Diante da proximidade do ano eleitoral, os agentes públicos precisam ser cautelosos para que seus atos não venham a provocar qualquer desequilíbrio na isonomia necessária entre os candidatos, nem violem a moralidade e a legitimidade das eleições.
Com efeito, a Lei Federal n° 9.905/1997 (Lei das Eleições) traz regras que devem ser observadas pelos agentes públicos, vedando-se condutas que possam, de algum modo, interferir na normalidade e igualdade de chances entre os concorrentes nas eleições.
No presente artigo, será analisada se a vedação prevista no art. 73, V, da Lei das Eleições se aplica também à prorrogação do vínculo de servidores contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal.
Nesse prumo, convém transcrever a vedação eleitoral em comento:
Lei n.º 9.504/1997
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(...)
V – nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;
Conforme se observa, o alcance da proibição insculpida no inciso V do art. 73 da Lei das Eleições é bastante amplo, de modo a impossibilitar a nomeação, contratação servidores públicos ou admissão sob qualquer forma de servidor público. Por ter uma abrangência amplíssima, é que se entende que a vedação se aplica a servidores públicos estatutários, empregados públicos e servidores temporários.
Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral firmou o entendimento de que as contratações e demissões de servidores temporários também são vedadas pela lei no prazo de restrição, conforme se observa da ementa do Acórdão n° 21.167, de 21.08.2003, rel. Min. Fernando Neves:
Embargos de declaração - Contradição - Inexistência.
1. A contratação e demissão de servidores temporários constitui, em regra, ato lícito permitido ao administrador público, mas que a lei eleitoral torna proibido, nos três meses que antecedem a eleição até a posse dos eleitos, a fim de evitar qualquer tentativa de manipulação de eleitores.
2. A contratação temporária, prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal, possui regime próprio que difere do provimento de cargos efetivos e de empregos públicos mediante concurso e não se confunde, ainda, com a nomeação ou exoneração de cargos em comissão ressalvadas no art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, não estando inserida, portanto, na alínea a desse dispositivo.
3. Para configuração da conduta vedada pelo art. 73 da Lei das Eleições, não há necessidade de se perquirir sobre a existência ou não da possibilidade de desequilíbrio do pleito, o que é exigido no caso de abuso de poder.
4. As condutas vedadas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 podem vir a caracterizar, ainda, o abuso do poder político, a ser apurado na forma do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, devendo ser levadas em conta as circunstâncias, como o número de vezes e o modo em que praticadas e a quantidade de eleitores atingidos, para se verificar se os fatos têm potencialidade para repercutir no resultado da eleição.
5. O uso da máquina administrativa, não em benefício da população, mas em prol de determinada candidatura, reveste-se de patente ilegalidade, caracterizando abuso do poder político, na medida em que compromete a legitimidade e normalidade da eleição.
6. Embargos rejeitados.
(TSE - Acórdão nº 21167 de 21/08/2003)
Diante dessa norma proibitiva, questiona-se a possibilidade de renovar contrato de servidor temporário que fora firmado antes dos 3 (três) meses que antecedem as eleições, mas cuja vigência está prevista para se encerrar durante o período eleitoral.
Sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral já sedimentou o entendimento de que a renovação de contratos de servidores públicos temporários, nos três meses que antecedem as eleições, também configura conduta vedada a atrair a incidência do art. 73, inciso V, da Lei no 9.504/1997.
Isso porque a renovação contratual também se encontra contida no campo semântico do verbo “contratar”, visto que, na realidade, o contrato por prazo determinado é extinto e substituído por um novo; este, ainda que venha a ter o mesmo conteúdo, constitui novo vínculo entre as partes contratantes.
Portanto, a jurisprudência do TSE não faz distinção entre contratação originária e prorrogação dos contratos temporários, estando ambas as situações proibidas pelo art. 73, inciso V, da Lei no 9.504/1997. Confira-se:
“ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. RENOVAÇÃO DE CONTRATOS DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS. NOVO VÍNCULO DE DIREITO PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO DA CONDUTA VEDADA. SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL. AUSÊNCIA DE ESSENCIALIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. OBRAS PÚBLICAS. DESNECESSIDADE DE INAUGURAÇÃO. NATUREZA OBJETIVA DA CONDUTA VEDADA. PROVIMENTO.
1. A renovação de contratos de servidores públicos temporários, nos três meses que antecedem as eleições, configura conduta vedada, nos termos do art. 73, inciso V, da Lei nº 9.504/1997.
2. Teleologicamente, a conduta vedada do art. 73, inciso V, da Lei das Eleições busca evitar que o agente público abuse da posição de administrador para auferir benefícios na campanha, utilizando os cargos ou empregos públicos, sob sua gestão, como moeda de troca eleitoral. Sendo assim, é indiferente que se trate de contratação originária ou de renovação, pois a ‘promessa de permanência’ no cargo pode ser tão quanto ou ainda mais apelativa que a promessa de contratação.
3. A renovação contratual, ao modo de prorrogação, encontra-se contida no campo semântico do verbo ‘contratar’, pois, na realidade, o contrato por prazo determinado é extinto e substituído por um novo; este, ainda que venha a ter o mesmo conteúdo, constitui novo vínculo entre as partes contratantes.
4. A contratação de servidores por tempo determinado pressupõe necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da CF/88). Após cada período, a necessidade de contratação e o excepcional interesse público devem ser reavaliados, de forma a fundamentar a renovação dos contratos. Portanto, a renovação constitui ato administrativo diverso da contratação originária, com fundamentação nova e atualizada, não podendo ser considerada mera extensão de vínculo anterior.
5. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não faz distinção entre a contratação originária e a renovação dos contratos temporários. Precedente.
6. O legislador excepcionou a regra apenas para os casos em que a contratação seja necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do chefe do Poder Executivo (art. 73, inciso V, alínea "d", da Lei nº 9.504/1997). Nesse sentido, não está contida na ressalva legal a contratação de temporários para o trabalho em obras que já se estendem há mais de dois anos, ainda que venham a se destinar, posteriormente, a serviço essencial.
7. O conceito de ‘serviço público essencial’ é interpretado pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral de maneira restritiva, abarcando apenas aqueles relacionados à sobrevivência, saúde ou segurança da população. Exclui-se, portanto, a contratação de profissionais das áreas de educação e assistência social. Precedentes.
8. Embora os serviços de educação sejam de relevante interesse público, o legislador optou por critério diverso para excepcionar a regra do art. 73, inciso V, da Lei das Eleições. Não pode o julgador, diante da opção legislativa, substituí-la por regra que, em seu juízo, lhe parece mais justa ou adequada, sob pena de ofensa ao princípio democrático (art. 2º da CF/88). 9. A análise consequencialista da decisão judicial não pode conduzir à negativa de aplicação da lei vigente. O chefe do Poder Executivo possui inúmeras alternativas durante sua administração, devendo a responsabilidade pela programação da gestão abarcar a duração dos contratos firmados e a existência de condutas vedadas durante o curso do mandato.
10. As condutas vedadas são cláusulas de responsabilidade objetiva, dispensando a comprovação de dolo ou culpa do agente. Dispensam, por igual razão, a análise da potencialidade lesiva para influenciar no pleito. Precedente.
11. Tendo em vista o reconhecimento da baixa gravidade da conduta, a sanção pela prática de conduta vedada deve ser fixada no mínimo legal, em homenagem ao princípio da proporcionalidade.
12. Recurso provido para condenar o recorrido Roberto Bandeira de Melo Barbosa pela prática de conduta vedada, com a imposição de multa.”
(Ac. de 13.8.2019 no REspe nº 38704, rel. Min. Edson Fachin.)
É importante registrar que a contratação (ou prorrogação de contratos) de servidores temporários não se enquadra, via de regra, nas hipóteses excepcionais permitidas nas alíneas do inciso V do art. 73, uma vez que não se tratam de cargos em comissão, nem tampouco são nomeados mediante aprovação em concurso público homologado até os três meses que antecedem o pleito.
Por outro lado, uma das exceções previstas na lei diz respeito à admissão de servidores públicos, mesmo no “período crítico” (3 meses antes da eleição), quando se tratar de “nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do chefe do Poder Executivo” (alínea “d” do inciso V do art. 73).
Convém esclarecer que o conceito de “serviço público essencial” é interpretado pela jurisprudência do TSE de maneira restritiva, “abarcando apenas aqueles relacionados à sobrevivência, saúde ou segurança da população. Exclui-se, portanto, a contratação de profissionais das áreas de educação e assistência social” (TSE - REsp nº 387-04/2016, DJe de 113/8/2019, rel. Min. Edson Fachin; e REsp 25.763, DJe de 12/12/2006, rel. Min. Carlos Ayres Britto).
Em outras palavras, o TSE possui jurisprudência de que o conceito de “serviço público essencial” presente na alínea “d” do inciso V do art. 73 da Lei das Eleições não possibilita a contratação de profissionais da área de educação e assistência social, mas somente aqueles serviços relacionados à sobrevivência, saúde ou segurança da população.
Assim, somente poderão ser prorrogados durante o período eleitoral os contratos temporários necessários à instalação ou funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais – relativos à sobrevivência, saúde ou segurança da população -, desde que haja prévia e expressa autorização do chefe do Poder Executivo.
É de se concluir, portanto, que a renovação de contrato temporário no intervalo compreendido nos três meses que antecedem à eleição até a posse dos eleitos deve ser considerada nula de pleno direito, a fim de evitar qualquer tentativa de manipulação de eleitores. Por conseguinte, os contratos temporários que findarem sua vigência durante o prazo proibitivo estarão encerrados e não gerarão mais direitos e obrigações, salvo, estritamente, a exceção prevista do art. 73, V, alíneas “d”.
Artigo publicado em 25/10/2021 e republicado em 21/05/2024
Advogada. Pós-graduada em Direito Público. Pós-graduada em Direito Administrativo e Gestão Pública. Autora dos livros - "Audiência de Custódia: Alternativa à Cultura do Encarceramento Enraizada no Sistema Penitenciário Brasileiro" (2019); e - "A (Im)prescritibilidade das Ações de Ressarcimento por Dano Causado ao Erário: Interpretando o art. 37, § 5º, da CF, à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal" (2019). Professora no Conteúdos PGE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Marcela Pedrosa. (Im)possibilidade de prorrogação de contratos temporários durante o período eleitoral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2024, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57314/im-possibilidade-de-prorrogao-de-contratos-temporrios-durante-o-perodo-eleitoral. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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