EDUARDO CURY[1]
(orientador)
RESUMO: O Direito de Família vem se modificando com o passar dos anos, avançando na medida em que a sociedade evolui, diante disso o conceito família vem se expandindo e amparando as mesmas em suas diversas formas. O Código Civil de 2002 regulamentando o previsto na Constituição Federal de 1988, trouxe significativas mudanças no Direito de Família brasileiro, equiparando as diversas formas de filiação, com a consequente regulamentação legislativa, inclusive no que tange à filiação socioafetiva, a qual foi possível o reconhecimento pela via extrajudicial fulcrada no Provimento 83 do CNJ, o qual trouxe algumas modificações em seu texto, visando sempre o melhor para a criança. O reconhecimento socioafetivo através da via extrajudicial nos cartórios do Registro Civil, vem para agregar e formalizar o que já vem sendo praticado pelas famílias, como conviver em âmbito familiar de modo afetuoso. Conclui-se que, o reconhecimento jurídico da paternidade socioafetiva representa a evolução do Direito, onde o mesmo deve estar em consonância com a sociedade, se adequando as novas realidades para que traga segurança as pessoas que dependem de seu amparo. O Material consultado para a produção do resumo foram pesquisas bibliográficas, sites, artigos e jurisprudências relacionadas ao tema.
Palavras-chave: Reconhecimento. Paternidade Socioafetiva. Família. Provimento n.83.
ABSTRACT: Family Law has been changing over the years, advancing as society evolves, in view of this, the concept of family has been expanding and supporting them in their various forms. The 2002 Civil Code, regulated and provided for in the Federal Constitution of 1988, brought significant changes in the Brazilian Family Law, equating the various forms of affiliation, with the consequent legislative regulation, including with regard to socio-affective affiliation, which was possible to recognize through the extrajudicial channel established in CNJ Provision 83, which brought some changes to its text, always seeking the best for the child. The socio-affective recognition through the extrajudicial means in the Civil Registry Offices comes to aggregate and formalize what is already being practiced by the families, such as living together in a family environment in an affectionate way. It is concluded that the legal recognition of socio-affective paternity represents the evolution of Law, where it must be in line with society, adapting to new realities so that it brings security to people who depend on its support. The material consulted for the production of the abstract was bibliographic research, websites, articles and jurisprudence related to the theme.
Keywords: Recognition. Socio-affective paternity. Family. Provision n.83.
1 INTRODUÇÃO
O conceito família vem se modificando com o passar do tempo, e o direito como uma ciência política, também deve sempre estar em constante evolução, para que assim possa amparar aqueles que mais precisam.
Dessa forma, surge uma nova constituição de família, agora baseado no amor e no afeto, onde há a possibilidade de reconhecer como seu e para todos os fins de direito o filho que antes era somente de criação.
O reconhecimento socioafetivo nada mais é do que o reconhecimento jurídico da maternidade e ou paternidade com base no afeto, sem que haja vínculo de sangue entre as pessoas, ou seja, quando um homem e ou uma mulher cria um filho como seu, mesmo não sendo mãe ou pai biológico da criança.
Diante disto, a consagração da igualdade entre os filhos se deu com a Constituição Federal de 1988, por força do artigo 227, trazendo proteção nas relações jurídicas, deixando claro que, para todos os fins o sociológico não se distingue do biológico, ambos portanto possuem os mesmos direitos e deveres.
Outro marco na filiação socioafetiva, se deu com o Conselho Nacional de Justiça e sua implantação do Provimento 63 em 14 de novembro de 2017. Esse procedimento que antes era realizado somente na via judicial, passou, portanto, a ser realizado também nas vias administrativas extrajudiciais, desafogando assim o judiciário, que já vem sendo um tanto extenuante.
Com a necessidade de melhorias e seguindo a evolução da sociedade, teve seu texto alterado pelo Provimento 83, de 14 de agosto de 2019, anunciando mudanças significativas nos procedimentos extrajudiciais em questão, optando por modificar algumas das situações em que se enquadraria o reconhecimento extrajudicial socioafetivo. O mesmo, também trouxe benefícios para o procedimento, dificultando assim possíveis fraudes, como por exemplo a adoção a brasileira.
Para a proteção, e respeitando o direito dos filhos, ficou resguardado, a posse do estado de filho, não podendo se falar então em desconstituição da filiação da paternidade socioafetiva, uma vez que tal ato assegura a estrutura da base familiar baseada no afeto.
A filiação socioafetiva, portanto, passa a ser um tema de grande destaque, que cada vez mais vem encontrando apoio no direito brasileiro, assim como a descomplicação na esfera extrajudicial, preservando sempre a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os filhos, sejam eles biológicos ou não.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA
O conceito histórico de família sofreu inúmeras transformações ao passar dos anos na medida em que as relações humanas evoluíam. O fato gerador econômico não era mais o ponto importante de ligação entre os entes da família, agora nesse novo conceito o que ganha espaço é o amor, o afetivo que se sobrepõe ao patrimonialismo. É importante ressaltar, que o conceito de união familiar vem se modificando e dando espaço para incluir em seu cerco todos os que antes eram afastados por não serem de sangue, assim, transformando através dos tempos e se reajustando tanto nas mudanças religiosas, socioculturais e econômicas.
Nesse contexto, podemos afirmar que a família passa por profundas transformações, tanto internamente, no que diz a respeito à sua composição e as relações estabelecidas entre seus componentes, quanto as formas de sociabilidade externas existentes, fato este que tende a demonstrar seu caráter dinâmico. (OLIVEIRA, 2009, p.01).
No passado não muito distante, havia uma objetiva distinção entre filiação legitima e filiação ilegítima. As leis vigentes antes da Constituição Federal 1988 firmavam um modelo de família patriarcal, portanto era excluída toda tutela jurisdicional, assim como qualquer entidade familiar onde o filho fosse havido fora do casamento, dessa forma a constituição de uma família considerada legitima só era possível com a efetivação do matrimonio. Para ser especifico durante a vigência do Código Civil de 1916, sendo que, o filho legítimo era aquele nascido da união carnal durante o casamento. Como disciplinava o Código Civil de 1916, em seu artigo 337, os filhos concebidos na constância do casamento eram legítimos, mesmo que ainda fosse anulado ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé.
O filho concebido antes do casamento era ilegítimo até que se formalizasse a união dos pais através do casamento. O mesmo, era muito mal visto perante a sociedade, sendo julgado severamente por simplesmente ter nascido fora da união regular de fato de seus genitores, onde o mesmo não obteve nenhuma culpa. Era muito comum naquela época a religião obrigar o pai a abandonar o filho mesmo que ele quisesse assumir, e com isso, o mais prejudicado nessa história era a criança.
De acordo com Maria Berenice (2007, p. 318), os filhos havidos fora do casamento, eram tratados como se não existissem, e negar esse reconhecimento ao filho, excluía-los de direitos, trazendo punição ao mesmo que não possuíam culpa pela postura do pai, que se liberava do ônus do poder familiar.
A partir da Constituição Federal de 1988 muitos dispositivos foram revogados, trazendo uma nova estrutura na base jurídica, relacionados a princípios constitucionais, reforçando tais como igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, e esses princípios passaram a integrar o direito de família.
O direito de família é o que mais avançou nos últimos tempos, levando-se em consideração que seu foco são as relações interpessoais e que estas acompanham os passos da evolução social. A família contemporânea caracteriza-se pela diversidade, justificada pela incessante busca pelo afeto e felicidade. Dessa forma, a filiação também tem suas bases no afeto e na convivência, abrindo- se espaço para a possibilidade da filiação não ser somente aquela que deriva dos laços consanguíneos, mas também do amor e da convivência como é o caso da filiação socioafetiva. (BARRETO, 2013, p. 4).
Um grande marco na evolução do conceito de filiação no ordenamento jurídico brasileiro, se deu com vigência do artigo 227§6° da Constituição Federal de 1988, onde trouxe em seu texto que os filhos havidos da união do casamento ou não, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
O sistema de justiça se tornou amplo, devido justamente a lei tutelar essas outras formas de família, consequentemente trazendo regulamentação e acesso igualitário aos filhos, sendo eles biológicos ou socioafetivos.
A nova roupagem do conceito de família e por que não dizer de todo o direito civil transcorreram do livramento das amaras do liberalismo e da patrimonialização das relações sociais permitindo que os interesses puramente individuais passassem a se submeter a outros valores. Por tal firma, nossas concepções acerca da família vêm surgindo no ordenamento pátrio, conceito tais que se fundão sobre a personalidade humana, devendo a entidade familiar ser entendida como grupo social fundado em laços afetivos, promovendo a dignidade do ser humano, no que toca a seus anseios e sentimentos, de modo a alcançar a felicidade plena. (BARRETO, 2013, p. 10).
Nesse novo Estado Democrático de Direitos não mais importa o estado civil dos genitores, ficando assim perante a lei e sociedade a igualdade entre todos os filhos concebidos de qualquer relação.
3 O SOCIOAFETIVO SOB O DIREITO DE IGUALDADE COM O BIOLÓGICO
O Reconhecimento Socioafetivo é de grande relevância para o direito de família, pois é com esse novo conceito de filiação que agora é possível registrar como seu para todos os fins de direitos o filho que antes era somente de criação.
Por muito tempo, o termo família se referia somente a pai, mãe e filhos havidos através da união, entretanto a maternidade e paternidade vem se modificando, onde antes havia apenas espaço para o tradicional, hoje o principal ponto para a formação da família é a afetividade, afastando, portanto, qualquer tabu como a filiação ilegítima.
Cada vez mais as pessoas que exercem os papeis de pais não correspondem aos genitores, razão pela qual está ocorrendo um movimento de desbiologização da filiação, que privilegia a afetividade em detrimento da verdade biológica. Tao movimento tem sido muito importante para o direito e para as relações pessoais, tendo em vista que a genética não pode prevalecer sobre o afeto. (OLIVEIRA; PAZZINI, 2014, p.9 apud SILVA; ALBUQUERQUE, 2020, p.5).
A discriminação findou-se com a Constituição Federal de 1988. A mesma consagrou a igualdade entre os filhos, ocasião que as normas passaram a se adaptar a novas realidades, promovendo proteção nas relações que antes vinham sendo inexistentes no mundo jurídico.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[...].
§ 6o. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2018, p.146).
O vínculo do socioafetivo aparece como um enigma jurídico expressivo e, por essa razão, merece amparo na lei, pois de acordo com o artigo 1.593 do Código Civil, se admite também o parentesco de outra origem e não somente o consanguíneo. O novo conceito de família provoca centenas de conflitos ao redor da paternidade no âmbito social, afetivo e no ramo jurídico.
A Constituição Federal em seu texto, abrange o conceito de família, trazendo o princípio de igualdade da filiação para o socioafetivo e biológico, adentrando nas relações familiares, e nos relacionamentos afetivos, decorrente da necessidade de cada familiar, em fazer preponderar sua realização e seus valores.
A filiação Socioafetiva se funda, portanto na relação construída entre pais e filhos, tanto em aspectos afetivos como sociais. O tema vem ganhando bastante discussões nos tribunais, pautando-se sempre na igualdade de direitos entre os filhos, prevista expressamente no artigo 227 §6º e reforçado pelo artigo 1596 do Código Civil. Um exemplo disso, são as doutrinas e jurisprudências de forma quase majoritária, serem favoráveis a ambos os filhos terem direito a sucessão, reforçando que a filiação Socioafetiva gera todos os efeitos pessoais e patrimoniais para ambos os filhos.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. FILIAÇÃO. IGUALDADE ENTRE FILHOS. ART. 227, § 6º, DA CF/1988. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VÍNCULO BIOLÓGICO. COEXISTÊNCIA. DESCOBERTA POSTERIOR. EXAME DE DNA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. GARANTIA. REPERCUSSÃO GERAL. STF. 1. No que se refere ao Direito de Família, a Carta Constitucional de 1988 inovou ao permitir a igualdade de filiação, afastando a odiosa distinção até então existente entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos (art. 227, § 6º, da Constituição Federal). 2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos. 3. A existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade biológica. Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis. 4. O reconhecimento do estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. 5. Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são inerentes à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação. 6. Recurso especial provido. (JUSBRASIL, 2017, p.1).
Vem se intensificando cada vez mais a busca pelo conhecimento e aceitação no ambiente social desta nova forma de filiação, fazendo com muitas famílias busquem o amparo da lei. Os desafetos advindos dessas referidas relações fazem com que se saia de uma sociedade fática, para o mundo real e jurídico, buscando sempre quebrar a problemática da desbiologização da paternidade.
A filiação tem perdido sua função biológica (garantida pelos laços de sangue e genéticos) para exercer sua função social (garantida pelos laços de afeto). Assim, a identidade biológica entre pais e filhos não garante mais a convivência e o reconhecimento da relação, pois as necessidades que envolvem essa relação são muito mais de cunho social, afetivo, cultural e ético que de cunho biológico. Com isso, a desbiologização da paternidade é cada vez mais crescente no núcleo familiar, que passa a adotar seus filhos muito mais por opção que pela falta dela. (CAMPOS, W.A.L.C.D.F, 2006, p.326 apud ARTONI, P.B, 2019, p. 24).
A filiação socioafetiva encontra sua fundação nos entre laços afetivos construídos pelo cotidiano, pelo relacionamento de amor, companheirismo, doação, e reciprocidade entre filhos e pais. A relação socioafetiva está cada vez mais ganhando espaço, tanto no setor social como no setor jurídico, considerando a distinção entre genitor e pai, no direito ao reconhecimento da filiação, como trás o Código Civil, tendo-se por pai aquele quem cria, desenvolvendo o papel de educador, protetor, e apoio ao emocional.
Durante o exercício do poder famílias, uma relação de afetividade, exercida pelos pais socioafetivos, regulariza o amparo jurídico de todos os efeitos que derivam tanto da vinculação biológica como da socioafetiva. Entretanto, caberá aos pais socioafetivos, tanto quanto os biológicos, em relação aos filhos menores dirigir-lhe a criação e educação, tê-los em sua companhia e guarda. (SILVA; BONVICINI, 2016, p. 12).
Assim, diante do exposto de família contemporânea, é necessário demonstrar os impactos causados no subdesenvolvimento emocional, patrimonial e social na sociedade, da paternidade socioafetiva, assim como o direito de registro do filho, transparecendo o que deve andar lado a lado, o que é biológico ou o que é afetivo, para que fique claro a importância da unificação do que é paternal, evitando, assim, que a vida humana seja afetada devido aos conflitos ainda existentes no que tange a respeito ao mundo social e jurídico da criança.
4 PROCEDIMENTO ÁGIL E EFICAZ POR VIA EXTRAJUDICIAL
A filiação socioafetiva é tema antigo, porem vem ganhando visibilidade nos dias atuais, amparados juridicamente. O Conselho Nacional de Justiça em seu Provimento 63, trouxe um grande marco para essa filiação, regulamentando o procedimento do reconhecimento da filiação socioafetiva, perante aos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais.
O Provimento 63/2017 do CNJ implantou na esfera administrativa a possibilidade do reconhecimento da filiação socioafetiva, sendo efetivado nos cartórios de Registo Civil, deixando assim o processo menos burocrático e mais ágil, uma vez que se encontra amparo na lei, e um conforto emocional, podendo realizar esse processo dentro dos conformes legais de um jeito muito mais simplificado e rápido.
A paternidade socioafetiva existe quando ocorre um vínculo na relação entre pais e filhos, mesmo que esse não seja sanguíneo, será constituído, portanto, pelo laço emocional afetivo. No entanto, nem sempre esse processo foi facilitado, antes era necessário recorrer ao judiciário para sua efetivação, porém, com o Provimento 63 de 2017 do CNJ, foi introduzido também na via administrativa.
Com este novo modo agora é possível concretizar o ato do reconhecimento de paternidade socioafetiva diretamente nos Cartórios de Registro Civil.
Nesse cenário, a Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou em 2017, o Provimento nº 63 estabelecendo regras para o procedimento no extrajudicial, contudo em 2019, entrou em vigor o Provimento n. 83, trazendo em seu texto modificações e novos requisitos a serem observados.
A socioafetividade surge da necessidade de olhar para outras configurações familiares e legitima-las. Assim para o direito brasileiro a uma nova orientação que determina as relações parentais mais pelo afeto do que pela verdade biológica ou registral, levando a filiação socioafetiva a ter maior valor do que o laço consanguíneo. (DIAS, M.B. 2016, p.123 apud OLIVEIRA, L.F.; SOARES, L.C.E.C.; FERRAZ, A.C.; COELHO, R.M. 2020, p. 14).
Em razão ao primeiro provimento, os filhos poderiam ser de qualquer idade, porém se fossem maiores de dezoito anos teriam que consentir, já com o novo Provimento Nº 83 de 14/08/2019, houve algumas modificações significativas, onde agora, somente os filhos maiores de 12 anos serão beneficiados com o reconhecimento por via administrativa, onde deverão atestar seu consentimento, ficando os menores de 12 anos a recorrer ao judiciário.
O Reconhecimento unilateral (somente um pai ou uma mãe socioafetiva), ficou acordado em ambos os provimentos, como também o necessário consentimento do pai ou mãe biológico, atestado do registrador sobre a existência da afetividade e o parecer favorável do Ministério Público, que equivalera ao deferimento.
A razão para essas significativas mudanças diz respeito as adoções ilegais, como por exemplo a adoção a brasileira, assim conhecida. Quando nos referimos aos adolescentes, estes já conseguem manifestar sua concordância, o que não aconteceria em casos que envolvam crianças menores de 12 anos.
Até pouco tempo, o reconhecimento e registro de uma relação filial socioafetiva somente poderia se dar por intermédio de uma intervenção do poder judiciário. Ou seja, os interessados em ver registrada uma data filiação sofioafetiva (ainda que consensual) deveriam, necessariamente, ajuizar uma ação judicial para alcançar tal intento, o que demandada a intervenção de advogado, o custo e o tempo de um processo judicial, dentre outros percalços, que envolvem uma demanda em juízo. Nesse contexto os cartórios de registro civil, registravam de forma direta apenas filhos de pessoas que se declaravam ascendentes genéticas, de quem pretendiam reconhecer ou, então, nos casos que incidiam as respectivas presunções legais. Assim, eram registrados extrajudicialmente, ou seja, diretamente nas serventias de registro, apenas os filhos biológicos e aqueles havidos de relação na qual incidisse uma presunção legal. Já os filhos socioafetivos, só poderiam ser reconhecidos pela via jurisdicional, o que fazia com que muitos vínculos dessa natureza não fossem devidamente registrados, apesar de presentes na realidade fática. (CALDERÓN; TOAZZA, 2019, p.1).
Devido a esse novo Provimento portanto o reconhecimento socioafetivo conduzido pelo CNJ, está possibilitando a realização do procedimento via extrajudicial, de uma forma mais simplificada, de acordo com as formalidades legais. Por ser realizado através de um cartório, é medida para desafogar o poder judiciário, onde o mesmo se encontra engessado com inúmeros processos, ficando assim mais célere e não necessitando de um advogado.
5 A POSSE DO ESTADO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA E A IMPOSSIBILIDADE DE SUA DESCONSTITUIÇÃO
A Constituição da República de 1988 foi o marco inicial na efetiva transformação do Direito de Família, pois eliminou alguns conceitos que até então eram tratados pelo Código Civil de 1916.
A filiação passou, portanto, a ser igualitária, independentemente de sua origem, não baseando-se mais na família hierarquizada e consanguínea, e sim no princípio da afetividade, e dignidade da pessoa.
Assim, constata-se que a filiação socioafetiva, caracterizada pela afetividade, bem como pela posse de estado de filho, é tão importante quanto à biológica e por essa razão, merece proteção não podendo ser desconstituída.
A partir do momento em que se constitui a filiação fundada exclusivamente em laços afetivos, constituída também estará a identidade da prole. Não convém que a relação envolvendo pais e filhos, independentemente do liame biológico, se desconstitua, uma vez que a relação parental é um fator essencial no desenvolvimento do filho no que tange a formação de sua personalidade. (OTONI, 2010, p.1).
Quando o ato da filiação socioafetiva se concretiza, não se pode falar em desconstituição futura, justamente pelo fato dessa relação depender exclusivamente da afetividade, esta que, se fortalece dia após dia. Independente do fator biológico, tais sentimentos portanto construídos e assumidos voluntariamente, não se pode “perder”, pois foi o que estruturou a relação familiar.
A Justiça não julga as relações socioafetivas, com base na consanguinidade, pois precisa analisar mais afundo a questão, pois sabe-se que havia um comportamento da pessoa com sentimento de pai/mãe para filho, o que consolida a filiação. A mesma, não se dissolve com base em alegações de vícios e fraudes, e muito menos com arrependimento posterior.
O liame socioafetivo é primordial quando se objetiva esclarecer possíveis conflitos envolvendo as relações de paternidade, ou seja, a filiação socioafetiva é a base para se estabelecer direitos, buscando sempre o bem estar da prole. É comum em um meio familiar, ocorrer eventuais desentendimentos entre pais e filhos. Contudo, independentemente da causa que gerou a discussão, não estará desconfigurada a relação afetiva existente entre pais e filhos, uma vez que esta relação é de suma importância no desenvolvimento do ser humano. (OTONI, 2010, p.9).
Sobre a filiação socioafetiva e a impossibilidade da desconstrução do vínculo tem-se o julgado a seguir:
REGISTRO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE VIA ESCRITURA PÚBLICA. INTENÇÃO LIVRE E CONSCIENTE. ASSENTO DE NASCIMENTO DE FILHO NÃO BIOLÓGICO. RETIFICAÇÃO PRETENDIDA POR FILHA DO DE CUJUS. ART. 1.604 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. ATO DE REGISTRO DA FILIAÇÃO. REVOGAÇÃO. DESCABIMENTO. ARTS. 1.609 E 1.610 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Estabelecendo o art. 1.604 do Código Civil que "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade de registro", a tipificação das exceções previstas no citado dispositivo verificar-se-ia somente se perfeitamente demonstrado qualquer dos vícios de consentimento, que, porventura, teria incorrido a pessoa na declaração do assento de nascimento, em especial quando induzido a engano ao proceder o registro da criança. 2. Não há que se falar em erro ou falsidade se o registro de nascimento de filho não biológico efetivou-se em decorrência do reconhecimento de paternidade, via escritura pública, de forma espontânea, quando inteirado o pretenso pai de que o menor não era seu filho; porém, materializa-se sua vontade, em condições normais de discernimento, movido pelo vínculo socioafetivo e sentimento de nobreza. 3. "O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil" (REsp n. 878.941-DF, Terceira Turma, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17.9.2007). 4. O termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral – portanto, jurídica –, conquanto respaldada pela livre e consciente intenção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil. 5. Recurso especial provido. (RECURSO ESPECIAL nº709608/MS)
O reconhecimento da filiação socioafetiva, trata-se de uma paternidade irretratável, principalmente quando essa relação entre os mesmos já se concretizou, tendo a criança em relação ao pai o estado de posse de filho. É necessário levar em consideração a inclusão desse filho na sociedade e seio familiar, uma vez que a ruptura desse vinculo fere as normativas e direitos da dignidade da pessoa humana.
Percebe-se que nos dias de hoje, a filiação socioafetiva tem proteção mais efetiva, estruturando as bases familiares e zelando pela harmonia nas relações jurídicas. A desconstituição torna-se irrevogável, prezando pela dignidade do filho socioafetivo, assim como a da própria pessoa que o registrou formalmente.
No que tange a regulamentação supracitada, é notório sua importância para que prevaleça sempre o bem estar e saúde emocional da prole, visando sempre o afeto, uma vez que não se pode pensar em desconstituição da paternidade socioafetiva, por não haver vinculo sanguíneo, justamente para que se prese a base familiar respeitando o direito dos filhos sobre o estado de filiação. Vale ressaltar que, para tal procedimento faz-se necessário atender a formalidades e requisitos, com provas de inexistência de vinculo, seja de afeto, convivência, tratamento reciproco, dentre outros, devendo cada caso ser analisado em sua individualidade.
6 CONCLUSÃO
Indubitavelmente, sabe se que o direito sendo uma ciência política, necessita estar em constante evolução, para amparar toda uma sociedade, assim como as diferentes transformações sofridas com o passar dos anos.
A família em seu processo histórico, veio se modificando, seguindo as fases de desenvolvimento através dos diferentes costumes e valores, assim nascendo um novo conceito de família, onde o fato gerador econômico, já não era tão importante para formação da mesma, surgindo então a ligação através do amor, do afeto assim como a conhecemos hoje em dia.
Dessa forma, houve um primoroso avanço na possibilidade do reconhecimento da filiação socioafetiva, como uma nova estrutura familiar, trazendo igualdade entre os filhos, colocando sempre em equidade seja ele biológico ou afetivo.
O artigo 227, em seu §6 da referida Constituição Federal foi de grande importância, pois fundou expressamente essa igualdade entre os filhos, trazendo proteção e amparo a essas relações, que até então eram inexistentes. O direito à filiação diante o nosso ordenamento jurídico consagra o direito da dignidade da pessoa humana, deixando claro que a prioridade aqui sempre será a do filho.
Outro grande marco para este tipo de filiação foi a instalação do Provimento 63/2017, do Congresso Nacional de Justiça, onde trouxe regulamentação para o procedimento que passou a ser implantado também na via administrativa, nos cartórios de Registro Civil.
É notório portanto sua importância, pois o reconhecimento socioafetivo passou a ser um procedimento mais facilitado e ágil, o que possibilitou o desafogamento do judiciário, de forma eficaz.
Seguindo as modificações da sociedade, o provimento supracitado, teve seu texto modificado já em 2019, pelo então Provimento de n. 83, que trouxe significativas alterações. Umas delas sendo a idade dos filhos, agora os maiores de 12 anos deverão consentir com o reconhecimento, evitando assim possíveis burlas a Lei.
Preencheu-se então uma lacuna que havia na questão desse tipo de filiação, ajudando na solução dos conflitos trazidos pela sociedade contemporânea, amparando todos aqueles que criam uma pessoa como sendo seu filho, mesmo sem vínculo sanguíneo, transparecendo portanto o estado de família sociológica, ou seja, a verdade socioafetiva, que nada mais é do que pais, aqueles que cuidam, amam, e zelam, pela vida da criança, exercendo a verdadeira função de família, resguardando o direito de igualdade entre os filhos.
Nesse sentido, a filiação passou a ser caracterizada pelo princípio da dignidade e afetividade, levando em consideração o estado de posse do filho, consequentemente sendo considerado tão importante como a família biológica. Passou então a ter proteção, não se podendo falar em desconstituição nem erros e nem fraudes. Isso faz com que se prevaleça o bem estar e saúde emocional do filho, estruturando sua base familiar, e zelando na harmonia das relações jurídicas.
Com essa atual realidade, esse procedimento é eficaz para que se consiga ajudar famílias a realizarem o sonho de reconhecer como seu o filho de outro, mas sempre amparados pela Lei, ressaltando, a desburocratização desse procedimento, uma vez que, sendo implantado na via administrativa, serve como fonte de desafogamento do poder judiciário, sendo assim uma forma mais rápida e ágil de se conseguir de forma legal o reconhecimento do filho socioafetivo.
Ressalta-se que a finalidade do reconhecimento da filiação socioafetiva é a desbiologização da paternidade, desconstruindo a imagem de que para ser pai deverá ser sempre biológico, e abrindo espaço para provar que pai é aquele quem cria, educa e ama, entendendo-se que a paternidade em seu sentido mais amplo está acima do fator biológico, está ligado diretamente com a escolha, desejo de ser pai.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Direito e docente no UNIFUNEC - Centro Universitário de Santa Fé do Sul - SP,
Artigo publicado em 29/09/2021 e republicado em 15/05/2024
Bacharela do curso de Direito do Centro Universitário de Santa Fé do Sul - SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Amanda crispilho. Evolução do conceito de família: ênfase no reconhecimento socioafetivo via extrajudicial e seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 maio 2024, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57237/evoluo-do-conceito-de-famlia-nfase-no-reconhecimento-socioafetivo-via-extrajudicial-e-seus-reflexos-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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