempre buscar dar à lei o sentido adequado da Constituição Federal, devendo ser utilizada quando for possível interpretar uma norma infraconstitucional de diferentes formas, buscando atingir a interpretação que mais se adéqua aos preceitos constitucionais, isto é, aquela que melhor exprime a virtude da Carta Magna.
Ainda, tal técnica pode levar à elucidação do fato de que a norma infraconstitucional em análise tem somente interpretações afrontosas à Constituição, isto é, nenhuma das interpretações possíveis sequer se aproxima da mínima expressão do Texto Maior. Desse modo, a única medida possível é a declaração de inconstitucionalidade da norma, devendo esta ser expurgada do ordenamento jurídico. Portanto, a técnica de interpretação conforme a Constituição, além de método hermenêutico, possui uma faceta de controle de constitucionalidade das leis que, porém, não denota seu conteúdo primordial.
Desse modo, considerando o atual – e complexo – ambiente político-jurídico-social que se faz presente no Brasil, marcado especialmente pelo ativismo judicial, é necessário atentar-se para o fato de que há vários vieses e ramificações desse fenômeno que necessitam ser estudadas. Sendo assim, o presente artigo tem por objetivo expor as diretrizes da interpretação jurídica, conceituando-a e alocando-a em seus diversos âmbitos, especialmente no que tange à interpretação conforme a Constituição Brasileira. Serão expostas a conceituação da interpretação jurídica, suas variações e seus limites, bem como, no que tange especificamente à interpretação conforme à Constituição, sua definição, sua natureza jurídica de espécie de interpretação sistemática, seu cabimento e aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio e a implícita – porém, de necessária e constante reiteração – vedação à atuação do Poder Judiciário como legislador, usurpando a competência do Poder Legislativo e ferindo princípios basilares da Constituição.
2.1. Conceito
Inicialmente, cumpre ressaltar que o Direito positivado é composto por leis formuladas em termos gerais e abstratos, o que torna a interpretação jurídica deveras complexa, visto que tal atividade tem por objetivo precípuo adequar o texto legal a um caso concreto que se apresenta na realidade fática. Basicamente, portanto, a interpretação das leis em geral visa focalizar determinada relação jurídica, identificando de forma clara e exata a norma estabelecida pelo legislador e que deve ser aplicada ao caso concreto. Em verdade, a interpretação jurídica se relaciona diretamente com a eficácia do ordenamento jurídico.
Nesse sentido, considerando a necessidade de a interpretação jurídica ser o meio eficaz para atender a uma demanda e emanar a vontade do Direito, ela deve, analisando a norma em seu todo, atribuir a esta um sentido e um alcance que darão solução ao questionamento que se impôs.
A esse teor, deve-se ressaltar que é justamente na atividade de atribuição do sentido e do alcance da norma é que reside o conceito de interpretação jurídica. Na lição do Carlos Maximiliano:
“As leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito” (MAXIMILIANO, 2002, p.1).
Portanto, interpretar o Direito consiste em fixar o sentido de uma norma e determinar seu alcance, analisando a linguagem do texto normativo para, assim, através de processos e métodos efetivos, racionais e conclusivos, expressar a intenção embutida na norma, dando inteligência verdadeira e fática do que se interpreta para cumprir fielmente o pensamento ou a intenção do legislador que a redigiu.
Nesse sentido, leciona Paulo Bonavides que a interpretação é uma:
[...] “operação lógica, de caráter técnico mediante a qual se investiga o significado exato de uma norma jurídica, nem sempre clara ou precisa” (BONAVIDES, 2006, p. 437).
2.2. Necessidade de interpretação da norma jurídica
O Direito é meio pelo qual se organiza e sistematiza as ações humanas da vida em sociedade, devendo seus preceitos serem por todos observados. Nesse sentido, como conjunto de regras obrigatórias que é, tem por objetivo garantir a convivência social através do estabelecimento de limites à ação dos indivíduos componentes do corpo social.
Entretanto, ocorre que, por vezes, os mandamentos e diretrizes emanados pelo ordenamento jurídico são desrespeitados, podendo aquele que foi prejudicado (ou sentiu-se desse modo) requerer ao Estado-juiz que exprima a vontade do Direito em relação ao caso concreto então apresentado. Nesse diapasão, louvável é a lição do Ministro Luiz Fux:
“O Estado, como garantidor da paz social, avocou para si a solução monopolizada dos conflitos intersubjetivos pela transgressão à ordem jurídica, limitando o âmbito da autotutela. Em consequência, dotou um de seus Poderes, o Judiciário, da atribuição de solucionar os referidos conflitos mediante a aplicação do direito objetivo, abstratamente concebido, ao caso concreto” (FUX, 2004, p. 41).
Para tanto, é necessário não só que todos os elementos fáticos sejam expostos, mas que, posteriormente, o intérprete realize a atividade de interpretação da norma jurídica atinente ao caso. Assim, deve este verificar qual preceito do sistema jurídico se adequa ao ocorrido e então analisar seu sentido e seu alcance, aplicando o “melhor Direito”, o qual tem por objetivo conferir justiça à sociedade.
Portanto, verifica-se que a interpretação jurídica é fator primordial no processo de aplicação do Direito, sendo sua etapa preliminar e devendo estar presente em face de qualquer norma jurídica. Nesse sentido, todos buscam seu sentido e alcance, em especial o juiz, que, para fixar a norma de decisão em uma lide, interpreta o Direito anteriormente. Nesse sentido, registre-se o ensinamento do ilustre Ministro Luís Roberto Barroso:
“A interpretação jurídica consiste na atividade de revelar ou atribuir sentido a textos ou outros elementos normativos (como princípios implícitos, costumes, precedentes), notadamente para o fim de solucionar problemas. Trata-se de uma atividade intelectual informada por métodos, técnicas e parâmetros que procuram dar-lhe legitimidade, racionalidade e controlabilidade. A aplicação de uma norma jurídica é o momento final do processo interpretativo, sua incidência sobre os fatos relevantes. Na aplicação se dá a conversão da disposição abstrata em uma regra concreta, com a pretensão de conformar a realidade ao Direito, o ser ao dever ser. É nesse momento que a norma jurídica se transforma em norma de decisão” (BARROSO, 2016, p. 304).
Há casos, entretanto, que determinada lei se revela extremamente clara, evidente, não ensejando, para alguns, a necessidade de se proceder com a interpretação jurídica. No entanto, tal limpidez é somente aparente, tendo em vista o fato de que toda norma é formulada em termos gerais e abstratos, objetivando regular variada gama de fatos e de relações sociais. Desse modo, não se pode olvidar que, embora a lei possa parecer ter somente uma interpretação aplicada a qualquer caso concreto, ela sempre suscitará controvérsia em algum de seus âmbitos, seja o da atribuição de seu sentido, seja o relativo a seu alcance. Portanto, deve toda lei ser objeto de interpretação jurídica. A esse teor, salienta o doutrinador Carlos Maximiliano:
“[...] é força procurar conhecer o sentido, isto é, interpretar. A verificação da clareza, portanto, ao invés de dispensar a exegese, implica-a, pressupõe o uso preliminar da mesma. Para se concluir que não existe atrás de um texto claro uma intenção efetiva desnaturada por expressões impróprias, é necessário realizar prévio labor interpretativo” (MAXIMILIANO, 2002, p. 30-31).
2.3. Variedade de Interpretações Jurídicas Possíveis
Evidentemente, o intérprete do Direito – o qual também possui a qualificação de seu aplicador – deve apontar uma solução ao caso concreto, isto é, dar um provimento jurisdicional, em nome do Estado, àqueles que o demandam. Tal premissa se mostra indubitável ao passo que, caso não houvesse resposta ao jurisdicionado, estar-se-ia deturpando a função de pacificador social do Estado Democrático de Direito, o que culminaria em diversas consequências negativas para a sociedade considerada assim em seu todo.
Nesse sentido, apesar de haver quem defenda que há somente uma interpretação correta em face da cada norma e do fato de o intérprete ter de aplicar somente uma orientação, não é correto concluir que há apenas um direcionamento trazido por esta. Em verdade, há várias interpretações possíveis advindas da norma quando considerada em conjunto com a realidade fática, visto que todo texto jurídico suscita, em algum ponto e em diferentes graus, alguma controvérsia em relação a seus âmbitos de aplicação, quais sejam seu sentido e alcance. Não há, portanto, resposta cientificamente concreta e pré-definida a um caso concreto. A esse teor, salienta Kelsen que:
“Às vezes, a norma superior é intencionalmente genérica, para possibilitar ao aplicador do Direito a escolha de uma solução dentro daquele quadro normativo. Outras vezes, essa indeterminação não é intencional. Ocorre quando o sentido da norma não é unívoco” (KELSEN, 2006 p. 388-389).
Nessa toada, deve-se ressaltar que a interpretação antes compreendida pela doutrina era a de que a solução dada decorria de um ato de vontade do intérprete, que buscava, dentre as possibilidades possíveis, através de um ato de conhecimento, aquela que melhor se aplicava no mundo dos fatos que se apresentavam. No entanto, contemporaneamente, a interpretação da norma consiste não somente na atividade abstrata de verificar seus significados possíveis e, posteriormente, aplicar a interpretação de modo a concretizar seus significados. Em verdade, vigora a compreensão de que a atribuição de sentidos aos enunciados normativos e sua adequação ao caso concreto deve ser feita com profunda e conjunta análise dos fatos. Nesse sentido, bem ensina o Ministro Luís Roberto Barroso:
“Pouco tempo atrás, a interpretação era compreendida pela doutrina como uma atividade que lidava com os significados possíveis das normas em abstrato; e a aplicação, como a função de concretização daqueles significados. Na dogmática contemporânea, todavia, já não se enfatiza a dualidade interpretação/aplicação. A compreensão atual é a de que a atribuição de sentidos aos enunciados normativos – ou a outras fontes reconhecidas pelo sistema jurídico – faz-se em conexão com os fatos relevantes e a realidade subjacente. [...]
[...] A interpretação consiste na atribuição de sentido a textos ou a outros signos existentes, ao passo que a construção significa tirar conclusões que estão fora e além das expressões contidas no texto e dos fatores nele considerados. São conclusões que se colhem no espírito, embora não na letra da norma. A interpretação é limitada à exploração do texto, ao passo que a construção vai além e pode recorrer a considerações extrínsecas” (BARROSO, 2016, p. 305).
Portanto, há de se concluir que a lei não possui única interpretação, sendo possível mais de uma delas e, consequentemente, diferenças entre as decisões dos aplicadores e concretizadores das normas jurídicas. Entretanto, qualquer delas é justificável se inserida dentro dos preceitos constitucionais e considerando a enorme possibilidade de conclusões que se pode depreender de uma norma quando a ela é atribuído sentido e alcance em virtude de determinado acontecimento fático.
2.4. A Hermenêutica Jurídica como limitadora da atividade interpretativa
Inicialmente, cumpre estabelecer que, conforme já exposto, a interpretação jurídica tem por objetivo focalizar determinada relação jurídica, identificando de forma clara e exata a norma estabelecida pelo legislador que deve ser aplicada ao caso concreto, analisando-a de forma conjunta ao ocorrido, objetivando a atribuição correta de seu sentido e alcance.
No que tange à hermenêutica, ressalte-se, inicialmente, que o termo vem de Hermes, personagem da mitologia grega encarregado de transmitir a mensagem dos deuses aos homens, visto que como estes não falavam diretamente com os deuses, sujeitavam-se à intermediação de Hermes, à sua capacidade de compreender a revelar a vontade e as ordens advindas dos deuses. Portanto, hermenêutica pode ser entendida como a arte ou técnica de interpretar e explicar um texto ou discurso.
Nesse sentido, tem-se que a hermenêutica jurídica (que, apesar de não se restringir aos estreitos termos da lei bem como a interpretação jurídica, com esta não se confunde) corresponde à parte do Direito enquanto ciência que tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos que devem ser utilizados para que a interpretação se realize. Nesse sentido, bem expõe Luís Roberto Barroso:
A hermenêutica jurídica é um domínio teórico, especulativo, voltado para a identificação, desenvolvimento e sistematização dos princípios de interpretação do Direito (BARROSO, 2016, p. 304).
Portando, pode-se depreender, em suma, que a interpretação consiste em aplicar as regras que a hermenêutica perquire, sistematiza e ordena, objetivando atingir o bom entendimento e o melhor aproveitamento dos textos legais.
Nesse sentido, é indubitável a importância do papel do intérprete, sem o qual o texto não se transforma em norma. Assim, sua atividade no processo hermenêutico é decisiva para obter o resultado da interpretação. Registre-se, porém, que a hermenêutica terá como ponto de partida as pré-compreensões do hermeneuta. A esse teor, bem salienta Inocêncio Mártires Coelho:
“[...] um dos mais ricos achados da hermenêutica filosófica contemporânea foi a descoberta de que a compreensão do sentido de uma coisa, de um acontecimento ou de uma situação qualquer pressupõe um pré-conhecimento daquilo que se quer compreender.” (COELHO, 2007, p. 2)
Desse modo, deve-se ter consciência de que o processo hermenêutico abrangerá a generalidade dessas pré-compreensões do intérprete, quais sejam seus pré-conhecimentos acerca do mundo, suas concepções diversas, sua personalidade, sua história e experiências de vida e, por certo, no que tange à hermenêutica jurídica, seu posicionamento diante das normas legais.
No entanto, é preciso atentar-se para o fato de que, apesar do intérprete ir além do texto para alcançar a norma, ele não pode, ao realizar tal tarefa, ultrapassar os limites positivos e negativos do texto. Nesse sentido, esclareça-se que é justamente para que a interpretação da lei não se torne um ato inteiramente de vontade e pautado por arbitrariedade é que a hermenêutica jurídica se mostra relevante, visto que esta estabelece padrões mínimos de racionalidade e controlabilidade da atividade interpretativa. Para tanto, há métodos de interpretação criados pela hermenêutica, sendo tais técnicas integradas e complementares de modo a conferir a já citada racionalidade ao processo de interpretação e aplicação do Direito.
3.1. A interpretação conforme a Constituição como espécie de interpretação sistemática
Como já bem definido no presente trabalho, o princípio da interpretação conforme a Constituição é um método hermenêutico que objetiva garantir a compatibilidade da norma ao ordenamento constitucional. Tal técnica, portanto, deve sempre buscar dar à lei o sentido adequado da Constituição Federal, devendo ser utilizada quando for possível interpretar uma norma infraconstitucional de diferentes formas, buscando atingir a interpretação que mais se adéqua aos preceitos constitucionais, isto é, aquela que melhor exprime a virtude da Carta Magna.
No que tange às técnicas e métodos de interpretação jurídica criados pela hermenêutica, tem-se que um dos mais utilizados na atualidade é o sistemático.
Tal técnica consiste na idéia de que, para se fixar a exegese adequada da norma, deve-se recorrer a todas as outras proposições emanadas pelo ordenamento jurídico, objetivando estabelecer seu sentido e alcance com o auxílio das demais. Basicamente, portanto, todo texto tem de ser lido e entendido em seu conjunto, observando não só a norma que se quer depreender, mas o de outras que podem precisar seu conteúdo. A esse teor, ensina Paulo Bonavides que:
“A interpretação começa naturalmente onde se concebe a norma como parte de um sistema – a ordem jurídica, que compõe um todo ou unidade objetiva, única a emprestar-lhe o verdadeiro sentido, impossível de obter-se se a considerássemos insulada, individualizada, fora, portanto, do contexto das leis e das conexões lógicas do sistema” (BONAVIDES, 2006, p. 445).
Desse modo, depreende-se que o método sistemático de interpretação aduz e reafirma o postulado da unidade do ordenamento jurídico, o qual tem a Constituição como seu cerne, conferindo-lhe unidade e sustentando-o. Nessa toada, ensina o ilustre Ministro Luís Roberto Barroso:
Já se consignou que a Constituição é o documento que dá unidade ao sistema jurídico, pela irradiação de seus princípios aos diferentes domínios infraconstitucionais. O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, impondo ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas jurídicas. A superior hierarquia das normas constitucionais impõe-se na determinação de sentido de todas as normas do sistema (BARROSO, 2016, p. 338).
Portanto, partindo dos pressupostos de que o método sistemático de interpretação confere unidade a todo o sistema jurídico, observando-o em seu todo, e que a Constituição tem papel de destaque justamente por fundamentar e sustentar todo o ordenamento deve o intérprete, na busca do sentido e alcance de uma norma, colher subsídios na Lei Fundamental.
Nessa toada, ante o exposto, pode-se inferir que a interpretação da norma jurídica conforme a Constituição é, em verdade, uma espécie de interpretação sistemática, pois se encaixa aquela perfeitamente nas premissas desta, visto que, ao procurar o sentido e alcance de determinado dispositivo legal, busca significação na Constituição, a qual funciona como o maior vetor hermenêutico por estar no ápice do ordenamento jurídico.
3.2. Controle de Constitucionalidade como mera decorrência (possível e necessariamente posterior) do princípio da interpretação conforme a Constituição
Cumpre ressaltar que, embora o presente trabalho entenda e defenda que o princípio da interpretação conforme a Constituição é mera espécie do método de interpretação sistemática, há respeitável parte da doutrina que considera tal princípio para além, constituindo este um mecanismo de controle de constitucionalidade. Nesse sentido, julga tal corrente que é de ser excluída do ordenamento jurídico a interpretação que afronte a Lei Maior e que, sendo possíveis duas interpretações, deve-se preferir aquela que respeite a Constituição.
Seguindo tal entendimento está o Excelentíssimo Ministro Luís Roberto Barroso:
“A interpretação conforme a Constituição, categoria desenvolvida amplamente pela doutrina e pela jurisprudência alemãs, compreende sutilezas que se escondem por trás da designação turística do princípio. Destina-se ela à preservação da validade de determinadas normas, suspeitas de inconstitucionalidade, assim como à atribuição de sentido às normas infraconstitucionais, da forma que melhor realizem os mandamentos constitucionais. Como se depreende da assertiva precedente, o princípio abriga, simultaneamente, uma técnica de interpretação e um mecanismo de controle de constitucionalidade.
[...] Em suma, a interpretação conforme a Constituição pode envolver a mera interpretação adequada dos valores e princípios constitucionais, ou a declaração de inconstitucionalidade de uma das interpretações possíveis de uma norma ou, ainda, a declaração de não incidência da norma a determinada situação de fato, por importar em violação da Constituição” (BARROSO, 2016, p. 336-338).
No entanto, com toda vênia aos entendimentos divergentes (afinal, registre-se, são as divergências que melhor qualificam e sustentam o Estado Democrático de Direito), há de se reiterar e esclarecer o posicionamento de que a Interpretação conforme a Constituição não configura uma técnica de decisão no controle de constitucionalidade, mas tão somente uma decorrência possível (e necessariamente posterior) de sua utilização.
Inicialmente, é preciso elencar que todo o processo de controle de normas se desenrola, ainda que involuntária e imperceptivelmente, por etapas. Primeiro se interpretam as normas controladas, fixando-se seu sentido e alcance, isto é, busca-se entender o que a lei regulou, como regulou e em que extensão. Tanto a Constituição quanto todas as normas do sistema jurídico são consideradas, numa verdadeira interpretação sistemática. Contudo, ainda não se pode cogitar em controle de constitucionalidade, pois nem se conhece a norma a ser controlada. Em verdade, é o confronto posterior entre lei e Constituição que atestará a validade ou não do diploma legal.
Tal premissa pode ser comprovada pelo fato de que somente após se conhecerem os conteúdos das normas-objeto (isto é, aquelas que são, possivelmente, inconstitucionais) e das normas-parâmetro (as normas constitucionais) é que se pode verificar a compatibilidade daquelas com estas. Desse modo, sem antes saber o que a lei de fato expressa, não se pode fazer controle de constitucionalidade. A esse teor, bem expõe o jurista português Rui Medeiros:
“[...] De facto, o confronto entre a lei e a Constituição exige, sempre, o prévio esclarecimento do sentido do preceito legal objecto de fiscalização. Não se esqueça, com efeito, que o juízo de inconstitucionalidade é sempre (salvo o da inconstitucionalidade por omissão) um juízo de incompatibilidade entre uma norma ou princípio constitucional e uma norma infraconstitucional (...). Isso implica necessariamente uma tarefa de interpretação, não apenas da Constituição, mas também da norma infraconstitucional em causa” (MEDEIROS, 1999, p. 335).
Nesse sentido, a interpretação conforme a Constituição ocorre, por completo, na primeira fase, compreendida esta como a interpretação sistemática da norma e a atribuição de seu sentido e alcance. A utilização deste princípio é, portanto, um pressuposto, uma operação prévia do processo em que se pretende investigar se determinado preceito normativo está ou não em harmonia com seu modelo obrigatório e supremo.
Ademais, ressalte-se que a interpretação da lei conforme a Constituição tem lugar não somente quando em jogo uma declaração de inconstitucionalidade, justificando-se também nos casos em que nenhuma das interpretações possíveis conduz à sua inconstitucionalidade. Isso ocorre em virtude da polissemia do texto legal, o qual pode resultar em duas normas constitucionais, porém uma sobreposta à outra, isto é, mais adequada aos preceitos constitucionais, sem que a outra, necessariamente, os desrespeite.
3.3. Cabimento e aplicabilidade do princípio da interpretação conforme a Constituição
Apesar da já citada relevância da interpretação conforme a Constituição há de se salientar que ela sofre certa limitação, a qual se baseia em duas premissas.
A primeira delas consiste no próprio texto da lei, isto é, na idéia de que quando o significado preliminar dos signos linguísticos não for dúbio, nem surgir essa dubiedade com a consideração dos elementos empíricos, é inviável o manejo da interpretação conforme à Constituição. Portanto, só seria legítima a utilização dessa técnica nos casos em que a norma deixa um espaço de decisão, mostrando-se aberta a variadas propostas interpretativas.
Assim, não cabe ao intérprete da norma forçar uma polissemia que não tenha referência, pelo menos mediata, no texto da lei (princípio da exclusão da interpretação conforme Constituição contra legem).
Desse modo, pode-se inferir que o texto legal delimita positivamente o espaço de movimentação do intérprete e atua, negativamente, para impedir que se chegue a uma norma sem a mínima recondutibilidade no texto. A esse teor, bem esclarece José Joaquim Gomes Canotilho:
“O programa normativo tem uma função de filtro relativamente ao domínio normativo, sob um duplo ponto de vista: (a) como limite negativo; b) como determinante positiva do domínio normativo. Esta função de filtro do programa normativo significa ser ele que separa os factos com efeitos normativos dos factos que, por extravazarem desse programa, não pertencem ao sector ou domínio normativo (função positiva do programa normativo). Além disso, como o programa normativo é obtido principalmente a partir da interpretação dos dados linguísticos, deduz-se o efeito de limite negativo do texto da norma (TN): prevalência dos elementos de concretização referidos ao texto (gramaticais, sistemáticos) no caso de conflito dos vários elementos de interpretação. Consequentemente, o espaço de interpretação, ou melhor, o âmbito de liberdade de interpretação do aplicador-concretizador das normas constitucionais, tem também o texto da norma como limite: só os programas normativos que se consideram compatíveis com o texto da norma constitucional podem ser admitidos como resultados constitucionalmente aceitáveis derivados de interpretação do texto da norma”(CANOTILHO, 2003, p. 1220).
Além do próprio texto da lei, outro limite à interpretação conforme a Constituição que determina seu cabimento e aplicabilidade é a vontade do legislador, a qual se traduz na finalidade claramente reconhecível da norma. Portanto, não basta tão somente que o texto legal tenha várias interpretações possíveis. Em verdade, a interpretação conforme a Constituição não deve ser utilizada para atribuir sentido à norma que desvie claramente do resultado pretendido pelo legislador ao criá-la. Nessa toada, estabelece também o ilustre jurista português, Canotilho:
“[...] a interpretação das leis em conformidade com a constituição deve afastar-se quando, em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou sentido objectivo claramente recognoscível da lei ou em manifesta dessintonia com os objectivos pretendidos pelo legislador” (CANOTILHO, 2003, p. 1227).
No entanto, é extremamente necessário esclarecer o que se compreende por “vontade do legislador". Nesse sentido, ressalte-se que se trata da vontade subjetiva do criador da norma, devendo o aplicador do Direito, ao ler o texto, incluí-lo num contexto jurídico e social, bem como buscar sua finalidade e sua razão de ser, isto é, o preceito máximo que se quer passar através da norma.
A esse teor, é relevante salientar que esse processo de identificação da vontade subjetiva do legislador pode levar à conclusão de que é impossível conformar o propósito da lei à Constituição. Desse modo, é inviável qualquer tipo de interpretação no sentido de “adequar” tal lei com os parâmetros constitucionais. Em verdade, nesses casos, restará ao juiz tão somente a declaração de inconstitucionalidade da norma. Portanto, não pode o Judiciário se eximir de tal responsabilidade, visto que o legislador manifestamente feriu a Constituição, não havendo que se falar em qualquer tipo de adaptação, sob pena de o intérprete atuar como legislador positivo, dando à lei aplicabilidade diversa daquela almejada. A imposição dessa proibição adaptativa-interpretativa se dá em virtude de que tal procedimento fere princípios basilares da Constituição, como a Separação de Poderes, bem como subjuga a vontade popular, a qual é emanada (e tão somente assim pode ser) pelo Poder Legislativo.
É factível que a interpretação das leis e da Constituição não é tarefa das mais simples, visto que exige do intérprete extremo conhecimento não só da lei em si, mas das técnicas e meios para interpretá-las corretamente em face ao caso concreto que se apresenta e de forma congruente com o ordenamento jurídico.
Nesse viés, é necessário que se esclareça, cada vez mais, o que se depreende por interpretação jurídica e como aplicá-la de modo efetivo. Para tanto, o presente trabalho buscou expor, inicialmente, uma análise acerca da conceituação de interpretação jurídica, entendida como a atividade em que o intérprete atribui sentido e alcance à norma para alcançar a solução ao questionamento jurídico que se impõe ao Estado solucionar.
Nessa toada, há de se reconhecer a importância da interpretação jurídica na aplicação do Direito, visto que esta constitui etapa preliminar e que deve estar presente quando da análise de qualquer norma jurídica, ainda que esta pareça extremamente clara quanto a seu sentido e alcance. Tal exigência se comprova ao passo que, por mais que uma norma aparente ser límpida quanto a seu conteúdo, sempre ensejará a possibilidade de controvérsias, sendo a interpretação jurídica o único meio efetivo de saná-las.
Portanto, considerando a existência de controvérsias em relação a uma mesma norma, há de se admitir também que a lei não possui única interpretação possível, ocorrendo decisões divergentes dos aplicadores e concretizadores das normas jurídicas. No entanto, tais decisões, se inseridas nos preceitos constitucionais, são totalmente válidas, sendo tal divergência somente em virtude das minúcias do caso fático que se analisa.
Ademais, é relevante salientar que a hermenêutica jurídica tem por objeto o desenvolvimento e a sistematização dos princípios de interpretação do Direito, sendo o meio de orientar o intérprete na aplicação da lei, isto é, impedir que ele, ao realizar a interpretação e ir além do texto para alcançar a norma, acabe por ultrapassar os limites positivos e negativos do texto legal. A hermenêutica, portanto, tem como cerne impedir que a interpretação da lei se torne ato de vontade a arbitrário do intérprete, ao passo que impõe padrões concretos e eficientes de orientação para utilização controlada e racional da interpretatividade.
No que tange, especificamente, ao princípio da interpretação conforme a Constituição, há se destacar que este tem por objetivo garantir a compatibilidade da norma ao ordenamento constitucional, buscando dar à lei sentido e alcance adequados em face da Constituição Federal. Neste diapasão, considerando os métodos hermenêuticos existentes, é inegável a extrema relação entre esse princípio e o método hermenêutico sistemático de interpretação, o qual sustenta que para se fixar a real exegese da norma, deve-se considerar todas as outras proposições do ordenamento jurídico. Sendo, portanto, a Constituição o ápice desse todo interpretativo, nada mais consistente do que considerar a interpretação conforme a Constituição uma espécie de interpretação sistemática.
Contudo, em outro viés, importante esclarecimento é o de que parte respeitável da doutrina entende em sentido mais amplo o princípio da interpretação conforme a Constituição, considerando-o, ainda, um mecanismo de controle de constitucionalidade. Entretanto, o presente trabalho se posiciona em sentido diverso, entendendo que o princípio não configura uma técnica de decisão no controle de constitucionalidade, sendo este mera decorrência possível e necessariamente posterior da interpretação sistemática, que traduz, em verdade, o cerne da técnica trazida pelo princípio em questão.
Por fim, deve-se entender que, apesar de técnica relevante na elucidação do objetivo da norma, e interpretação conforme a Constituição não pode ser utilizada de forma vil e, para tanto, tem limitações trazidas pela hermenêutica, a qual, como já exposto, sistematiza e orienta a interpretação das normas. Nessa toada, tais restrições consistem em duas premissas básicas, quais sejam o texto da lei e a vontade do legislador. A primeira remete à idéia de que não se deve utilizar a interpretação conforme a Constituição quando o significado preliminar do texto da lei não deixar um espaço de decisão, isto é, estar a norma aberta a variadas propostas interpretativas dúbias. Já o segundo limite da utilização da referida técnica é a análise da vontade subjetiva do legislador, consistente em não poder o intérprete modificar a finalidade claramente reconhecível da lei de modo a adaptá-la, sob pena de tal adaptação configurar verdadeira atuação do intérprete como legislador, ferindo a Constituição e toda a vontade popular, a qual é representada tão somente por aqueles que por ela foram eleitos.
Ante o exposto, o presente trabalho buscou esclarecer os vieses e a sistemática da interpretação jurídica e da interpretação conforme a Constituição, a qual deve servir como vetor hermenêutico da legislação de modo a atingir os objetivos precípuos do Direito e da lei, quais sejam a pacificação social, o estabelecimento da ordem e a manutenção e desenvolvimento sadio do Estado Democrático de Direito.
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Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, no programa de Direito que tem como linha de pesquisa: A efetividade do Direito Público e Limitações da Intervenção Estatal. Especialização em Direito tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC/Rio. Advogado
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Fabiano Fernandes. Identificação do processo no sistema constitucional de direitos e garantias fundamentais: o processo constitucional como instrumento de interpretação de institutos jurídicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jul 2021, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57019/identificao-do-processo-no-sistema-constitucional-de-direitos-e-garantias-fundamentais-o-processo-constitucional-como-instrumento-de-interpretao-de-institutos-jurdicos. Acesso em: 23 nov 2024.
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