LETÍCIA LOURENÇO SANGALETO TERRON
(orientadora)
RESUMO: O trabalho apresenta como objetivo principal realizar um estudo amplo em relação a violência obstétrica, entende-se como violência obstétrica qualquer medida e/ou ato invasivo realizado por qualquer que seja o agente de saúde, sem a autorização da paciente gestante, lembrando que, nem sempre o ato invasivo é físico, algumas vezes pode tratar-se de um dano psicológico. Para muitos a temática pode ser considerada um tanto quanto polêmica, pois para o entendimento de muitos coloca em xeque a boa-fé dos profissionais da saúde. No entanto, é inegável que a violência obstétrica exista, porque o que não falta são relatos de pacientes que sofreram e ainda sofrem com os efeitos colaterais de procedimentos invasivos desnecessários no momento do parto, e é sabido que a vontade da gestante deve ser preservada no momento do parto. Diante do exposto, é possível concluir que o tema violência obstétrica, apresenta grande relevância de estudo atualmente, pois trata a respeito dos direitos, da autonomia sobre o próprio corpo e também da dignidade da mulher. O trabalho foi realizado com base em revisões de literatura, com pesquisas em sites, blogs, artigos, livros revistas referência para a área de estudo, de forma árdua e meticulosa.
Palavras-chave: Mulher. Procedimentos. Violência.
ABSTRACT: The main objective of the work is to carry out a broad study in relation to obstetric violence, as obstetric violence is any measure and/or invasive act performed by any health agent, without the authorization of the pregnant patient, remembering that neither always the invasive act is physical, sometimes it can be a psychological damage. For many, the theme can be considered somewhat controversial, because for the understanding of many, it calls into question the good faith of health professionals. However, it is undeniable that obstetric violence exists, because there is no lack of reports of patients who have suffered and still suffer from the side effects of unnecessary invasive procedures at the time of delivery, and it is known that the will of the pregnant woman must be preserved in the time of childbirth. Given the above, it is possible to conclude that the subject of obstetric violence has great relevance of study today, as it deals with rights, autonomy over one's own body and also the dignity of women. The work was carried out based on literature reviews, with research on websites, blogs, articles, books, magazines, reference for the area of study, in an arduous and meticulous way.
Keywords: Women. Procedures. Violence.
INTRODUÇÃO
O assunto abordado neste artigo busca explorar e explanar acerca dos direitos assegurados as mulheres gestantes. Como é sabido o parto por muitos anos foi considerado algo comum entre as mulheres, sendo batizado como um evento feminino.
Desde os primórdios até o início do século XX as mulheres davam à luz nas suas casas com o auxílio de parteiras ou até membros da família. A partir da segunda década do século XX, com o aumento da tecnologia, inicia-se a hospitalização do parto, o qual passa a ser visto como um evento patológico, necessitado de condução médica em instituições hospitalares.
Atualmente, o parto vaginal é associado à dor intensa e sofrimento e isso se deve ao atual modelo de assistência obstétrica o termo tecnocrático. O termo é utilizado quando a gestante deixa de ser a protagonista do seu próprio corpo, ou seja, quando ela não se impõe diante dos fatos, quando considera a gestação como algo inseguro requisitado de múltiplas intervenções, muitas vezes desnecessárias e prejudicial para mãe e bebê. A violência obstétrica começa a ganhar espaço na segunda década do século XXI através de movimentos feministas e documentários, umas das obras que marcaram foi “Espelho de Vênus” onde relata o parto institucionalizado como uma vivência traumática e violenta. Porém, o assunto foi negligenciado devido à grande resistência de profissionais em reconhecer o tratamento prestado como violência.
O mesmo termo é utilizado para todos os tipos de violência sofridos pela mulher durante a gravidez, o parto, pós-parto e abortamento. As agressões podem ser físicas, psicológicas, verbais ou sexuais, além de negligência, discriminação e condutas excessivas ou desnecessárias, muitas vezes prejudiciais e sem embasamento em evidências científicas. Essas práticas submetem mulheres a normas e rotinas rígidas e muitas vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos e os seus ritmos naturais e as impedem de exercer seu protagonismo. Nos últimos anos o Brasil tenha avançado a violência obstétrica, uma a cada quatro mulheres sofre alguma forma de violência durante o parto e aproximadamente metade das que abortaram relatam ter sofrido algum tipo de violência, principalmente no caso de abortos provocados.
1.ASPECTO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
De antemão, de forma sucinta conceitua-se a violência obstétrica como o abuso sofrido por mulheres durante a gestação, onde seus agressores são os profissionais de saúde, tais abusos podem ser apresentados como violência física ou psicológica. No que tange a saúde pública não é novidade a precariedade, segundo o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), em 2010, 1 em cada 4 mulheres sofrem violência obstétrica no Brasil, e as estatísticas continuam, o Brasil é o segundo país com maior índice de cesárias, com uma taxa acima de 55% do total de partos, vale ressaltar que a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda uma taxa de cesáreas entre 10% e 15%. Em média, isso corresponde ao número de nascimentos em que há complicações que uma cesariana pode eliminar, salvando vidas.
Com o intuito de elucidar ainda mais sobre o conceito, a promotora de Justiça, Dra.Fabiana Dal'mas Rocha Paes, explica:
Entende-se por violência obstétrica toda ação ou omissão direcionada à mulher durante o pré-natal, parto ou puerpério, que cause dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher, praticada sem o seu consentimento explícito ou em desrespeito à sua autonomia. Esse conceito engloba todos os prestadores de serviço de saúde, não apenas os médicos. Define-se, ainda, como violência obstétrica qualquer ato ou intervenção direcionada à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que recentemente deu à luz), ou ao seu bebê, praticado sem o seu consentimento explícito ou informado e em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos e preferências (PAES, online)
Cabe ressaltar-se que a violência física sofrida pela gestante não se limita a violência genérica ou tratamento agressivo, bruto. A violência obstétrica também é a utilização de procedimentos não autorizados, a cesárea desnecessária que o médico optou por fazer ou a falta de tratamento analgésico adequado, por exemplo.
Além da violência física sucintamente explicada acima, existe também a violência psicológica, a qual é oriunda de comentários maldosos, ofensivos e ridicularizações com a opção de parto ou posição de dar à luz. Alice Arnoldi (2021, online) explica um pouco sobre a ocorrência do abuso psicológico:
Existe uma construção hierárquica na relação médico-paciente que faz com que a mulher se sinta na obrigação de acatar o que os especialistas dizem, se sentindo envergonhada e até mesmo culpada ao ser acusada diante de alguma situação. Inclusive, ela pode vir a acreditar que os gritos, xingamentos e até mesmo deboches são merecidos e é preciso se sentir grata porque, mesmo depois de tudo, o médico ainda salvou seu bebê. (ARNOLDI, 2021, online)
A violência psicológica caracteriza-se também por ações que causem sentimento de inferioridade, abandono, medo e instabilidade. A violência obstétrica é praticada não somente por médicos, mas também por enfermeiros, anestesistas (casos onde o profissional ignora a dor da paciente), técnicos de enfermagem e até mesmo recepcionista e a parte administrativa do hospital.
1.1 Atos obstétricos invasivos
A violência obstétrica é um assunto muito amplo, caracterizado de inúmeras formas, no entanto, há procedimentos ilícitos que são realizados com frequência, são eles: episiotomia, manobra de Kristeller, aplicação de ocitocina, restrições nas posições para o parto e proibição de acompanhante.
Episiotomia, trata-se de um dos procedimentos invasivos e agressivos mais utilizados, consiste em um corte na região perineal, parte inferior da vagina, para que facilite a passagem do bebê. O grande problema desse procedimento consiste na recuperação do tecido lesado, o surgimento de infecções, dores e incômodos na cicatrização e até mesmo nas futuras relações sexuais da paciente. Além do procedimento ser feito sem a autorização da gestante, existem também casos em que o médico que realiza a sutura, opta por dar pontos no corte com o objetivo de fechar a vagina da gestante, deixando-a mais estreita para que o homem, no ato sexual possa sentir mais prazer, tudo isso sem o consentimento da mulher.
No que tange a manobra de Kristeller, trata-se do ato em que o profissional usa a própria força sobre a barriga da gestante para expulsar o feto, é evidente que tal procedimento é extremamente agressivo com a gestante e a criança, mesmo que a prática do ato já tenha sido proibida, ainda há muitos profissionais que utilizam do meio.
Os estudos feitos a respeito da manobra de Kristeller informam que, apesar de ser uma prática muito realizada e passada de geração em geração sem qualquer fundamento teórico ou técnico, seu uso não tem contribuído de forma positiva no procedimento do parto, ela não encurta a duração do trabalho de parto e ainda está relacionada ao aumento do uso de episiotomias e lesões graves na parturiente e na criança (SENADO, 2012). “A manobra de Kristeller é reconhecidamente danosa à saúde e, ao mesmo tempo, ineficaz, causando à parturiente o desconforto da dor provocada e também o trauma que se seguirá indefinidamente” (REIS, 2005 apud SENADO, 2012, p. 105)
Outro meio ainda muito utilizado é a aplicação de ocitocina, hormônio usado para acelerar as contrações e aumentar a dilatação, o grande problema desse método deve-se a utilização sem necessidade, em muito dos casos a aplicação é feita de forma precoce, fazendo com que a gestante sinta dores muito maiores, sem necessidade.
As restrições da posição para o parto é uma das violações obstétricas mais comuns, a gestante é em grande parte ridicularizada, vira chacota por expressar seu desejo, mesmo sendo garantido a mulher condições de escolha das diversas posições durante o parto, desde que não existam impedimentos clínicos.
Por fim, a parturiente pode escolher sem qualquer tipo de exceção ou encargos, quem vai acompanhá-la durante o pré-parto, parto e pós-parto de acordo com a Portaria n° 2.418/05 do Ministério da Saúde. Afora de caracterizar como violência obstétrica, a proibição de acompanhante durante o parto é contrária ao direto assegurado pela Lei 11.108/2005, da RDC nº 38/2008 da ANVISA. A presença do(a) acompanhante (inclusive se este for adolescente) não pode ser impedida pelo hospital ou por qualquer membro da equipe de saúde, nem deve ser exigido que o(a) acompanhante tenha participado de alguma formação ou grupo. (BRASIL, 2005)
1.2 Reconhecimento da violência obstétrica
Apesar do índice altíssimo de utilização de procedimentos invasivos para com a gestante, existe uma discussão muito grande sobre a utilização do termo “violência obstétrica” uma vez que, a ética dos profissionais da saúde é posta em imprecisão. Alguns profissionais, com respaldo e chancela de alguns conselhos e sociedades médicas, afirmam que a utilização do termo seria uma violência contra os médicos obstetras. Coadunando com essa perspectiva, recentemente houve tratativa do Ministério da Saúde para que a expressão “violência obstétrica” fosse abolida de documentos públicos.
A polêmica é descabida, posto que o adjetivo “obstétrica” não é exclusivo do médico. A violência pode decorrer de falhas sistêmicas nos diferentes níveis de atenção dos sistemas de saúde de modo que não cabe entender a expressão como sinônimo de “violência cometida pelo obstetra”. Reconhecer, portanto, a violência obstétrica como uma realidade, não significa culpabilizar nenhuma categoria profissional específica.
1.3 A violência obstétrica atrelada à violência de gênero
A violência obstétrica está atrelada à violência de gênero e outras violações de direitos cometidas nas instituições de saúde contra suas usuárias. Nesse sentido, ela faz parte da violência institucional, exercida pelos serviços de saúde, e se caracteriza por negligência e maus-tratos dos profissionais com os usuários, incluindo a violação dos direitos reprodutivos, a peregrinação por diversos serviços até receber atendimento e aceleração do parto para liberar leitos, entre outros (Gomes, 2014). Por isso, a frase “na hora de fazer gostou, então agora aguenta” falada pelos médicos e pela equipe se converte em parte do discurso institucional, relacionando a dor com o preço que devem pagar pelo prazer do ato sexual e levando a uma banalização dos atos desrespeitosos e à invisibilidade da violência (Aguiar, 2010).
A violência obstétrica também se relaciona com a escolha das mulheres pela cesárea. A mulher perde autonomia nas decisões sobre seu parto e submete-se a orientações que não compreende totalmente, o que faz que profissionais esqueçam que é a mulher quem está com dor e que vai parir (Ministério da Saúde, 2001). O parto, então, tornou-se amedrontador para as mulheres e asséptico para os profissionais de saúde. Dessa forma, a mulher pode se tornar um objeto de manipulações sem consentimento ou sem a informação suficiente sobre os processos a serem realizados (Aguiar, 2010).
Sendo assim, faz-se necessário o fortalecimento da compreensão de saúde como produção de subjetividade com o objetivo de resistir a todas as formas de violência e investir esforços no sentido do respeito à vida humana.
Como alternativa para essa mudança é necessária a elaboração de políticas públicas que assegurem a diminuição das desigualdades sociais, a valorização dos trabalhadores da saúde, a utilização das boas práticas no parto e no nascimento, baseadas em evidências científicas, e a distribuição de serviços e equipamentos de saúde que estejam articulados em rede e compreendam os sujeitos de forma integral (Gomes, 2014).
Nesse sentido, esforços institucionais têm sido empreendidos pelo Ministério da Saúde no sentido de melhorar a assistência obstétrica e neonatal em todo o país, assim como na melhoria das condições de vida das mulheres, através da incorporação da perspectiva de gênero nas análises epidemiológicas e no planejamento das ações em saúde (Ministério da Saúde, 2014). Desde os anos 2000 foi proposta e instituída uma série de programas e políticas em saúde, entre os quais: o Programa de Humanização do Parto e Nascimento, a Política Nacional de Humanização – Humaniza SUS, a Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher, entre outros (Ministério da Saúde, 2014).
Em 2011, foi instituída a Rede Cegonha (Portaria n. 1.459/2011), buscando assegurar o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, com objetivo de fomentar a implementação de novo modelo de atenção à saúde da mulher e da criança, desde o parto até os 24 meses de vida, assim como reduzir a mortalidade materna e infantil.
2.LEGISLAÇÃO SOBRE A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Diante de tantas correntes ideológicas divergentes, não há de se estranhar que ainda não exista uma legislação especifica para a violência obstétrica, entretanto, essa lacuna jurídica, deve ser suprida com legislação geral ou embasada em Doutrinas, Jurisprudências, Tratados, Costumes entre outros. A Constituição Federal de 1988 tem como base o princípio da dignidade humana, que estabelece: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana.”
O princípio da dignidade da pessoa humana é importantíssimo no ordenamento jurídico brasileiro, ele é visto como um valor moral e é inerente a todo ser humano, incluindo as gestantes, puérperas e mulheres em situação de abortamento, sendo assim, as práticas da violência obstétrica violam um fundamento da CF há princípios que devem ser seguidos.
Um outro amparo legal de extrema importância aplicado nos casos de violência obstétrica no Brasil é o Código de Ética Médica (CEM), de 2010, cujo texto traz algumas situações relevantes para o caso em debate. Acerca da responsabilidade do médico, é vedado ao mesmo causar dano ao paciente (art. 1º), até mesmo por obviedade. O art. 14, por sua vez, muito remete ao procedimento de episiotomia tratado anteriormente, que é utilizado, sem necessidade, para acelerar o parto, uma vez que o dispositivo veda ao médico a prática de atos médicos desnecessários. Os arts. 22, 23 e 24 tratam ainda de vedações ao médico, remetendo ainda a procedimentos realizados sem consentimento da paciente, a procedimentos que desrespeitem a dignidade da gestante e, por fim, à violação do direito de escolha da paciente, como se observa nos dispositivos in verbis:
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. (BRASIL, 2010)
E, por fim, o art. 31, do CEM, também trata da liberdade de escolha do paciente e de seu representante legal, vedando ao médico desrespeitar o direito dos mesmos de “decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”, enquanto o art. 34 dispõe sobre a necessidade de o paciente ser informado sobre os riscos e objetivos do tratamento, remetendo novamente ao exemplo da episiotomia, que deve ser informada à gestante para que a mesma dê o consentimento de realização do procedimento, e também, por exemplo, a aplicação do hormônio ocitocina para acelerar o parto, já que este procedimento aumenta de forma abrupta as dores da contração.
O Código Civil também assegura o bem estar da gestante, uma vez que, existem alguns dispositivos que tratam da violência contra gestantes, como, por exemplo, o dano moral e a responsabilização civil dos profissionais da saúde. Abaixo condenação por conta da utilização do procedimento proibido, a conhecida manobra de Kristeller:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MODIFICAÇÃO DA MODALIDADE DE PARTO, DE CESÁREA PARA PARTO NORMAL FORÇADO (À FÓRCEPS E MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DA “MANOBRA KRISTELLER”). NASCIMENTO DE CRIANÇA COM SEQUELAS. DISTÓCIA DE OMBRO. LESÃO DO PLEXO BRAQUIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS. DANO MORAL CONFIGURADO. DANO ESTÉTICO. INCLUSÃO NO CONCEITO GERAL DE DANO MORAL. QUANTUM. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO. À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO (CC, ART. 944). SENTENÇA MANTIDA. (TJ-DF – APC: 20040111065442 DF 0019786-22.2004.8.07.0001, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 29/01/2014, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 03/02/2014. Pág. 79)
Mesmo que a indenização isolada não seja a punição ideal, é uma forma de auxiliar na reparação do dano causado a paciente gestante, o valor pecuniário jamais será o suficiente para reparar danos irreversíveis, como por exemplo, a morte do nascituro, mas é importante buscar algum tipo de punição ao agressor, mesmo que apenas pecuniária.
Por fim, os projetos de lei 7.633/2014, 8.219/17 e 7.867/17, em trâmite no Congresso Nacional, também dispõem sobre as diretrizes e os princípios inerentes aos direitos da mulher durante a gestação, pré-parto e puerpério e a erradicação da violência obstétrica.
2.1 Sob a ótica penal
Diante das informações conditas nesse tópico, reforça-se mais uma vez a falta de tipificação para o crime de violência obstétrica. No entanto, é de conhecimento comum que, na falta de legislação específica, utiliza-se muito da analogia.
Ao realizar pesquisas jurisprudenciais e de julgados dos Tribunais de Justiça do país acerca do tema, ficou identificado que a maioria das mulheres vítimas da Violência Obstétrica busca através do judiciário a reparação cível fazendo referência apenas ao que diz respeito à violência psíquica e danos morais. Nessas ações, o deferimento dos pedidos formulados pelas autoras culmina em erro médico, não caracterizando ou dando importância às violências sofridas por essas mulheres. Daí a grande necessidade da tipificação penal para que hospitais e agentes de saúde sejam penalizados de forma justa, e, consequentemente que todas as mães e crianças recebam melhores cuidados nos momentos mais importantes de suas vidas. (RODRIGUES, TEIXEIRA, 2020)
A vítima de violência obstétrica precisa sim ser amparada na área cível, precisa de ajuda psiquiatra e psicológica, mas há necessidade de o agressor nessas situações ser punido, uma vez que, a ausência de punição pode acarretar em mais casos de imprudência e negligência por conta dos profissionais da saúde.
Partindo dessa premissa, vale destacar alguns casos onde o agente de saúde deverá ser punido de acordo com as tipificações penais existentes, em crimes de violência obstétrica. Por exemplo, no procedimento de Episiotomia o qual deve ser realizado após a gestante ter conhecimento acerca dos benefícios e malefícios e autorizar tal procedimento, ocorre muito da realização dessa prática sem autorização. Portanto, tal profissional poderá e deverá ser penalizado em razão das lesões sofridas pela gestão, conforme prevê o artigo 129 do código penal sobre a lesão corporal, e não longe disso, há casos onde ocorre a morte da gestante ou nascituro, nessa situação respondera pelo crime de homicídio culposo, aplicando ainda o aumento de pena conforme o artigo 121, § 3º do Código penal. Conforme jurisprudência a seguir:
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO. PARTO NORMAL COM EPISIOTOMIA. ART. 121, § 3º, DO CP. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO § 4º DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL. (INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA DE PROFISSÃO). PENA QUE NÃO MERECE REDIMENSIONAMENTO. Demonstrado que o réu agiu com negligência, imprudência e imperícia, e que dita conduta levou a paciente a óbito, pois, após o parto com Episiotomia, deixou de realizar procedimento de revisão do reto, o que propiciou a comunicação do conteúdo fecal com o canal vaginal, culminando com infecção generalizada, que evoluiu com a morte da vítima, mostra-se correta a sua condenação pela prática do delito de homicídio culposo. Aplicabilidade da causa de aumento de pena prevista no § 4º do art. 121 do CP, por inobservância de regra técnica de profissão. Pena definitiva de dois anos de detenção, substituída por duas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, que se mostra adequada ao caso, não ensejando redimensionamento. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70053392767, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lizete Andreis Sebben, Julgado em 14/11/2013) (TJ-RS – ACR: 70053392767 RS, Relator: Lizete Andreis Sebben, Data de Julgamento: 14/11/2013, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/11/2013)
A manobra de Kristeller, banida pela OMS em 2017, também é ainda muito utilizada por profissionais negligentes e defasados os quais devem ser responsabilizados e penalizados conforme também os dispostos no artigo 129, em razão das lesões.
Uma curiosidade sobre as punições se refere ao aborto, tipificado como crime pelo artigo 124, no entanto, essa tipificação se refere a conduta da gestante e não do professional de saúde, portanto, nos crimes de violência obstétrica o agente de saúde será penalizado pelo artigo 129 § 2, visto que a lesão gravíssima resultou no aborto, conforme inciso V.
Destarte, é de extrema necessidade que haja punição aos profissionais negligentes, pois a ausência da mesma aumenta ainda mais as infrações, a responsabilização cível é importante, mas não o suficiente. Portanto, enquanto não houver uma legislação especifica é necessário buscar auxilio criminal nas previsões que existem atualmente, evitando a impunibilidade, não eximindo o Poder Legislativo do Brasil da sua responsabilidade na ausência e morosidade em relação a uma legislação punitiva e específica.
2.2 Da ótica social
Por muito tempo pouco se falava em violência obstétrica, uma vez que como já dito anteriormente, colocaria em cheque a ética médica, no entanto, é somente com a informação que tabus são quebrados, por isso, a necessidade dos movimentos sociais, do incentivo a informação e a segurança de direitos.
Segundo dados da Fundação Perseu Abramo (2013), uma a cada 4 mulheres sofrem algum tipo de violência obstétrica, lembrando que a caracterização de tal ato não se refere apenas a lesões física, mas também a maus tratos psicológicos.
Para prevenir a violência obstétrica, de antemão, é que a gestante tenha informações sobre as possibilidades e ocorrências durante o parto e leve consigo para a maternidade uma carta de intenções, tal carta discriminará suas vontades em relação a procedimentos mais invasivos, bem como o consentimento ou não dela para com o parto. Outro fator importante, é que a paciente após o parto solicite o prontuário médico dela e do recém-nascido, é uma forma de acompanhamento dos procedimentos que foram realizados, tendo ciência de que suas vontades fora ou não respeitadas.
No que tange aos meios de denúncia, existe uma Sala de Atendimento ao Cidadão virtual, disponível no site do Ministério Público Federal (Sala de Atendimento ao Cidadão (mpf.mp.br)) o qual recebe denúncias, informa sobre os direitos, recebe pedidos dentre outros serviços. Outro meio de se conseguir ajuda é através da Associação Artemis, uma organização não governamental que visa a promoção da autonomia feminina e erradicação da violência contra a mulher, essa organização recebe relato de mulheres que sofreram qualquer tipo de violência, dentre as violências, a obstétrica. Após o relato, a organização buscar mapear e elucidar uma forma de solução mais sucinta. Por fim, a denúncia também pode ser realizada na Secretária de Saúde mais próxima, ou discando 180, 136 ou para 08007019656 da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
É de extrema necessidade que a população tenha acesso a informação, tenha conhecimento e seja capaz de identificar tal violência, o Estado não só é responsável pela falta de legislação, mas também pela falta de informação, falta de campanha e assistência social pós- parto. É impossível relatar qualquer que seja o abuso ou violência sofrida quando se desconhece o direito, acesso a informação também é um direito básica, portanto, é necessário que haja uma conscientização maior desde o momento da realização do pré-natal.
3.CONCLUSÃO
Atualmente no Brasil os órgãos públicos estão mais preocupados em atender a um pedido das classes dos profissionais de saúde do que de fato combater a violência praticada contra as mulheres no período gravídico-puerperal. Não é proibindo a utilização do termo que vai acabar com a violência obstétrica, o tema precisa ser amplamente evidenciado nas discussões socais, assim como, nas políticas públicas, pois é através do conhecimento que as práticas abusivas vão poder ser reprimidas, punidas e quem sabe até abolidas.
O ordenamento jurídico brasileiro não é completamente omisso às práticas violentas durante o parto, tendo em vista que, já existem leis estudais, municipais e projeto de leis no âmbito federal visando combater a violência obstétrica.
É fato que já passou da hora do Estado como figura protetora dos cidadãos elaborar uma legislação federal efetiva, que vise conscientizar as mulheres no período gravídico-puerperal sobre quais são seus direitos e como são dadas as práticas que caracterizam a violência obstétrica, além de punir de forma rígida os profissionais da saúde que cometerem os abusos.
A lacuna na legislação pátria tem criado um sentimento de impunidade nas mulheres, em contra partida os profissionais da saúde têm um sentimento de proteção, essa situação se explica, pois, são poucos os casos de violência obstétrica que são denunciados e quando isso ocorre não existe uma lei especifica para punir os agressores, permitindo dessa forma que os agressores sejam beneficiados apesar de causarem tantos danos.
Para combater a violência obstétrica é necessário ir além das leis, é preciso que haja uma conscientização das mulheres acerca dos seus diretos, a reeducação dos profissionais de saúde e a elaboração de políticas públicas objetivando a humanização do pré-natal, do parto e do pós-parto. Somente através de mudanças sólidas nessas bases a violência obstétrica deixará de ser um problema para a sociedade.
REFERÊNCIAS
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Discente do do curso de Direito do Centro Universitário de Santa Fé do Sul, UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARRILHO, Mariana Carla Batista. Alguns aspectos sobre a violência obstétrica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 set 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59102/alguns-aspectos-sobre-a-violncia-obsttrica. Acesso em: 21 nov 2024.
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