WALTER MARTINS MULLER
(orientador)
RESUMO: O direito deve sempre buscar acompanhar a realidade da sociedade na qual se faz presente, desta maneira os costumes que este povo possuem, acabam tornando-se uma regra ou então Lei, isso sendo possível analisar desde o começo das civilizações. O direito nas primeiras civilizações, até o momento da elaboração das constituições federais brasileiras, levando em consideração todo esse processo histórico desde a sua descoberta, onde era colônia, até o momento de Brasil republica. Os métodos utilizados para produção deste trabalho foram o estudo de livros sobre história do direito e colonização, artigos online sobre o assunto e também a análise das próprias cartas maiores, desde a sua primeira em 1824, constituição do império até a nossa última, promulgada em 1988, conhecida como constituição cidadã, por sua grande abrangência em direitos, dentre eles o direito a culta. Dentro deste contexto, é presente também a chamada teoria da adequação social, que traz consigo o preceito de que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, em conjunto ao trabalho da adequação social, os costumes abolicionistas, estes reforçando a força do costume dentro da sociedade. O objetivo principal é frisar em como os costumes de um povo, criam vida em um todo sua sociedade, e que o respeitar e preservar os costumes é também conservar sua história.
Palavras-chave: História do Direito. Costumes. Sociedades primitivas. Constituição federal. Cultura.
ABSTRACT : The law must always seek to accompany the reality of society in which it is present, in this way the customs that these people have, end up becoming a rule or law, this being possible to analyze since the beginning of civilizations. The law in the first civilizations, until the moment of the elaboration of the Brazilian federal constitutions, taking into account all this historical process since its discovery, where it was a colony, until the time of Brazil republica. The methods used to produce this work were the study of books on the history of law and colonization, online articles on the subject and also the analysis of the major letters themselves, from its first in 1824, the constitution of the empire until our last, promulgated in 1988, known as the citizen constitution, due to its wide range of rights, including the right to cult. Within this context, the so-called theory of social adequacy is also present, which brings with it the precept that although a conduct falls under the legal model it will not be considered typical if it is socially adequate or recognized, together with the work of social adequacy, abolitionist customs, these reinforcing the strength of custom within society. The main objective is to emphasize how the customs of a people create life in their society as a whole, and that respecting and preserving customs is also to preserve their history.
Keywords: History of law. Customs. Primitive societies. Federal Constitution. Culture.
Sumário: 1. Introdução; 2. História do Direito; 3. Direito nas primeiras sociedades; 4. Direito no Brasil Colonia; 5. A elaboração da Lei Maior Brasileira; 6. Teoria Tridimensional do Direito; 7. Teoria da Adequação Social; 8. Costume abolicionista; 9. Conclusão; 10. Referências bibliograficas.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo elenca questões como a história do direito, em como o direito é fruto de hábitos que acabaram tornando-se lei para certo povo, como a legislação fora se transformando e mudando quanto ao passar dos tempos, para assim acompanhar a sociedade e deste modo estar em consonância com o tempo atual de quem demanda de tal.
Algo também notório a relacionar quando comentado a este assunto é de como cada local tem sua maneira de lidar com os textos de Lei.
A legislação nada mais é que uma procura da paz entre o seu povo, o direito fora criado exatamente com este intuito, para manter as relações entre os cidadãos da melhor maneira possível, resumidamente é o decurso das relações sociais, ou seja, a moral e os costumes.
Um exemplo ao qual podemos citar é a diferença cultural que possuímos no oriente e no ocidente do globo terrestre, e essa cultura acaba influenciando diretamente em como seus cidadãos agem, e assim impondo de certa maneira como lidarão com as situações de esfera jurisdicional.
É evidente que há completa divergência entre o direito positivado e a sua aplicabilidade, pois depende de diversos fatores, não apenas de um texto de Lei. Por isso será analisado a evolução histórica desde as primeiras sociedades até os dias atuais e com esta evolução como fica claro a importância do respeito e da utilização dos costumes na elaboração da legislação de um povo.
2 HISTÓRIA DO DIREITO
Quando se fala de história de direito é difícil citar com precisão uma data, ou um período de toda a história da sociedade, existe muita discussão quanto a isto, pois não existe um evento certo para que seja datado, o direito, até os dias atuais, está em construção, desde que foram criadas as primeiras sociedades. O que se tem com maior conhecimento sobre este assunto como marco, é o que se conhece atualmente como ramo do direito civil, mais precisamente, direito de família, pois os laços familiares formariam assim também o que temos hoje como relações jurídicas, como por exemplo nas sucessões, como diz Wolkmer (2006, p. 18) conforme citado por Fustel de Coulanges (1983, p.182-184) para escrever que o direto antigo não é resultado de uma única pessoa, pois se impôs a qualquer tipo de legislador. Nasceu espontânea e inteiramente nos antigos princípios que constituíram a família, derivando crenças religiosas, universalmente admitidas na idade primitiva desses povos e exercendo domínio sobre as inteligências e sobre as vontades.
Neste sentido as sociedades foram evoluindo, estas ao longo de toda a extensão do globo terrestre, criando com elas, seus costumes, suas próprias legislações. Com o início das colonizações, que se deram principalmente pela sociedade europeia, começa-se então uma espécie de divergências entre os colonizadores e os colonizados, que possuíam estilos de vidas opostos, neste contexto Wolkmer (2006, p.17) cita em seu livro fundamentos da história do direito desta maneira:
Não parece haver dúvida de que o processo contemporâneo de colonização gerou um surto de pluralismo jurídico, representado pela convivência e dualismo concomitante, de um direito “europeu (common law nas colônias inglesas e americanas, direitos romanistas nas outras colônias) para os não indígenas e, por vezes, para os indígenas evoluídos; e outro, do tipo arcaico para as populações autóctones.
Quanto mais ia-se desbravando novas terras, mais eram “descobertas” novas sociedades e com elas suas particularidades, na sua maneira de viver e de lidar com diversas obrigações.
3 DIREITO NAS PRIMEIRAS SOCIEDADES
O ser humano como um ser social, desde que se tem conhecimento, vive em sociedade, e com isto começa a sentir a necessidade de estabelecer regras para que seja possível a vida em sociedade. Antes mesmo da criação de um Estado regente, nos clãs e tribos por exemplo já era possível notar-se a presença de normas não escritas, mesmo com a inexistência de uma carta maior, o direito se mostrava presente e começando a dar seus primeiros passos.
É notório ressalvar que, mesmo que primitivos, não deve se tratar este direito como antigo, como destaca Freitas:
“Vale ressaltar que os Direitos primitivos não podem obrigatoriamente, ser qualificados como “antigos”. A razão para tanto é deveras simples: muitas sociedades, até hoje organizam-se longe dos auspícios do Estado, ainda que, oficialmente, estejam submetidas ao seu império. É o caso dos povos indígenas, que normalmente se encontram protegidas em reservas legais, ali observando, em maior ou menor grau, um Direito ancestral.” (2011, p. 31)
Para diversos povos que mesmo ainda no tempo atual, vivem “isolados” das demais sociedades, suas maneiras de lidar com regras não mudaram, pois possuem um processo de evolução diferente, da sociedade regida pelo Estado. Estas regras estão sempre de certa maneira condicionadas ao cenário cultural de cada povo.
Quanto a questão das fontes, retornaremos ao ponto de que, estas partem dos costumes como diz Freitas (2011, p. 33) conforme citado por Gillisen (2008, p.35-38) quanto as fontes, tem-se, em primeiro plano, os costumes e as Leis não escritas, logo seguidas pelos adágios e provérbios populares, bem como as decisões tomadas por força da tradição.
Desta forma, segue-se a ordem cronológica, desde as sociedades primitivas, passando pelas sociedades orientais antigas, no Egito antigo, no direito hitita, no direito persa, no extremo oriente, na antiguidade clássica, na Grécia antiga; no tão conhecido direito romano, no direito medieval, até chegarmos ao direito nas sociedades europeias, que foram dominantes de muitas colonizações, levando seu ordenamento jurídico para diversas partes do planeta, inclusive o Brasil.
4 DIREITO NO BRASIL COLONIA
No período do Brasil colônia, a administração da justiça ficava ao comando da coroa Portuguesa, que era regido por meio de monarquia, onde o poder pertence ao Rei. Os principais conjuntos de Leis portuguesas até o fim da monarquia foram: as Ordenações Afonsinas, as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas. Ordenações Afonsinas ou também conhecido como código Afonsino, que vigorou de 1446 até 1514; as Ordenações Manuelinas ou Código Manuelino, que vigorou de 1521 até 1595, e as Ordenações Filipinas ou Código Filipino, que vigorou das leis editadas de 1603 até 1830, onde foi criado o primeiro código criminal no Brasil.
As ordenações englobavam no meio jurídico não apenas Portugal, mas também suas colônias, no entanto, era de certa forma dificultosa a aplicabilidade na lei no território como cita Cezario (2010) “nem todas as leis eram de fácil aplicação no Brasil (assim como em outras colônias, onde muitas leis precisaram ser adaptadas), devido às peculiaridades culturais ou à falta de condições (de aplicação).”
Era difícil impor todo um “universo” novo para aqueles que ali já habitavam, toda uma cultura chegando a eles, um mundo diferente do que estavam acostumados. Sobre os direitos nas nações indígenas brasileiras, não se há muitas informações, no entanto, do pouco que se sabe, é que essas populações de certa maneira tiveram seu modo de lidar com conflitos, ou direitos, reprimidos por seus colonizados, tais quais impunham suas regras a aqueles que estavam ali antes deles, de acordo com Freitas (2011, p. 37)
Sabe-se que a assimilação foi demasiada brutal para se reconstituída. Ademais, raros foram aqueles que se preocuparam em juntar os pedaços desse imenso quebra-cabeças. Deste modo, sabe-se que o assunto acabou por não suscitar entre nossos juristas, ao contrário do que se verificou em outros países latino americanos, o mesmo interesse. O resultado é que são praticamente inexistentes as obras de Antropologia Legal no mercado editorial brasileiro. Durante muito tempo, o único manual disponível sobre a matéria foi aquele de Robert Weaver Shirley, fruto do rol de palestras proferidas em 1977 na Universidade de São Paulo.
Fica assim, evidente, o quanto desconhecemos do assunto anteriormente a colonização do território brasileiro e de seu povo nativo.
5 A ELABORAÇÃO DA LEI MAIOR BRASILEIRA
Dezenas e dezenas de décadas se passaram desde o começo das primeiras civilizações, até o começo das colonizações e pôr fim a “descoberta” do que hoje conhecemos como o Brasil. Desde que o Brasil tornou-se independente, foram elaboradas seis cartas constitucionais, nos respectivos anos de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967, até chegar-se a mais recente sendo a promulgada em 1988,
A Constituição Federal Brasileira de 1988, também conhecida como constituição cidadã, prometeu como sua promulgação, elevar completamente o direito do povo brasileiro, inclusive e sendo um ponto muito forte a cultura de sua sociedade, esta que é constituída de uma união de vários povos. Pereira (2008) traz que “O advento da Constituição Federal de 1988 trouxe a promessa de fomentar e proteger o “patrimônio cultural” brasileiro, dando a deixa para a atuação decisiva das chamadas leis de incentivo à cultura. O fomento, visto de relance, alcançaria todo bem simbólico atinente à identidade do povo brasileiro”. Para assim a legislação do pais, ganhar a identidade de seus cidadãos.
Desde a Constituição Federal de 1946, que trouxe em seu artigo 174 que “O amparo à cultura é dever do Estado” já começara a notar-se a importância desta. A cultura vem alinhada ao costume do seu povo, podemos dar como exemplo, se um ato for sempre tido como errado em uma sociedade, consequentemente se tornara proibido que se faça.
Posterior ao golpe no ano de 1964, o Congresso Nacional, que foi transformado em Assembleia Nacional Constituinte, elaborou a Constituição de 1967, que deu respaldo à ditadura militar. A constituição Federal de 1988 tentou de certo modo abranger o máximo possível todos esses aspectos, se tornando nos dias atuais, uma das cartas maiores mais abrangentes em direitos entre todos os países.
Em relação ao povo indígena, este que possui seu próprio capitulo em nossa carta maior, o art. 231 traz positivado quanto: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Como já comentado, quase nada se sabe sobre o povo indígena anteriormente a colonização, nos dias atuais, é positivado a obrigação do respeito ao costume deste povo.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 242, § 1º diz: “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”. Tão importante quanto respeitar os costumes na elaboração da legislação, é também passa-la a seu povo.
A importância da preservação e respeito dos costumes, é em principal que isso é todo o contexto de uma história, preservar seus costumes, positiva-los para posteriormente possuir conhecimento, é também conservar memoria dessa sociedade.
6 TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO
A chamada teoria tridimensional do direito, idealizada pelo jurista Miguel Reale traz uma espécie de divisão em três pilares sobre o direito, sendo elas fato, valor e norma. Esses três pilares sendo responsável por edificar e constituir a legislação, a junção do valor, fato e norma é que constitui a Lei, o doutrinador traz em seu livro filosofia do direito quanto “ao analisar-se fenomenologicamente a experiência jurídica o Direito é estruturalmente tridimensional, sendo percebido como elemento normativo, que disciplina os comportamentos” Reale (1999).
De uma maneira mais aprofundada a questão do costume, é utilizado e visto do próprio fato, o fato que é vivido dentro da sociedade e este vem a contribuir para a elaboração de uma lei, ou seja, esse fato se transforma em costume, ou cultura e por fim poderá vir a tornar-se positivado na legislação, como relata Carvalho, citado por Gonzales “a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, deve ser compreendida no contexto do culturalismo jurídico, isto é, de que o Direito é filho da cultura humana, algo que decorre do processo existencial dos indivíduos e da coletividade” ou seja, o culturalismo jurídico é fator importante para a elaboração daquilo que será ditado a uma população, para que se adeque a sua realidade de fato. Miguel Reale defende um Direito que seja mais condizente onde está inserido.
Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor (REALE, 2003, p.91).
Portanto, é importante salientar a necessidade da utilização plena dos três pilares, para que exista a consonância da Lei que será criada, pois esta envolve diversos fatores que vão além apenas do direito positivado. A norma vigente pretende a influenciar efetivamente no meio social e é porque vige e influencia que se torna positiva.
Como exemplo do universo de legislações, não é possível afirmar como toda a certeza de que os costumes sempre serão benéficos para a sociedade, e que deste modo sempre irão funcionar de maneira correta e esperada. Dentro dessa situação de legislações que tiveram seu rol mudado em questão do costume, podemos citar o caso da lesão corporal leve em contraposição a Lei Maria da Penha. O art. 88 da Lei 9.099/95, colocava que “Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.”, ou seja, dependia de representação para o início da persecução penal. No entanto, com a adesão da Lei Maria da Penha, tal qual vem a coibir a violência doméstica, como explica Garcez:
A Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, entre outros objetivos, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, atendendo às diretrizes preconizadas em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e, em especial, ao disposto no art. 226, §8°, da Constituição Federal, onde se lê que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Sendo assim, o legislador, busca novos mecanismos para preconizar maior proteção. Deste modo, a partir de 2012, o Supremo Tribunal Federal, vindo com entendimentos contrários a essa legislação, visando o grande número crescente de violências que aconteciam, entendeu que essa decisão não deveria depender de representação.
O Supremo Tribunal Federal, em 2012, fixou o entendimento de que não seria razoável deixar a atuação estatal a critério da mulher, pois a exigência dessa condição permitiria a reiteração da violência, caso a vítima não representasse ou se retratasse da representação oferecida, esvaziando-se a proteção pretendida pela lei, sendo, assim, necessária a intervenção estatal desvinculada da vontade da vítima. [...] Não demorou muito e, em 2015, com a edição da súmula 542, o Superior Tribunal de Justiça passou a adotar o mesmo entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Assim, caberá ao Estado tratar, sem que seja necessária a representação da vítima, para que não venha depender dela, pois em muitos casos, muitas daquelas que sofrem a violência, sentem-se de mãos atadas.
Como no caso citado, podemos evidenciar a visão do costume e cultura, pois ele nem sempre estará em consonância, e deverá ser modificado pelo legislador, a fim de atender da melhor maneira possível sua sociedade
Outro exemplo prático que poderá ser citado a Lei 11.343/06, também chamada de Lei antidrogas. Sendo infelizmente o Brasil, um pais com sérios problemas no leque geral sobre drogas, a Lei positivada acaba sendo ineficaz na pratica, ela visou pôr fim ao tráfico e ao consumo de drogas no âmbito nacional, não sendo, porém, eficaz quanto ao seu objetivo. Podemos relatar o artigo 28 desta lei que diz “Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.” Este crime com essa Lei, em comparação a anterior, dá apenas advertências para aqueles que o cometerem, não tendo uma punição mais severa, como sugere Leite (2008)
Ocorre que, tais penas, além de diminuírem a carga punitiva do crime de porte para uso próprio, tendo em vista que a revogada Lei nº. 6.368/76, previa para a mesma conduta uma pena privativa de liberdade - detenção de seis meses a dois anos, nos termos do seu artigo 16 - retiram o seu caráter coercitivo, presente até então com a vigência da lei anterior que tutelava a matéria. Essas novas penas a serem impostas ao indivíduo não intimidam o cidadão a não consumir drogas, causando descrédito perante a sociedade, fazendo com que ele não mais tema as eventuais sanções penais a serem impostas contra ele, caso queira valer-se das drogas para consumo pessoal.
Destarte, o legislador incrementou uma nova maneira, diminuindo a carga punitivo para aqueles indivíduos que são designados apenas como consumidores, de modo a imaginar que isso poderia ser benéfico, no entanto, quando posto na pratica, não acaba funcionando na maneira esperada. Evidenciando o porque a legislação esta sempre em mudanças, de modo que acompanha a sociedade e seus costumes, porém, nem sempre irá funcionar da maneira pretendida.
7 TEORIA DA ADEQUAÇÃO SOCIAL
Adentrando mais no direito brasileiro, encontra-se como um dos princípios constitucionais/penais, a teoria da adequação social, elaborada por Hans Welzel, pela qual afirma-se que se uma conduta for socialmente aceita, não deverá ser vista como uma infração, como cita Prado em seu livro Curso de Direito Penal Brasileiro
A teoria da adequação social, concebida por Hanz Welzel, significa que, apesar de uma conduta se subsumir formalmente ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida(...) Convém observar que “as condutas socialmente adequadas não são necessariamente exemplares, senão condutas que se mantêm dentro dos marcos da liberdade de ação social”. Noutro dizer: a ação adequada socialmente é toda atividade desenvolvida no exercício da vida comunitária segundo uma ordem condicionada historicamente. É ela portadora de um determinado significado social, sendo expressada funcionalmente no contexto histórico-social da vida de um povo.
Sendo assim, uma conduta que se torna rotineira na vida de uma sociedade, passaria a não ser mais vista como uma infração, pois o costume da população a tornou típica, nesta visão traz Magalhães (2009) conforme citado por Tolledo (1999, p. 132).
“[…] o princípio da adequação social se desdobra para alcançar inúmeras situações nem sempre ajustadas a regras éticas. Vale dizer: podem as condutas socialmente adequadas não ser modelares, de um ponto de vista ético. Delas se exige apenas que se situem dentro da moldura de Welzel, dentro do quadro da liberdade de ação social […]”.
Fica evidente o quanto um ato costumeiro pode gerar impacto na sociedade em que se faz presente, pois o habito, a constância pela maioria de um povo, o trata para dentro de sua cultura.
Alcântara (2017) em sua dissertação a teoria da adequação social no direito penal: aspectos controvertidos e aplicação na jurisprudência do tribunal de justiça de São Paulo, elencou diversas questões adentrando essa teoria, ela em relação a outras teorias, em relação a princípios do direito, como por exemplo o princípio da insignificância, mas para quesito dessa pesquisa em si, evidenciamos uma de suas conclusões “Ações socialmente adequadas não se confundem com ações socialmente exemplares ou habituais. Aquelas decorrem de uma continua percepção histórico-cultural de uma generalidade de pessoas quanto a adoção de determinado comportamento. Ou seja, há na ação socialmente adequada uma coincidência de valores que animam o agente com aqueles desejados pela sociedade, ainda que não sejam usuais ou exemplares” Deste maneira, não são todas as atitudes habituais que deverão ser aceitas, mas sim aquelas que são socialmente aceitáveis pelos valores que estas possuem, como de correto ou errôneo, a qual deverá ser punida pelo Estado.
A teoria da adequação social, por sua vez, não se confunde com a teoria da insignificância, seguindo a linha de pesquisa de Alcântara (2017):
A teoria da adequação social ainda se diferencia do princípio da insignificância. Este constitui um critério hermenêutico intrassistêmico, pois pressupõe a intima ofensa ao bem jurídico tutelado, centrando-se fundamentalmente no desvalor do resultado. Aquela, por sua vez, avalia, de o extrassistêmico, a aprovação da sociedade em relação á determinada conduta, referindo-se muito mais ao desvalor da ação.
Sendo assim, não se confundem.
Rieger e Pozzobon (2016) destacam que “o princípio da adequação social é baseado na ética e nos costumes sociais e foi fundamental para a evolução da teoria final da ação”. A teoria final da ação, também proposta por Wezel, que se fixa no resultado, e que este gera necessariamente uma responsabilização.
Bitencourt (2003, p. 17) nesta mesma linha de pensamento diz:
A tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor social da ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem juridicamente protegido, constituindo o que se chama de tipicidade material. Donde se conclui que o comportamento que se amolda à determinada descrição típica formal, porém materialmente irrelevante, adequando-se ao socialmente permitido ou tolerado, não realiza materialmente a descrição típica.
Deste modo, se a conduta produzida, é de certa maneira irrelevante quanto a uma punição, ou então a uma punição muito gravosa, esta deverá ser analisada a fim de questionar se ela é tolerável ou não.
Masson citado por Theodoro (2015) ainda diz ensina ainda que o princípio da adequação social determina que “não pode ser considerado criminoso o comportamento humano que, embora tipificado em lei, não afrontar o sentimento social de Justiça”. O que se evidencia é que, o ponto é analisar se a ação cometida pode ser aceitável pela sociedade, sem que seus cidadãos discordem, ou até mesmo, concordem que aquela conduta não deve ser penalizada.
Scandelari (2018), citando Prado e Carvalho lembram que a adequação social surgiu como um instituto que busca afastar do âmbito da intervenção jurídico-penal determinadas hipóteses não desvaloradas do ponto de vista social, nas quais as lesões aos bens jurídicos ocorriam dentro do funcionamento normal da vida em sociedade. Se no caso, for coerente que a atitude não vai contra valores da sociedade, que os danos não sejam significativamente grandes, causando assim impactos relevantes, que este poderá ser aceito.
8 COSTUME ABOLICIONISTA
Nesta mesma abordagem, existem os chamados costumes abolicionistas, ou revogadores. Neste existem divergências entre a doutrina, as quais afirmariam que, um costume poderia ou não, imputar na revogação de uma ação penal. Atualmente, as vertentes doutrinárias divergem, e se repartem em três, tendo quem as aceite e quem não aceite. No cenário atual brasileiro, muitas jurisprudências trazem a não aceitação no costume como revogador, por exemplo no jogo do bicho
BICHO. REVOGACAO DA LEI PELO COSTUME. NAO IDENTIFICACAO DO "APOSTADOR" OU DO "BANQUEIRO". "ENQUANTO NAO HOUVER REVOGACAO EXPRESSA, FORMAL, PELO LEGISLADOR FEDERAL, O JOGO DO BICHO CONTINUARA A SER CONTRAVENÇÃO PENAL E POR ISSO A LEI TERA QUE SER APLICADA" (DA EMENTA DO ACORDAO DO STJ, REF. AO REC. ESP. N. 25.115-5/40, 5A TURMA, "IN" DJU 14 .5.93, P. 11788). "A PUNICAO DO INTERMEDIADOR, NO JOGO DO BICHO, INDEPENDE DA IDENTIFICACAO DO"APOSTADOR"OU DO"BANQUEIRO" (SUMULA N.(TJ-PR - ACR: 631954 PR Apelação Crime - 0063195-4, Relator: Gil Trotta Telles, Data de Julgamento: 03/03/1994, Quarta Câmara Criminal (extinto TA))
Neste caso, não fora aceito, porém, em relação as casas de prostituição o cenário vem a ser oposto, o art. 229 do código penal brasileiro traz “Manter, por conta própria ou de terceiros, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.” mas já existem jurisprudências de casos a aceitando, segundo a teoria da adequação social
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. ART. 229 DO CÓDIGO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. AFASTAMENTO DA ILICITUDE DA CONDUTA QUE ADVÉM DA MODIFICAÇÃO DOS PADRÕES DE COMPORTAMENTOS SOCIAIS E MORAIS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA. CRIMES PREVISTOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. SUBMISSÃO DE ADOLESCENTE À PROSTITUIÇÃO E À EXPLORAÇÃO SEXUAL. NÃO COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. - Ainda que a manutenção de casa de prostituição seja conduta típica prevista no art. 229 do Código Penal, há de considerar-se sua atipicidade...
(TJ-RS - ACR: 70046046736 RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Data de Julgamento: 09/02/2012, Sétima Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 15/02/2012).
No cenário atual, ainda não são muitos os casos em que esta teoria é aceita, no entanto, é importante frisar que isso já está ocorrendo, e com o passar do tempo, sua aceitação vira e deverá ser maior, para assim a sociedade e a legislação caminharem juntas. Magalhaes cita que:
Assim, o Supremo Tribunal Federal decidirá se a sociedade pode, com base na sua possível tolerância, no que concerne a determinados atos, e na mudança de paradigmas, de cunho moral, afastar a aplicabilidade prática de norma penal incriminadora, excluindo a repressão dos órgãos estatais. Em síntese, o STF indicará o verdadeiro alcance do princípio da adequação social e sua repercussão no tipo penal.
O costume abolicionista, pode ser citado, como maneiras que o costume será utilizado para abolir certa conduta, como o próprio nome já traz, auto explicando. A conduta é abolidia pelo costume, deste modo, envolvido dentro do rol da adequação social.
9 CONCLUSÃO
Na elaboração de uma legislação é necessária a análise de diversos aspectos para que esta venha a atender sua finalidade. O ser humano como um indivíduo social, desde que possuímos conhecimentos, sempre viveu em uma sociedade, e mesmo nas sociedades mais primitivas, já foram encontrados evidencias que estas possuíam suas leis, para que assim pudessem viver de forma harmoniosa.
Com o começo das colonizações, e deste modo a “descoberta” de novos povos, foi possível notar divergências, entre o seu modo de viver e assim também de suas legislações. No Brasil, não sendo diferente, o povo Português quando chegou a solo brasileiro, deparou-se com seus povos nativos. Desde então, assim como as civilizações, a legislação fora mudando para adequar-se à realidade, e neste quesito, possuímos o costume, fator de extrema importância na elaboração de uma lei.
A designação costume provem do latim consuetudo, que diz sobre “designa tudo que se estabelece por força do uso e do hábito” e são quanto a esses usos e hábitos que o legislador deve lidar como necessário ao transformar em lei escrita, positivada, de modo a fazer valer a prática reiterada da sociedade, atribuindo valor jurídico a estas. Sendo assim, é visível como os costumes, a cultura, influenciam completamente sua sociedade, pois é através dela que o ordenamento jurídico será moldado, de forma a atender da melhor maneira o seu objetivo.
No cenário atual brasileiro, com a utilização e mais fácil acesso da internet, mesmo que não chegue ainda a nem metade da população, seria importante a participação cada vez mais ativa dos cidadãos na elaboração do que para eles será tido como lei, tal qual a importância do chamado costume abolicionista, pois as leis devem acompanhar a realidade social, sendo assim hábitos frequentes, que não causam um dano maior a sociedade, não devem ser tomados como ilícitos. Quando a legislação não acompanha a realidade da sociedade que ela está sendo imposta, acaba por sua vez se tornando de certa forma ineficaz, e lenta. A utilização dos costumes como um patamar a legislação, traria maior agilidade e eficácia em casos concretos.
10 REFERÊNCIAS
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Artigo publicado em 04/10/2021 e republicado em 15/05/2024
Graduanda do Curso de Direito no Centro Universitário de Santa Fé do Sul - UNIFUNEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSO, Brenda. A importância da utilização do costume na elaboração da legislação visando as mudanças na sociedade brasileira a luz da teoria da adequação social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 maio 2024, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57248/a-importncia-da-utilizao-do-costume-na-elaborao-da-legislao-visando-as-mudanas-na-sociedade-brasileira-a-luz-da-teoria-da-adequao-social. Acesso em: 22 nov 2024.
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