RESUMO: O presente artigo analisa os argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para julgar constitucional o poder de requisição da Defensoria Pública disposto no artigo 128, inciso X, da Lei Complementar nº 80/1994. Ademais, avalia os impactos de tal decisão no exercício funcional dos defensores públicos e no acesso dos cidadãos à justiça.
PALAVRAS-CHAVE: defensores; requisição; cidadãos.
ABSTRACT: This article analyzes the arguments used by the Federal Supreme Court to judge constitutional the power of requisition of the Public Defender's Office provided for in article 128, item X, of Complementary Law nº 80/1994. Furthermore, it assesses the impacts of such a decision on the functional exercise of public defenders and on citizens' access to justice.
KEYWORDS: defenders; request; citizens.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 134, § 1º, dispõe que a organização da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios será de incumbência de lei complementar, que também prescreverá normas gerais para a sua organização nos Estados.
Este dispositivo constitucional teve regulamentação conferida pela Lei Complementar nº 80/1994, formando um arcabouço normativo que estrutura a Defensoria Pública como instituição permanente e essencial à prestação jurisdicional do Estado, como expressão e instrumento do regime democrático.
A supramencionada lei complementar assevera, no seu artigo 128, inciso X, que é prerrogativa dos membros da Defensoria Pública do Estado requisitar de autoridade pública ou de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições.
Trata-se, pois, de fundamental instrumento de atuação dos defensores públicos na garantia do acesso justiça ao cidadão e que vem sendo objeto de discussão no meio jurídico.
Neste contexto, o Procurador-Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, com vistas a questionar a constitucionalidade do dispositivo legal.
A Suprema Corte brasileira, em decisão paradigmática, entendeu que o poder de requisição da Defensoria Pública é constitucional, encontrando fundamento no texto da Lei Maior.
A relevância do tema decorre da necessidade de compreensão da diferença de papéis entre a advocacia privada e a Defensoria Pública e da mandatória aplicação do princípio da isonomia, em sua dimensão substancial.
Este artigo está organizado em dois capítulos, quais sejam:
i) o primeiro capítulo analisa a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 6852, estudando os argumentos utilizados pela Corte para julgar constitucional o poder de requisição da Defensoria Pública disposto no artigo 128, inciso X, da Lei Complementar nº 80/1994;
ii) o segundo capítulo tem por finalidade avaliar os impactos de tal decisão no exercício funcional dos defensores públicos e no acesso dos cidadãos à justiça.
1. ARGUMENTOS UTILIZADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADI 6852
No julgamento da ADI 6852, de relatoria do Ministro Edson Fachin, o STF, em Sessão Virtual do Plenário, por maioria de votos, julgou improcedente o pedido formulado na ação, conforme ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO CONSTITUCIONAL E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. DEFENSORIA PÚBLICA. LEI COMPLEMENTAR 80/1994. PODER DE REQUISIÇÃO. GARANTIA PARA O CUMPRIMENTO DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E EFETIVA. ADI 230/RJ. ALTERAÇÃO DO PARÂMETRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ADVENTO DA EC 80/2014. AUTONOMIA FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA DAS DEFENSORIAS. IMPROCEDÊNCIA. PÚBLICO. DEFENSORIA PÚBLICA. LEI COMPLEMENTAR 80/1994. PODER DE REQUISIÇÃO. GARANTIA PARA O CUMPRIMENTO DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E EFETIVA. ADI 230/RJ. ALTERAÇÃO DO PARÂMETRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ADVENTO DA EC 80/2014. AUTONOMIA FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA DAS DEFENSORIAS. IMPROCEDÊNCIA. 1. O poder atribuído às Defensoria Públicas de requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício de suas atribuições, propicia condições materiais para o exercício de seu mister, não havendo falar em violação ao texto constitucional. 1. O poder atribuído às Defensoria Públicas de requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício de suas atribuições, propicia condições materiais para o exercício de seu mister, não havendo falar em violação ao texto constitucional. 2. A concessão de tal prerrogativa à Defensoria Pública constitui verdadeira expressão do princípio da isonomia e instrumento de acesso à justiça, a viabilizar a prestação de assistência jurídica integral e efetiva. 3. Não subsiste o parâmetro de controle de constitucionalidade invocado na ADI 230/RJ, que tratou do tema, após o advento da EC 80/2014, fixada, conforme precedentes da Corte, a autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública. 2. A concessão de tal prerrogativa à Defensoria Pública constitui verdadeira expressão do princípio da isonomia e instrumento de acesso à justiça, a viabilizar a prestação de assistência jurídica integral e efetiva. 3. Não subsiste o parâmetro de controle de constitucionalidade invocado na ADI 230/RJ, que tratou do tema, após o advento da EC 80/2014, fixada, conforme precedentes da Corte, a autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
De acordo com o Procurador-Geral da República, o poder de requisição atribuído às Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Territórios é inconstitucional sob o ponto de vista material, uma vez que, por ser revestido de autoexecutoriedade, imperatividade e presunção de legitimidade, viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o preceito da paridade de armas no âmbito processual, sobretudo no que tange à produção probatória.
Ademais, sustentou que tal prerrogativa viola os princípios da isonomia (artigo 5º, XXXV, CRFB), do contraditório (artigo 5º, LV, CRFB) e do devido processo legal (artigo 5º, LIV, CRFB).
O Ministro relator, em seu voto vencedor, aduziu que o artigo 134 da Constituição, que teve redação dada pela Emenda Constitucional nº 80/2014, materializa a concretização do direito ao acesso à justiça.
Neste sentido, a Defensoria Pública, como órgão autônomo da administração da justiça, possui independência e autonomia administrativa, financeira e orçamentária, nos termos das Emendas Constitucionais 45/2004, 73/2013 e 80/2014, tendo como funções, dentre outras, a promoção da defesa e dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita.
Com efeito, reconhecer o papel da instituição como um direito que concretiza o exercício de outros direitos é, em última análise, de acordo com o Ministro relator, reconhecer a sua importância para um sistema constitucional democrático.
Como se vê, o arcabouço constitucional que trata da Defensoria Pública não a confunde nem a equipara à Advocacia pública ou privada. Em realidade, o desenho institucional da Defensoria Pública mais se parece com o do Ministério Público.
A distinção entre os regimes defensorial e da Advocacia restou mais flagrante com a edição da Emenda Constitucional nº 80/2014, que estabeleceu seções distintas do texto constitucional para cada uma das funções essenciais à justiça.
A missão institucional da Defensoria Pública é de promoção do amplo acesso à justiça e de redução das desigualdades, devendo proteger grupos vulneráveis, sendo os seus poderes verdadeiros instrumentos de garantia do cumprimento das suas funções como instituição.
Dessa maneira, quando o legislador previu a prerrogativa de requisição aos defensores públicos, visou propiciar as condições materiais para o exercício do seu mister, não havendo nenhuma violação à igualdade. Ao revés, trata-se, pois, de mecanismo de densificação da isonomia, em sua dimensão substancial, como decorrência lógica da teoria dos poderes implícitos.
Afirmou o relator, em seu voto, que tal prerrogativa é uma “verdadeira expressão do princípio da isonomia, e instrumento de acesso à justiça, a viabilizar a prestação de assistência jurídica integral e efetiva, nos termos do art. 5º, XXXV e LXXIV, da Constituição Federal”.
O Ministro Alexandre de Moraes, acompanhando o relator, afirmou que o legislador constituinte conferiu à Defensoria Pública os “instrumentos que lhe permitem uma atuação livre, independente e eficaz, armando-a de funções, garantias e prerrogativas que possibilitassem o exercício de seu múnus constitucional, notadamente para a defesa eficiente dos direitos dos cidadãos assistidos”.
Não se trata, pois, de um privilégio desarrazoado dos defensores, mas sim de uma prerrogativa institucional em benefício dos assistidos.
Assim, negar esta prerrogativa à instituição configuraria um esvaziamento da sua capacidade de instrução extrajudicial de conflito, gerando um grave obstáculo ao efetivo cumprimento do seu papel institucional.
Já o Ministro Gilmar Mendes, que também acompanhou o voto do relator, afirmou que em determinadas situações a Defensoria Pública se aproxima do Ministério Público, sendo lógico, então, que possua os mesmos poderes de requisição conferidos ao Parquet.
Por outro lado, a Ministra Cármen Lúcia, divergindo parcialmente do relator, julgou procedente em parte a Ação Direta de Inconstitucionalidade, para conferir interpretação conforme a Constituição ao artigo 128, inciso X, da Lei Complementar nº 80/1994, no sentido de afastar a sua aplicação na atuação da Defensoria Pública em processos individuais, passando a ter aplicabilidade apenas em processos coletivos.
Com a devida vênia, discordamos do entendimento da Eminente Ministra Cármen Lúcia, uma vez que a atuação da Defensoria Pública em processos coletivos não se difere da atuação em processos individuais quando se avalia a missão constitucional da instituição.
Neste sentido, em qualquer demanda, a finalidade institucional do órgão é a prestação de assistência jurídica integral e gratuita, e para que esta finalidade se cumpra, são necessários instrumentos de garantia da sua efetividade, não havendo diferença na sua densidade se a atuação se der em processos individuais ou coletivos.
É importante frisar que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento da ADI 230, que visava questionar dispositivo da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que conferiu a prerrogativa de requisição à Defensoria Pública do Estado, firmou o seguinte entendimento:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DEFENSOR PÚBLICO ESTADUAL: GARANTIAS E PRERROGATIVAS. ART. 178, INC. I, ALÍNEAS F E G, II E IV DA CONSTITUIÇÃO DO RIO DE JANEIRO (RENUMERADOS PARA ART. 181, INC. I, ALÍNEAS F E G, II E IV). 1. A Emenda Constitucional fluminense n. 4/1991 alterou a numeração originária das normas contidas na Constituição fluminense. 1. A Emenda Constitucional fluminense n. 4/1991 alterou a numeração originária das normas contidas na Constituição fluminense. Art. 178, inc. I, alíneas f e g, inc. II e IV atualmente correspondente ao art. 181, inc. I, alíneas f e g inc. II e IV da Constituição estadual. 2. Alteração dos critérios para aposentadoria dos defensores públicos do Estado do Rio de Janeiro pela Emenda Constitucional estadual n. 37/2006. Prejuízo do pedido em relação ao art. 178, inc. I, alínea f, Constituição fluminense. Alteração dos critérios para aposentadoria dos defensores públicos do Estado do Rio de Janeiro pela Emenda Constitucional estadual n. 37/2006. Prejuízo do pedido em relação ao art. 178, inc. I, alínea f, Constituição fluminense.3. O prazo trienal para aquisição de estabilidade no cargo, fixado pela Emenda Constitucional n. 19/1998, é aplicável indistintamente O prazo trienal para aquisição de estabilidade no cargo, fixado pela Emenda Constitucional n. 19/1998, é aplicável indistintamente a todos os servidores públicos. Inconstitucionalidade do art. 178, inc. I, g, da Constituição fluminense. 4. Extensão da garantia de inamovibilidade aos defensores públicos pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Modificação do parâmetro de controle de constitucionalidade. Prejuízo do pedido em relação ao art. 178, inc. II, Constituição fluminense. 5. É inconstitucional a requisição por defensores públicos a autoridade pública, a seus agentes e a entidade particular de certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências, necessários ao exercício de suas atribuições: exacerbação das prerrogativas asseguradas aos demais advogados. Inconstitucionalidade do art. 178, inc. IV, alínea a, da Constituição fluminense. 6. Não contraria a Constituição da República o direito de os defensores públicos se comunicarem pessoal e reservadamente com seus assistidos, mesmo os que estiverem presos, detidos ou incomunicáveis, e o de terem livre acesso e trânsito aos estabelecimentos públicos ou destinados ao público no exercício de sua funções (alíneas b e c do inc. IV do art. 178 da Constituição fluminense). 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 178, inc. I, alínea g, e IV, alínea a; a constitucionalidade o art. 178, inc. IV, alíneas b e c; e prejudicados os pedidos quanto ao art. 178, inc. I, alínea f, e II, todos da Constituição do Rio de Janeiro (ADI 230, Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, julgado em 01.02.2010, DJe 30.10.2014; grifei).
Como se vê, a Corte entendeu que a prerrogativa de requisição conferida aos defensores públicos não pode ser aplicada em face de entidades particulares.
Para finalizar este capítulo, importa mencionar a manifestação dos amici curiae ANADEP E CONDEGE nos autos da ADI 6852, acerca da importância do poder de requisição da Defensoria Pública, senão vejamos:
22. A Defensoria Pública atua também em relevantes causas sociais e coletivas em que o poder de requisição é determinante: ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer interesse difuso e coletivo, por infração à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra ou dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos e ao patrimônio público e social, que são as hipóteses autorizadoras da ação civil pública (Lei nº 7.347/1985), para as quais a Defensoria Pública é legitimada ativa (artigo 5º, II). 23. Em outros casos, a Defensoria Pública atua implementando o princípio da indispensabilidade de defesa, como ocorre no processo criminal, cumprindo os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. É que, mesmo na ausência do jurisdicionado e sem ter a sua tese do fato, o Defensor Público tem que promover sua defesa, conforme o artigo 261 Código de Processo Penal. E deve fazê-lo fundamentadamente (artigo 261, parágrafo único, do mesmo Código). Para tanto, deve manter o poder de requisição de documentos públicos que interessem à tese defensiva para que a defesa possa se fazer amplamente.
2. OS IMPACTOS DA DECISÃO NA ADI 6852 NO EXERCÍCIO FUNCIONAL DOS DEFENSORES PÚBLICOS E NO ACESSO À JUSTIÇA
O poder de requisitar de autoridade pública ou de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições é bastante utilizado no exercício funcional dos defensores públicos.
Por intermédio de tal prerrogativa, a Defensoria Pública consegue salvaguardar interesses individuais e coletivos dos vulneráveis, tutelando direitos de segmentos da sociedade que historicamente vivem um processo de invisibilidade e exclusão, a exemplo das pessoas em situação de rua, pessoas encarceradas, pessoas com deficiência, mulheres em situação de violência doméstica e familiar, etc.
Isso porque, dentre outros fatores, as pessoas em condição de vulnerabilidade, em muitos casos, não possuem sequer as condições necessárias para ter acesso aos documentos necessários para o ajuizamento de eventuais demandas judiciais.
A título de exemplo, uma pessoa em situação de rua pode não deter os documentos indispensáveis à propositura de ação judicial para requerer um benefício previdenciário. Uma pessoa em situação de encarceramento pode não deter as informações suficientes para buscar a concessão do direito à progressão de regime ou ao livramento condicional.
São muitos os casos em que a exclusão se cristaliza de tal maneira que o cidadão passa a não possuir mais os documentos e informações suficientes para a busca da efetivação dos seus direitos, criando uma triste desigualdade no acesso à justiça.
Nesta senda, a Presidenta da ANADEP, Rivana Ricarte, em texto publicado no site Jota Info (2022), afirmou que “a prerrogativa de requisição é um destes mecanismos de atuação que se transforma em verdadeiro direito instrumental da pessoa em situação de vulnerabilidade”.
Outro importante impacto que a decisão acarretará é na sobrecarga do Poder Judiciário com ações judiciais com finalidade de mera produção probatória.
Com efeito, caso a ADI 6852 fosse julgada procedente, a Defensoria Pública, a fim de solicitar documentos, exames, perícias, etc., teria de ajuizar demandas com fins meramente instrumentais, visando produzir provas para análise de posterior ajuizamento de outra demanda.
Sabe-se, pois, que o Poder Judiciário está sobrecarregado de processos. O número de ações judiciais no Brasil são alarmantes, como resultado de diversos problemas estruturais no nosso País.
Seria um contrassenso e um retrocesso a obrigatoriedade de a Defensoria Pública assoberbar ainda mais o Poder Judiciário com ações de justificação evitáveis, caso o poder de requisição não fosse considerado constitucional pelo STF.
Do mesmo modo, o Código de Processo Civil, no seu artigo 3º, § 3º, dispõe quea conciliação, a mediação e outros métodos de solução de conflito deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público.
Já a Lei Complementar nº 80/1994, em seu artigo 4º, inciso II, assevera que é função institucional da Defensoria Pública promover, de forma prioritária, a solução extrajudicial de litígios.
O poder de requisição dos defensores públicos é, como se vê, um fundamental mecanismo de solução extrajudicial de conflitos de interesses, já que possibilita que sejam disponibilizadas aos assistidos, destinatários finais desta prerrogativa, o acesso às informações acerca dos seus direitos, diminuindo a desigualdade existente entre os vulneráveis e os demais segmentos da sociedade brasileira.
Outrossim, o poder requisitório dos defensores públicos é um importante mecanismo de efetividade do papel da Defensoria Pública como custos vulnerabilis.
Com fundamento na missão constitucional e institucional do órgão, nos termos do artigo 134 da Constituição Federal, a doutrina tem desenvolvido a compreensão de que a Defensoria Pública caracteriza-se por ser legítima guardiã dos direitos e interesses dos vulneráveis.
Este entendimento, inclusive, tem ganhado assento na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Neste passo, a Corte Cidadã, em paradigmática decisão, estabeleceu o seguinte:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PLANO DE SAÚDE. CONTROVÉRSIA ACERCA DA OBRIGATORIEDADE DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO REGISTRADO PELA ANVISA. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. CONTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INTEGRATIVO ACOLHIDO EM PARTE. 1. O presente recurso integrativo foi interposto contra acórdão publicado na vigência do NCPC, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Na espécie, após análise acurada dos autos, verificou-se que o acórdão embargado deixou de analisar a possibilidade de admissão da Defensoria Pública da União como custos vulnerabilis. 3. Em virtude de esta Corte buscar a essência da discussão, tendo em conta que a tese proposta neste recurso especial repetitivo irá, possivelmente, afetar outros recorrentes que não participaram diretamente da discussão da questão de direito, bem como em razão da vulnerabilidade do grupo de consumidores potencialmente lesado e da necessidade da defesa do direito fundamental à saúde, a DPU está legitimada para atuar como quer no feito. 4. O acórdão embargado não foi contraditório e, com clareza e coerência, concluiu fundamentadamente que i) é exigência legal ao fornecimento de medicamento a prévia existência de registro ou autorização pela ANVISA; e ii) não há como o Poder Judiciário, a pretexto de ver uma possível mora da ANVISA, criar norma sancionadora para a hipótese, onde o legislador não a previu. 5. A contradição que autoriza os aclaratórios é a inerente ao próprio acórdão. 6. O recurso integrativo não se presta à manifestação de inconformismo ou à rediscussão do julgado. 7. Embargos de declaração acolhidos, em parte, apenas para admitir a DPU como custos vulnerabilis.
Conforme consta das informações do inteiro teor do supramencionado julgado, a Corte Superior asseverou o seguinte:
Segundo a doutrina, custos vulnerabilis representa uma forma interventiva da Defensoria Pública em nome próprio e em prol de seu interesse institucional (constitucional e legal), atuação essa subjetivamente vinculada aos interesses dos vulneráveis e objetivamente aos direitos humanos, representando a busca democrática do progresso jurídico-social das categorias mais vulneráveis no curso processual e no cenário jurídico-político. A doutrina pondera ainda, "que a Defensoria Pública, com fundamento no art. 134 da CF/88, e no seu intento de assegurar a promoção dos direitos humanos e a defesa [...] de forma integral, deve, sempre que o interesse jurídico justificar a oitiva do seu posicionamento institucional, atuar nos feitos que discutem direitos e/ou interesses, tanto individuais quanto coletivos, para que sua opinião institucional seja considerada, construindo assim uma decisão jurídica mais democrática". Assim, tendo em conta que a tese proposta no recurso especial repetitivo irá, possivelmente, afetar outros recorrentes que não participaram diretamente da discussão da questão de direito, bem como em razão da vulnerabilidade do grupo de consumidores potencialmente lesado e da necessidade da defesa do direito fundamental à saúde, a Defensoria Pública da União está legitimada para atuar como custos vulnerabilis.
Logo, constata-se que o poder requisitório da Defensoria Pública reveste-se de fundamental importância para a proteção os interesses dos assistidos, em especial daqueles que são hipervulneráveis.
3. CONCLUSÃO
O julgamento da ADI 6852 caracterizou-se por ser um importante marco histórico. O resultado, com placar de 10 votos a 1, sedimentou ainda mais a compreensão que o Supremo Tribunal Federal tem a respeito da Defensoria Pública e da sua missão constitucional.
Os votos dos Ministros que acompanharam o relator, todos eles amparados na Constituição Federal, reafirmaram aspectos fundamentais acerca do papel dos defensores públicos e fortaleceram ainda mais a instituição.
Cumpre ressaltar, neste âmbito, o importante debate que ocorreu na sociedade civil acerca deste julgamento. Personalidades públicas deram visibilidade ao tema, atraindo olhares para as funções institucionais da Defensoria Pública, auxiliando a população na compreensão da missão do órgão, o que configura, em última análise, verdadeira educação em direitos.
Do mesmo modo, este paradigmático julgamento atribui à instituição ainda mais responsabilidades.
À medida que a sociedade compreende os seus direitos, o senso de cidadania ajuda a compreender os limites impostos ao exercício das prerrogativas defensoriais.
É assente que todos os poderes conferidos a qualquer agente público devem ser exercidos nos estritos limites da lei que lhes confere, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal.
Qualquer excesso eventualmente cometido no exercício das funções institucionais, em realidade, para além da responsabilização funcional do defensor público, desprestigia a própria instituição da qual ele faz parte.
Decerto, os defensores públicos, como agentes de transformação social, devem ter sedimentados os exatos limites de suas prerrogativas e de suas responsabilidades.
Antes de ser uma prerrogativa de sua atuação funcional, o poder de requisição conferido aos defensores públicos é, pois, um direito fundamental dos assistidos, como elemento caracterizador da garantia do acesso à justiça.
O cidadão, beneficiário dos serviços defensoriais, possui à sua disposição elementos de controle da legalidade da atividade dos membros da Defensoria Pública.
Com efeito, as Ouvidorias e as Corregedorias servem como instrumentos de fiscalização da legalidade da atuação dos membros da instituição, com vistas a evitar qualquer exorbitação de poderes.
Conclui-se, assim, que o poder de requisição configura um verdadeiro poder-dever, instrumento efetivador dos direitos e garantias dos assistidos, ferramenta fundamental na concretização da igualdade, na sua dimensão substancial.
REFERÊNCIAS
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STF confirma prerrogativa da Defensoria Pública de requisitar documentos e informações de órgãos públicos. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=482093&ori=1> Acesso: 2 jul. 2022.
Graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Haeckel Rodrigo Bulcão da. Poder de requisição da Defensoria Pública: uma análise da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 6852 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jul 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58850/poder-de-requisio-da-defensoria-pblica-uma-anlise-da-deciso-do-supremo-tribunal-federal-na-adi-6852. Acesso em: 24 nov 2024.
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