WELLINGTON GOMES MIRANDA [1]
(orientador)
Resumo: O presente artigo tem por escopo verificar o Rompimento do Testamento do Direito Sucessório Brasileiro. O testamento é um ato personalíssimo e revogável, de forma que o testador possui a liberdade para fazer e desfazer de acordo com sua vontade, devendo sempre ser respeitados as disposições legais exigidas para que se tenha validade. Deste modo para que haja uma proteção dos descendentes ou herdeiros necessários que eram desconhecidos ou não se sabiam é licito que estes proponham o rompimento do testamento, para que sejam reconhecidos seus direitos, desfazendo o ato jurídico realizado anteriormente.
Palavras-chave: Rompimento do Testamento. Ato Personalíssimo. Liberdade. Rompimento do Testamento.
Abstract: This article aims to verify the Breach of the Will of the Brazilian Succession Law. The will is a very personal and revocable act, so that the testator has the freedom to do and undo according to his will, and the legal provisions required for its validity must always be respected. In this way, in order to protect the necessary descendants or heirs who were unknown or not known, it is lawful for them to propose the breaking of the will, so that their rights are recognized, undoing the legal act performed previously.
Keywords: Breaking of the Testament. Very Personal Act. Freedom. Testament breach.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA 3. FORMAS ORDINÁRIAS DE TESTAMENTO. 4. ROMPIMENTO DO TESTAMENTO NO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6. REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
O direito brasileiro regulamenta toda e qualquer relação existente entre pessoas, nessa premissa, o ordenamento jurídico dispõe sobre o Direito das Sucessões. Qualquer pessoa tem o direito de dispor de seus bens conforme sua vontade, desde que observados o exigido em lei, ou seja, é lícito aos maiores de dezesseis anos fazer testamento, respeitando a porcentagem obrigatória que deve ser deixada aos herdeiros necessários.
Os pressupostos da sucessão é a morte do autor da herança e a vocação hereditária, ou seja, a necessidade de alguém falecer e a existência de um herdeiro ou substituto. O falecimento é comprovado com a certidão de óbito e coube ao Código Civil disciplinar a prevalência dos herdeiros.
A legislação brasileira possui duas formas de sucessão: a legitima e a testamentária. A sucessão legítima respeita os herdeiros necessários, conforme disposto em lei, já a sucessão testamentária na sucessão, baseado no Princípio da Livre Manifestação da Vontade do Testador, a sucessão testamentária é conduzida pelo testamento, o qual, é um ato pessoal e revogável, de forma que o testador tem a liberdade para fazer e desfazer conforme sua vontade, sempre respeitando as disposições legais exigidas.
Para que haja uma proteção dos herdeiros necessários que eram desconhecidos, é legal que estes proponham o rompimento do testamento, para que sejam reconhecidos. Desse modo, presta-se o presente artigo a análise legal e teórica do instituto do rompimento do testamento no ordenamento jurídico brasileiro.
Sendo assim, o testamento é definido como um ato personalíssimo e revogável, pelo qual o autor, conforme com a lei dispõe, designa à algum herdeiro testamentário, de forma total ou parcial de seus bens, para depois de sua morte.
2.SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA
A personalidade jurídica nasce com a pessoa e extingue-se com a sua morte. A garantia à herança está no rol dos direitos fundamentais da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXX - é garantido o direito de herança;
A existência da pessoa natural termina com a morte e, nesse momento, abre-se a sucessão de modo que a herança se transmite, instantaneamente, aos herdeiros legítimos e testamentários. O fundamento mais evidente é o da continuidade da vida humana projetada nos herdeiros de forma que o patrimônio do falecido acompanha essa linha. Conforme Venosa estabelece, com a família e a propriedade surge o direito sucessório como fator de continuidade do corpo familiar, (2014, p.5).
O principal pressuposto para a sucessão é a morte do autor da herança. Portanto, nas palavras do Lisboa (2013), herança é “uma universalidade de direito, pois se constitui coisas simples e compostas, que são agrupadas em uma unidade substancial” (2013, p. 3545). Nesse sentido, ao legislador do direito cabe estabelecer a quem e como se dará a transmissão patrimonial do de cujus, é o que configura a herança.
A sucessão pode ser testamentária, quando o falecido deixa um testamento determinando, nos limites da lei, a maneira como ele deseja que seus patrimônios sejam distribuídos, e legítima, quando o falecido não deixa testamento, e quando deixa, nos casos em que ocorre a caducidade, a invalidade deste, ou até mesmo quando nele há omissão de algum bem, neste caso, a lei determinará seus sucessores.
Dessa forma, a sucessão legítima, trata-se da transmissão dos bens do de cujus àqueles que seguem a ordem hereditária, conforme expõe o artigo 1.829 do Código Civil.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
É necessário elucidar o significado de alguns conceitos que serão fundamentais para a compreensão:
- Ascendente: esse conceito refere-se aos antecessores e antepassados de alguém, ou seja, de quem se descende. A título de exemplo, podemos citar avós e pais;
- Descendente: diz respeito aos sucessores de alguém, isto é, indivíduos que descendem de nós. Exemplos de descendentes são filhos e netos;
- De cujus: palavra em latim, comumente utilizada no meio jurídico, para referir-se ao falecido, cujos bens estão registrados em um inventário.
A legítima, na falta do testamento, respeita a ordem disposta na legislação civil, onde o patrimônio deixado pelo falecido é dividido em partes iguais. Desse modo, a herança é transmitida aqueles que a lei indica. As indicações desses herdeiros possuem ordem preferencial que deve ser observada, esta é chamada “ordem da vocação hereditária”.
Segundo Gagliano e Filho “Os herdeiros necessários (...) são aqueles que têm direito a legitima” (2017, p. 192). Entende-se por herdeiro necessário aquele que por força de lei tem direito à parte legítima da herança, que é de 50%, não podendo haver violação de direito dos herdeiros necessários.
Já em relação a sucessão testamentária, tem-se como ato de última vontade do falecido, onde observado instrumento formal e o disposto em lei, o de cujus, deixa testamento, de seus bens, de forma total ou parcial. Se observa, então, que a disposição dos bens da sucessão testamentária não pode ser total, pois há necessidade da preservação da legítima, quando for necessário. Isso é determinado pelo artigo 1788 do Código Civil que diz:
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrer quando os bens não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.
Contudo, apesar da subsidiariedade descrita em lei, merecesse ressalva que segundo Roberto Carlos Gonçalves:
A existência de testamento não exclui a sucessão legítima. Com efeito, a sucessão testamentária pode com ela conviver, em havendo herdeiro necessário, a quem a lei assegure o direito à legitima, ou quando o testador dispõe apenas de parte de seus bens.
Em se tratando de sucessão testamentária, o testador pode dispor livremente de apenas 50% dos bens. A outra metade destina-se aos herdeiros necessários que, como demonstrado, abarcam o cônjuge.
Somente através da deserdação poderá o testador afastar o cônjuge de sua sucessão. Porém, a título de complementação. Cabe ressaltar que não há, no Código Civil de 2002, qualquer dispositivo que preveja as causas de deserdação do cônjuge.
A propósito, enfatizou o Superior Tribunal de Justiça:
O testamento é um ato solene que deve ser submetido a numerosas formalidades; caso contrário, pode ser anulado. Entretanto, todas as etapas formais não podem ser consideradas de modo exacerbado, pois a exigência delas deve levar em conta a preservação de dois valores principais: assegurar a vontade do testador e proteger o direito dos herdeiros do testador, sobretudo dos seus filhos. (...) O vício formal somente deve ser motivo de invalidação do ato quando comprometedor da sua essência, que é a livre manifestação da vontade do testador, sob pena de se prestigiar a literalidade em detrimento da outorga legal à disponibilização patrimonial pelo seu titular.
Na sucessão testamentária, o herdeiro testamentário é aquele nomeado em testamento. Na sucessão legítima os herdeiros legítimos são divididos em herdeiros necessários e herdeiros facultativos. Os necessários são aqueles cuja lei protege dando direito a metade do patrimônio do falecido, sendo eles, respectivamente, os descendentes, os ascendentes e os cônjuges. Já os facultativos, são aqueles que só recebem herança se não tiver herdeiro necessário, se o testador não tiver deixado determinado para quem seus bens devem ser concedidos, e se o testamento dispor sobre destino de espólio.
O testamento é classificado em duas modalidades: a forma ordinária ou extraordinária. A forma ordinária é aquela que respeita a preferência do autor, quanto à forma extraordinária (podendo ser chamada também de especial), é aquela onde há dúvidas sobre fatos da vida do testador.
Quando alguém fala, porém, em espécies de testamento, está se referindo a subdivisões desta classificação primária, a saber, em relação à forma ordinária, os testamentos público, cerrado e particular, e, sob a forma especial, os testamentos marítimo, aeronáutico e militar (GAGLIANO E FILHO, 2017, p. 269).
Neste intervalo, observando todos os ditames legais dispostos no Código Civil, a sucessão testamentária é direito fundamental consagrado constitucionalmente em favor daqueles que podem ser incluídos como herdeiros, aqueles que não tem direito à legítima, mas que de alguma forma tinha forte vínculo com o de cujus.
A liberdade testamentária não é absoluta, nem ilimitada, ela deve obedecer às regras da norma hierárquica superior. As disposições testamentárias devem observar os princípios, principalmente, aqueles previstos na Constituição Federal. O direito sucessório não pode fomentar discriminação entre filhos, e se, eventualmente, ocorrer colisão de princípios, no ato de última vontade, ocasionando discriminação entre os filhos. Desta forma, caberá ao intérprete do direito resolver o conflito com a regra de sopesamento dos princípios, a fim de preservar os direitos dos envolvidos no caso concreto.
3.FORMAS ORDINÁRIAS DE TESTAMENTO
O legislador, no Código Civil de 2002 reconhece como ordinários os seguintes tipos de testamento: público, cerrado, e o particular. Só será considerado testamento o negócio jurídico que for celebrado sob uma das formas indicadas na lei (princípio da tipicidade). Não é permitido ser utilizado nenhum outro tipo, ficando, ainda, vedado, fazer combinações entre os existentes, à luz do artigo 1.863 do Código Civil.
Para Gonçalves (2017), o testamento público é aquele que é escrito pelo tabelião em livro de notas, conforme o que declara o testador.
O testamento público é ato privativo do tabelião ou do seu substituto legal, não pode ser empregado à terceiro, isso se dá pelo fato do tabelião se trata de oficial público que redige, fiscaliza e instrumento negócios jurídicos, conferindo-lhes autenticidade e fé pública.
O testamento público é escrito pelo tabelião ou substituto legal, em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, feitas em língua nacional, em presença de duas testemunhas que devem assistir a todo o ato.
O tabelião deve escrever exatamente o que foi dito pelo testador, ficando este, portanto, obrigado a dizer, não podendo, por exemplo, ser copiado. Caso assim o faça, haverá a nulidade do ato.
Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:
I - ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;
II - lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III - ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
Após escrito, o instrumento do testamento será lido em voz alta pelo tabelião ao testador e às duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se assim o quiser, na presença das testemunhas e do oficial. Não é permitida a leitura sucessiva, ao testador e, depois às testemunhas. A leitura precisa ser feita na presença simultânea, conjunta e contínua do testador, do tabelião e das testemunhas como expressamente mencionado no inciso II do art. 1.864 do Código Civil.
Após a leitura, estando em ordem, a cédula será assinada pelo tabelião que o escrever, pelo testador e pelas testemunhas, seguidamente e em ato contínuo (CC, art. 1.964, III).
Na hipótese do art. 1.865 do Código Civil, quando o testador não souber ou não puder assinar e, em vez de solicitar que uma das testemunhas instrumentárias assine a seu rogo, como determina o referido dispositivo legal, faz o pedido a outrem.
Além da hipótese do artigo 1.865 já mencionada, na qual, quando o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião assim o declarará assinado pelo testador, e a seu rogo, umas das testemunhas:
Art. 1.865. Se o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias.
Art. 1.866: O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento, e, se não o souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas;
Art. 1867: Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.
O testamento cerrado, popularmente conhecido como testamento secreto, é aquele lacrado e registrado ao oficial de notas. Ele é elaborado para manter em segredo a última vontade do testador até sua morte.
O testamento cerrado é, portanto, entregue pelo testador na presença de duas testemunhas, aprovado pelo declarante, lacrado e registrado. O testamento cerrado é integrado pela cédula testamentária, que pode ser elaborada de forma mecânica ou não, e pelo auto de aprovação, ou seja, um documento privado e outro público. (LISBOA, 2017, p. 447).
De acordo com o artigo 1.801 do CC, são proibidos de escrever a cédula testamentária a rogo do testador: o herdeiro instituído, ou legatário, o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos.
A última fase é a do cerramento, quando, após a assinatura, o tabelião vai cerrar e coser o testamento. Depois de aprovado e cerrado, o estamento será entregue ao testador, e o tabelião lançara em seu livro de notas, o lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue. Após a entrega, o testamento deverá ser guardado pelo testador, ou pessoa que este designar, para ser apresentado em juízo por ocasião da abertura da sucessão.
Até então, o documento deve permanecer inviolável; se for aberto pelo testador, ou houver violação do lacre com o consentimento do testador, o testamento será tido como revogado, de acordo com o disposto no artigo 1.972 do Código Civil: “O testamento cerrado que o testador abrir ou dilacerar, ou for aberto ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado”.
Quanto ao testamento particular, é aquele escrito a punho pelo testador, assinado por ele e lido a três testemunhas, que o subscreverão, com o intuído de confirmar a autenticidade do testamento após a morte do autor. Esta forma 7 de testar não possui a necessidade de haver a presença de um tabelião, o que o torna mais econômico, entretanto é a forma menos segura de se testar, uma vez que pra sua confirmação necessário se faz a presença das três testemunhas em juízo após a abertura da sucessão e elas podem não comparecer (BEVILÁQUA, 2011).
Nessa modalidade de testamento, faz-se desnecessária a presença do tabelião para validá-lo. Todavia, paira sobre ele insegurança, pois depende da confirmação das testemunhas em juízo, após a abertura da sucessão, e essas podem vir a faltar. Nessa hipótese, o testamento estará irremediavelmente prejudicado e não serão cumpridas as disposições de última vontade manifestadas pelo testador. O destino dos bens regular-se-á pelos critérios estabelecidos para a sucessão legítima.
Não é necessário que o testamento particular seja redigido num só momento, ininterruptamente. O testador pode escrevê-lo aos poucos, à medida que as suas ideias vão se organizando e sua vontade se formando. Não há falar, nessa fase, em unidade de contexto.
O Código Civil de 2002 simplificou a elaboração dos testamentos, revelando uma acentuada tendência do legislador em facilitar a sua confecção, desde que, no entanto, cumpra com as condições e requisitos previstos em lei.
4.O ROMPIMENTO DO TESTAMENTO NO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO
O rompimento é a ruptura do testamento, sendo uma das modalidades extintivas deste. A ruptura ocorre quando há a superveniência de uma circunstância relevante, capaz de alterar a manifestação de vontade do testador como, por exemplo, o aparecimento de um herdeiro necessário que o autor do testamento não tinha conhecimento no momento em que declarou sua vontade em testamento (BEVILÁQUA, 2011).
O rompimento do testamento é determinado pela lei, na presunção de que o testador não teria disposto de seus bens no testamento da forma que fez se soubesse da existência de tal herdeiro. O rompimento, no entanto, independe de vontade do testador; é determinado pela lei. Alguns autores consideram como revogação tácita ou legal, ou até mesmo como caducidade. Este ato não afeta a existência ou validade do testamento, porém compromete a eficácia. Pois se encontra alheia à vontade do testador, com acontecimentos inesperados.
O rompimento contradiz todo o princípio do direito testamentário, o qual preserva a vontade do testador. Considera-se a teoria da imprevisão. Se durante o tempo percorrido após a manifestação em testamento, houver fato modificativo, que implicaria possibilidades diferentes para o testador, e assim o testamento não representaria sua vontade.
O rompimento do testamento é ocasionado por duas razões: a inexistência ou o desconhecimento da existência do herdeiro necessário quando da sua elaboração. Se o testador dispõe dos seus bens antes de possuir, ou antes mesmo de saber da existência dos herdeiros necessários, a lei presume que, conhecedor de tal circunstância, seria diferente sua declaração de última vontade. O testador pode, no próprio testamento, afastar as hipóteses de ruptura por fato superveniente, denominando-se a presunção juris tantum. Apesar disso, é preciso, para resguardar sua higidez, que seja apreciada a legítima dos eventuais herdeiros necessários.
É reconhecido que ocorre a ruptura não somente quando o herdeiro manifesta depois da morte do testador. A consequência do aparecimento de um herdeiro necessário, mesmo enquanto vivo, é o rompimento do testamento. Por esse motivo, não é preciso o testador revogar o testamento, ao tomar conhecimento da sua existência. O testamento é revogado pela lei em seu lugar.
De acordo com o disposto no art. 1.793 do Código Civil:
1.793. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador.
Isso significa que o testador, não tinha nenhum descendente e posteriormente vem a tê-lo havido ou não do casamento. O reconhecimento de tal descendente pode ser voluntário ou por meio de ação de investigação de paternidade.
O fato de saber ou não da existência de algum herdeiro necessário, não pode ocasionar resultados totalmente opostos, se a vontade do testador for o propósito deste instituto. Se provado que o testador desconhecia da existência do filho, vai haver o rompimento do testamento e todos herdam parcelas iguais. Entretanto, ao concluir que o testador tinha ciência da concepção do filho no momento em que elaborou o testamento, o mesmo se mantém e o filho considerado “bastardo” receberá, tão somente, a legítima a que faz jus como herdeiro necessário. O restante fica para seus irmãos que, além da legítima, herdarão a quota disponível como herdeiros testamentários.
Os Tribunais Brasileiros possuem o entendimento do rompimento, conforme jurisprudência do Tribunal do Paraná:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE QUE RECONHECE DESCENDENTE SUCESSÍVEL. ROMPIMENTO DO TESTAMENTO. ILEGITIMIDADE DAS APELANTES PARA RECORRER. ROMPIMENTO DO TESTAMENTO QUE ATINGE O PLANO DA EFICÁCIA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. A superveniência de descendente sucessório enseja o rompimento do testamento. 2. A doutrina de Maria Berenice Dias explica que o rompimento do testamento tem como consequência a sua ineficácia: o testamento não produz efeito, não pode ser cumprido. Na tentativa de identificar a natureza jurídica deste fenômeno, cabe mais uma vez invocar os planos da existência, da validade e da eficácia dos atos jurídicos. O rompimento não atinge o plano da existência e nem o da validade, mas o da eficácia. Mesmo que o testamento exista e seja válido, é ineficaz por fato alheio à vontade do testador. A ruptura é obra da lei, regra jurídica cogente: a lei afasta o testamento. (DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 468). Por consequência, não remanesce interesse processual das legatárias. 3. Recurso não conhecido. (TJPR - 12ª C.Cível - AC - 1647517-3 - Curitiba - Rel.: Juiz Luciano Carrasco Falavinha Souza - Unânime - J. 24.10.2018) (TJ-PR - APL: 16475173 PR 1647517-3 (Acórdão), Relator: Juiz Luciano Carrasco Falavinha Souza, Data de Julgamento: 24/10/2018, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2388 21/11/2018)
Em casos de adoção, também ocorrerá a ruptura do testamento. A igualdade entre os filhos é revista constitucionalmente, no art. 227, parágrafo 6º do Código Civil. Nesse sentido o Tribunal de Minas Gerais entendeu que ocorre o rompimento do testamento:
EMENTA: DIREITO CIVIL - ROMPIMENTO DE TESTAMENTO - ADOÇÃO SÓCIO-AFETIVA - REGISTRO POSTERIOR AO TESTAMENTO - EXISTÊNCIA DE VÍNCULO PRÉVIO - HIPÓTESE PARA O ROMPIMENTO NÃO CONFIGURADA - EVENTUAL EXCESSO OU REDUÇÃO NA DISPOSIÇÃO DO PATRIMÔNIO DISPONÍVEL - COMPETÊNCIA DO JÍZO DO INVENTÁRIO - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O reconhecimento de filho por adoção, após a elaboração de testamento no qual esse mesmo filho já fora contemplado com o maior quinhão, não rompe o testamento. 2. Inteligência do art. 1.973, do Código Civil. 3. Necessidade de preservação das disposições de última vontade do de cujus. 4. As questões atinentes a eventual excesso ou redução das disposições testamentárias devem ser apresentadas e decididas na ação de inventário, onde ocorre a partilha dos bens do de cujus. (TJ-MG - AC: 10686160020018001 Teófilo Otôni, Relator: Francisco Ricardo Sales Costa (JD Convocado), Data de Julgamento: 09/06/2022, Câmaras Especializadas Cíveis / 4ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 10/06/2022)
É impróprio o uso deste dispositivo, para firmar postura discriminatória com relação ao filho, visto que o mesmo tem finalidade diversa. É absoluto o reconhecimento de que, independentemente da ciência ou não da existência do filho por parte do testador, impõe-se o rompimento do testamento ou, pelo menos, a redução das disposições testamentárias à parte disponível.
O que acarreta o rompimento do testamento é o surgimento de herdeiro necessário que faz jus à legítima, e não sempre que aparece descendente ou até mesmo ascendente, depois da sua elaboração. Dessa forma, só haverá o rompimento se depois do testamento surgir herdeiros necessários, e não qualquer outro parente, por exemplo, um sobrinho. Entretanto, o testamento perde a eficácia, se o testado adotar um filho.
O Código Civil, em seu artigo 1.974 diz: “Rompe-se o também o testamento feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários”. Entende-se que o testamento poderá ser rompido quando o autor não tinha conhecimento se possuía herdeiros necessários no momento em que testou.
O rompimento tem um caráter ético, uma vez que o legislador presume o senso de responsabilidade do autor para com seus herdeiros necessários, portanto a consequência é a imposição dessa presunção como regra e, a desnecessidade do testador ter de incluir cláusulas testamentarias dispondo sobre essa hipótese, uma vez que o legislador já se propôs a fazê-lo (MENEZES, 2017).
Tal ato é visto como uma medida extrema que só se admite quando o testador desconhece qualquer herdeiro necessário, não o havendo se surgir outro parente em diferente nível grau de parentesco, como exemplo, um primo.
A superveniência de descendente só é causa de rompimento do testamento quando o autor da herança não tinha nenhum herdeiro dessa classe. Caso já tenha um descendente e testa, a superveniência de outro não acarreta a ruptura do testamento. Ou seja, não se rompe a disposição testamentária, nesse caso, com o nascimento do outro: ambos dividirão entre si a legítima.
A descoberta posterior acarreta o rompimento automático, ex vi legis, do testamento, sem necessidade de que se o revogue. Presume-se que a ciência de tais fatos o faria testar de forma diversa da que o fez.
Portanto, se o testador souber da existência do herdeiro necessário e mesmo assim dispuser de sua quota disponível, o testamento é válido e deve ser cumprido, como se estatui o art. 1.975 do Código Civil.
Conforme Dias (2015), o rompimento do testamento poderá ser declarado no momento do inventário, onde os herdeiros necessários são as partes ativas e se beneficiarão com a exclusão do herdeiro testamentário, que será a parte ré no processo.
Nesse sentido, conforme menciona Lisboa (2017), deve-se comprovar a total ignorância do autor quanto aos herdeiros necessários para que haja o rompimento do testamento. Percebe-se que o rompimento é uma hipótese de extinção do negócio jurídico realizado pelo autor da herança, essa ruptura é 8 determinável por lei, uma vez que o de cujus em modificar o seu ato de última vontade.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela observação dos aspectos analisados, o testamento é um ato pessoal e revogável, de forma que o testador possui a liberdade para fazer e desfazer de acordo com sua vontade, devendo sempre ser respeitados as disposições legais exigidas para que se tenha validade.
Respeitando esse princípio liberal é direito do testador revogar seu testamento, da maneira que bem entender, ou seja, de forma parcial ou total.
O rompimento é uma forma de revogação legal, gerando assim, nulidade absoluta ao ante disposto, ocorre quando distribui a parte disponível como deseja, porém, surge um herdeiro superveniente, ou seja, um herdeiro do qual o testador não tinha conhecimento no momento em que formulou o testamento, como amparado pelos artigos 1.973 e 1.974, ambos do Código Civil. Justamente para garantir a proteção desse, e do que é seu por direito, a legislação cria o instituto do rompimento.
Deste modo para que haja uma proteção dos descendentes ou herdeiros necessários que eram desconhecidos ou não se sabiam é licito que estes proponham o rompimento do testamento, para que sejam reconhecidos seus direitos, desfazendo o ato jurídico realizado anteriormente.
Contudo é indispensável que não se confunda os termos e nem suas aplicações, ou seja, é necessário se compreender corretamente o sentido e a função de cada um dos termos, para que se aplique de forma correta cada acontecimento ao seu respectivo ato. Pois a revogação refere-se aos atos praticados pelo próprio testador enquanto o rompimento aplica-se a terceiros.
Assim, se um testamento não atende a esses requisitos, ele será considerado nulo, no todo ou em parte, não representando, no fim das contas, meio hábil para se fazer cumprir as disposições de última vontade de quem o elaborou. E esse, claro, não é o objetivo de quem dispõe suas derradeiras vontades em testamento.
6.REFERÊNCIAS
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[1]Mestre em Direito pela Escola da Magistratura Tocantinense (ESMAT) e Universidade Federal do Tocantins. Professor de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Allan Santos. O rompimento do testamento no direito sucessório brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2022, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58800/o-rompimento-do-testamento-no-direito-sucessrio-brasileiro. Acesso em: 21 nov 2024.
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