RESUMO: O presente artigo propõe analisar a mudança de paradigma da capacidade polícia de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Isto porque a incapacidade civil absoluta, tratada constitucionalmente como hipótese de perda ou suspensão dos direitos políticos, não se estende as pessoas com deficiência. O Estatuto da Pessoa com Deficiência assegura a capacidade política plena a todas as pessoas com deficiência.
Palavras-chave: Capacidade Eleitora; Mudança de paradigma; Estatuto da Pessoa com Deficiência;
ABTRACT: This article proposes to analyze the paradigm shift in police capacity according to the Statute of Persons with Disabilities. This is because absolute civil incapacity, constitutionally treated as a hypothesis of loss or suspension of political rights, does not extend to people with disabilities. The Statute of Persons with Disabilities ensures full political capacity for all persons with disabilities.
Keywords: Voting Capacity; Paradigm change; Statute of Persons with Disabilities.
INTRODUÇÃO
Os direitos políticos compõem a base do sistema democrático e asseguram a participação popular no processo político. Tais direitos incluem o direito de sufrágio universal que é exercido pelo voto livre, direto e de igual valor para todos.
Nesse trilhar, os direitos políticos compreendem não apenas o direito de votar como também o direito de ser votado. Tais direitos expressamente previstos na Constituição Federal, jamais podem ser cassados, mas podem ser objeto de perda ou suspensão.
Antes da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, as pessoas com deficiência, a depender do grau da deficiência, poderiam ser enquadradas como absolutamente incapazes, e a partir daí poderiam perder ou ter seus direitos políticos suspensos conforme regra do inciso II do artigo 15 da Constituição Federal.
O presente artigo pretender analisar a mudança de paradigma da capacidade eleitoral introduzida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que assegura a capacidade civil e eleitoral plena às pessoas com deficiência.
1. SISTEMAS ELEITORAIS
A democracia no Brasil é exercida principalmente através do voto. Contudo, existem diversas formas de exercício da democracia a depender do método utilizado pelo Estado para escolha de seus representantes.
Nesse trilhar, necessário esclarecer que apesar de prevalecer a característica da representatividade, o sistema eleitoral brasileiro não considerado é exclusivamente representativo, pois o ordenamento jurídico dispõe de alguns instrumentos que demandam participação direta do cidadão na tomada de decisões políticas. Destacam-se entre eles o plebiscito, o referendo, o projeto de lei de iniciativa popular e a própria ação popular.
Vejamos o que dispõe o caput e incisos do artigo 14 da Constituição Federal:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
A democracia brasileira é exercida pelo voto, que possui igual valor para todos, de forma que o sistema eleitoral assegura a representação das minorias. Fato é que a verdadeira democracia deve representar até mesmo as forças opositoras da gestão vitoriosa.
2. ENTENDENDO AS ELEIÇOES MAJORITÁRIAS E PROPORCIONAIS
As eleições no Brasil são dividas em majoritária simples ou absoluta, proporcional de listas aberta ou fechada e distrital simples ou mista. As eleições majoritárias se caracterizam pela eleição do candidato mais votado. Já as eleições proporcionais leva em consideração o quociente partidário, enquanto que as eleições distritais são aplicadas na divisão do estado ou município em distritos.
A eleição majoritária é utilizada para escolha do presidente da república, do governador de estado ou Distrito Federal e dos prefeitos dos municípios com mais de 200 mil eleitores. Nesses casos, a eleição majoritária é absoluta, pois exige a votação de mais de 50 % dos votos válidos (excluindo-se os brancos e nulos) para eleger o candidato. Nos casos em que nenhum candidato obtenha mais de 50% dos votos válidos, o sistema majoritário absoluto dispõe sobre o segundo turno.
No sistema majoritário relativo vence o candidato que conquistar a maior quantidade de votos sem necessidade de alcançar o percentual de 50% dos votos válidos. Tal sistema é adotado para eleições de prefeitos em municípios como menos de 200 mil eleitores e também na eleição dos senadores.
As eleições proporcionais são adotadas para escolha de deputados federais, deputados estaduais, deputados distritais e vereadores que são eleitos são eleitos de acordo com o sistema proporcional em lista aberta.
Aqui, os eleitores os eleitores escolhem livremente seu candidato, que será eleito na medida em que o partido vá atingindo o quociente eleitoral (consideram-se os votos válidos que são divididos pela quantidade de vagas em disputa). Nesse sistema, não vence necessariamente aquele que alcançar sozinho maio número de votos, pois depende do quociente do partido.
O Brasil não adota o sistema proporcional de listas fechadas em que o responsável pela ordenação dos nomes dos candidatos é o próprio partido político.
Finalmente, no sistema distrital o estado ou município é dividido em distritos, elegendo-se os mais votados por distrito ou ainda o distrital misto em que uns são eleitos pelo distrito e outros pela lista geral.
Entendido brevemente o exercício da democracia no sistema eleitoral brasileiro, necessário esclarecer a participação das pessoas com deficiência no sistema democrático pincipalmente após os direitos assegurados pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.
3. CAPACIDADE POLÍTICA
A capacidade política é entendida como a aptidão de participar e integrar o poder, conferida pelo ordenamento jurídico ao indivíduo, para o exercício da cidadania. Desta forma, a aquisição da capacidade política possibilita o exercício dos direitos políticos pelo cidadão, englobando os direitos ao sufrágio universal de votar e também o direito de ser votado.
A Constituição Federal brasileira confere ao cidadão, em gozo dos direitos políticos por meio do alistamento eleitoral, a capacidade política. Tal capacidade possibilita que o cidadão participe das eleições e confere legitimidade para propor ação popular, ingressar com projeto de iniciativa de lei e ser nomeado para cargo público ou entidade sindical.
O inciso I do parágrafo 1º do artigo 14 da Constituição estabelece que o alistamento eleitoral é obrigatório para os maiores de 18 anos. Já o incido II do artigo 15 veda a cassação dos direitos políticos, mas permite a declaração da perda ou da suspensão de tais direitos para os absolutamente incapazes.
Nesse cenário, o Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou o regramento do Código Civil sobre a capacidade. Tal alteração impossibilita se falar em incapacidade da pessoas com deficiência, seja ela relativa ou absoluta, fato que interfere diretamente no estudo da capacidade política das pessoas com deficiência.
4. CAPACIDADE ELETIORAL DE ACORDO COM O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O Estatuto da Pessoa com Deficiência é considerado um marco de grandes transformações sobre o tema da capacidade civil das pessoas. Tal norma, originária de um tratado internacional de Direitos Humanos, foi internalizada no ordenamento jurídico brasileiro de acordo com a regra do parágrafo 3º do art. 5º da Constituição Federal. Assim, possui status de emenda constitucional.
Antes da vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, as pessoas com deficiência estavam sujeitas ao instituto da interdição simplesmente pela sua condição, ficando impedidos de exercer plenamente os atos da vida civil. Tais pessoas eram consideradas absolutamente incapazes e, conforme previsão constitucional no art. 15, II, poderiam até perder ou ter seus direitos políticos suspensos.
O artigo 114 do Estatuto alterou o Código Civil para considerar como absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos e reconhecendo expressamente todos os direitos políticos da pessoa com deficiência nos termos do artigo.
Nesse sentido o Tribunal Superior Eleitoral, esclarece que de fato as urnas eletrônicas são preparadas para atender o deficiente visual ou a pessoa com deficiência auditiva.
Todas as urnas eletrônicas são preparadas para atender pessoas com deficiência visual. Além do sistema braile e da identificação da tecla número cinco nos teclados, os tribunais eleitorais disponibilizam fones de ouvido nas seções com acessibilidade e naquelas onde houver solicitação específica, para que o eleitor cego ou com deficiência visual receba sinais sonoros com indicação do número escolhido e retorno do nome do candidato em voz sintetizada. Antes disso, é possível utilizar o alfabeto comum ou o braile para assinar o caderno de votação, ou assinalar as cédulas, se for o caso. Também é assegurado o uso de qualquer instrumento mecânico que portar ou lhe for fornecido pela mesa receptora de votos.[1]
Mas e quando a pessoa com deficiência tem plena consciência política, exprime o desejo de votar, mas por questões de incapacidade física ou motora não tem condições de exercer tal direito?
Aí surge um conflito de normas, pois em que pese a Constituição Federal estabelecer no inciso II do parágrafo 4º do artigo 60 a impossibilidade de deliberação de proposta emenda tendente a abolir o voto direto, secreto, universal e periódico, o Estatuto da pessoa com deficiência preconizar a inclusão dos deficientes, para garantir todos os direitos políticos, prevendo, quando necessário o auxílio de outrem para exercício do direito ao voto conforme artigo 76, §1º, IV do Estatuto.
Art. 76. O poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1º À pessoa com deficiência será assegurado o direito de votar e de ser votada, inclusive por meio das seguintes ações:
I - garantia de que os procedimentos, as instalações, os materiais e os equipamentos para votação sejam apropriados, acessíveis a todas as pessoas e de fácil compreensão e uso, sendo vedada a instalação de seções eleitorais exclusivas para a pessoa com deficiência;
II - incentivo à pessoa com deficiência a candidatar-se e a desempenhar quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, inclusive por meio do uso de novas tecnologias assistivas, quando apropriado;
III - garantia de que os pronunciamentos oficiais, a propaganda eleitoral obrigatória e os debates transmitidos pelas emissoras de televisão possuam, pelo menos, os recursos elencados no art. 67 desta Lei;
IV - garantia do livre exercício do direito ao voto e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação por pessoa de sua escolha.
§ 2º O poder público promoverá a participação da pessoa com deficiência, inclusive quando institucionalizada, na condução das questões públicas, sem discriminação e em igualdade de oportunidades, observado o seguinte:
I - participação em organizações não governamentais relacionadas à vida pública e à política do País e em atividades e administração de partidos políticos;
II - formação de organizações para representar a pessoa com deficiência em todos os níveis;
III - participação da pessoa com deficiência em organizações que a representem. (grifo nosso)
Nesse contexto, questiona-se se seria possível o auxílio de terceiro para garantir o exercício dos direitos políticos aos deficientes. Poderia o auxiliador ou o curador acompanhar a pessoa com deficiência no momento do voto, ou, além disso, poderia o auxiliar votar pelo apoiado ou curatelado, nas hipóteses em que a pessoa tenha uma doença que de alguma forma a limite?
De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho, o eleitor com deficiência pode sim contar com o auxílio de uma pessoa de sua confiança para até mesmo digitar os números da urna, desde que seja uma presença imprescindível de pessoa que não esteja a serviço da justiça eleitora, de partido ou coligação.
O eleitor pode também contar com a ajuda de uma pessoa de sua confiança, a qual, caso seja autorizada pelo presidente da mesa receptora de votos, poderá acompanhá-lo, ingressando na cabina de votação e até mesmo digitar os números na urna. A condição é que a presença do acompanhante seja imprescindível para que a votação ocorra e que o escolhido não esteja a serviço da Justiça Eleitoral, de partido político ou de coligação.[2]
Lado outro, muito se questiona sobre a capacidade cognitiva de alguns deficientes, especialmente das pessoas com possuem patologias mentais graves, se estas teriam condições de efetivamente exercer seus direitos políticos.
Isto porque, apesar da revogação do inciso II do art. 1.767 do Código Civil, as pessoas com deficiência ainda podem ser interditados pelas regras dos incisos I, III e V e permaneceriam obrigadas a votar.
Reforça-se que o voto é, em regra, obrigatório para todas as pessoas maiores de 18 anos, incluindo até mesmo para as pessoas com deficiência mental grave. Nesse caso, o depender do grau de dificuldade no cumprimento da obrigação eleitoral, poderá a pessoa com deficiência requer a dispensa do voto que depende do deferimento do juiz.
O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para todos eleitores com deficiência. Entretanto, o eleitor que possuir deficiência que torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais, poderá requerer ao juiz eleitoral a expedição de quitação eleitoral com prazo de validade indeterminado. Esse documento o isentará de multas e outras sanções aplicáveis ao eleitor que deixar de votar nas eleições oficiais. O requerimento dirigido ao juiz eleitoral deverá ser acompanhado de documentação comprobatória da deficiência, e poderá ser apresentado por representante legal ou procurador devidamente constituído. O pedido será analisado pelo Juiz e, apenas se deferida, abona a obrigatoriedade do voto para o solicitante e, por consequência, o isenta de multas e outras sanções aplicáveis ao eleitor que deixar de votar.[3]
Essa dispensa, inclusive, pode ser concedida por tempo indeterminado, com a emissão da respectiva certidão de quitação eleitoral.
Concessão excepcional da dispensa de alistamento eleitoral e/ou do voto, por tempo indeterminado, a pessoas cuja deficiência impossibilite ou torne oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais, com a consequente emissão de certidão de quitação por tempo indeterminado.[4]
Portanto, necessário ter em mente a finalidade constitucional para garantir que aqueles que não tiverem condições de exercer o voto diretamente e secretamente em razão da deficiência e que por conta disso não poderiam exercer o sufrágio universal já que o voto é direto e secreto (art. 14, CF), possam exercer amplamente seus direitos políticos.
CONCLUSÃO
As pessoas com deficiência possuem capacidade política tanto para votar como para serem votadas. As alterações jurídicas sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência introduzidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência impactaram também no estudo dos direitos políticos.
A hipótese constitucional de perda ou suspensão dos direitos políticos em razão da incapacidade civil absoluta não mais se estende as pessoas com deficiência, pois atualmente o ordenamento prevê apenas uma causa de incapacidade civil absoluta para os menores de 16 anos.
Entretanto, algumas pessoas com deficiência necessitam de auxílio para exercerem atividades cotidianas. Nesse contexto, a norma constitucional que dispõe sobre o voto direto e secreto entraria em colisão com o direito ao auxílio da pessoa com deficiência.
Assim, necessário realizar uma interpretação conforme Constituição para assegurar que aqueles que não tiverem condições de exercer o voto diretamente e secretamente possam exercer amplamente seus direitos políticos e se for necessário que lhes seja concedido o auxílio para permitir o efetivo exercício da cidadania.
REFERÊNCIAS
Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: < https://www.tse.jus.br/eleicoes/processo-eleitoral-brasileiro/votacao/acessibilidade-nas-eleicoes>
Tribunal Regional Eleitoral – BA. Disponível em: <https://www.tre-ba.jus.br/eleitor/cartas-de-servicos-ao-cidadao/primeiro-grau/pessoas-com-deficiencia>
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Disponível em: <https://www.tre-mt.jus.br/eleitor/servicos-ao-eleitor/eleitor-com-deficiencia>.
[1] Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: < https://www.tse.jus.br/eleicoes/processo-eleitoral-brasileiro/votacao/acessibilidade-nas-eleicoes>
[2] Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: < https://www.tse.jus.br/eleicoes/processo-eleitoral-brasileiro/votacao/acessibilidade-nas-eleicoes>
[3] Tribunal Regional Eleitoral – MT. Disponível em: <https://www.tre-mt.jus.br/eleitor/servicos-ao-eleitor/eleitor-com-deficiencia>.
[4] Tribunal Regional Eleitoral – BA. Disponível em: <https://www.tre-ba.jus.br/eleitor/cartas-de-servicos-ao-cidadao/primeiro-grau/pessoas-com-deficiencia>
Pós-graduada em Direito Processual pela UNIT em parceria com a ESMAL. Pós-graduada em Direito Tributário pela DAMASIO. Graduada em Direito pela UNIT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAMELEIRA, Beatriz Machado. Capacidade política e o estatuto da pessoa com deficiência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 ago 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59074/capacidade-poltica-e-o-estatuto-da-pessoa-com-deficincia. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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