RESUMO: O presente trabalho monográfico se propõe a examinar o papel da Defensoria Pública como Custos Vulnerabilis no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, faz-se mister analisar as acepções de acesso à justiça, evolução normativa pertinente à instituição em âmbito constitucional e infraconstitucional, bem como o posicionamento dos tribunais superiores sobre a temática. Discorre-se a possibilidade dessa intervenção autônoma como forma de concretizar o postulado da dignidade humana e conferir efetividade à justiça no que tange à tutela dos vulneráveis jurídicos.
Palavras-chave: efetivação da justiça; defesa dos vulneráveis; intervenção institucional; Promoção dignidade humana; democracia substancial.
ABSTRACT: This monographic work aims to examine the role of the Public Defender's Office as Vulnerabilis Costs in the Brazilian legal system. Therefore, it is essential to analyze the meanings of access to justice, normative evolution relevant to the institution in the constitutional and infra-constitutional scope, as well as the position of the higher courts on the subject. The possibility of this autonomous intervention is discussed as a way to materialize the postulate of human dignity and make justice effective with regard to the protection of the legal vulnerable.
Keywords: enforcement of justice; defense of the vulnerable; institutional intervention; Promotion of human dignity; substantial democracy.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo discorrer sobre a vocação da Defensoria Pública na promoção dos direitos humanos dos vulneráveis, mormente através de sua atuação como custos vulnerabilis perante o Superior Tribunal de Justiça.
Como se sabe, incumbe ao Estado a tarefa de promover a efetivação do direito ao acesso à justiça, garantindo que todos tenham acesso igualitário à jurisdição e tenham condições concretas de exercer o seu direito constitucional de ação, sem preconceitos ou distinções indevidas em razão de sua condição econômica.
Sob esse enfoque, ao mesmo tempo em que deve atuar para eliminar os entraves econômicos que impedem ou dificultam o acesso à justiça, através da isenção de cobrança de despesas processuais, o poder público deve conferir ao litigante com parcos recursos financeiros assistência jurídica, a ser prestada por defensor público.
Sendo a realização da justiça um dos pilares e objetivos centrais de um Estado Democrático de Direito, mister se faz assegurar o acesso amplo e igualitário à justiça aos indivíduos, sobretudo aos mais vulneráveis. Para tanto, a criação de novos mecanismos processuais voltados à tutela desse segmento, mostra-se de fundamental importância para concretização dos direitos encartados na constituição.
Levando essas premissas em consideração, este trabalho tem como objetivo geral analisar a possibilidade da efetivação do direito fundamental à justiça e promoção da dignidade humana através de atuação da defensoria pública, de maneira autônoma, em nome próprio, na seara processual.
2. DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO CUSTOS VULNERABILIS
A expressão custos vulnerabilis significa “guardiã dos vulneráveis” e foi desenvolvida por Maurílio Casas Maia, Defensor Público Estadual do Estado do Amazonas, tendo por escopo fazer uma nova releitura do perfil institucional da Defensoria Pública, permitindo a defesa dos necessitados, considerados sob um espectro macro de vulnerabilidade – e não apenas econômico – em nome da própria instituição, em feitos individuais e coletivos que não figura como parte.
Nas lições de Maurílio Casas Maia, o termo Custos Vulnerabilis:
“ representa uma forma interventiva da Defensoria Pública em nome próprio e em prol de seu interesse institucional (constitucional e legal) – atuação essa subjetivamente vinculada aos interesses dos vulneráveis e objetivamente aos direitos humanos – representando a busca democrática do progresso jurídico-social das categorias mais vulneráveis no curso processual e no cenário jurídico-político” (Legitimidades institucionais no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no Direito do Consumidor: Ministério Público e Defensoria Pública: similitudes & distinções, ordem & progresso. Revista dos Tribunais. vol. 986. ano 106. págs. 27-61. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2017, p. 45).”
Assim sendo, percebe-se que a intervenção defensorial, nessas circunstâncias, ocorre em favor de um grupo social vulnerável ou de uma pessoa específica em situação de vulnerabilidade.
Ressalte-se que se trata de uma intervenção autônoma, ou seja, ainda que haja advogado patrocinado no processo, a defensoria atuará como instituição voltada a proteção dos mais necessitados e não como representante processual da parte.
Vale ressaltar que as Regras de Brasília sobre acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade traz a definição de vulneráveis para fins de maior guarida estatal:
“Aquelas pessoas que, por razão da sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico” [REGRAS de Brasília sobre acesso à Justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade. Disponível em:<https://www.anadep.org.br/wtksite/100-Regras-de-Brasilia-versao-reduzida.pdf>. Acesso em: 11.mai.2018.]
Em essência, consoante Leciona Márcio André Cavalcante, a intervenção da defensoria, como guardiã dos vulneráveis, tem como escopo agregar ao processo linha argumentativa, provas ou informações pertinentes aos vulneráveis, contribuindo para formulação de uma decisão mais escorreita e justa. Trata-se, na verdade, de uma atuação voltada à amplificação da voz dos vulneráveis, comumente silenciados pela sociedade e pelo Estado.
Conforme decidiu o STJ, a Defensoria Pública, indubitavelmente, tem como funções a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL NOS EMBARGOS INFRINGENTES. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE IDOSOS. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE EM RAZÃO DA IDADE TIDO POR ABUSIVO. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFESA DE NECESSITADOS, NÃO SÓ OS CARENTES DE RECURSOS ECONÔMICOS, MAS TAMBÉM OS HIPOSSUFICIENTES JURÍDICOS. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. [...]
2. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos, como é o caso, por exemplo, quando exerce a função do curador especial, previsto no art. 9.°, inciso II, do Código de Processo Civil, e do defensor dativo no processo penal, conforme consta no art. 265 do Código de Processo Penal.
3. No caso, o direito fundamental tutelado esta entre os mais importantes, qual seja, o direito à saúde. Ademais, o grupo de consumidores potencialmente lesado é formado por idosos, cuja condição de vulnerabilidade já é reconhecida na própria Constituição Federal, que dispõe no seu art. 230, sob o Capítulo VII do Título VIII ("Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso"): "A família, a sociedade e o Estado tem o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida."
4. "A expressão 'necessitados' (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros os miseráveis e pobre -,OS HIPERVULNERÁVEIS (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. EREsp 1.192.577 - RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Julgado em 21/10/2015, DJe 13/11/2015.
Os Tribunais Pátrios comungam do mesmo posicionamento, já admitindo tal modalidade de intervenção em situações similares:
TJ-AM. APC 0002061-84.2016.8.04.0000. Rel. Des. Ari Jorge Moutinho da Costa. Segunda Câmara Cível, j. 05.12.2016.) EMENTA: PROCESSO PENAL E DIREITO CONSTITUCIONAL. REVISÃO CRIMINAL. DEFENSORIA PÚBLICA. ESSENCIALIDADE CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO PROCESSUAL. CUSTOS VULNERABILIS. POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL E LEGAL. MISSÃO INSTITUCIONAL. VULNERABILIDADE PROCESSUAL. ABRANDAMENTO. INSTRUMENTO DE EQUILÍBRIO PROCESSUAL E PARIDADE ENTRE ÓRGÃO DE ACUSAÇÃO ESTATAL E DEFESA. AMPLIFICAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E FORMAÇÃO DE PRECEDENTES EM FAVOR DE CATEGORIAS VULNERÁVEIS. 1. A Defensoria Pública é função essencial à Justiça (art. 134, CF), cabendo-lhe ser expressão e instrumento do regime democrático na defesa dos direitos humanos e das necessidades da população necessitada. 2. A intervenção de custos vulnerabilis da Defensoria Pública é decorrência da vocação constitucional da Defensoria Pública para com as categorias vulneráveis e é harmônica com o histórico de nascimento da carreira no âmbito da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) no século passado no Rio de Janeiro, sendo esse o modelo público de assistência jurídica adotado na Constituição de 1988. 3. A intervenção da Defensoria Pública visa ao seu interesse constitucional, em especial à amplificação do contraditório em favor dos vulneráveis necessitados face à ordem jurídica, viabilizando ampla participação democrática na formação de precedentes, inclusive penais. 3. Em Revisão Criminal, por simetria e isonomia, a manifestação defensorial deve corresponder ao mesmo patamar hierárquico do Ministério Público, enquanto titular da Acusação Pública. Por essa razão, a intimação para intervenção ocorrerá na pessoa do chefe da defesa pública, o Defensor Público Geral, no caso concreto. (TJ-AM, Revisão Criminal n. 4001877-26.2017.8.04.0000, Rel. Des. Ernesto Anselmo, p. 39-46, j. 8/3/2018, g.n.)
“DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM REVISÃO CRIMINAL. DEMOCRATIZAÇÃO PROCESSUAL PENAL. OITIVAS DO "CUSTOS LEGIS" (MINISTÉRIO PÚBLICO) E DO "CUSTOS VULNERABILIS" (DEFENSORIA PÚBLICA). DEMOCRACIA INSTITUCIONAL NA FORMAÇÃO DE PRECEDENTES NOS TRIBUNAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFENSORIA PÚBLICA. IGUAL ESSENCIALIDADE. MISSÕES CONSTITUCIONAIS DISTINTAS. RECURSO NÃO CONHECIDO. (...) 3. FUNÇÃO MINISTERIAL DE CUSTOS LEGIS. PRESERVAÇÃO GARANTIDA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INTERESSE RECURSAL. INEXISTÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO OUVIDO. VINCULAÇÃO INSTITUCIONAL-TEMÁTICA DA DEFENSORIA PÚBLICA À FUNÇÃO DEFENSIVA E AOS INTERESSES DOS VULNERÁVEIS (CUSTOS VULNERABILIS) PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Desembargador FLÁVIO HUMBERTO PASCARELLI LOPES 6 INTERVENÇÃO MINISTERIAL. DISTINÇÃO DE MISSÕES CONSTITUCIONAIS. (...)”. (TJ-AM, Agravo Regimental em Revisão Criminal n. 0003697-80.2019.8.04.0000, Rel. Des. Anselmo Chíxaro, Câmaras Reunidas, j. 25/9/2019, registro 25/9/2019, g.n.). "(...). DEFENSORIA PÚBLICA COMO "TERCEIRO INTERVENIENTE" PRÓ-DEFESA (TEORIA FERRAJOLIANA E "CUSTOS VULNERABILIS"). ÓRGÃO DE SUPORTE DEFENSIVO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À ADVOCACIA COMO REPRESENTANTE POSTULATÓRIA E AO MINISTÉRIO PÚBLICO, COMO CUSTOS LEGIS. (...) NECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS AUTÔNOMOS DO SISTEMA DE JUSTIÇA PENAL. CONFLITO DE MÉRITO ENTRE AS POSIÇÕES DEFENSORIAIS E MINISTERIAIS. PERSONALIDADE JUDICIÁRIA PENAL. IMPORTÂNCIA E UTILIDADE AO DEBATE DEMOCRÁTICO, BEM COMO À FORMAÇÃO DE PRECEDENTES, SEM PREJUÍZO ÀS MISSÕES CONSTITUCIONAIS DE CADA ÓRGÃO. 3. EMBARGOS REJEITADOS." (TJ-AM, ED em Rev. Criminal n. 0006382-60.2019.8.04.0000, Rel. Anselmo Chíxaro; Câmaras Reunidas; j. 18/12/2019; Data de registro: 19/12/2019)
Recentemente, a Corte Cidadã, em sede de recursos repetitivos [REsp 1.712.163 / SP], assentou ser admissível o ingresso da defensoria como custos plebis em demandas coletivas em defesa nos necessitados jurídicos em geral, e não apenas aos hipossuficiente sob o aspecto econômico:
Admite-se a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. STJ. 2ª Seção. EDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/09/2019 (Info 657).
Calha acentuar, outrossim, que em recente julgado, ainda inédito na jurisprudência pátria, o Tribunal de Justiça do Amazonas admitiu o ingresso da Defensoria Pública como Custus Vulnerabilis em ação de divórcio, com o fito de resguardar os direitos de uma mulher em situação de vulnerabilidade processual:
DIREITO DE FAMÍLIA. VULNERABILIDADE PROCESSUAL E CUSTOS VULNERABILIS. SENTENÇA ULTRA PETITA CONTRA VULNERÁVEL ECONÔMICO-GEOGRÁFICO REVEL. DIREITOS EXISTENCIAIS E DA PERSONALIDADE. INDISPONIBILIDADE. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTE STJ. VULNERABILIDADE PROCESSUAL. ESTADO-DEFENSOR. DEFENSORIA PÚBLICA COMO CUSTOS VULNERABILIS. LEGITIMIDADE INTERVENTIVA E RECURSAL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. - A vulnerabilidade processual é instrumento de igualdade material, surgindo como mecanismo de justa causa e fator legitimador de tratamento processual diferenciado em especial quanto à visualização de justa causa e discrímen para adequação procedimental em prol do vulnerável, como leciona a pioneira tese de Fernanda Tartuce (2012), influenciando a doutrina e jurisprudência; -Constatada a vulnerabilidade processual, geográfica e econômica, justifica-se a legitimidade interventiva e o interesse recursal da Defensoria Pública enquanto Custos Vulnerabilis; - O nome de casado insere-se no campo dos direitos da personalidade, não podendo ser suprimido sem anuência da parte prejudicada, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, de modo que, a sentença, ao tratar desta matéria, alheia à relação processual, mostra-se ultra petita; - A atuação do Estado-Defensor como guardião das famílias e pessoas vulneráveis, expressa a garantia constitucional de intervenção mínima do Estado sobre a esfera privada, mostrando-se, portanto, legítima a intervenção da Defensoria Pública, Função Essencial à Justiça (art. 134, CRFB/88); - Recurso Conhecido e Provido.
Frise-se que tal atuação não se restringe à esfera cível, sendo possível que a Defensoria Pública, inclusive, atue como guardiã dos vulneráveis em matéria penal, a qual, por conta de sua natureza, envolvendo privação de liberdade, denota uma maior relevância nessa atuação, tendo como primeiro precedente decisão do TJAM:
PROCESSO PENAL E DIREITO CONSTITUCIONAL. REVISÃOCRIMINAL. DEFENSORIA PÚBLICA. ESSENCIALIDADE CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO PROCESSUAL. CUSTOS VULNERABILIS. POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL E LEGAL. MISSÃO INSTITUCIONAL. VULNERABILIDADE PROCESSUAL. ABRANDAMENTO. INSTRUMENTO DE EQUILÍBRIO PROCESSUAL E PARIDADE ENTRE ÓRGÃO DE ACUSAÇÃO ESTATAL E DEFESA. AMPLIFICAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E FORMAÇÃO DE PRECEDENTES EM FAVOR DE CATEGORIAS VULNERÁVEIS.
1. A Defensoria Pública é função essencial à Justiça (art. 134, CF), cabendo-lhe ser expressão e instrumento do regime democrático na defesa dos direitos humanos e das necessidades da população necessitada.
2. A intervenção de custos vulnerabilis da Defensoria Pública é decorrência da vocação constitucional da Defensoria Pública para com as categorias vulneráveis e é harmônica com o histórico de nascimento da carreira no âmbito da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) no século passado no Rio de Janeiro, sendo esse o modelo público de assistência jurídica adotado na Constituição de 1988. 3. A intervenção da Defensoria Pública visa ao seu interesse constitucional, em especial à amplificação do contraditório em favor dos vulneráveis necessitados face à ordem jurídica, viabilizando ampla participação democrática na formação de precedentes, inclusive penais.
3. Em Revisão Criminal, por simetria e isonomia, a manifestação defensorial deve corresponder ao mesmo patamar hierárquico do Ministério Público, enquanto titular da Acusação Pública. Por essa razão, a intimação para intervenção ocorrerá na pessoa do chefe da defesa pública, o Defensor Público Geral, no caso concreto22 Veja-se que pela interpretação dada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Amazonas a atuação da Defensoria Pública visa nomeadamente ao fortalecimento do contraditório a favor do vulneráveis no âmbito criminal, inclusive para fins de formação de precedentes, homenageando a representatividade dos grupos vulneráveis.
Em 2020, no HC 568.693, o Superior Tribunal de Justiça deferiu a admissão da Defensoria Pública da União como custos vulnerabilis no processo penal, mais especificamente em HC coletivo em defesa dos presos de menor gravidade que se encontravam em potencial risco dada a pandemia da COVID 19:
Sendo assim, depreende-se do exposto acima que é cabível a admissão da Defensoria Pública da União como custos vulnerabilis nos casos em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. In casu, como já ressaltado, trata-se da defesa de presos - que praticaram atos de menor gravidade - que não possuem condições financeiras de saldar o valor estipulado a título de fiança e por isso permanecem presos (ainda que em período reconhecido como de pandemia). Ora, a vulnerabilidade econômica do grupo social que aqui se avulta é patente, mas, além dela, trata-se, também, de pessoas em vulnerabilidade social. No mais, também não há dúvida de que ao tratar de prisão de pessoas em vulnerabilidade econômica e social em presídios com superlotação e insalubridade em tempos de COVID-19, estamos tratando de direitos humanos, vez que se defende, aqui, a liberdade como direito civil e também a liberdade real advinda dos direitos sociais. Assim, defiro o pedido da Defensoria Pública da União para atuar no feito como custos vulnerabilis. (PET no HABEAS CORPUS Nº 568.693 - ES (2020/0074523-0) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR.)
No âmbito das execuções penais, a Defensoria Pública argumenta que, desde 2010, existe previsão expressa na Lei nº 7.210/84 autorizando a intervenção da Instituição como custos vulnerabilis:
Art. 81-A. A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva. (Incluído pela Lei nº 12.313/2010).
O Defensor Público e estudioso do tema Bheron Rocha aponta que essa intervenção "confirma a vocação institucional para a amplificação do debate e o viés de democratização da participação na formação dos precedentes, conferindo voz às pessoas e grupos vulnerabilizados".
3. CONCLUSÃO
Com efeito, é notória a importância do reconhecimento da atuação da instituição em feitos processuais em que se discutam direitos de pessoas ou grupos vulneráveis, enquanto terceiro interessado, como Custos Vulnerabilis, na defesa desses hipossuficientes jurídicos (mulheres, idosos, crianças, presos, indígenas), em atenção a sua missão constitucional conferida em capítulo próprio e, especificamente, no artigo 134 CRFB/88 quando fala em “defesa dos necessitados”.
Como visto, tal atuação se diferencia quando exerce seu mister de forma regular, como representante do grupo ou pessoa interessada, atuando em nome do assistido, na defesa de interesse/direito dele.
Por outro lado, ao intervir no feito como terceiro custos vulnerabilis, o faz em nome próprio, isto é, da própria instituição, seja em processos individuais ou coletivos, sendo uma verdadeira intervenção autônoma, que visa garantir direitos e não apenas contribuir para decisão.
O que é de fundamental importância é a visualização institucional de a necessidade de defender um grupo ou indivíduo vulnerável naquela específica demanda, ainda que o indivíduo esteja assistido por advogado ou até mesmo pelo Ministério Público.
Isso porque esse mecanismo processual é dedicado a conferir visibilidade às necessidades e interesses jurídicos da população em situação de vulnerabilidade, a qual transcende a análise individual e representativa no feito, ou uma visão de funções típicas ou atípicas da instituição.
Portanto, percebe-se que intervenção defensorial, de forma autônoma, como custos vulnerabilis concretiza a dignidade humana, democratiza o processo e promove a efetivação da justiça àqueles em situação de vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS
AMAZONAS. TJ-AM. Revisão Criminal n. 4001836-59.2017.8.04.0000. Rel. Des. Ernesto Anselmo, j. 26/2/2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/desembargador-intima-defensoria-guardia.pdf. Acesso em: 03/07/2021.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 23/04/2021.
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EREsp 1.192.577 – RS. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/864163772/embargos-de-divergencia-em-recurso-especial-eresp-1192577-rs-2014-0246972-3. Acesso em 20/06/2021.
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC nº 568.693 ES. Disponível: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/documentos/noticias/14102020%20HC-568.693.pdf. Acesso em 20/06/2021.
CAVALCANTE, Bruno Braga. A atuação defensorial como custos vulnerabilis no processo penal. Consultor Jurídico. 2018. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2018-mai-22/tribuna-defensoria-atuacao-defensorialcustos-vulnerabilis-processo-penal#_ftn4. Acesso em: 28/06/2021.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. STJ admite intervenção da Defensoria Pública como custos vulnerabilis. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2019/11/stj-admite-intervencao-da-defensoria.html.> Acesso em: 21/10/2021
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Admite-se a intervenção da DPU no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes /967c2ae04b169f07e7fa8fdfd110551e>. Acesso em: 21/10/2021
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Constitucionalidade da EC 74/2013, que conferiu autonomia à DPU e à DPDF. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/0266e33d3f546cb5436a10798e657d97>. Acesso em: 21/10/2021
ROCHA, Jorge Bheron. A defensoria Pública como custos vulnerabilise a advocacia privada. Consultor Jurídico. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017- mai-23/tribuna-defensoria-defensoria-custos-vulnerabilis-advocacia-privada. Acesso em: 15/07/2021
ROCHA, Jorge Bheron. GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. A STF admite legitimidade da Defensoria Pública para intervir comocustos vulnerabilis. Consultor Jurídico. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-04/legitimidadedefensoria-intervir-custos-vulnerabilis Acesso em: 12/08/2021
XIV CONFERÊNCIA JUDICIAL IBERO-AMERICANA. Regras de Brasília sobre acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade. Brasília, 2008. Disponível em:https://www.anadep.org.br/wtksite/100-Regras-de-Brasilia-versaoreduzida.pdf. Acesso em: 08/08/2021.
bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT) e advogada
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, LARISSA NUNES DE. O papel da Defensoria Pública como “custos vulnerabilis” à luz da jurisprudência do STJ. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2022, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58778/o-papel-da-defensoria-pblica-como-custos-vulnerabilis-luz-da-jurisprudncia-do-stj. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Gudson Barbalho do Nascimento Leão
Por: Maria Vitória de Resende Ladeia
Por: Diogo Esteves Pereira
Por: STEBBIN ATHAIDES ROBERTO DA SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.