RESUMO: Os animais são dotados de proteção jurídica, e por este motivo, objeto juridicamente tutelado de alguns crimes, sendo protegidos pelo artigo 225 da Constituição Federal de 1988. O artigo 164 do Código Penal, caracteriza a conduta do abandono em terreno alheio causando prejuízo ao proprietário, e mais voltado ao bem estar dos animais, o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº. 9.605/1998), pune com detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano quem pratica maus tratos contra animais. Se caracterizando como uma forma de maus tratos, o abandono se enquadra neste tipo penal. Portando, o objetivo geral deste artigo é apresentar os efeitos penais que o ordenamento jurídico brasileiro prevê, bem como, mostrar o contexto social do abandono na cidade de Manaus. Por fim, expor ainda a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores e projetos de lei em andamento que tem como medida frear esta problemática que afeta não exclusivamente os animais domésticos que são abandonados, como também, a população que se expõe a doenças que estes podem transmitir.
PALAVRAS-CHAVE: Animais. Crimes. Abandono. Manaus.
ABSTRACT: Animals are endowed with legal protection, and for this reason, they are legally protected object of some crimes, being protected by article 225 of the Federal Constitution of 1988. Article 164 of the Penal Code characterizes the conduct of abandonment on foreign land causing damage to the owner , and more focused on the welfare of animals, article 32 of the Environmental Crimes Law (Law n. 9.605/1998), punishes with detention from 3 (three) months to 1 (one) year those who practice mistreatment of animals. Characterized as a form of ill-treatment, abandonment falls under this penal type. Therefore, the general objective of this article is to present the criminal effects that the Brazilian legal system provides, as well as to show the social context of abandonment in the city of Manaus. Finally, also expose the doctrine and jurisprudence of the higher courts and ongoing bills of law that have as a measure to curb this problem that affects not only the domestic animals that are abandoned, but also the population that is exposed to diseases that they can to transmit.
KEYWORDS: Animals. Crimes. Abandonment. Manaus.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Animal para o Direito Penal. 3. Abandono de Animais domésticos; 3.1 Causas do abandono de animais domésticos; 3.2 Impacto do abandono de animais domésticos a saúde pública; 3.3 Ações no combate ao abandono de animais domésticos; 4. Aplicações penais na legislação brasileira; 4.1 Jurisprudência acerca do abandono de animal doméstico; 4.2 Projetos de Lei; 5. Conclusão; 6. Referências.
1.INTRODUÇÃO
A sociedade divide espaço no meio ambiente com os animais, sendo vários destes em residências manauaras, como animais domésticos. Recebendo cuidado e afeto, existem aqueles que são considerados como se fossem indivíduos da família, e o empenho para com o animal são tantos que o mercado pet cresce a cada ano que se passa.
Os animais estão protegidos pela legislação e, para uma parte da população, merecem ter os mesmos tratamentos disponíveis ao demais seres vivos. Situações de maus tratos, quando noticiados, geram sentimento de revolta nos defensores dos direitos dos animais, que exigem a aplicação de sanções penais mais severas para esses casos.
O direito penal brasileiro dispõe de princípios fundamentais, os quais dois deles, o da legalidade e da reserva legal fazem parte, regulamentando que somente será considerado crime a conduta anterior prevista na lei, com uma sanção antecipadamente indicada. No momento, a legislação penal obtém alguns mecanismos que punem práticas de maus tratos e abandono aos animais, sendo os objetos deste artigo, que irá discorrer sobre as aplicações penais do abandono de animais e seu contexto social.
Por mais que existam efeitos penais a séculos no Brasil, são frequentes os questionamentos acerca da eficácia da lei. Neste sentido, o artigo aborda os mecanismos que protegem os animais no Brasil e em que se define e caracteriza o ato do abandono de um animal. Destaca ainda as causas, as consequências geradas e a atual situação do abandono de animais domésticos na cidade de Manaus. Por fim, a jurisprudência acerca do assunto e Projetos de Lei em andamento no Congresso Nacional e na Camará Municipal da cidade, apresentando ainda as medidas de solução para este problema social e ecológico.
2.ANIMAL PARA O DIREITO PENAL
A primeira legislação penal de âmbito nacional que tratou sobre os animais, foi o Decreto nº 24.645/1934, dentro do governo de Getúlio Vargas, possuindo 19 artigos contendo medidas específicas de proteção aos animais. O conceito jurídico de animal pode ser notado no texto legal do artigo 17, que o definia para fins de medida de proteção, a palavra animal todo ser irracional, possuindo dois ou quatro pés, selvagem ou doméstico, exceto os daninhos (BRASIL, 1934).
Neto (2017, p.53), discorre que analisando estruturalmente este dispositivo, podemos notar que o conceito utilizado não está reduzido a uma extensão jurídica, mas, sim, no campo das ciências biológicas (quadrupede ou bípede), bem como, filosófico quando há menção do critério de “irracionalidade”. Ao conceituar animal, conclui-se que, apesar de os animais não apresentarem o mesmo complemento de habilidades intelectuais do ser humano, notamos que eles dispõem da capacidade de sentir emoções.
Neste pensamento, Duarte (1944, p.573) dispôs que a lei define animal um ser dotado de alma e de vida. O autor ainda destaca que o homem é um animal, e o mais perfeito da criação, complementando que o animal a que se refere a lei, é o irracional, aquele que não tem alma, nem inteligência, apenas o instinto, mas, é um ser animado, que tem emoção e sofre.
Na visão de Nunes Júnior (2019, p. 865), apesar de o STF ter reconhecido o status de coisas aos animais, ainda se ponderou que os animais de companhia são seres que possuem natureza especial, como viventes que tem a capacidade de sentir, dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais e que também devem ter o seu bem estar considerado.
Reale (1994, p. 514) definia que o direito é fato, valor e norma, havendo apenas uma variação do ângulo, sendo assim, há uma correlação direta entre elas. Tal teoria foi denominada tridimensional ou trivalente. Para interpretar e aplicar uma norma ou regra, os juristas devem pensar que fato, valor e norma existem em conjunto.
Começou-se a afirmar que existe o direito dos animais a partir da teoria tridimensional, e para se concluir isto, somente é necessário observar que deve haver um fato, podendo citar o abandono, que se tipifica na legislação como maus tratos, um valor, como a solidificação da ideia da justiça, e uma norma, como a Lei de Crimes Ambientais.
Ao tratar do reconhecimento dos direitos dos animais, Zaffaroni (2017, p. 59), afirmou que embora o animal tenha menor discernimento do que o ser humano, inegável que existam humanos sem inteligência ou com inteligência inferior do que a do animal, e nada autoriza a tratar os animais com crueldade.
No âmbito do direito público, os animais encontram resguardo em normas que nos mostram que pertencem ao meio ambiente e que, muito embora sejam objetos de propriedade, são tutelados pelo Estado. Com normas administrativas e penais sobre o assunto, tem seus direitos indisponíveis, não podendo esses serem diminuídos ou divididos em favor de uma outra esfera.
Em alcance internacional, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, sendo o Brasil assinante desde o ano de 1978, se tem disposto especificamente sobre a proteção dos animais e a vedação de atitudes como o abandono:
“ARTIGO 2:
a) Cada animal tem direito ao respeito.
b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais.
c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.
ARTIGO 3:
a) Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis.
b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia
[..]
ARTIGO 6:
a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural
b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.” (UNESCO, 1978).
3.ABANDONO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS
O animal é um ser senciente, como já definido, dispõe de sensações como prazer, alegria, tristeza, saudade, ansiedade, dor, dentre outros sentimentos. Como é notado, para muitas pessoas o animal doméstico é um ser especial, em alguns casos é até considerado um membro da instituição familiar. Ele pode ajudar em várias situações, chegando a despertar em alguns tutores o sentimento de amor.
A relação do homem com animais de estimação vem de cerca de 10 mil anos atrás, quando cães e gatos começaram a ser domesticados. A importância dos animais tornou-se notória nos mais variados aspectos da vida dos seres humanos, como físicos e emocionais. Contudo, essa relação sempre foi norteada pela ideia de domínio.
Armstrong (2008) destaca que, acostumado com a proposta de exploração da natureza e dos próprios animais, o homem age, em determinadas situações, com irresponsabilidade no que se atribui aos cuidados com animais domésticos. O abandono é um problema que afeta cada vez mais os centros urbanos ao redor do mundo, e com o agravamento da crise sanitária da COVID-19, os casos e a falta de interesse com a situação de animais de rua não parou de aumentar.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil possui mais de 30 milhões de animais abandonados, incluindo aproximadamente 20 milhões de cães e 10 milhões de gatos. Nas grandes cidades, há um cachorro para cada cinco moradores, sendo 10% deles abandonados.
O ato de abandonar um animal atinge todos os princípios básicos da guarda responsável, conceito que se constitui em um conjunto de medidas para o tratamento adequado dos animais de companhia. Isso inclui oferecer acomodação em espaço limpo e confortável, vacinação anual, alimentação adequada e que o animal nunca fique desabrigado ou desassistido, bem como, assistência médica veterinária periódica sempre que o ele assim necessitar.
Outro problema evidenciado com o abandono, é a redução da expectativa de vida do animal, que pode ser medida pelos seus cuidados e peso. Um cão limpo pesando 10 kg pode viver até 20 anos, de 10 kg a 25 kg, a idade média é de 14 anos, com mais de 25 kg é estimado 12 anos. Para cães de rua, a expectativa de vida é geralmente a metade de um cão com um lar.
As consequências dessa exposição de cães e gatos à situação de rua incentivaram o começo da campanha “Dezembro Verde”, que tem obtido apoio de diferentes tipos de instituições e torna o último mês do ano um período de educação e conscientização sobre a guarda responsável dos animais domésticos.
3.1 Causas do abandono de animais domésticos
A Delegacia Especializada em Crimes contra o Meio Ambiente (DEMA), registrou um aumento no número de casos de abandono de animais domésticos em Manaus no decorrer da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Segundo a Polícia Civil, a média mensal varia de dez a 15 denúncias e, no mês de março de 2020, foram registradas um total de 50.
Apesar de termos uma lei federal recente sobre abandono e maus tratos de animais, que aumentou a pena de detenção para o crime, muitas pessoas ainda tem a ideia de que cães e gatos são como brinquedos, que você escolhe ter e, depois, desiste facilmente sem ter responsabilidade sobre ele.
O abandono vem como consequência de diversos motivos como: o acometimento de doenças, a velhice, o nascimento indesejado de filhotes, o crescimento do animal para um porte indesejado, viagem ou mudança de residência, etc. (NATALINO, 2016).
Ter animais de estimação sempre foi uma tradição para a população manauara, os encontrados hoje nas ruas provavelmente nasceram com um lar, mas acabaram sendo abandonados por vários fatores, entre eles, econômicos, problemas de adaptação, falta de interesse pelo animal ou do controle de natalidade.
O abandono muitas vezes ocorre também pela falta de conhecimento do responsável quanto aos cuidados indispensáveis para com o animal, como alimentá-lo, ter o espaço e a atenção às necessidades psicológicas e fisiológicas do mesmo, o que consome um certo planejamento, que quando não realizado antecipadamente e de maneira adequada pelo tutor, uma das alternativas é o “descarte” do animal.
Silva (2018), destaca que mesmo antes do período de isolamento social, ONGs e protetores de animais já não conseguiam abrigar todos os que foram deixados nas ruas da cidade. Antes e durante a COVID-19, um fenômeno comum pode ter exacerbado 70% do abandono de animais domésticos: a adoção impulsiva. Após essa iniciativa, diante do sofrimento causado pela pandemia, em tempos de escassez, fragilidade, incerteza e solidão, muitas pessoas se surpreendem com as responsabilidades de possuir um animal doméstico.
A maioria destes decidiu que não havia mais espaço para acomodar animais adotados em suas casas e vidas, e a taxa de abandono aumentou de maneira drástica. Animais comprados em canis ou em criadores raramente são abandonados, quando o dono desiste de cuidar do animal, ele costuma ser doado a interessados, ou revendido em alguns casos por serem de raça.
Os animais sem qualquer característica física que seja definida atraente para os possíveis adotantes e os sem raça, formam a grande quantidade dos largados à própria sorte nas ruas da capital amazonense. Segundo a Ampara Animal, cachorros com pelo preto, curto, de porte médio e sem raça definida, os famosos vira-latas, são os mais preteridos na hora da adoção (AZEVEDO, 2020).
3.2 Impacto do abandono de animais domésticos a saúde publica
Os casos de abandono de animais constituem em um enorme problema, prejudicando não somente o bem estar animal, mas também a economia e a ecologia. Como já mencionado, enquanto existem animais que são amados por seus tutores, outros animais são considerados inúteis por seus donos. Eles podem sofrer com parasitas, doenças, fome, desnutrição e envenenamento, dentre outras formas de abuso em decorrência do abandono.
O abandono é uma realidade comum no dia a dia das ONGs em Manaus, os descartes acontecem em estradas, praças, feiras e portas de pet shops, existem casos de indivíduos que internam animais doentes e não voltam mais. É um problema que atinge a população em generalidade, porque além de dificultar a qualidade de vida do animal, a comunidade igualmente acaba ficando exposta ao risco.
Pode se caracterizar o abandono como uma questão de saúde pública, considerando que inúmeros animais que andam pelas ruas sem vacinação ou qualquer controle populacional podem se infectar com doenças e, assim, espalha-las para nós, humanos. Os cães abandonados podem estar portando doenças fatais, como a doença transmitida quando um animal inala ou ingere as fezes de outro cão adoentado, a parvovirose, e a cinomose, que atinge na maioria dos casos os filhotes, sendo transmitida pelo ar contaminado ou contato direto com animais infectados.
Para os humanos, os animais ainda podem transmitir doenças como sarna, micose e brucelose, em casos mais graves, essas enfermidades podem afetar órgãos importantes como o coração e o sistema digestivo. A mais preocupante dessas doenças é a leishmaniose, que causa tumores e úlceras na área do aparelho respiratório.
Dados divulgados por organizações de defesas não governamentais destacam que mais 300 mil animais domésticos estão abandonados pelas ruas da capital. A prática de deixar animais em feiras se tornou frequente, eles são deixados em caixas e sacolas, em grande maioria, ainda filhotes. A presença de animais de rua nas feiras mobiliza que os comerciantes atentem a maiores cuidados com os alimentos vendidos, tendo gatos e cães invadindo constantemente os boxes.
Nas feiras do Centro da cidade, a situação se agrava ainda mais, na Feira da Manaus Moderna, a permanência de filhotes que acabaram de ser abandonados tem se tornado cada vez mais natural. Muitos abandonam nas proximidades porque deduzem que os animais terão oportunidade de obter comida nas mediações da feira.
3.3 Ações no combate ao abandono de animais domésticos
Constata-se que o número de cães e gatos nas ruas ou em abrigos na cidade de Manaus é maior que a velocidade com que acontecem as adoções, tendo em vista que os lares temporários e abrigos estão constantemente acima da capacidade de alojamento ou no limite. Iniciativas tem sido elaboradas como prevenção ao abandono dos animais, dentre elas, a educação da população sobre as obrigações para com o novo membro da casa, promovendo a posse responsável, consistindo em conscientizar os possíveis adotantes quanto a tudo que envolve a adoção, para que seja tomada uma decisão com segurança.
A educação nivelada a informação é um bom instrumento para amenizar o abandono de animais em lugares públicos ou propriedade privada, esta conscientização pode começar nas escolas e em propagandas na mídia, afinal, o Estado é responsável também pelos animais de companhia, não apenas os tutores, é preciso uma reeducação sobre os cuidados em se ter um animal de estimação. (NASCIMENTO, 2019).
Os cuidados com um animal doméstico que envolvem a posse responsável, não são somente voltados a higiene e alimentação. Para evitar o abandono, é importante considerar todos os aspectos da vida do animal, o espaço onde vão conviver, os medicamentos utilizados para prevenir e tratar problemas de saúde, a realização de atividades que promovam o bem estar geral, o abrigo da chuva e do sol em excesso, e também, carinho e afeto pelo ser.
Outra iniciativa necessária no combate ao abandono de animais é a castração. Várias fêmeas são jogadas na rua quando ficam prenhas e o responsável não quer, ou não pode, arcar com os valores envolvidos nos cuidados com os filhotes. Sendo um procedimento totalmente seguro para o animal, a castração evita diversas doenças no aparelho reprodutivo que podem se tornar fatais, assim como, reproduções que não são programadas.
De acordo com a Lei Federal 9.605/98, a mencionada Lei dos Crimes Ambientais, que incluem animais domésticos, dentre eles cães e gatos, é crime desamparar animais. Em Manaus, indivíduos que cometem maus tratos que resultem na morte de animais são multados em 39 UFMs (Unidades Fiscais do Município), que atualmente correspondem a R$ 4,1 mil. Em casos de abandono, a multa aplicada aos responsáveis aplica-se no valor de R$ 2,5 mil (29 UFMs), seguindo o disposto na Lei n° 160/2018.
A Secretaria Municipal de Saúde, trabalha somente com o Centro de Controle de Zoonoses. A principal função dele é a castração cirúrgica animal, vacinação antirrábica e microchipagem que se realiza com o agendamento de forma online, e eutanásia para animais em sofrimento ou com doenças de risco à saúde pública.
O animal recebe uma numeração que contém o nome do seu tutor, CPF e o endereço, assim, se obtém um controle de quantos estão nas ruas. Para os responsáveis pelo Centro, a conduta irresponsável do abandono pode ser evitada com leis mais eficazes e severas. Importante ressaltar que somente animais de interesse epidemiológico, os que estão com suspeitas de doenças, são retirados das ruas.
4.APLICAÇÕES PENAIS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Abandonar animais é crime de acordo com a nova Lei Federal nº 14.064/20, que alterou a Lei nº 9.605/1998, aumentando a pena de detenção em até 5 (cinco) anos para crimes de maus tratos a cães e gatos. O abandono se classifica como uma forma de maus tratos, sendo aplicada a referida lei para tal conduta. O artigo 32 do dispositivo citado dispõe que:
“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal” (BRASIL,1998).
A Lei nº. 14.064/20, incluiu no artigo o parágrafo 1ª-A, aumentando a pena de maus tratos quando os vitimados são animais domésticos. Sendo assim, o indivíduo que abandona um animal deverá ser processado pelo previsto na Lei de Crimes Ambientais.
O Código Penal ainda discorre sobre a conduta de abandono em propriedade alheia, dispondo:
“Art. 164 – Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, ou multa” (BRASIL, 1940).
No entanto, esse tipo penal acaba por não se enquadrar em muitas situações de abandono, haja vista que se destina a responsabilizar mais em efeito do agravo causado ao proprietário do lugar em que o animal foi deixado, do que precisamente ao prejuízo causado ao ser vivo (CANAL CIENCIAS CRIMINAIS, 2019).
O jurista Manoel Franklin Fonseca Carneiro, leciona que entre as práticas de maus tratos, se enquadram os casos de abandono de animais:
“Uma das formas mais comuns e cruéis de crime de maus tratos contra animais consiste no abandono daqueles seres vulneráveis em locais ermos, muitas vezes amarrados, amordaçados e às vezes até enterrados vivos, e equivocadamente têm surgido comparações com a pena do crime de abandono de incapaz, e ainda na sua forma simples, esquecendo-se as formas qualificadas de resultado lesão corporal grave e morte, ficando desde já esclarecido que condutas que tais, se praticadas contra humanos, atrairiam a incidência do crime de homicídio pelo menos duplamente qualificado, por emprego de meio insidioso e cruel e recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima (Código Penal, artigo 121, §2º, incisos III e IV), cuja pena máxima é de 30 anos de reclusão, portanto bem superior à pena máxima do mesmo crime cometido contra animal, que, mesmo com a causa de aumento de pena pelo resultado morte, seria de apenas seis anos e oito meses” (CARNEIRO, 2021).
Com base nos dispositivos mencionados, existem correntes que justificam a importância de se fortalecer as leis referentes a proteção de animais no Brasil em meio ao descaso sobre o assunto. No Congresso Nacional, projetos de lei estão em tramite tendo como objetivo a majoração da punibilidade dos indivíduos que praticam o abandono.
4.1 Jurisprudência acerca do abandono de animais
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, condenou recentemente um acusado que abandonou o seu cão na porta de um bar, com as patas traseiras quebradas, e com lesões infestadas de parasitas no ânus e pênis, para a prova da ocorrência, foi destacada as provas testemunhais e também periciais:
JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. MAUS TRATOS. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. TIPICIDADE DA CONDUTA. 1. Cuida-se de Apelação Criminal interposta contra sentença que condenou o recorrente pela prática do crime previsto no art. 32, caput, da Lei 9.605/98, à pena definitiva de 03 (três) meses de detenção, em regime inicial semiaberto, e 10 dias-multa, fixados à razão legal mínima. 2. O recorrente pugna por sua absolvição do crime de maus tratos de animais, ao argumento de não ter sido suficientemente demonstrado ser o responsável pelas lesões sofridas pelo animal ou seu abandono. Contudo, a autoria e a materialidade do delito restaram devidamente comprovadas. Com efeito, as testemunhas Ana Paula e Tatiana (ID16234860) foram uníssonas no sentido de que o autor abandonou o cachorro na porta de um bar, com as patas traseiras quebradas, e com lesões infestadas de parasitas no ânus e pênis do animal. A primeira testemunha esclareceu que não foi a primeira vez em que socorreu animais vítimas de maus tratos praticados pelo acusado. Revelou, ainda, que o cachorro foi encontrado em estado grave, tendo sido realizado procedimento cirúrgico para evitar seu óbito. 3. A dosimetria, tampouco merece censura, haja vista ter sido aplicada no mínimo legal para a espécie, considerando a presença da agravante da reincidência (ID14174119), que foi compensada com a atenuante prevista no art. 14, I, da Lei 9.605/98, culminando em uma pena final de 03 (três) meses de detenção, em regime inicial semiaberto, e 10 dias-multa, fixados à menor razão legal. 4. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Sentença mantida, por seus próprios fundamentos. 5. A ementa servirá de acórdão, conforme artigo 82, § 5º, da Lei 9.099/95. (TJ-DF 00017353920188070011 DF 0001735-39.2018.8.07.0011, Relator: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Data de Julgamento: 14/08/2020, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no PJe : 16/09/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
4.2 Projetos de lei
O Projeto de Lei nº. 122/2021 dispõe sobre colocação, em áreas públicas, de placas, cartazes e materiais instrutivos, sobre as penalidades empregadas a quem comete o crime de abandono de animais, estando aprovado pela Câmara Municipal (CMM) e seguindo para a sanção do atual prefeito de Manaus, David Almeida.
O parlamentar Jander Lobato, define que o projeto sugere que o Poder Público e particulares, façam a afixação de avisos constando a Lei sobre o crime de abandono de animais, sobretudo, de cães e gatos, uma realidade muito comum nas ruas da capital amazonense.
As placas e cartazes necessitam incluir conteúdos de advertência destacando a Lei 14.064/2020, em relação às penas previstas de reclusão e multas, assim como, os telefones e demais canais digitais dos órgãos para receber denúncias e notícias sobre o abandono de animais. A colagem dos cartazes deve ser feita tanto pela administração pública como por particulares.
O Projeto de Lei 574/2021, apresentado pelo vereador Marcio Tavares, desenvolve a Semana Municipal de Combate ao Abandono de Animais em Manaus. De acordo com o projeto, as ações serão realizadas anualmente sempre na última semana do mês de setembro. Durante a data, os poderes Legislativo e Executivo deverão realizar campanhas para conscientizar acerca das consequências do abandono de animais.
5 CONCLUSÃO
Quanto as medidas no combate ao abandono, observa-se que os Países Baixos se tornaram o primeiro país do mundo livre de animais de rua, para isso, foram instituídas uma série de ações para evitar o abandono e punir essa prática. Não temos como comparar um país pequeno e desenvolvido como os Países Baixos com o Brasil, porém, já temos uma experiência no mundo provando que é possível eliminar esse problema com políticas públicas mais eficazes.
Constata-se a necessidade de avaliar as aplicações penais da conduta de abandono perante o ordenamento jurídico, tendo em vista o grande aumento de casos e da falta de conscientização. Conforme o disposto na doutrina, o ato do abandono não se define apenas pelo material, mas também no estado emocional do animal, com isso, o descrito no artigo 164 do Código Penal, o delito de abandono em terreno alheio, é pouco utilizado para casos concretos.
O abandono se encaixa no que se dispõe no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, como uma forma de maus tratos. A pena prevista na Lei 9.605/1998, determina a detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, o que leva o seguimento do feito de acordo com a Lei dos Juizados Especiais Criminais, sendo favorável ao acusado. Com a aprovação da Lei nº. 14.064/2020, a pena para quando se tratar de ato contra cães e gatos, aumenta para reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.
Apesar do demonstrado, ainda fica o inconformismo quanto a pena do caput do artigo 32, estando em tramitação no Congresso Nacional Projetos de Lei para modificar este texto penal, assim como, determinar a responsabilização de estabelecimentos comerciais que de certa forma favoreçam os atos de maus tratos a animais.
Os animais não obtêm de formas para se defender, não sendo capazes de procurar os seus direitos. A sociedade deve conviver de acordo com o que diz respeito aos direitos dos animais, tendo em vista que necessitam de nossa dedicação e respeito, em especial os animais domésticos, levando em consideração que são ameaçados dia após dia, no que tange as crueldades que o ser humano pratica.
Uma das formas para que este cenário seja mudado, é o empenho da população, que não deve aceitar tamanha crueldade, impedindo antecipadamente sua ocorrência e, caso que não seja possível, é necessário que se denuncie, pois é inadmissível a negligência da sociedade, que em sua grande maioria, apenas assiste a covardia dos que cometem esses delitos contra seres indefesos.
REFERÊNCIAS
ARMSTRONG, S.J.; BOTZLER, R.G. The Animal Ethics Reades. 3. ed. Londres: Editora Routledge, 2018.
AZEVEDO, Samuel Viana. De A Problemática do Abandono de Animais Domésticos frente à Pandemia do Coronavírus no Brasil, 2020. 26 f., Trabalho de Conclusão de Curso, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2020.
BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei Nº 11.340, de 7 de agosto De 2006: Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004 2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso: 10 de setembro de 2021.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm >. Acesso em 23 maio de 2021.
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BRASIL. Lei nº 14.064, de 29 de setembro de 2020. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14064.htm >. Acesso em 23 de maio de 2021.
BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm >. Acesso em 23 de maio de 2021.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação criminal nº 0001735-39.2018.8.07.0011. Apelante: Elias Ribeiro Melo. Apelado: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Relatora: juíza Soníria Rocha Campos D'assunção, Primeira Turma Recursal, Brasília: 14 agosto de 2020. Disponível em < https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/928124607/17353920188070011-df-0001735-3920188070011/inteiro-teor-928125369?ref=juris-tabs >. Acesso em 30 de setembro de 2021.
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Artigo publicado em 16/11/2021 e republicado em 01/05/2024
Advogada
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Nathália Duarte. Crime de abandono de animais domésticos: uma análise acerca da negligência a população de animais de rua em Manaus Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 maio 2024, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57458/crime-de-abandono-de-animais-domsticos-uma-anlise-acerca-da-negligncia-a-populao-de-animais-de-rua-em-manaus. Acesso em: 22 nov 2024.
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