RESUMO: O Supremo Tribunal Federal (STF), no RE 666094-DF, fixou tese indicando o critério para ressarcimento de hospitais privados quando do atendimento, por ordem judicial, de pacientes não atendidos pelo sistema público de saúde (SUS). Esse critério acabou por invadir a competência legislativa do Congresso, criando regras que tratam como iguais situações absolutamente distintas e ofendendo o princípio da reparação integral.
ABSTRACT: The Brazilian Supreme Court (STF), in RE 666094-DF, fixed a thesis indicating the criterion for reimbursement of private hospitals when it treats, by court order, patients not cared by the public health system (SUS). This criterion invaded the legislative competence of Congress, by creating rules that treat absolutely different situations as equals and also offending the principle of full reparation.
Palavras-chave: RE666094-DF. SUS. Internação por Liminar. Hospital Privado. Preço. Indenização.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Origem do Caso. 3. A Decisão do STF no RE 666094-DF. 4.Comentários. 5. Conclusão. 6. Referência.
[1]. INTRODUÇÃO
[1.1]. Em 30/09/2021, o Pleno do Supremo Tribunal Federal (“STF”), em decisão unânime, fixou no RE 666094-DF a seguinte tese: "O ressarcimento de serviços de saúde prestados por unidade privada em favor de paciente do Sistema Único de Saúde, em cumprimento de ordem judicial, deve utilizar como critério o mesmo que é adotado para o ressarcimento do Sistema Único de Saúde por serviços prestados a beneficiários de planos de saúde".[1]
[1.2]. Essa decisão terá repercussão em inúmeras ações em curso, através das quais entidades de saúde privadas, sejam elas controladas por Operadoras de Planos de Saúde (“OPS”) ou não, buscam reaver o justo ressarcimento pela prestação de serviços médico hospitalares prestados aos cidadãos, não atendidos devidamente pelo Sistema Único de Saúde (“SUS”) e que, por determinação do Estado-Juiz foram internados nas referidas entidades de saúde privadas.
[1.3]. Neste caso, partiu-se de uma situação específica (um hospital pertencente a rede própria de uma OPS) e, através de uma analogia, concluiu-se que se uma OPS ressarce o SUS com base em um múltiplo da Tabela do SUS, da mesma forma, TODOS os hospitais PRIVADOS que derem atendimento a pacientes do SUS deveriam receber do Estado com base em múltiplos da tabela do SUS, quer tivessem, ou não, relacionamento negocial com o SUS.
[1.4]. Embora a decisão tenha o nobre propósito de pacificar a discussão acerca de qual seria o valor a ser pago a um hospital privado por atendimento de pacientes do SUS, criando um critério mais objetivo de pagamento pelo uso forçado da rede privada, ela acabou por invadir a competência legislativa do Congresso, criando regras que tratam como iguais situações absolutamente distintas e ofendendo o princípio da reparação INTEGRAL, tudo isso sob o argumento de proteção ao Estado (social), Estado este que faltou com sua obrigação constitucional e legal ao não garantir atendimento ao cidadão necessitado, nos termos dos arts. 196 e seguintes da Constituição da República Federativa do Brasil (“CF”) e da Lei Federal 8080/90.
[2]. A ORIGEM DO CASO
[2.1]. Em 2007, um cidadão, diante da impossibilidade de conseguir internação no SUS, distribui ação em face do Distrito Federal buscando o atendimento em uma UTI em rede particular, atendimento este que deveria ser custeado pelo Distrito Federal.
[2.2]. O cidadão foi internado, por liminar, no dia 13/11/2007 e lá permaneceu internado até 04/01/2008, gerando uma conta no montante de cerca de R$ 206.000,00.
[2.3]. A OPS, controladora do hospital, acionou o Distrito Federal cobrando o valor integral da internação, com base em sua tabela de serviço.
[2.4]. A sentença, em 11/05/2010, foi parcialmente favorável à OPS, entendendo o Juiz de 1º. Grau que a OPS deveria receber não o valor pretendido por ela e, sim, “o mesmo [valor] que é pago às instituições conveniadas com a rede credenciada do Distrito Federal, sob pena de ofensa aos princípios da isonomia e da função social da propriedade, já que o Estado é um ente abstrato, composto por toda a sociedade, devendo cada cidadão/entidade contribuir para a sua manutenção e bom funcionamento.” Afirmou o julgador, dentre outros pontos, que esse valor seria suficiente para cobrir os custos do serviço prestado e remunerar a OPS; disse ele: esse valor “não lhe ensejará prejuízos, mas tão somente reduzirá a sua margem de lucro.” [2]
[2.5]. A OPS apelou ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que, de forma UNÂNIME, em 16 de março de 2011, reformou a decisão, dispondo que os valores de remuneração deveriam ser os valores de MERCADO, ressaltando que se o Estado não teve condições de prestar o serviço é o “ente público que deverá arcar com o ônus da internação do paciente em hospital particular” não devendo ser utilizada a Tabela do SUS “mormente quando a instituição privada que prestou o serviço não firmou qualquer contrato ou convenio com o ente federativo.”[3]
[2.6]. O Distrito Federal interpôs Recurso Extraordinário sustentando os mesmos argumentos iniciais, merecendo destaque aqui a afirmação de que ele estaria obrigado a ressarcir não pelo valor de mercado, mas “de acordo com a Tabela SUS, tal como ocorre com as demais instituições privadas conveniadas ou contratadas pelo Estado;” afinal, pagar de forma diferente feriria o princípio da isonomia, uma vez que seriam pagos valores diferentes para os mesmos serviços.
[2.7]. A PGR opinou pelo desprovimento do Recurso, ressaltando que a CF “não autoriza que se possa equiparar a determinação judicial dirigida a um hospital particular – a fim de que se atenda a determinado paciente – à participação, complementar e facultativa, de instituição privada no sistema único de saúde, caso este que pressupõe contrato de direito público ou convenio, em que a autonomia da vontade do particular execre importância decisiva para a celebração do pacto.”
[2.8]. Em seguida, foi reconhecida a repercussão geral e definido que a controvérsia suscitada seria: “saber se o art. 199 da Constituição impõe ao Estado um regime de contratação de prestadores privados de saúde, que deve ser observado inclusive quando a prestação do serviço privado decorrer de decisão judicial fundada no direito social à saúde.”
[2.9]. Após o ingresso de vários amici curiae, foi proferida a unânime decisão já mencionada no início, com base no voto do Ilustre Min. Relator.
[3]. A DECISÃO DO STF NO RE 666094-DF
[3.1]. Com fundamento no voto vencedor, disponibilizado pelo Boletim de Notícias Consultor Jurídico,[4] é possível se depreender os seguintes pontos:
[a]. A decisão no RE 666094-DF entendeu que a discussão poria “de um lado, o regime constitucional de contratação de rede complementar de saúde pública e, de outro, princípios de ordem econômica como a livre iniciativa e a propriedade privada.” Sendo certo, ainda, que, de um lado: [a]. A “assistência à saúde foi garantida à livre inciativa, admitindo-se, ainda, a participação complementar de instituições privadas no Sistema Único de Saúde, por meio de contrato de direito público ou convenio;” [b]. De outro, que a ineficiência do Sistema Público acabou por transformar em regra a “intervenção em unidades privadas para a prestação de serviços ao Estado (....) produzindo insegurança tanto para a unidade privada como para o Sistema Público;” e [c]. Por fim, que os serviços de saúde têm relevância pública, “independentemente da forma de execução,” a justificar a “incidência de intenso controle e fiscalização do Estado sobre a atividade.”
[b]. Ademais, nos termos da CF, entendeu que seriam admitidas “duas modalidades de execução de serviços de saúde por agentes privados: a complementar e a suplementar;” e que a “prestação de serviço por agente privado em cumprimento de ordem judicial não consiste em ato negocial,” seria um ato interventivo do Estado, “admitido de forma excepcional, nos casos em que se demonstra a necessidade de atendimento de interesse público concreto.”
[c]. Daí concluir o voto que essa intervenção Estatal, “resulta no dever de indenizar o proprietário (...) art. 5º, XXV, da Constituição.” Porém, afirmou-se no voto que embora exista a obrigação de indenizar, ela não poderia ser pelo valor pretendido pela OPS: é “inconstitucional admitir que o SUS indenize serviços de saúde por preço livremente fixado pela iniciativa privada,” havendo inclusive o STF já entendido que se é “constitucional a fixação de “Preço Máximo de Venda ao Governo” para a compra de medicamento, é legitima a estipulação de limite para o ressarcimento de serviços privados de saúde a serem custeados pelo Estado,” dando a entender ser possível a fixação pelo Estado do valor de ressarcimento para hospitais privados que derem atendimento a pacientes do SUS.[5]
[d]. Além disso, prosseguiu o voto, e com relação à indenização, esclareceu que ela deve conciliar: “(i) o dever social imposto às prestadoras privadas para promoção do direito à saúde; (ii) a relevância pública da atividade; mas também (iii) a existência de livre iniciativa para assistência à saúde; e (iv) a própria preservação da empresa.”
[e]. Dito isso, a decisão se voltou aos valores utilizados para fins de ressarcimento ao SUS por uma OPS (art. 32 da Lei Federal 9656/98),[6] identificando que as OPS ressarcem o SUS não com base na Tabela do SUS, mas, sim, com base em uma Tabela própria, hoje equivalente a 1,5 a Tabela do SUS.[7]
[f]. A partir de então, e com fundamento nos pressupostos de que [i] é inconstitucional que o Estado indenize os hospitais privados com base em valores fixados pelos próprios hospitais, [ii] que o Estado poderia fixar preço, [iii] que o Estado já fixou um critério de ressarcimento pela OPS ao SUS (múltiplo da Tabela do SUS), e que, com relação ao ressarcimento de hospitais privados por atendimento a beneficiários do SUS, [iv] existe “uma lacuna normativa no tratamento da matéria”, entendeu o STF que o índice usado pela OPS para ressarcimento ao SUS deveria igualmente ser aplicado para o Estado indenizar os hospitais privados no caso de atendimento aos pacientes do SUS. Razão pela qual fixou a seguinte TESE: “o ressarcimento de serviços de saúde prestados por unidade privada em favor de paciente do Sistema Único de Saúde, em cumprimento de ordem judicial, deve utilizar como critério o mesmo que é adotado para ressarcimento do Sistema Único de Saúde por serviços prestados a beneficiários de planos de saúde.”[8]
[3.2]. Ocorre que é possível se entender que essa decisão afastou o princípio geral da justa indenização por intervenção do Estado, usou analogia para situações distintas e invadiu competência do Poder Legislativo; e mais, trouxe insegurança jurídica, protegendo ao Estado omisso e trazendo um ônus maior para um agente privado específico (o prestador de serviço privado por força de ordem judicial).
[4]. COMENTÁRIOS
[4.1]. De fato, a CF é clara ao dispor que a saúde, embora obrigação do Estado, é livre à iniciativa privada, que poderá atuar de maneira complementar (quando estiver vinculada ao SUS por ato negocial voluntário),[9] de maneira suplementar (e aqui se fala especificamente da OPS)[10] ou, ainda, de maneira “não complementar nem suplementar”. Imagine-se aqui, neste último caso, por exemplo, um hospital pertencente a uma rede privada, não controlada por uma OPS e sem qualquer contrato ou convenio com o SUS.
[4.2]. Da mesma forma que a CF é clara ao dispor, no seu art. 5º, II, que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei,” ela deixa claro, inclusive como afirmou o voto condutor, que haveria a necessidade de indenização (art. 5º, XXV da CF).[11]
[4.3]. Como bem ressaltado pela decisão, a ineficiência do SUS acabou por transformar em regra a intervenção do Estado (via o Poder Judiciário) em hospitais privados não integrantes da rede complementar. Entretanto, essa deficiência estatal para ser combatida, obrigando o Estado a dar fiel cumprimento ao art. 196 da CF, em benefício de toda a população, e sem trazer ônus excessivo para um único agente econômico, deve ser penalizada e não acobertada, daí a necessidade de uma indenização que seja de JUSTA.
[4.4]. Ora, se cabe a indenização, a primeira questão seria saber qual o valor da indenização. Seria o valor do preço de mercado com um redutor, tal como, por força de lei, ocorre com relação aos medicamentos? Seria o valor pago por uma OPS ao SUS, tal como ocorre quando um beneficiário de uma OPS é atendimento no SUS, por força do art. 32 da Lei Federal 9656/98? Ou seria algum outro valor?
[4.5]. Ocorre que não existe fixação a priori de preço para os serviços dos hospitais privados não integrante da rede complementar, valendo aqui as regras da livre iniciativa e livre fixação de preço, fixados com base no mercado e refletindo a qualidade, a experiência e capacitação do corpo clínico e de enfermagem, as condições de trabalho, e a infraestrutura (materiais, equipamentos e medicamentos) disponíveis, dentre outros. Ademais, não há proibição na CF nem quanto à fixação do preço nem quanto ao lucro, não podendo eles, é obvio, serem abusivos.
[4.6]. Assim, não se cabe falar em aplicação de qualquer Tabela, muito menos na Tabela do SUS ou em múltiplos dessa Tabela, simplesmente porque os critérios de formação de preço entre os hospitais públicos e privados são diferentes, como são diferentes os preços entre os hospitais privados integrantes, ou não, de uma rede complementar ou suplementar. Ademais, não se cabe falar em fixação de preços tal como ocorre com relação aos medicamentos, pelo simples fato de que não há lei regulamentando a matéria, lei essa que é competência do Legislativo.
[4.7]. Diante disso, o valor da indenização devida seria o preço do serviço efetivamente praticado pelo hospital privado que deu atendimento ao paciente, no momento em que o serviço foi efetivamente prestado,[12] acrescido de juros e correção monetária até o seu efetivo pagamento, mormente quando essas ações de cobrança se perpetuam no tempo,[13] acrescido de qualquer outro eventual dano demonstrado decorrente dessa ocupação mandatória do leito privado. Aproxima-se esse entendimento do previsto no art. 944 do Código Civil. A indenização, nos termos do Código Civil vigente, mede-se pela extensão do dano (art. 944), consagrando este artigo o princípio da reparação integral.[14] E qual teria sido o dano sofrido pela entidade privada ao atender o paciente? Ela deixou de receber o valor do serviço, e deixou de recebê-lo no prazo e condições usuais. Eventualmente poderia, mesmo, ter deixado de atender aos seus clientes e trazido risco ou danos aos seus já atuais pacientes internados. [15] O valor do serviço prestado, como já comentado, inclui não somente os custos dos materiais, equipamentos e serviços utilizados, com base na qualidade dos serviços prestados, mas também o lucro da atividade e os demais encargos decorrentes do não pagamento (tais como: correção monetária, juros e despesas processuais e honorários de advogado).
[4.8]. Ou seja: diante da inexistência de uma lei específica, deve-se aplicar a lei geral referente à indenização.
[4.9]. Mas será que essa regra geral poderia ser afastada pelo uso da analogia? Será que, por analogia, poderia ser aplicado o mesmo critério previsto no art. 32 da Lei Federal 9656/98? Fazendo com que todos os hospitais que vierem a dar atendimento por força de decisão judicial sejam ressarcidos pelo Estado da mesma forma que o Estado é ressarcido pelas OPS?
[4.10]. A analogia, como é curial, decorre da existência de lacuna, o que não parece ocorrer no caso; ademais ela, para ocorrer, deve levar em consideração não somente a inexistência de legislação específica, mas também situações que guardem semelhança relevante entre si, para evitar entendimentos jurídicos distintos para situações semelhantes.[16] Ou seja, não se pode tratar de maneira analógica situações diferentes e não pode fazer analogia pela metade.
[4.11]. Ora, a Tabela do SUS, utilizada para a rede complementar, é um valor de preço aceito voluntariamente pelos serviços privados que aderem a essa rede, a despeito de todas as discussões referentes à defasagem dessa tabela, sendo ela aplicada enquanto as partes decidirem permanecer no contrato; o ressarcimento ao SUS, é determinação expressa de Lei (art. 32 da Lei Federal 9656/98), sendo o valor do ressarcimento, inclusive, superior ao valor que o SUS se obriga a pagar a sua rede complementar, valores de preço estes que o SUS considera como sendo devidos por determinados serviços, dentro da sua realidade, qualidade e estrutura de preços.
[4.12]. Daí se poder concluir que o SUS, ao receber um múltiplo da Tabela do SUS, por determinação legal (art. 32 da Lei Federal 9656/98), estaria tendo direito a uma justa e INTEGRAL indenização, correspondente ao valor do atendimento médico que, ele mesmo, considera justo (tanto assim que o usa para pagar a sua rede conveniada), acrescido de um valor destinado a cobrir outros custos.
[4.13]. Ocorre que o preço dos hospitais privados, sejam eles integrantes ou não de rede suplementar, é DIFERENTE do preço do SUS, na medida em que ele abarca diversas variantes e custos de mercado não considerados na formação de preço da Tabela SUS, como já comentado; e, em sendo diferente, esse preço do hospital privado é que deveria ser considerado para fins de INDENIZAÇÃO ou pagamento dos serviços, acrescidos de todos os demais encargos que viessem a decorrer dessa intervenção do Estado, frise-se, intervenção essa que decorre da própria ineficiência Estatal. Importante ressaltar aqui que, em sendo diferentes os custos de atendimento entre os diversos hospitais, esse fator custo deveria também ser levado em consideração nas decisões judiciais através da quais se determina a internação de pacientes em hospitais privados, sendo obrigação do Estado-Juiz buscar não somente o mais rápido atendimento diante da ineficiência do Estado, mas também o de menor custo para o Estado; assim, por exemplo: [i] primeiro, deveria se buscar atendimento em hospitais públicos, militares ou universitários; [ii] em seguida, deveria se buscar hospitais da rede complementar; [iii] após, deveria se buscar atendimento em hospitais filantrópicos; e, por fim, [iv] deveriam ser buscados hospitais privados de menor custo para o Estado.
[4.14]. Essa decisão do STF no RE 666094-DF, além de criar regras, violando os princípios gerais da livre inciativa e da separação de poderes, traz um risco e uma insegurança maior ao mercado: de uma hora para outra, se ela for aplicada sem qualquer freio ou limite, todos os hospitais privados passariam a ser considerados como rede complementar do SUS, por força de decisão judicial e por um preço muito aquém do que seria devido em face da qualidade do serviço prestado.
[4.15]. Por fim, aqui, e quanto à separação de poderes, onde o Legislador desejou, o fez e, quando o fez, o fez deixando claro que os hospitais privados receberiam uma justa indenização. Nesse sentido é o art. 15, XVII da Lei Federal 8080/90[17] e o art. 3º, VII da Lei Federal 13979/20,[18] que impõem a necessidade JUSTA INDENIZAÇÃO no caso de requisição de bens e serviços privados.
[5]. CONCLUSÃO
[5.1]. Não se pretendeu questionar aqui os efeitos da decisão do STF e, sim os seus fundamentos.
[5.2]. Quanto aos efeitos, embora a decisão no RE 666994-DF possa ter efeitos positivos, principalmente para o Estado, entre eles o da previsibilidade e pagamento abaixo do valor de mercado, para os hospitais privados em geral, haverá necessidade de uma análise “caso a caso”: enquanto para alguns ela poderá ser vista como benéfica (ou menos ruim), considerando a situação atual de longas discussões, custas judiciais e incerteza no recebimento; para outros, dependendo das suas estruturas de preços e serviços, ela será vista como muito negativa.
[5.3]. Quanto aos fundamentos da decisão no RE 666094-DF, resta claro que diante de uma intervenção Estatal, a indenização deveria ser INTEGRAL, abrangendo não somente o preço do serviço efetivamente praticado pelo hospital privado no momento em que o serviço foi prestado, mas também todos os demais encargos e danos decorrentes da privação do uso do leito na sua atividade, acrescidos de juros e correção monetária. No momento em que se “tabela” a indenização, mediante o uso da TUNEP acrescida de um fator de ressarcimento, desconsiderando a realidade de custo e a necessidade de lucro das entidades privadas, se estaria negando o princípio da reparação integral, violando a própria CF e se fazendo uma injusta intervenção Estatal; além do que, se estaria trazendo maior risco aos serviços privados que estariam sendo ainda mais onerados pela má gestão estatal.
[5.4]. Aliás, o tempo de duração desses processos e do pagamento dos serviços pelo Estado, já é, em si, uma penalização para a atividade privada.
[5.5]. Ademais, é papel do Estado-Juiz, buscar sempre o atendimento eficiente ao menor custo para o Estado, razão pela qual, no processo decisório de “escolha” do hospital a sofrer a intervenção, deveria ser observado o critério seguinte: [i] primeiro, deveria se buscar atendimento em hospitais públicos, militares ou universitários; [ii] em seguida, deveria se buscar hospitais da rede complementar; [iii] após, deveria se buscar atendimento em hospitais filantrópicos; e, por fim, [iv] deveria se buscar hospitais privados de menor custo para o Estado.
[5.6]. Por fim, e em que pesem as críticas e comentários quanto ao seu fundamento, em havendo o trânsito em julgado da referida decisão do STF, inegável o efeito que ela terá sobre os processos em curso, até que venha ser modificada.
[6]. REFERÊNCIA
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[1] RE 666094/DF: “Julgado mérito de tema com repercussão geral. TRIBUNAL PLENO. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 1.033 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário do Distrito Federal, de modo a reformar em parte o acórdão recorrido, para que o ressarcimento da prestadora privada (recorrida) tenha como limite máximo os valores de referência fixados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, com fundamento no art. 32, § 8º, da Lei nº 9.656/1998 (até dezembro de 2007, a Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos - TUNEP; após, a Tabela do SUS ajustada e conjugada com o Índice de Valoração do Ressarcimento - IVR), ressalvada a possibilidade de avaliação da existência efetiva e razoabilidade dos tratamentos adotados. Foi fixada a seguinte tese: "O ressarcimento de serviços de saúde prestados por unidade privada em favor de paciente do Sistema Único de Saúde, em cumprimento de ordem judicial, deve utilizar como critério o mesmo que é adotado para o ressarcimento do Sistema Único de Saúde por serviços prestados a beneficiários de planos de saúde". Tudo nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Alexandre de Moraes. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 30.9.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF).” Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4178086 >, visitado em 19/11/2021.” DJ Nr. 212 do dia 26/10/2021.
[2] Sentença no processo 2008.01.1.121462-7, 4ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, em 11/05/2010. Disponível em <https://cache-internet.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?MGWLPN= SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml122&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1&SEQAND=57&CDNUPROC=20080111214627 >, visitado em 19/11/2021.
[3] Acórdão em Apelação Cível. Decisão: “Conhecer dos recursos, rejeitar a(s) preliminar(es) e, no mérito, negar provimento ao reexame necessário e ao apelo do Distrito Federal e dar provimento ao apelo da Unimed, unânime”. Sessão de Julgamento: 02/2011 Extraordinária. Sessão de Publicação de Acórdão: 022/2011. Publicado no DJ às fls. 96-129.
[4] Voto disponibilizado no Boletim de Notícias Consultor Jurídico (CONJUR): disponível em <https://www.conjur.com.br/dl/barroso-sus.pdf >, visitado em 19/11/2021.
[5] A possibilidade de fixação de preços dos medicamentos decorre da Lei Federal 10742/2003, inexistindo essa fixação legal para preços dos serviços hospitalares. Assim dispõe o art. 4 da Lei Federal 10742/2003: “As empresas produtoras de medicamentos deverão observar, para o ajuste e determinação de seus preços, as regras definidas nesta Lei, a partir de sua publicação, ficando vedado qualquer ajuste em desacordo com esta Lei. § 1o O ajuste de preços de medicamentos será baseado em modelo de teto de preços calculado com base em um índice, em um fator de produtividade e em um fator de ajuste de preços relativos intra-setor e entre setores. § 2o O índice utilizado, para fins do ajuste previsto no § 1o, é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.” Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.742.htm >, visitado em 19/11/2021.
[6] Lei Federal 9656/98: “Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.” Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm >, visitado em 19/11/2021.
[7] Guia do Ressarcimento ao SUS – Impugnação e Recursos. ANS, Rio de Janeiro 2019. Disponível em <https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/assuntos/espaco-da-operadora-de-plano-de-saude/ compromissos-e-interacoes-com-a-ans/envio-de-informacoes/copy_of_guia_ressarcimento_ao_SUS_ 2019_ versao_2a.pdf>, visitado em 23/11/2021.
[8] Vide Nota de Rodapé 2, acima.
[9] VASCONCELOS, Cipriano Maia de e PASCHE, Dário Frederico. O Sistema Único de Saúde, págs 531 a 562 (in, TRATADO DE SAUDE COLETIVA, Gastão Wagner de Sousa Campos et al. São Paulo: Hucitec, Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2006), pág. 547: “as organizações privadas de saúde participam da oferta de serviços ao SUS, em caráter complementar, quando demandadas em função da insuficiência na disponibilidade de serviços públicos.”
[10] SCHULMAN, Gabriel. Planos de Saúde. Saúde e Contrato na Contemporaneidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pág. 201: “a saúde suplementar configura a prestação privada de assistência médico-hospitalar na esfera do subsistema da saúde privada por operadoras de planos de saúde.”
[11] Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao /constituicao.htm>, visitado em 19/11/2021.
[12] Dentre as definições de PREÇO JUSTO, se encontra a de preço normal ou corrente no mercado. (in, NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 2ª ed., versão ampliada e atualizada. 2ª tiragem. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1993).
[13] Essa discussão no RE 666094-DF começou há 14 anos atrás. Há 14 anos que o Hospital não recebe o justo valor pelo seu serviço efetivamente prestado.
[14] TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República – vol II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. Na pág.859 os autores fazem o seguinte comentário quando da análise do art.944 do CC: “A nova codificação vem, assim, consagrar a ideia que a doutrina e a jurisprudência brasileiras já imputavam à responsabilidade civil por meio do chamado princípio da reparação integral do dano.”
[15] Um exemplo aqui: o hospital tem novos custos decorrentes de um processo movido por um paciente do hospital que, por falta de um leito de UTI, ocupado por ordem judicial, teve o seu tratamento prejudicado em função da perda de uma chance.
[16] TEPEDINO, Gustavo e OLIVA, Milena Donato. Fundamentos do Direito Civil. Volume 1, Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2020, págs. 67 e 68: “Não basta, dessa forma, uma semelhança qualquer para autorizar o processo analógico, exigindo-se semelhança relevante (...) A definição de semelhança relevante equivale à identidade de ratio ou razão de existência dos comandos em cotejo, que autorizará o raciocínio analógico para que a disciplina expressa uma hipótese fática possa se aplicar à outra. Afirma-se que ubi eadem ratio, ibi eadem iuris dispositio.”
[17] Lei Federal 8080/90: “art. 15, XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm >, visitado em 19/11/2021.
[18] Lei Federal 13979/20: “art. 3º. VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa”. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm>, visitado em 19/11/2021.
Advogado com MA in International Commercial Law (UCDAVIS School of Law) e LLM in International Legal Studies (Golden Gate University). Na data deste artigo, 28/09/2021, é membro das Comissões de Direito Médico da OAB do Rio de Janeiro e da OAB Barra Tijuca, integrando ainda a IABA (Inter American Bar Association), a WAML (World Association for Medical Law), a PEOPIL (Pan European Organization of Personal Injury Lawyers), o BRASILCON, o IBDCIVIL e o IBERC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, HENRIQUE FREIRE DE OLIVEIRA. Pagamento ao hospital privado por atendimento de pacientes do SUS – análise do RE 666094-DF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57687/pagamento-ao-hospital-privado-por-atendimento-de-pacientes-do-sus-anlise-do-re-666094-df. Acesso em: 21 nov 2024.
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