VERA LÚCIA PONTES[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho evidencia que os produtos essenciais para a vida da mulher possuem uma alta carga tributária, e, neste sentido, objetiva analisar a desigualdade de gênero no Sistema Tributário Brasileiro à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da essencialidade. Pondera a tributação pelo imposto de renda e de consumo e sua relação com o gênero. Demonstra as contribuições e reflexos do mercado de trabalho da mulher junto ao Sistema Tributário Nacional. A partir dos métodos dedutivo e dialético são realizados estudos de leis, doutrinas e artigos para a compreensão da temática. Os resultados obtidos elucidam existir uma distância entre a teoria e a realidade. Desse modo, revela a carência de políticas públicas que visem uma maior igualdade de gênero na tributação, sob aspectos econômicos, políticos e sociais, buscando uma maior inserção da mulher na sociedade, dando-a melhores oportunidades. Conclui-se pela necessidade de reparação dos conceitos de produtos essenciais na atualidade, e a valorização dos princípios quando da propositura de meios para sanar quaisquer desigualdades que descompassem o gênero feminino.
Palavras Chaves: Desigualdade; Gênero; Tributação; Princípios.
ABSTRAC: This present work shows that essential products for women’s lives have a high tax burden, and, in this sense, it aims to analise gender inequality in the Brazilian Tax System in light of the principles of human dignity, equality and essentiality. It weights taxation by income tax and consumption and its relationship to gender. It proves the contributions and reflexes of the women’s labor market with the National Tax System. From the deductive and dialectical methods, studies of laws, doctrines and artiles are carried out to understand the theme. The results obtained elucidade that there is a distnce betwee theory and reality. Thereby, it reveals the lack of public policies aimed at greater gender equality in taxation, under economic, political and social aspects, seeking a greater insertion of women in society, giving them better opportunities. It is concluded that there is a need to repair the concepts of essential products at present time, and the appreciation of principles when proposing means to reedy any inequalities that mismatch the female gender.
Key words: Inequality; Gender; Taxation; Principles.
Nos primórdios dos tempos a sociedade brasileira foi desenvolvida sob forte preconceito contra a mulher, em que era considerada a única responsável pelas atividades domésticas e educação dos filhos.
Após diversos enfrentamentos sociais a mulher conquistou seu espaço na sociedade, sendo o direito ao voto, à educação e a ter uma profissão exercida fora do lar, exemplos de grandes conquistas. No entanto, ainda na atualidade, inúmeros outros desafios são considerados objetos de reivindicações.
Contudo, mesmo após as disposições expressas da Constituição Federal de 1988 quanto ao princípio da Igualdade, ainda é possível observar episódios que inferem neste princípio, como por exemplo, o fato de o homem ser mais bem remunerado no exercício da mesma função e carga horária que a mulher.
Os episódios de lutas da mulher seguem existindo em diversos setores da sociedade, inclusive, com referência ao sistema tributário aplicado no Brasil. Logo, diante das diferentes formas de incidência dos tributos, pode-se questionar se o gênero feminino paga mais tributos que o gênero masculino.
Assim sendo, o presente artigo pretende responder à seguinte indagação: na incidência dos tributos, o sistema tributário brasileiro respeita os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da essencialidade?
O tema se faz pertinente vez que, produtos essenciais para a vida da mulher, como por exemplo, absorventes, contraceptivos e fraldas, são considerados supérfluos e com grande carga tributária. Isto contribui com a desigualdade entre gêneros, visto que, produtos destinados somente ao uso da mulher possui valores diversos de produtos destinados aos homens.
Faz-se imprescindível compreender de que forma se dá a tributação no Estado Brasileiro e de qual maneira isso afeta a sociedade em termos de igualdade, enquanto direito constante da Carta Magna. É necessário observar se esse acontecimento contribui ainda mais para o distanciamento social entre homens e mulheres em termos econômicos, socias, profissionais, e de caráter da vida de modo geral.
O objetivo geral é compreender a desigualdade de gênero na tributação brasileira, por meio da análise dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da essencialidade, este também do Código Tributário Nacional.
Desta forma, inicialmente será analisado o sistema tributário e suas intercorrências na desigualdade entre os gêneros que dispõe a cerca das diferenças da tributação em itens semelhantes destinados a homens e as mulheres, porém com certa diferença de tributação apenas por possuírem cor e design diferente, como também a cerca dos absorventes. Na sequência as contribuições e reflexos do mercado de trabalho da mulher junto ao sistema tributário nacional que trata acerca do gênero feminino no mercado de trabalho, bem como sobre o PIS e o Imposto de Renda.
E por fim, a relação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da essencialidade com a tributação de gênero que esclarece tais princípios e demonstra sua relação com as desigualdades existentes entre os gêneros, bem como o descuido e a negligência por parte do Estado com relação as mulheres.
Assim, como fundamento de tais questões tem-se como referência doutrinaria o livro Manual de Direito Tributário de Alexandre Mazza, 7ªediçao/2021 e Direito Constitucional Esquematizado, Pedro Lenza, 25ª edição/2021.
Para esse fim serão realizadas pesquisas bibliográficas e documentais, com aplicação dos métodos dedutivo e dialético.
2.O SISTEMA TRIBUTÁRIO E SUAS INTERCORRÊNCIAS NA DESIGUALDADE ENTRE OS GÊNEROS
O termo gênero foi utilizado no decorrer da história como distinção dos grupos de pessoas, baseados nas distinções sexuais, nas diferenças existentes entre homens e mulheres. Dessa forma, até hoje baseia-se as sociedades nessas diferenças existentes entre os gêneros, nos papeis exercidos e da maneira simbólica sobre quais são tratados.
No meio político, acadêmico, familiar e social, ainda se fazem distinções dos gêneros, e, desta forma, o termo gênero encontra-se bastante presente nos discursos feministas que surgiram, na busca de enfatizar as distinções sociais baseadas no sexo, os mesmos direitos dados a um grupo da sociedade e não a um todo, a participação nas decisões sociais e variações dos papeis na sociedade.
Dessa forma, há alguns anos vem sendo difundido o movimento Pink Tax ou Taxa Rosa, que se referem, também, aos tributos incidentes nos produtos rosa. O movimento parte-se dos produtos destinados ao consumo feminino, quando os mesmos são ofertados por preços mais altos em comparação com produtos direcionados ao público masculino, o que pode gerar em longo prazo mais encargos à mulher.
No Brasil, o Pink Tax é conhecido como Taxa Rosa e ocorre quando produtos femininos são ofertados com preços mais elevados que produtos idênticos/similares aos masculinos, o que muitas vezes apenas apresentam diferença de cor e design diferente, sendo produtos com as mesmas características e finalidades, apenas com públicos alvos diferentes.
Esses produtos são tributados, o que passa a representar uma prestação pecuniária compulsória e legal que muitas vezes são embutidos no valor do produto e assim possui a finalidade de arrecadar e intervir em situações sociais e econômicas. Portanto, comprar e vender são situações corriqueiras do nosso cotidiano, e por trás delas existem diversos encargos, como, por exemplo, os tributos que os consumidores finais arcam com eles.
Nesta compreensão, importante destacar, a guisa de reflexão, o inc. II, do art. 155, da Constituição Federal, o qual determina que durante as operações de circulação mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que nas operações e prestações que se iniciem no exterior, são considerados impostos estaduais. Ou seja, cada Estado tem a possibilidade para instituir impostos sobre as mercadorias em circulação.
Desta forma, é possível selecionar produtos que incidem uma carga tributária menor ou maior, como por exemplo, para os itens da cesta básica em que pode ser direcionada baixa tributação, enquanto para outros nem tanto. Para a autora Neris (2020, p.748),
[...] a tributação do ICMS em cima de produtos cosméticos chega à alíquota de 25%, enquanto o IPI está na faixa de 22 a 12%, a depender do bem em questão. São alíquotas altas para os padrões nacionais. Além disso, a justificativa é de que esses produtos cosméticos são supérfluos e, portanto, deveriam ser mais tributados pela técnica da seletividade. (NERIS, 2020, p.748)
Todavia, essa caracterização de produtos supérfluos, por ser considerado cosmético, em geral, de uso da mulher, não reflete a verdade social, o que acaba proporcionando uma alargue nas escalas de desigualdades entre o homem e a mulher.
Sobre outros aspectos, faz-se necessário destacar que no Brasil ainda existem deficiências na discussão das políticas públicas, carecendo a sociedade de maior atenção por parte do Estado. Nota-se que, parcela da população apresenta repudio quando o assunto é o aborto. No entanto, pouco ou quase nada é discutido nas escolas sobre educação sexual, o que pode levar a mulher a vislumbrar cenários de violência, perseguição, feminicídios e abusos, sem perspectivas de soluções; inclusive, absorvendo responsabilidades que entende culturalmente ser de sua exclusiva responsabilidade.
Assim, pode-se destacar a questão dos anticoncepcionais que possuem expressiva carga tributária sobre eles. O que apenas evidencia que a mulher para se manter precisa de muito, e às vezes não se alcança em virtude de suas baixas condições sociais. Desse modo a mesma acaba sendo responsável por se manter em um ambiente onde ainda há muita discriminação e desvalorização.
Segundo um estudo realizado pela prefeitura de Nova York (EUA) em parceria com o Departamento de Consumo de Nova York Consumer Affairs, as mulheres pagam, em média, 7% a mais nos produtos femininos em relação aos mesmos produtos destinados ao público masculino. Quando se trata de higiene pessoal chega a 12,3%. (BRITO, 2020).
Com a ampliação da discussão dessa temática, alguns Estados já buscam adotar medidas para minimizar a situação que aflige as mulheres, especialmente da classe mais necessitada. Como exemplo, o Estado do Ceará que editou o Decreto nº 34178, de 02 de agosto de 2021, isentando o ICMS nas operações internas para absorventes íntimos femininos, internos (tampões) e externos (pensos), inclusive coletores e discos menstruais, calcinhas absorventes e panos absorventes íntimos.
Sabe-se que o uso de absorventes pelas mulheres é algo intrínseco a sua natureza humana, e que ela precisa deles não por algo destinado a beleza e sim por questões de higiene. Contudo, apesar desse fato, a menstruação ainda é um tabu nos dias atuais, corroborando para a pobreza menstrual.
Para vislumbrar tal situação, a seguir tem-se parte de uma matéria publicada no site da UNICEF, por Costa (2021, p. 0-0),
No Dia Internacional da Dignidade Menstrual, celebrado nesta sexta-feira
(28), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) lançam o relatório “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, que traça um panorama da realidade menstrual vivida por meninas brasileiras. Os resultados demonstram negligência e falta de acesso a direitos. De acordo com o estudo, 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e faltam a mais de 4 milhões itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas.
Ainda segundo a matéria, consta que:
A menstruação é uma condição perfeitamente natural que deve ser mais seriamente encarada pelo poder público e as políticas de saúde. Quando não permitimos que uma menina possa passar por esse período de forma adequada, estamos violando sua dignidade. É urgente discutir meios de garantir a saúde menstrual, com a construção de políticas públicas eficazes, com a distribuição gratuita de absorventes, com uma educação abrangente para que as meninas também conheçam seu corpo e o que acontece com ele durante o ciclo menstrual. É o básico a ser feito para que ninguém fique para trás”, observa a representante do Fundo de População da ONU no Brasil.
Portanto, em suma, o citado apenas reforça o que foi dito anteriormente, refletindo o atual cenário não apenas brasileiro, mas mundial, onde se vê necessidade de maior concentração das políticas públicas destinadas às mulheres e a igualdade de gênero.
3.CONTRIBUIÇÕES E REFLEXOS DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER JUNTO AO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
O gravoso preconceito sofrido pelas mulheres nos primórdios dos tempos tem seus reflexos presentes até os dias atuais. Mesmo após a sociedade passar por grandes transformações ainda existem aqueles que defendem o modelo antigo da sociedade, época em que a mulher era responsável pelas atividades domésticas e criação dos filhos; em que as mulheres não podiam trabalhar e tinham de viver sob os sustentos do marido.
Muito se tem superado, porém, ainda existe forte preconceito sobre as atividades exercidas pelas mulheres, principalmente decorrente do fato de serem procriadoras, o que as fazem encontrar empregadores que pouco querem investir ou dar oportunidades às mulheres, por receio da aplicabilidade das garantias trabalhistas para as mulheres gestantes.
Neste prisma, existem diversos dispositivos que buscam a igualdade de gênero para que não recebam tratamento diferenciado, tal como o art. 373-A da Consolidação das Leis Trabalhistas. Este dispositivo legal contém expresso em vários subitens o respeito e igualdade, como por exemplo, é vedado considerar sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração (art.373-A, inc. III, CLT), ou até mesmo recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível (art.373-A, inc. II, CLT).
Porém mesmo com estes dispositivos, muitas empresas quando buscam profissionais para trabalhar acabam desqualificando mulheres com condições de gerar filhos.
Dessa forma, visando sanar essas possíveis situações o §6º, do art. 461, da CLT, dispõe que se for comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Contudo, apesar de existir varias normas que buscam a igualdade de gênero e não a discriminação, vê-se no contexto social inúmeras situações que contradizem os diplomas legais, fazendo com que seja necessária maior participação do Estado, por meio de políticas públicas para estimular os cumprimentos das normas já existentes.
A intervenção do Estado para gerir o meio social é necessária para manter a ordem social, para que não se instale o caos e a sociedade possa viver em paz. Portanto, para chegar a tais finalidades foram criadas leis e dispositivos visando regulamentar o cenário político, econômico e social.
Dessa forma, visando compreender melhor o tema aqui exposto, em se tratando das diferenças salariais Barros (2020, p.0-0) descreve,
Os homens tiveram rendimento médio mensal 28,7% maior do que das mulheres em 2019, considerando os ganhos de todos os trabalhos. Enquanto eles receberam R$ 2.555, acima da média nacional (R$ 2.308), elas ganharam R$ 1.985, segundo o módulo Rendimento de Todas as Fontes, da PNAD Contínua, divulgado hoje (6) pelo IBGE. No ano passado, havia no mercado de trabalho brasileiro 92,5 milhões de pessoas ocupadas com 14 anos ou mais, uma alta de 2,6% em relação a 2018. Mais da metade da população em idade de trabalhar era formada por mulheres (52,4%), no entanto, os homens representavam 56,8% da parcela da população que efetivamente trabalhava. Parte das mulheres não podem trabalhar porque não contam com creche para deixar os filhos.
Assim, observa-se, que há um número muito elevado de mulheres que fazem jus ao abono salarial, em decorrência dos baixos salários recebido. Os homens, por sua vez, receberam R$ 2.555 (dois mil, quinhentos e cinquenta e cinco reais) por mês, no mesmo ano de 2019. Assim, sua média mensal superava em R$ 559,00 (quinhentos e cinquenta e nove reais) o valor máximo previsto na Constituição Federal para recebimento do abono salarial.
Neste prisma, importa salientar que as mulheres correspondiam a 52,4% dos postos de trabalho no ano de 2019, mas que sua média salarial não atingia o correspondente a dois salários mínimos (R$ 1.996,00), embora estivesse bastante próxima a esse valor (R$ 1.985,00). Como consequência, um eventual aumento do salário das mulheres não apenas melhoraria sua situação, mas também reduziria os gastos estatais para seu custeio, já que não seria preciso pagar o abono salarial àquelas que superassem o limite de dois salários mínimos.
Isto com observação ao crescimento significativo dos beneficiários do abono, que a cada dia exigem mais recursos estatais para financiá-lo.
Dessa forma, de acordo com informações anteriores, uma possível isenção parcial ou integral, do pagamento do PIS, se comprovada salários iguais entre homens e mulheres na mesma empresa, seria algo eficiente e que poderia influenciar de forma positiva, aqui, apenas como uma forma teórica e argumentativa. Isto porque, a mencionada exoneração tributária estaria em conformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 14, em que a eventual redução de arrecadação seria compensada pelos atuais gastos com o abono salarial.
Seguindo o raciocínio teórico em se tratando de arrecadação por parte do Estado, é importante destacar sobre o Imposto sobre a Renda (IR).
De acordo com o art. 153, inc. III, da Constituição Federal, compete a União instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Mazza (2021, p.
1147) explica que, “a função do imposto sobre a Renda é fiscal, ou seja, meramente arrecadatória, na medida em que sua finalidade consiste na pura obtenção de recursos para custeio dos gastos gerais do Estado.”
Dessa forma, o Imposto de Renda (IR) possui sistema de alíquotas progressivas, isto é, devem ser graduadas harmoniosamente segundo a capacidade econômica do contribuinte.
“Assim, pode-se dizer, em síntese, que o fato gerador do IR é qualquer acréscimo patrimonial observado em determinado período de tempo.” (MAZZA, 2021, p.1152).
Atualmente, pela Lei nº 13.149, de 21 de julho de 2015, a tabela progressiva do Imposto sobre a Renda para pessoas físicas contempla cinco faixas distintas de tributação: para base de calculo mensal até 1.903,98, alíquota – 0%; de 1903.99 até 2.826,65 alíquota 7,5%; de 2.826,66 até 3.751,05 alíquota 15,0%; de 3.751,06 até 4.664,68 alíquota 22,5%; acima de 4.664,688 alíquota 27,5%.
Conforme disposto, ressalta-se que o imposto sobre a renda de pessoa físicas se dá de forma progressiva enquanto que nas pessoas jurídicas é proporcional.
Ademais, Neto e Feriato (2018, p.426) apontam que,
[...] as mulheres representam, ainda hoje, menos de um terço dos cargos gerenciais que figuram no topo da hierarquia empresarial ou em algum nível de gestão. As dificuldades para o crescimento da mulher dentro da estrutura empresarial se mostram bastante evidente quando se verifica que a participação feminina se limita a apenas 5% dos cargos de CEO das empresas com capital aberto ao redor do globo.
Ou seja, visto que as mulheres representam uma porcentagem mais baixa em cargos de liderança, ou como pode-se dizer, cargos que possuem maiores valores de remuneração, enquanto os homens possuem uma maior participação em cargos de chefia, resta demonstrado que a porcentagem de homens que ganham mais que as mulheres possui um número altamente elevado.
Se tratando do imposto de renda de pessoas jurídicas, Sebrae (2019), demonstra que a conversão de empreendedores em donas de negócios é 40% mais baixa em relação aos homens, há uma desistência maior.
Para saber como está o desenvolvimento do País é necessário realizar estudos buscando dados sociais, econômicos e políticos, para tal fim existem sistemas de pesquisas que coletam esses dados. O PNAD- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, busca informações para estudo sobre o desenvolvimento socioeconômico do País, enquanto o GEM- Global Entrepreneurship Monitor, dispondo de abrangência mundial, avalia o nível nacional da atividade empreendedora.
Dessa forma, GEM (2018 apud SEBRAE, 2019) e PNAD- IBGE (2018, apud SEBRAE, 2019) dispõe que 28 milhões de empreendedores homens 18,1 milhões se tornam donos de negócio, assim em cada 10 empreendedores 6,5 viram donos de negócios, enquanto que 24 milhões de mulheres empreendedoras, apenas 9,3 milhões se tornam donas de negócios, assim em cada 10 empreendedoras 3,9 viram donas de negócio.
Logo, com base na lei nº 9.249/95, que trata sobre a alíquota do imposto de renda para pessoas jurídicas e que dispõe de alíquotas baixas para os maiores faturadores, resta demonstrado que devido ao número de homens empreendedores ser bem maior que o das mulheres e por conseguinte a maioria dos donos de empresas, os homens são os contribuintes com maiores rendimentos e com as mais baixas alíquotas.
Desse modo, para o contribuinte mais rico tem-se menores impactos de alíquotas do imposto de renda. De acordo com Piscitelli, Castilhos, Camara e Castro (2020, p.6):
Assim, como consequência, os 10% mais ricos do Brasil apenas são impactados na sua renda no percentual de 21% com o pagamento de tributos, enquanto os 10% mais pobres são afetados em 32%, conforme os dados do IPEA /2011, referenciado no próprio documento da Oxfam Brasil.
Para que seja compreensível a atual situação reforça entendimento de Piscitelli, et al. (2020, p.6-7):
Um rápido olhar para as propostas de reforma tributária em andamento no Congresso Nacional evidencia que elas apresentam um cenário preocupante: o centro do debate está voltado para a tributação do consumo, sem qualquer consideração relativa à redistribuição mais equânime da carga tributária. Ao contrário. A PEC n° 45/2019 reforça a regressividade do sistema atual pela eliminação absoluta de todo e qualquer incentivo fiscal, inclusive aqueles relacionados aos bens da cesta básica. O PL n° 3887/2020, ao aumentar a carga tributária sobre o setor de serviços, dificulta o acessoa bensessenciais, como saúde e educação, reforçando também a regressividade do sistema. No que se refere à PEC n° 110/2019, suas disposições estão mais alinhadas com a mitigação da regressividade, ao menos na previsão da possibilidade de atribuição de benefícios fiscais a bens e serviços de primeira necessidade.
Dessa forma, uma tributação que seguisse os parâmetros do princípio da equidade, reconhecendo que a igualdade não é dar a todos as mesmas coisas, mas observar na medida da desigualdade medidas públicas e sociais para combater o preconceito e dar oportunidades ao gênero feminino, apenas estaria respeitando princípios constitucionais e tributários.
Ademais, mesmo que algumas garantias celetistas proporcionem melhor colocação das mulheres no mercado de trabalho, melhorando suas rendas, as políticas públicas, também, devem estar atentas as necessidades de produtos essenciais para o gênero, incluindo, assim, as decorrentes de incentivos junto ao sistema tributário.
4.A RELAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA IGUALDADE E DA ESSENCIALIDADE COM A TRIBUTAÇÃO DE GÊNEROS
A Constituição Federal de 1988 é a base de todas as leis e normas reguladoras da sociedade brasileira, dispõe em si princípios, direitos e garantias fundamentais do indivíduo, ou seja, a partir do momento em que se está ferindo algum desses, está ferindo toda uma sociedade e seus valores.
A desigualdade de gênero está principalmente denotada na concentração masculina sobre a feminina, estruturada na concepção de espaço, lugar, status social, papéis exercidos pelo gênero masculino e feminino na sociedade, assim, cada vez que não cumpre seu papel acaba sendo marginalizada. É possível ver-se que com o crescente número de mulheres que vem alcançando altos níveis de estudos, empregos bem remunerados e altos padrões, também está crescendo o número de feminicídio e violência contra a mulher.
Dessa forma, faz-se necessário políticas públicas realmente efetivas para combater a desigualdade e discriminação, que não esteja baseada somente em leis e princípios, que ficam em abstrato, mas que também possam ser vistas na prática. Desse modo, faz-se de suma importância compreender os princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana, bem como o principio da essencialidade tributária, para que assim, seja possível chegar a meios para sanar as desigualdades de gênero e contribuir para um País que respeite e lute por aquilo que está expresso em sua Lei Maior.
Analisando os efeitos do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito tributário, Costa (2021, p.129-130) analisa que,
Portanto, embora, à primeira vista, tal princípio não pareça projetar seus efeitos no âmbito tributário, dada sua condição de sobreprincípio, volta-se a garantia de direitos fundamentais em geral e, assim, irradia sua eficácia, também, sobre a tributação. [...} Consequência de sua aplicação, por exemplo, é a observância da capacidade contributiva da pessoa física, quanto ao aspecto de vedação da tributação do mínimo vital.
Dessa forma, é importante a compreensão do princípio da dignidade da pessoa humana, quando buscar-se meios para tributar de forma mais eficiente, considerando a capacidade de todos contribuintes e suas características intrínsecas a sua natureza humana, também.
A essencialidade tributária tratada aqui diz respeito ao princípio da seletividade aplicada ao âmbito tributário, essa dispõe que os produtos essenciais a sobrevivência humana possua uma menor tributação ou incentivos fiscais, enquanto produtos considerados supérfluos possua uma maior tributação.
“Pelo princípio da seletividade se atinge quem tem mais poder aquisitivo, na medida em que se pode tributar com mais carga produtos supérfluos, que não são essenciais à sobrevivência humana.” (BUENO, 2014, p.235).
O princípio da seletividade destaca-se nos art. 153, §3º que dispõe sobre o IPI e art. 155, §2º que trata sobre o ICMS, da Constituição Federal, portanto esses dois são seletivos por excelência.
Costa (2021, p.131) ressalta que,
O princípio da igualdade autoriza o estabelecimento de discriminações, por meio das quais se viabiliza seu atendimento, em busca da realização de justiça. Em sendo assim, tal diretriz impacta intensamente o âmbito tributário, porquanto o legislador e o aplicador da lei hão de atentar às diferenças entre os sujeitos, procedendo às necessárias discriminações na modulação das exigências fiscais.
Portanto, como já mencionado anteriormente o art. 5º, caput, da CF expressa que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, assim, deve-se buscar não somente uma igualdade formal, mas principalmente uma igualdade material, isso porque imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada em lei (LENZA, 2021).
A igualdade formal e material fica assim esclarecida pelas palavras de Mitidiero, Sarlert e Marinoni (2021, p.1496-1500):
A igualdade perante a lei, que corresponde à igualdade formal, habitualmente veiculada pela expressão “todos são iguais perante a lei”, é, de acordo com Pontes de Miranda, em primeira linha destinada ao legislador, estabelecendo uma proibição de tratamentos diferenciados, o que, todavia, embora sirva para coibir desigualdades no futuro, não é suficiente para “destruir as causas” da desigualdade numa sociedade. [...] A compreensão material da igualdade, por sua vez, na terceira fase que caracteriza a evolução do princípio no âmbito do constitucionalismo moderno, passou a ser referida a um dever de compensação das desigualdades sociais, econômicas e culturais, portanto, no sentido do que se convenciona chamar de uma igualdade social ou de fato, embora também tais termos nem sempre sejam compreendidos da mesma forma.
Em diversos artigos da Constituição Federal, como por exemplo, art.19, inc. III e art. 226, §5º, aprofunda-se a ideia da igualdade material, é perceptível que o legislador no momento em que escrevia tais normas teve o cuidado de tentar amparar certos grupos que ao seu entender necessitava de tratamento diferenciado, tendo em vista o histórico social de marginalização social, hipossuficiência, características ligadas a gêneros e outros aspectos.
Contundo, mesmo apesar de dispor sobre determinados tratamentos diferenciados restou-se muitas dúvidas quanto a outras necessidades. Todos os direitos adquiridos pelas mulheres demandaram tempo, luta e viabilidade para então serem aceitos. A Lei n.11.340/2006 (Lei Maria da Penha), por exemplo, precisou-se de uma mulher ser quase morta para que então se olhasse para um cenário que já se existia a muito tempo.
Ocorre que faltam meios para constatar tais discriminações na prática, pois ainda hoje é visível as diferenças salariais existentes entre homens e mulheres no exercício das mesmas funções. Outrossim, é o fato de a desigualdade não estar presente apenas entre homens e mulheres, mas também nas diferentes classes do gênero feminino.
Sucede que, nas classes socias mais baixas os homens ao não conseguir sustentar a casa sozinho, a mulher ingressa no ambiente de trabalho para ajudar no sustento familiar, muitas vezes com crianças menores; e, nesse sentido, exercem uma vida dupla, a qual tem de conciliar as atividades domésticas, o cuidado com os filhos e trabalho externo.
Desse modo, Chies (2010, p.510) afirma que:
[...] a mulher nos padrões de identidade feminina definidos pela estrutura social brasileira – filha, mãe, dona de casa – assume papéis de subordinação: na casa dos pais é subordinada ao pai e depois do casamento é subordinada ao marido. Quando trabalhadora assalariada, acumula duas jornadas de trabalho – em casa e no emprego, além disso, recebe um salário menor ao do homem para a realização das mesmas tarefas. Homens e mulheres podem ser subordinados no campo econômico pela exploração de sua força de trabalho, no entanto, a mulher é subordinada nas duas dimensões, tanto no “sistema de exploração” como no “sistema de dominação”.
Portanto, apesar das normas já existentes faz-se necessário maior proteção da mulher no mercado de trabalho, observando também as desigualdades já existentes no próprio meio. É importante a aceitação das mulheres na vida política, social e financeira, passo que colaboraria com o desenvolvimento econômico e social.
Nesse sentindo as palavras de Treviso (2008, p.28) dá continuidade a explanação do assunto:
E, para que isso possa ocorrer, é necessário levar adiante um profundo debate político sobre as instituições que socializam os indivíduos, para despoja - lós dos estereótipos “masculino” e “feminino”, ainda presentes (principalmente, perante a família); precisamos aprofundar, ainda, o desenvolvimento do princípio da igualdade de oportunidades, que leva a cabo acorreta distribuição dos bens materiais e imateriais necessários para a obtençãode uma vida digna, em tempo de intervir sobre os méritos, regras e procedimentosque determinam a seleção de pessoas para funções de direção e liderança.Devemos desenvolver, ainda, a chamada “democracia paritária”, ou seja, buscar acriação de um modelo político que permita a representação igualitária e equitativade todos aqueles que fazem parte da sociedade: os homens e as mulheres.
Desse modo, o povo deve cobrar do Estado novos espaços políticos e sociais, onde haja a participação de todos, sem qualquer distinção entre gênero, raça ou cor, onde possa ser promovidos políticos que contribuam com a redução da violência e promovam a democracia.
Nesse contexto de igualdade também prevalece o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que perpassa o tempo e espaço, simboliza valor que está impresso nas culturas e suas experiências. Assim, no sistema constitucional brasileiro esse princípio é uma base de todo o sistema, regendo todos os direitos fundamentais ao indivíduo.
Conforme dispõe Soares (2010, p.319), “a dignidade da pessoa humana figura-se como princípio ético-jurídico capaz de orientar o reconhecimento, a partir de uma interpretação teleológica da Carta Magna”, a mesma serve de parâmetro para entendimento dos direitos humanos previstos em tratados e convenções internacionais. Assim, esse princípio se desdobra em inúmeros outros e regras constitucionais, formando inúmeros valores e finalidades a serem realizadas pelo Estado e pela sociedade.
Enfim, o princípio da dignidade da pessoa humana é algo que está intrínseco a cada ser humano, seus valores e ao que esse entende que é fundamental a si, de certa forma, esse princípio se torna vago ao confrontar seus dois lados, pois dessa forma cada pessoa interpretaria o que é fundamental a si mesmo, e por muitas vezes apenas o princípio não delimita o que deve ser feito em determinadas situações e assim fica nas mãos, como por exemplo, de juízes decidirem por algumas questões.
Ao analisar a dignidade da pessoa humana é possível ver um valor que vai além do ser humano em sim, engloba todos os direitos fundamentais, e dessa forma existem muitos indivíduos que vivem indignos na sociedade, os que passam fome, os que não possui uma oportunidade de trabalho, os que são marginalizados, e dessa forma a pobreza menstrual no Brasil também reflete essa situação.
Ao ser analisados os produtos essenciais ao ser humano, não deve ser levado em consideração apenas alimentos básicos, mas também os de higiene pessoal e aqueles decorrentes desses que viabilizam escolhas e cuidados íntimos com o próprio corpo, como os absorventes, anticoncepcionais e aqueles destinados a manutenção da reprodução, como exemplo as fraldas.
Dessa forma, ao elencar preceitos básicos da dignidade tem-se que enxergar a realidade e não apenas algo em abstrato ou uma utopia, quais são as reais necessidades da sociedade, quais os grupos mais marginalizados, qual o gênero precisa mais de amparo e várias outras questões inerentes aos direitos fundamentais e o mínimo existencial.
Portanto, para que isso também ocorra de forma efetiva tem-se de considerar todos os tributos e de qual modo esses influenciam diretamente na vida das pessoas. Segundo Mazza (2021, p.64), “o sistema tributário deve permitir ao governo arrecadar a receita necessária e, ao mesmo tempo, atingir objetivos distributivos, com a menor perda possível de eficiência econômica.”
No que permeia o sistema tributário o mesmo é regido por princípios que direcionam as normas estabelecidas nele. Nesse âmbito, consoante disposto no art.5º da CF, todos tem direito a um tratamento idêntico pela lei, observando cada um a medida da sua desigualdade, dessa forma, foi disposta no art. 150, II, da Constituição Federal, que é vedado a União, Estados e Municípios instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.
Assim, esse princípio da igualdade perante a lei tributaria faz com que todos aqueles que estejam em situação equivalente sejam todos atingidos pelas normas e não apenas alguns contribuintes. Dessa forma, todos serão atingidos pelos tributos estabelecidos em lei de acordo com sua capacidade contributiva.
A capacidade contributiva está elencada no §1º do artigo 145, da Constituição Federal, essa foi uma forma que o legislador encontrou para limitar, adaptar a tributação a cada contribuinte, de tal forma que cada um possa contribuir de acordo com sua capacidade financeira. Desse jeito, poderá alcançar os que dispõe de maior patrimônio e não ser excessivas aos que menos tem.
Nesse sentido, a capacidade contribuitiva do indivíduo começaria a partir do momento que resguardado o mínimo existencial o mesmo pudesse colaborar para manutenção do Estado. Neste aspecto, ensina Rosane Beatriz Danilevicz:
Porém, é sabido que o princípio da capacidade contributiva melhor se aplica aos impostos diretos. Nos impostos indiretos, a capacidade contributiva nem sempre acontece, uma vez que a carga econômica do imposto não é suportada pelo produtor, industrial ou comerciante que realiza a operação, mas pelo consumidor final, cuja mensuração da capacidade econômica é difícil. Isso ocorre por não ser possível, antecipadamente, conhecer quem será e quais as condições econômicas do destinatário final do produto, mercadoria ou serviço. (DANILEVICZ, 2009, p.237).
Nesse contexto, vale destacar o mínimo existencial, esse se refere aos direitos fundamentais básicos, como também interligado com o princípio da dignidade da pessoa humana que a própria Lei Maior elenca para que a pessoa possa ter uma vida digna, como saúde, alimentação, vestuário, educação, entre outras que atendam às necessidades básicas familiar e individual. Desse modo, ao se tratar da capacidade contributiva do contribuinte, entende-se que apenas a parcela extra excedente ao mínimo existencial teria de ser levada em conta para tributar.
Por isso, para que um indivíduo sendo livre possa alcançar a plenitude advinha da Carta Magna é indispensável a atenção aos requisitos que contribuam para isso, diante disso o mínimo existencial deve ser observado tanto na tributação dos impostos diretos e indiretos.
A fim de que possa se ter uma melhor compreensão acerca dos impostos diretos e indiretos, Costa (2021, p. 252) explana:
Assim, imposto direto é aquele em que o contribuinte absorve o impacto econômico da exigência fiscal, como ocorre no Imposto sobre a Renda, por exemplo. Já no imposto indireto observa-se o fenômeno da repercussão tributária ou translação econômica do tributo, segundo o qual o contribuinte de direito não é aquele que absorve o impacto econômico da imposição tributária, pois o repassa ao contribuinte de fato, o consumidor final. Ilustram a hipótese o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS.
Para que possa ser observada a graduação da incidência tributária nos impostos indiretos faz-se essencial o princípio da seletividade, esse princípio faz com que o legislador escalone a incidência tributária sobre os produtos, mercadorias ou serviços de acordo com sua essencialidade.
Os produtos considerados essenciais, por exemplo, recebem uma baixa tributação e aqueles considerados supérfluos, portanto, recebem uma alta tributação. Nesse sentindo a essencialidade serve para manutenção do mínimo existencial e também da dignidade da pessoa humana. Essa diferenciação de essências e supérfluos serve para entender aquilo que é necessário ou não.
Entretanto, distinguir aquilo que é essencial ou não, não é uma tarefa muito fácil tendo em vista que a Constituição Federal não traz expressamente quais produtos, mercadorias ou serviços devem ser considerados essências. Porém, ao se fazer uma interpretação do dispositivo constitucional pode-se constatar que a saúde, alimentação, moradia, vestuário, trabalho, cultura, lazer, cuidados de higiene, energia elétrica e entre outros podem ser considerados de necessidade indispensáveis.
Dessa forma, ao muitas vezes elencar apenas os produtos da cesta básica como produtos essenciais faz com que não sejam atendidas todas as necessidades básicas da população. Desse modo, em se tratando dos impostos indiretos vale constatar que tanto os menos favorecidos quanto os mais favorecidos pagaram uma mesma tributação nos produtos, mercadorias e serviços considerados essenciais e com baixa ou nenhuma tributação, nessa mesma linha, tanto os indivíduos menos favorecidos quanto aqueles que dispõe de uma renda maior arcará com o mesmo ônus tributário incidente nos que são considerados supérfluos.
“A realidade revela que o imposto incidente sobre o consumo tem efeito regressivo, isto é, quem possui menor poder aquisitivo, proporcionalmente à sua renda, termina por pagar mais imposto do que aquele com maior poder aquisitivo.” (DANILEVICZ, 2009, p.242).
Desse modo, deve-se atentar-se em uma totalidade se os produtos que realmente se constituem indispensáveis as necessidades humanas estão recebendo o encargo tributário correto, tendo em visto que a essencialidade tem sido tratada restrita apenas aos bens e serviços de primeira necessidade, e no que muito se refere a um número bem restritivos de itens, portanto carece que seja ampliado tal conceito de modo que viabilize a sobrevivência com um mínimo de dignidade.
Para que isso ocorra a caracterização da essencialidade deve ser baseada juntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, fazendo uma análise de todos direitos, garantias e princípios fundamentais elencados pela Carta Magna para que se faça jus ao verdadeiro significado de uma vida digna, algo que vai muito além de apenas a sobrevivência, tem-se também que a caracterização de produtos essenciais tem sua variação no tempo, o que é hoje pode não ser amanhã e visse versa, portanto de tempos em tempos deve-se ser feita uma análise da condição social para que possa trazer melhorias.
Nesse contexto, atualmente, produtos como absorventes, anticoncepcionais, produtos relacionados a maternidade de modo geral, produtos de higiene pessoal, considerados como cosméticos, materiais escolares, como também serviços de energia elétrica, combustíveis, entre outros, devem sofrer uma tributação mais equilibrada ou até mesmo nenhuma, em razão do seu elevado nível de essencialidade.
Atualmente, no dia 07 de outubro 2021 foi publicada a Lei 14.214, de 6 de outubro de 2021, que instituiu o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual que determinou que as cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar deverão conter como item essencial o absorvente higiênico feminino, no entanto, o chefe do poder executivo vetou a previsão da distribuição gratuita desses as estudantes de baixa renda e mulheres em situação de rua, a qual era a principal medida determinada pelo programa.
Em face deste ato, vê-se que os direitos adquiridos pelas mulheres se constituem de pequenos e vagarosos passos, os quais devem, no cenário atual, de mudanças mais eficientes e fugaz.
Diante de todo o exposto, vale ressaltar as propostas de alteração a legislação tributária, de acordo com Piscitelli et al (2020, p.8-17),
Concessão de isenção de PIS/COFINS e IPI sobre absorventes íntimos femininos e assemelhados (calcinhas absorventes e coletores menstruais) e fraldas higiênicas infantil e adulto, além da inclusão, no Anexo I - Produtos Integrantes da Cesta Básica, do PL 3887/2020, concessão de isenção de
PIS/COFINS e IPI sobreanticoncepcionais, além da inclusão, no Anexo I - Produtos Integrantes da Cesta Básica, do PL 3887/2020, Manutenção da desoneração dos itens da cesta básica,Assegurar a isenção de PIS/COFINS e IPI sobre medicamentos utilizados em reposição hormonal por conta da menopausa, e na redesignação sexual, além da previsão de isenção no PL 3887/2020, que cria a CBS, contribuição sobre bens e serviços, de competência da União.
Portanto, com certas reformas no sistema tributário nacional e com políticas públicas adequadas, tendo por base o princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da essencialidade, as mulheres brasileiras poderão ter uma vida mais digna, tendo acesso aos itens de higiene básicos.
Diante do exposto no presente artigo, nota-se que os princípios são fundamentais para devida compreensão do que se está disposto na Constituição Federal, como também das outras normas norteadoras da sociedade. Esses possuem uma história interligada com as origens históricas e culturais da sociedade. Possuem valores intrínsecos ao indivíduo.
Desse modo, para que haja uma igualdade efetiva de gêneros é preciso que se faça por meio de princípios, mudanças na tributação com auxílio de políticas públicas eficientes, visando estabelecer medidas de forma a combater a desigualdade de gênero no país, desde os itens de necessidade básica quanto a uma isonomia no âmbito do trabalho e de renda.
Como observado a atual tributação não coopera com os menos favorecidos ou aquelas que precisam de maior apoio por parte do Estado, essas de certa formar acabam por arcar com um maior ônus tributário.
Assim, se faz imprescindível que a tributação reflita sobre a real situação da sociedade brasileira, utilizando-se dos princípios da dignidade da pessoa humana através da essencialidade dos produtos indispensáveis, para disponibilizar uma vida digna a todos; bem como para amparar as mulheres, com a implantação de políticas públicas eficientes, maiores oportunidades de trabalho, renda igual ao gênero masculino, tudo com vista à igualdade de gênero.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07/10/2021.
BRASIL. Decreto- Lei n.5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF: Presidência da Republica, 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 07/10/2021
BRASIL. Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1995.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9249.htm. Acesso em: 07/10/2021.
BRASIL. Lei n.11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília, DF: Presidência da Republica, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 07/10/2021.
BRASIL. Lei n.13.149, de 21 de julho de 2015. Dispõe sobre valores da mensal do IRPF. Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13149.htm
BRITO, Maíra Konrad de. Tax women: a desigualdade de gênero na tributação.
JOTA. São Paulo, p. 0-0. 20 mar. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/women-in-tax-brazil/tax-women-a- desigualdade-de-genero-na-tributacao-20032020. Acesso em: 14/10/2021.
BUENO, Júlio Anderson Alves. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2014. E-book.
COSTA, Elias. No Brasil, milhões de meninas carecem de infraestrutura e itens básicos para cuidados menstruais. UNICEF, Brasília, 2021. não paginado. Disponível em:https ://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/no-brasil-milhoes-demeninas-carecem-de-infraestrutura-e-itens-basicos-para-cuidados-menstruais. Acesso em: 14/10/2021.
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2021. E-book.
DANILEVICZ, Rosane Beatriz J. O princípio da Essencialidade na Tributação. Revista da FESDT, Porto Alegre, n.3, p.229-245, jan./jun. 2009. Disponível em: https://fesdt.org.br/docs/revistas/3/artigos/13.pdf. Acesso em: 07/10/2021.
FALEIROS, Eva. Violência de gênero. Violência, Rio de Janeiro p. 61-62, 2007. ISBN 978-85-7511-107-9. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/3936438/violencia-genero.pdf. Acesso em: 06/10/2021.
FEDERAL, Caixa Econômica. Pis- Programa Integração Social. 2020. não paginado. Disponível em: https://www.caixa.gov.br/beneficiostrabalhador/pis/Paginas/default.aspx/DVWA. Acesso em: 26/09/2021.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25. ed. São Paulo: Saraiva,2021. E-book.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. E-book.
MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. E-book.
NERIS, Brenda Borba dos Santos. Políticas Fiscais e Desigualdade de Gênero: análise da tributação incidente nos absorventes femininos. Revista Fides, Natal, v.11, n.2, ago./dez.2020. Disponível em: https://academic.microsoft.com/paper/3132579899/related. Acesso em: 26/09/2021.
NETO, Orlando Fernandes Dias; FERIATO, Juliana Marteli Fais. A Tributação como Instrumento para Promoção da Igualdade de Gênero no Mercado de Trabalho.
Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas (UNIFAFIBE), vol.6, no. 2, 2018, p.
420-444. Disponível em: file:///C:/Users/Denise/AppData/Local/Temp/504-1634-1-PB-1.pdf. Acesso em: 14/10/2021
PISTELLI, Tathiane et al. Reforma Tributária e Desigualdade de Gênero. Fundação Getúlio Vargas Direito, São Paulo, nov. 2020. Disponível em: https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/reforma_e_genero__sumario_executivo.pdf. Acesso em: 07/10/2021.
PUGLIESI, Fabio et al. TributaçãoeIgualdade de gênero: um olhar sobre os direitos humanos. Revista Direito UFMS, v. 2, n. 1, 2017. Disponível em: https://desafioonline.ufms.br/index.php/revdir/issue/view/242.
SEBRAE. Empreendedorismo Feminino no Brasil. Março. 2019. Disponível em: https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/GO/Sebrae%20de%20A% 20a%20Z/Empreendedorismo%20Feminino%20no%20Brasil%202019_v5.pdf. Acesso em: 14/10/2021
SOARES, Ricardo Maurício Freire. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2010. E-book.
TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. A discriminação de gênero e a proteção à mulher. Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, Belo Horizonte, v. 47, n. 77, p. 28-29, jun. 2008. Disponível em: https://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/handle/11103/27308. Acesso em: 07/10/2021.
UNIÃO, Diário Oficial. Lei n.14.214, de 6 de outubro de 2021. Institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual; e altera a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Diário Oficial da União: Brasília, DF, sdição: 191, sseção: 1,página: 3, 6 outubro 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n14.214-de-6-de-outubro-de-2021-350926301. Acesso em: 07/10/2021.
[1] Mestra em Direito. Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins(FCJP).
Artigo publicado em 15/11/2021 e republicado em 01/05/2024
Graduada do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Denise Moreira. A desigualdade de gênero no sistema tributário brasileiro à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e essencialidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 maio 2024, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57449/a-desigualdade-de-gnero-no-sistema-tributrio-brasileiro-luz-dos-princpios-da-dignidade-da-pessoa-humana-igualdade-e-essencialidade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.