RESUMO: O presente trabalho objetiva apresentar uma análise acerca da aplicabilidade da decretação da prisão civil do devedor de alimentos no período de pandemia e de isolamento social, bem como a evolução jurisprudencial sobre o tema, considerando os avanços da vacinação e a maior flexibilidade das regras instituídas no período de isolamento social.
Palavras-Chaves: Prisão – Alimentos – Pandemia – Vedação – Flexibilidade – Avanços.
Sumário: 1. Introdução – 1.1. Execução de alimentos: O cenário levantado pela pandemia da COVID-19 – 1.2. Cristalino cenário de impunidade: Necessidade de mudança rumo o retorno da efetividade da execução de alimentos sob o rito de prisão – 1.3. Admissão da prisão civil no cenário de pandemia e de isolamento social - 2. Considerações Finais - 3. Referências bibliográficas
1. Introdução
Muitos questionamentos foram levantados acerca da aplicabilidade da prisão civil do devedor de alimentos no período de isolamento social ditado pela pandemia da COVID-19.
Na verdade, colocou-se em evidência o problema no campo da efetividade de tal providência e até que ponto a prisão domiciliar seria útil e adequada ao fim proposto pela execução de alimentos, qual seja, coagir o devedor a adimplir o débito, ainda mais considerando a natureza do objeto discutido: a obrigação alimentar.
É neste cenário que recairá o foco deste trabalho, notadamente sobre a evolução jurisprudencial sobre o tema e o atual posicionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sem deixar de lado a análise crítica que a questão exige.
1.1. Execução de alimentos: O cenário levantado pela pandemia da COVID-19.
Como é sabido, duros foram (e ainda são) os impactos gerados pela pandemia da COVID-19.
Diversos setores econômicos e sociais foram abalados com tão terrível doença que de forma silente, sacudiu de grande maneira a sociedade atual que, sem nenhuma dúvida, ficará marcada na memória e será registrada em dezenas de livros a retratar a história da humanidade nos próximos séculos.
Após pesquisa específica sobre o tema, notadamente os impactos gerados pela pandemia do novo COVID-19 no âmbito do Direito de Família, notadamente na execução de alimentos, foi possível localizar interessante livro intitulado Impactos da pandemia Covid 19 no Direito de Família, onde foram levantadas discussões acerca da efetividade da execução de alimentos em tempos de crise, destacando, ainda, que em março de 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), propôs medidas de cunho processuais diversas daquelas previstas na legislação de regência, por meio do ato administrativo Recomendação nº 62, que recomendou aos Tribunais e juízes a adoção de medidas preventivas à propagação do contágio do novo coronavírus, dentre elas, a recomendação para a adoção da prisão domiciliar. [1]
Em que pese à adoção de referida providência, calcada em um viés sanitário e de defesa à saúde, o que se viu na prática, foram dezenas de execuções de alimentos sem efetividade, onde grande parte dos devedores de alimentos passaram a adotar sob o manto da vedação a decretação da prisão civil, comportamento ainda mais inerte, sob o argumento de que nada aconteceria a ele, uma vez que não poderiam ser presos em razão da pandemia e de isolamento social, colocando em prejuízo a parte vulnerável da relação alimentar: os destinatários dos alimentos.
Se antes do cenário desesperador instaurado pela pandemia da COVID-19 o Poder Judiciário já estava inchado de milhares de execuções de alimentos fadadas ao insucesso, com a pandemia, os devedores passaram a adotar comportamentos ainda mais inertes com o intuito de tentar se livrarem do cumprimento voluntário da obrigação, chegando, inclusive, a deixar de tomar a vacina para não se tornarem aptos a serem presos.
Paralelamente a isso, notório o aumento do descrédito da Justiça, dos órgãos atuantes no sistema de Justiça e dos próprios advogados dos credores, que, a bem da verdade, viram-se de “mãos amarradas” em meio à crise econômico-social levantada pela pandemia do COVID-19 atrelada ao comportamento a cada dia mais desidioso e inerte dos devedores de alimentos.
Mostrando-se necessária a mudança de tal cenário, a jurisprudência passou a se encurvar na modificação deste cenário de caos e de evidente impunidade. É o que se analisará no próximo tópico deste artigo.
1.2. Cristalino cenário de impunidade: Necessidade de mudança rumo o retorno da efetividade da execução de alimentos sob o rito de prisão
Instaurado o cenário de desespero e de incertezas causadas pela pandemia da COVID-19, passou-se a deliberar uma forma em que o destinatário dos alimentos pudesse não ser tão prejudicado ante a orientação do sentido de não se adotar a prisão civil em regime fechado dos devedores de alimentos.
Ante a possibilidade de prisão domiciliar, evidentemente, pouco efetiva no caso prático, em que, em tese, o devedor não seria privado de seus bens ou de sua liberdade em razão da obrigação alimentar que recai em relação a ele, digno de avanço foi à adoção de providências expropriatórias com o intuito de tentar a obtenção da satisfação do débito.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), atento ao cenário de pandemia e de isolamento social, bem como com a necessidade de obter medidas mais efetivas em prol da satisfação dos interesses dos beneficiários de alimentos, por meio do informativo 702, passou a admitir a possibilidade de adoção de atos expropriatórios, de forma excepcional, no bojo das execuções de alimentos sobre o rito de prisão [2]
Com o entendimento destacado, asseverou o STJ que, havendo prestações vencidas nos 03 (três) meses anteriores ao ajuizamento da execução de alimentos, caberá ao credor a escolha do procedimento a ser adotado na busca pela satisfação do crédito alimentar, podendo optar pelo procedimento que possibilite ou não a prisão civil do devedor.
Caso optar pelo rito da penhora, não será admissível a prisão civil do devedor (CPC, artigo 528, § 8º). Todavia, se optar pelo rito da prisão, a penhora somente será possível se o devedor, mesmo após a sua constrição pessoal, não pagar o débito alimentar (CPC, artigo 530).
Pois bem, tomando por base a suspensão de todas as ordens de prisão civil, enquanto perdurar a pandemia, entendeu-se pela interpretação sistemático-teleológica dos dispositivos legais que regem a execução de alimentos, a fim de equilibrar a relação jurídica entre as partes, com a possibilidade de adoção de atos expropriatórios no rito de prisão, justamente por considerar os alimentos como indispensáveis à subsistência do alimentando.
Sem dúvida foi um avanço, haja vista que cuidou de melhor resguardar os interesses do destinatário dos alimentos.
Contudo, ainda diante de tal evolução, com os avanços da vacinação e flexibilidade das regras de isolamento social, passou a se perguntar até quando se impediria a decretação da prisão civil dos devedores?
1.3. Admissão da prisão civil no cenário de pandemia e de isolamento social.
Conforme esclarecido no tópico anterior, no início da pandemia da COVID-19, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elaborou a Recomendação nº 62/2020, cuja vigência foi prorrogada pelas recomendações 78 e 91, orientando a colocação em prisão domiciliar as pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus (artigo 6º).
Entretanto, o CNJ atento aos avanços da vacinação, da flexibilidade das regras do isolamento social e da prioridade da subsistência alimentar de crianças e adolescentes, aprovou na 95ª Sessão do Plenário Virtual, recomendação orientando juízes a decretarem a prisão civil dos devedores de pensão alimentícia, em especial daqueles que se recusam a se vacinar para adiar o pagamento da dívida.
Neste particular, pede-se espaço para citar a notícia divulgada no portal do CNJ do internet ao divulgar a Resolução: [3]
Consideramos a importância fundamental dos alimentos, o longo período de espera dos credores da verba alimentar – que são crianças e adolescentes -, o avanço da imunização nacional, a redução concreta dos perigos causados pela pandemia e o inegável fato de que o cumprimento da obrigação alimentícia só ocorre com o anúncio da expedição do mandado prisional”, argumentou o conselheiro Luiz Fernando Keppen, relator da norma. “Crianças e adolescentes continuam sofrendo com o recorrente inadimplemento, porquanto o direito à liberdade e saúde do devedor tem prevalecido sobre a subsistência e dignidade das crianças e adolescentes, muito embora sejam a parte vulnerável da relação”, justificou o relator. Em março de 2020, o CNJ recomendava aos magistrados com competência civil que ponderassem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, para evitar os riscos de contaminação e de disseminação da Covid-19 no sistema prisional. Em junho do ano passado, o Congresso Nacional publicou a Lei 14.010, sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus. O texto determinava que até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia deveria ser cumprida exclusivamente em modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das obrigações. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), contudo, observou que a prática causou aumento da inadimplência e, após a vigência da Lei, a Corte possibilitou alternativas à prisão domiciliar que não fosse o regime fechado. Agora, a nova recomendação do CNJ (Ato Normativo 0007574-69.2021.2.00.0000) sugere aos magistrados dos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal que considerem o contexto epidemiológico local, o calendário de vacinação do município de residência do devedor, a situação concreta do contágio da população carcerária local e a eventual recusa do devedor em vacinar-se, como forma de postergar o cumprimento da obrigação alimentícia. A prisão domiciliar não configura medida eficaz apta a constranger o devedor de alimentos a quitar sua dívida e o inegável fato de que o cumprimento da obrigação alimentícia só ocorre com o anúncio da expedição do mandado prisional [...].
Discorrendo acerca do novo posicionamento, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), ao considerar o caráter coercitivo do decreto prisional no âmbito das execuções de alimentos, destaca entendimento do advogado e professor Conrado Paulino Rosa, defendendo a imediato restabelecimento da prisão civil a ser cumprida em regime fechado [4]:
[...] a nova postura do CNJ traz de volta o efetivo caráter coercitivo da execução sob pena de prisão. Ele destaca a vulnerabilidade a que estavam expostos aqueles que dependiam de pensão alimentícia desde março de 2020. Sem o risco da prisão, em muitos casos, tínhamos os próprios executados peticionando que a sua prisão pudesse ser realizada de forma domiciliar, sendo que, quando nós estávamos em um confinamento total, todas as pessoas, exceto as que prestam serviços essenciais, se encontravam em uma espécie de prisão domiciliar, comenta Conrado. Para o especialista, a retomada da prisão por dívida alimentar no Brasil é uma medida que se fazia mais do que necessária. Afinal de contas, não podemos esquecer que o intuito do decreto prisional por dívida alimentar não é punitivo, é coercitivo, ou seja, busca fazer o devedor de alimentos pagar a sua dívida. Com essa nova postura do CNJ, voltamos a ter uma efetividade nos decretos prisionais por dívida alimentar. Logo no início da proliferação da Covid-19 no Brasil, Conrado Paulino da Rosa publicou no portal do IBDFAM o artigo A prisão do devedor de alimentos e o coronavírus: o calvário continua para o credor, escrito em parceria com Cristiano Chaves de Farias. O posicionamento era no sentido contrário à possibilidade de prisão domiciliar pela dívida alimentar. Entendo que o intuito do CNJ foi preservar a integridade física do devedor, mas não podemos esquecer daquela pessoa que tem um filho consigo. Na realidade brasileira, os cuidados parentais após o divórcio são realizados com a casa da mãe como residência fixa. Com a pandemia, essas mulheres tiveram que encontrar meios de garantir a subsistência dos filhos. Se, por um lado, o CNJ protegia o devedor de alimentos da contaminação pelo coronavírus, deixava desprotegida as crianças e os adolescentes que dependiam de pensão – bem como suas mães, sem os necessários meios para provê-los. Finalmente, em ótima hora, tivemos essa mudança de postura por parte do Conselho Nacional de Justiça.
Por meio do novo entendimento adotado pelo CNJ, em razão dos avanços da vacinação e da adoção de medidas em prol da flexibilidade das regras inauguradas no período de isolamento social, passou-se a admitir a decretação da prisão civil dos devedores de alimentos, sem prejuízo da possibilidade de eventual preenchimento de formulário adequado para fins de verificação do atual quadro médico, com o intuito de avaliar as atuais e reais condições físicas e médicas do devedor de alimentos antes de adentrar ao cárcere.
2. Considerações Finais
Ao longo do período drástico da pandemia e do período de isolamento social, com o intuito de tentar reduzir o avanço da doença, até mesmo para fins sanitários, entendeu-se pela não decretação da prisão civil dos devedores de alimentos.
Referida providência, apesar de resguardar a saúde e a integridade dos devedores de alimentos, de certa forma, deixou desprotegida a parte mais vulnerável da relação jurídica alimentar: os destinatários aos alimentos.
Em meio a tal cenário, inclusive, que contou com atitudes de má-fé por parte dos devedores, engessando, inclusive a atuação efetiva e firme de advogados, juízes, membros do Ministério Público e Defensoria Pública, chegando-se, inclusive, a colocar em evidência possível descrédito do sistema de justiça, na medida em que o combate e tratamento da COVID-19 avançava, paralelamente com o aumento da quantidade de vacinados, a doutrina e a jurisprudência avançada, passando-se a admitir, de forma excepcional, medidas expropriatórias no rito de prisão, apesar da ausência de previsão legal, até a mudança de entendimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), passando a orientar aos magistrados do país a voltarem a decretar a prisão civil com relação aos devedores.
Somos defensores ao retorno da adoção da prisão civil no âmbito da execução de alimentos sob tal rito, tanto como forma de aplicação integral da legislação específica sobre o tema (artigo 528, §3º, do Código de Processo Civil), bem como com o intuito de reforçar a forte atuação do sistema de justiça em encarar com seriedade e gravidade a situação alimentar, ainda que em concreto, referida regra possa ser ponderada, considerando, por exemplo, o atual estado de saúde do devedor e a questão referente à vacinação, a ser verificado quando do cumprimento do mandado de prisão civil.
3. Referências bibliográficas
[1] Efetividade da execução de alimentos em tempos de crise. Disponível em: Impactos da pandemia Covid 19 no Direito de Família. Disponível do site do Ministério Público do Estado de São Paulo na internet: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/BibliotecaDigital/BibDigitalLivros/TodosOsLivros/Impactos-da-pandemia-covid-19-no-direito-de-familia.pdf> Acesso em 30 de novembro de 2021.
[2] Superior Tribunal e Justiça. REsp 1.914.052-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/06/2021. Segue a ementa do v. acórdão: Ação de alimentos. Cumprimento de sentença. Opção pelo rito da prisão civil (CPC/2015, ART. 528, § 3º). Suspensão de toda prisão civil, tanto em regime fechado, como em regime domiciliar, no âmbito do Distrito Federal, enquanto durar a pandemia do coronavírus. Adoção de atos de constrição no patrimônio do devedor, sem conversão do rito. Possibilidade.
[3] Conselho Nacional de Justiça. CNJ recomenda retomada de prisão de devedor de pensão alimentícia. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-recomenda-retomada-de-prisao-de-devedor-de-pensao-alimenticia Acesso em 30 de novembro de 2021.
[4] Instituto Brasileiro de Direito de Família. Prisão de devedor de pensão alimentícia deve ser retomada, determina CNJ; especialistas opinam. O artigo jurídico está disponível em> https://ibdfam.org.br/noticias/9092/Pris%C3%A3o+de+devedor+de+pens%C3%A3o+aliment%C3%ADcia+deve+ser+retomada%2C+determina+CNJ%3B+especialistas+opinam> Acesso em 30 de novembro de 2021.
Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduado em Direito de Família e Sucessões. Analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo/SP, atuante na Vara de Família e Sucessões.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GROSSO, Eduardo Luis. Da retomada da decretação da prisão civil do devedor de alimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jan 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57995/da-retomada-da-decretao-da-priso-civil-do-devedor-de-alimentos. Acesso em: 24 nov 2024.
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