RÔNISON APARECIDO DOS SANTOS[1]
(coautor)
SERGIANO REIS DA CONCEIÇÃO[2]
(coautor)
RESUMO: A crise sanitária mundial provocada pelo novo coronavírus causa a morte de milhares de pessoas diariamente, em razão da alta transmissibilidade e letalidade da doença. Apesar de os Estados estarem promovendo medidas para o enfrentamento à Covid-19, os números tendem a crescer e a provocar discussões sociais sobre violações de Direitos Humanos no mundo. O Brasil, país signatário em diversos tratados internacionais, tem em seu ordenamento a proteção dos refugiados, sendo as suas decisões pautadas em normas nacionais e internacionais. Nesse sentido, o presente trabalho buscou apresentar, à luz dos tratados internacionais e da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), os desafios encontrados pelos imigrantes refugiados no Brasil em tempos de pandemia. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica de trabalhos publicados recentemente, bem como as publicações de artigos em sítios oficiais de monitoramento e controle sobre os efeitos da pandemia nos direitos humanos. Por fim, verificou-se que, no tocante aos refugiados que já residem no território nacional, houve medidas que contrariaram pontualmente os tratados firmados pelo Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Covid-19. Direitos Humanos. Refugiados.
ABSTRACT: The global health crisis caused by the new coronavirus causes the death of thousands of people daily, due to the high transmissibility and lethality of the disease. Although the States are promoting measures to combat Covid-19, the numbers tend to grow and the provoke social discussions about human rights violations in the world. Brazil, a signatory to several international treaties, has the protection of refugees in its legal system and decisions are based on national and international standards. In this sense, the present work sought to highlight, according to the provisions of international treaties and the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988 (CRFB/1988), the challenges faced by refugee immigrants in Brazil in times of pandemic. The methodology used was the bibliographic review of recently published works, as well as publications on official websites for monitoring and controlling the effects of the pandemic on human rights. Finally, it was found that, regarding to refugees who already reside in the national territory, there were measures that punctually contradicted the treaties signed by Brazil.
KEYWORDS: Covid-19. Human rights. Refugees.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Levantamento histórico dos direitos dos refugiados. 3. A responsabilidade do brasil com refugiados durante a pandemia. 4. Conclusão. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O ano de 2019 foi marcado pelo que seria o início de um surto de pneumonia na cidade de Wuhan na China, província de Hubei. No entanto, foi confirmado que se tratava de uma cepa do coronavírus, tanto que, no dia 7 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde – OMS, identificou-o como novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da Covid-19, doença altamente contagiosa e letal (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE – OPAS, 2021).
A pandemia tem causado desequilíbrio nas relações jurídicas, econômicas e consequentemente social. Os sujeitos, que já eram marginalizadas no cotidiano nacional, passaram a invisibilidade diante do número de mortos pela Covid-19, entre eles, pessoas negras, indígenas e o público-alvo do presente estudo, os refugiados (MORAES, 2020).
Sabendo-se de que este momento ficará marcado historicamente por diferentes campos de conhecimento, assim como, quando há referência a Segunda Guerra Mundial, retomam-se saberes culturais e populares de diversas violações de direitos humanos. Isso porque, apesar dos diversos esforços envidados pelas autoridades competentes de caráter internacional, o cenário caótico mundial estava, há pouco tempo, com seus olhares voltados basicamente à procura da cura ou vacina para combater a doença em comento. Pontue-se que, por meio dela, foi possível remediar os estragos ocasionados pela Covid-19. Porém, nesse ambiente de incertezas e aumento da pobreza, ocorreram violações de Direitos Humanos no tocante à dignidade dos refugiados.
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) aponta que no Brasil existem 1,1 milhão de migrantes internacionais e destaca que, até o ano de 2050, o Brasil contará com 229 milhões de migrantes. Explicite-se que, dessa totalidade de migrantes, 86,6% ocupam centros urbanos. À medida que se acentuavam as crises Sul-Americanas, o número estimado de migrantes pode variar. O Brasil criou, no ano de 2017, a autorização de residência para os venezuelanos refugiados, aqueles que não são classificados para asilo. Importante denotar que já foram concedidas 148,8 mil autorizações aos venezuelanos de 2014 a 2019/2020 (OIM, 2021; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU, 2021).
O Brasil está vinculado ao acolhimento de imigrantes pela Lei n. 13.445/2017, a qual foi regulamentada pelo Decreto n. 9.199/2017, além da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) e de tratados internacionais de direitos humanos ratificados internamente. Destaque-se que os Direitos dos Refugiados estão vinculados à Lei n. 9.474/2017, que deu reconhecimento ao estatuto dos refugiados da Convenção de 1951.
Nesse sentido, o presente trabalho visa apresentar, à luz dos tratados internacionais e da CRFB/1988, os desafios encontrados pelos imigrantes refugiados no Brasil através de revisão bibliográfica publicada entre os anos de 2020 e 2021.
Relativamente aos aspectos metodológicos, a abordagem do aludido trabalho é qualitativa, uma vez que busca compreender o processo normativo e a efetivação de direitos fundamentais. Oportuno exteriorizar que a presente pesquisa foi desenvolvida de maneira exploratória, de modo a auxiliar no desenvolvimento analítico da temática, com supedâneo na metodologia disponibilizada por Cervo e Bervian (2006).
Diante do cenário atual, a crise ocasionada pelo novo coronavírus deixará marcas indeléveis na humanidade, devido às inúmeras modificações sociais que tem provocado. Ademais, percebe-se que, no Brasil, há uma proteção garantida pelas normas jurídicas em favor daqueles que se instalaram no País. No entanto, pertinente que se observem os direitos dos refugiados para que estes direitos não sejam suspensos ou modificados devido à crise provocada pelo novo coronavírus. Além disso, devem ser avaliadas as consequências dos atos de modo que estes sejam analisados pelo caráter humanitário universal.
2. LEVANTAMENTO HISTÓRICO DOS DIREITOS DOS REFUGIADOS
O conceito refugiado nasce do processo migratório de pessoas que, para sobrevivência, deslocavam-se de um local para o outro para garantir a subsistência. Na Grécia antiga, tal termo expressava a situação de exclusão política, passando-se a configurar na palavra asilo, e denotava o direito de refúgio de perseguições, chegando ao então modelo moderno de proteção (SOUSA, 2019).
Nos processos migratórios históricos, a humanidade passou por três grandes marcos a serem destacados, a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, além da Revolução Russa, gerando uma média de 4 a 5 milhões de pessoas sem local de moradia, sem cidadania e direitos, tanto sociais como políticos, o que causou discussão sobre esse tema (HOSBAWN, 1995).
Foi então que, no ano de 1948, por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o tema de Direitos Humanos, em escala Internacional, ganhou destaque, alcançando proteções mínimas, principalmente no que versa o artigo 3º da referida convenção, ipsis litteris: “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (Organização das Nações Unidas - ONU, 1948).
Neste mesmo contexto de proteção aos refugiados, após o período pós-guerra, a ONU passou a atuar na “(1) identificação, registro e classificação dos refugiados, (2) auxílio e assistência, repatriação, proteção jurídica e política, (3) transporte e reassentamento e (4) restabelecimento de refugiados” no então chamado Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Mesmo que pertencente à ONU, autônomo e composto por mandatos de três a cinco anos, o órgão protege pessoas refugiadas no âmbito universal, regulado pela Convenção de 1951 (JUBILUT, 2007, p. 79).
Esta convenção foi recepcionada pelo Brasil, consoante o sedimentado pela Lei n. 9.474, de 22 de julho de 1997, a qual definiu quais os mecanismos para a implementação do estatuto dos Refugiados no território nacional (BRASIL, 1997). Desta forma, o País está comprometido com as normas de proteção ao refugiado. Sublinhe-se, outrossim, que o Brasil compõe o Conselho Executivo do ACNUR desde 1958.
Além desses instrumentos garantidores de direitos, a Carta Magna de 1988 enfatizou, dentre os seus princípios fundamentais, a prática de acolhimento internacional e a dignidade da pessoa humana, os quais são os pilares dos Direitos Humanos no Brasil. Outros dispositivos da CRFB/88 que pregam os direitos em comento podem ser observados em seu artigo 5º quando destaca que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País [...]”, o que traz à baila a preocupação do País em garantir a dignidade dos estrangeiros (BRASIL, 1988).
Percebe-se, portanto, uma evolução de direitos, a qual permeia até os tempos atuais. Não é demasia afirmar que esses direitos foram conquistados a partir de uma série de violações de direitos humanos, não devendo, por conseguinte, ser regredidos, solapados ou cessados.
3. A RESPONSABILIDADE DO BRASIL COM REFUGIADOS DURANTE A PANDEMIA
Sabe-se que a pandemia causada pela Covid-19 promoveu uma mudança global nas dinâmicas sociais e sanitárias. Observou-se que a rapidez com que o vírus se espalha entre os países e a sua letalidade são fatores que impediram a sua contenção desde o começo da referida crise sanitária, conforme demonstra Werneck e Carvalho (2020). Oportuno expor que, em abril de 2019, poucos meses depois da descoberta de sua existência, o vírus já havia feito 2 milhões de infectados e 120 mil mortos.
O Brasil promoveu algumas medidas que buscavam garantir que a aludida crise não afetasse a sua responsabilidade subjetiva quanto à tutela social de direitos, considerando os preceitos Constitucionais, sendo que o primeiro e o mais importante direito a ser tutelado pelo Estado é a saúde. Tal garantia “é um direito de todos e um dever do Estado”.
Segundo o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA, 2020), no ano de 2020, foram elaboradas 3.049 normas relacionadas à Covid-19. Dessas normas, as medidas provisórias foram: 865, do Ministério da Saúde; 514, do Ministério da Economia; 382, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 166, da Presidência da República; 128, do Ministério da infraestrutura; 121, do Ministério da Cidadania; 102, do Desenvolvimento Regional; 99, do Ministério da Educação; 69, de Minas e Energias; 48, do Ministério da Defesa; e 41, do Ministério do Meio Ambiente.
No contexto desses aparatos legais, foi criada a política assistencial que instituiu o auxílio emergencial a trabalhadores informais, consoante campanha institucional do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Com o apoio da ACNUR e da OIM, foi produzida uma plataforma de atendimento para refugiados e migrantes que buscavam ajuda em tempos de Covid-19.
Apesar disso, o Brasil justificou o fechamento de suas fronteiras com vistas à contenção da disseminação do novo coronavírus entre os países. Observe que, no dia 18 de março de 2020, foi publicada a Portaria 120/2020, que restringiu a entrada de estrangeiros oriundos da República Bolivariana da Venezuela no prazo de quinze dias. A medida em apreço ocasionou a estagnação de acampamentos no local, sendo necessária a intervenção humanitária conjunta da ONU com entidades nacionais.
Consoante o explicitado por Alves (2020), este fechamento demonstrou o interesse do País em promover o acolhimento aos refugiados venezuelanos que sofriam graves violações de Direitos Humanos no plano internacional. Para o autor, se o fechamento da fronteira causou mais mortes quando comparado ao contexto em que as fronteiras estavam sem barreiras de entrada, a medida não merece prosperar, carecendo, portanto, de justificativas.
Apesar do fechamento das fronteiras, segundo Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (2021), alguns órgãos, como ACNUR, ONU e Pastoral do Migrante, instalaram-se nos locais de fronteira e promoveram ações para conter a pandemia, bem como garantir condições mínimas de dignidade humana, com instalações de saúde, oferecimento de serviços jurídicos e sociais.
4. CONCLUSÃO
Apesar de o direito dos refugiados somente ter sido positivado em 1948, posteriormente, portanto, ao panorama da Segunda Guerra Mundial, o seu conceito foi construído ao longo das relações sociais existentes no mundo. Mister salientar que, no Brasil, o processo de normatização sobre a temática vem se desenvolvendo após a CRFB/88, contando, assim, com normas específicas sobre o direito dos refugiados.
Mesmo com avanços legislativos e normativos na seara em comento ao longo dos tempos no País, no ano 2020, a pandemia do novo coronavírus provocou mudanças em diversas normas instituídas pelo Brasil. Sendo assim, as políticas de enfrentamento à disseminação da Covid-19 repercutiram positiva e negativamente para os refugiados: a primeira se apresenta na disponibilização do atendimento universal preconizado pela CRFB/88 e na disponibilização do auxílio emergencial; a segunda no fechamento das fronteiras que provocou violações de direitos humanos básicos como o direito à saúde, necessitando do apoio de organismos internacionais para ajudar a combater a problemática.
Imperioso mencionar que os refugiados têm, ainda que em momento de pandemia, direitos que foram conquistados e, assim, não podem ser violados. Isso porque, no processo histórico, cultural e político, o Brasil ratificou leis as quais garantiam que os refugiados e imigrantes não pudessem ser deportados em massa e que tais indivíduos tivessem o direito à saúde e à proteção humanitária em caráter universal.
Por fim, o combate à pandemia do novo coronavírus não pode provocar o aniquilamento dos direitos conquistados pelos refugiados e demais imigrantes. Sob esse prisma, o Estado deve formular políticas públicas que garantam os direitos dos refugiados e de outros indivíduos que estejam em condições de vida inapropriadas, de modo a aumentar a proteção universal da saúde e da dignidade de todas as pessoas.
5. REFERÊNCIAS
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[1] Especialista em Direito Tributário pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Bacharel em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Bacharelando do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB).
[2] Tecnólogo em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Universidade Norte do Paraná. Bacharelando do curso de Direito na Universidade Estadual do Tocantins. E-mail: [email protected]
Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS), Câmpus Palmas/TO. Gestor em Agronegócio pelo Instituto Federal do Tocantins (IFTO). 2º Sargento da Polícia Militar do Estado do Tocantins. Operador Aerotático. E-mail:[email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, PAULO ROBSON MARTA DA. A pandemia da covid-19 e os direitos dos refugiados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2022, 04:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59011/a-pandemia-da-covid-19-e-os-direitos-dos-refugiados. Acesso em: 22 nov 2024.
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