RESUMO: O presente artigo visa realizar uma análise da atuação do Poder Judiciário de Mato Grosso em relação às questões de políticas públicas e a interpretação pública judicial da norma infraconstitucional, mormente em relação ao denominado Fundo do Idoso e seu Conselho Fiscalizador em pequenas unidades da Federação, sem contextualizar o programa aos aspectos socioeconômicos locais.
Palavras-chave: Fundo do Idoso. Direito Prestacional. Mérito Administrativo.
ABSTRACT: This article aims to carry out an analysis of the performance of the Judiciary of Mato Grosso in relation to public policy issues and the judicial public interpretation of the infraconstitutional norm, especially in relation to the so-called Elderly Fund and its Supervisory Board in small units of the Federation, without contextualize the program to the local socioeconomic aspects.
Keywords: Elderly Fund. Provisional Law. Administrative Merit.
1. INTRODUÇÃO
A Lei no 10.741, de 1o de outubro de 2003, instituiu, no Brasil, o reconhecido Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos em todo território nacional; externando uma série de programas sociais e políticas públicas que fitam, em última análise, proteger esta parcela vulnerável da população.
Segundo Laura Machado, representante da Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria na ONU e membro do conselho do HelpAge Internacional, no texto “Em 15 anos, Estatuto do Idoso deu visibilidade ao envelhecimento”, em entrevista concedida para a Agência Brasil em 2018, o Estatuto:
Foi a primeira legislação que de fato passa a regular os direitos humanos das pessoas idosas. Eu trabalho na área de envelhecimento há quase 40 anos e, na época, nós éramos um dos países que não tínhamos uma legislação que permitisse penas e sanções administrativas para aqueles que praticassem maus-tratos e violência.
A implementação do Estatuto do Idoso, fruto de mobilização social, veio ao socorro da população idosa brasileira, que necessitava de maior reconhecimento de suas garantias, bem como o engenho de novas políticas públicas para o seu atendimento, melhorando as condições de vida da terceira idade.
Assim, a legislação, de caráter prestacional, torna efetiva a redação do art. 230, da Constituição da República, quando enfatiza que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”
Nesta esteira, é nítido que a proteção da dignidade e bem-estar das pessoas idosas é tarefa imposta ao Estado solidariamente, devendo este priorizar o atendimento dos necessitados, assegurando o mínimo essencial para uma sadia qualidade de vida.
Não obstante, também é certo que toda política pública demanda artifícios técnicos e financeiros, o que nem sempre é possível ou alcançável, pois como sabemos os recursos são escassos e as necessidades infinitas.
Dessarte, exsurge-se daí a necessidade de um postulado de mitigação destas garantias, ou melhor, um sistema de balanceamento de prioridades.
Respondendo a este desafio, exsurge-se a Reserva do Possível, que teve origem na Alemanha, quando o Tribunal Constitucional alemão enfrentou o apelo de estudantes que pleiteavam o acesso a escolas de medicina públicas em Hamburgo e Munique, fundamentando sua pretensão no artigo 12, da Constituição daquele país, decisão que ficou conhecida como numerus clausus Entscheidung .
Nesse sentido, Mendes, ao dissertar sobre normas fundamentais enquanto direitos a prestações positivas, traça os seguintes apontamentos:
Observe-se que, embora tais decisões estejam vinculadas juridicamente, é certo que a sua efetivação está submetida, dentre outras condicionantes, à reserva do financeiramente possível (‘Vorbehalt des finanziell Möglichen’). Nesse sentido, reconheceu a Corte Constitucional alemã, na famosa decisão sobre ‘numerus clausus’ de vagas nas Universidades (‘numerus-clausus Entscheidung’), que pretensões destinadas a criar os pressupostos fáticos necessários para o exercício de determinado direito estão submetidas à ‘reserva do possível’ (‘Vorbehalt des Möglichen’).
Percebe-se, assim, que o comando busca garantir a efetividade dos direitos e garantias fundamentais, diga-se: conformar os interesses da população diretamente interessada na política pública (notadamente a população idosa). Podemos concluir que a intenção do legislador não era criar mecanismo vinculado de incrementação do atendimento, mas, apenas, sinalizar determinada atividade que deve ser cumprida para alcançar o bem jurídico protegido.
2. ANÁLISE DO TEMA
Ingressando no âmago da discussão, dispõe o artigo 84, do Estatuto do Idoso que:
Os valores das multas previstas nesta Lei reverterão ao Fundo do Idoso, onde houver, ou na falta deste, ao Fundo Municipal de Assistência Social, ficando vinculados ao atendimento ao idoso. (grifamos)
Pela literalidade do dispositivo supra é viável perceber que o legislador pretendia franquear ao gestor a gênese do sobredito Fundo do Idoso, numa atuação discricionária e não vinculante, eis que estabelece, expressamente, a possibilidade de utilizar o Fundo Municipal de Assistência Social para cumprir o mesmo papel. Dessarte, o art. 84, do Estatuto do Idoso, ao prescrever que as sanções pecuniárias previstas em seus dispositivos serão revertidas ao Fundo do Idoso, onde houver, ou, na sua falta, ao Fundo de Assistência Social, apenas facultou aos Municípios a criação do Fundo, de modo que a sua exigência incontinenti viola os princípios da Separação dos Poderes e da Discricionariedade da Administração Pública.
Na contramão da literalidade do dispositivo, visando dar efetividade a uma deduzida política social, amarrando o raciocínio no preconizado no art. 230, da Constituição Federal do Brasil, que garante aos Idosos o direito à inclusão social, os Tribunais Nacionais, principalmente o Tribunal de Justiça de Justiça Mato-grossense está provendo Ações Civis Públicas manejadas pelo Ministério Público Estadual, atribuindo eficácia cogente à norma. Argumenta-se, sob o escudo da proteção às garantias prestacionais, que a instituição de um fundo específico é imprescindível para satisfazer a política pública, determinando-se, por consequência, a efetiva preparação e gestão do mencionado fundo, sem, contudo, realizar uma pesquisa específica sobre o custo operacional imposto, principalmente em Municípios de pequeno porte (ad exemplum: Apelação no 1001012-50.2018.8.11.0024. TJ-MT).
Procedendo dessa forma, aliás, os Tribunais de Justiça assentam no imperativo categórico, próprio do pensamento katiano; sob o preço de abalar o sistema de freios e contrapesos, pilar da estrutura de separação de poderes.
Os Tribunais Superiores pátrios assentaram que, conquanto seja admissível a excepcional intervenção do Poder Judiciário na aplicação de políticas públicas objetivando garantir o pleno atendimento aos direitos fundamentais, não lhes cabe substituir o Administrador para escolher a forma em que elas serão desempenhadas, sob pena de violação aos princípios da Discricionariedade e da Separação dos Poderes. In verbis:
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
[Omisssis...]
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[Omisssis...]
§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.” (grifamos)
Neste pensar, é praticável até mesmo questionar uma possível crise de representação, aqui entendida como sinônimo de legitimidade, eis que os membros do Poder Judiciário não foram eleitos para escolha de prioridades públicas, além de não possuírem, em sua maioria, a expertise imprescindível para os meandros administrativos sentido lato.
Hipótese que não se trata de omissão estatal na concretização de um preceito fundamental, mas sim de direito de postulação programática, a desautorizar a ingerência do Poder Judiciário na execução das opções políticas do Administrador.
Considerando a perspectiva do Tribunal da Cidadania alhures citada, alguns Tribunais de Justiça (como o de Mato Grosso) apontam a interpretação Jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça como a base filosófica de sua decisão, porém a traduzem conforme seu próprio arbítrio para estabelecer que a abertura do fundo, como um direito social de prestação, é providência vinculada do Prefeito, não realizando o esperado distinguishing do precedente.
Sobre o ponto é certo que o Município deve demonstra que está adotando as providências necessárias para a implantação gradativa e adequada do Conselho do Idoso e respectivo Fundo, mas, contudo, não estará afastada a escolha política das opções a serem satisfeitas de acordo com as prioridades essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, considerando-se a inquestionável escassez de recursos e, principalmente, a faculdade exposta na própria norma (leia-se: Fundo Próprio ou Fundo de Assistência Social).
A atuação forense, na espécie, importa em conformação ilegítima da opção reservada a outro Poder instituído, imiscuindo, de forma indevida, o juízo de conveniência e oportunidade do Administrador Público na efetivação dos direitos de segunda geração, os quais, sem dúvidas, dependem de disponibilidade financeira para sua efetivação.
Nos permitimos ponderar que esta intervenção em matéria de políticas públicas, deve estar relegada àquelas matérias mais sensíveis ao público do sistema. Noutras palavras, é preciso delimitar acertadamente e estritamente o espectro de proteção dos direitos sociais, sob pena de invadir o policy making da máquina pública governamental, inclusive tornando a função judicante que lhe é própria carecedora de credibilidade social, pois, malgrado a determinação para a composição de um fundo possa parecer singelo, é exemplo marcante de uma tendência do Poder Judiciário, que por diversas razões mostra-se preocupante.
Para explicar o fenômeno, o professor Fernando Facury Scaff, Doutor em direito pela USP, traz a definição de “sentença aditiva”, bastante utilizada por juristas italianos, que assim apregoam:
Entende-se por “sentença aditiva” aquela que implica em aumento de custos para o Erário, obrigando-o ao reconhecimento de um direito social não previsto originalmente no orçamento do poder publico demandado.
Ainda:
Situação semelhante acontece quando a sentença determina a implementação de direitos sociais, sejam aqueles reconhecidos por leis e que não foram executados, sejam aqueles que decorrem de uma aplicação direta da Constituição — hipóteses mais comuns no Brasil atual.
É preciso, portanto, ponderar sobre a definição de Direitos Prestacionais, que são aqueles que conferem ao Estado uma obrigação que deve ser cumprida para que seja atingida a finalidade pública.
Sobre a possibilidade de tal exigência, Luis Roberto Barroso citado em artigo de Otegildo Carlos Siqueira, faz críticas à excessiva judicialização da implementação de direitos prestacionais:
apontando o caráter programático da norma de direito à saúde que, conforme expresso na Constituição Federal, será oferecido através de políticas sociais e econômicas e não por decisões judiciais. Por conseguinte, é o Executivo que tem a melhor visão não só dos recursos, mas também das necessidades para otimizar os gastos com a saúde pública. Ademais, se a própria Carta Maior assegurou aos eleitos pelo voto popular (legitimidade democrática) a prerrogativa de gerir os recursos públicos seria impropriedade proceder-se de forma diversa. Suscita, ainda, a mais comum das críticas, a financeira, revestida da já referida reserva do possível. Dentre outras questões aponta também que decisões judiciais que impliquem em fornecimento de medicamento provocam a desorganização da Administração Pública e, por fim, se o Judiciário assume tal postura termina por privilegiar tão somente aqueles que têm acesso qualificado à Justiça em detrimento dos demais.
Ora bem, se há um tema que necessita ocupar lugar especial na discussão sobre a eficácia dos direitos fundamentais, este é, sem dúvidas, a possibilidade de reconhecer-se diretamente, com base na norma constitucional definidora, um direito fundamental social subjetivo a uma prestação concreta por parte do Estado, isto é, na visão Ingo Wolfgang Sarlet:
se há como compelir judicialmente os órgãos estatais, na qualidade de destinatários de determinado direito fundamental, à prestação que constitui seu objeto. Em suma, cuida-se de averiguar até que ponto os direitos sociais prestacionais efetivamente carecem de uma plena justicialidade, razão pela qual, segundo alguns, são merecedores do qualificativo leges imperfectae, devendo, de acordo com outros, ser considerados como direitos relativos, porquanto geram direito subjetivo apenas com base e nos termos da legislação concretizadora.
Na mesma linha de ideias, parafraseando o Professor João Trindade, no contexto de uma lei básica analítica como a promulgada no Brasil em 1.988, constantemente “reformulada” pelas mais de 120 emendas editadas atualmente (julho de 2022), e, mais ainda, uma norma voltada à efetivação de direitos sociais, torna-se impossível falar de políticas públicas sem recorrer à Lei Maior.
Nas palavras do professor:
dificilmente haverá em nosso sistema constitucional uma política pública que não tangencie - para dizer o mínimo - direitos constitucionalmente assegurados, deveres estatais constitucionalmente impostos ou objetivos traçados para a atuação do poder público. Neste sentido, pode-se assumir como verdadeira a afirmação de que a Constituição Federal (CF) de 1988 é uma verdadeira matriz para as políticas públicas no ordenamento brasileiro, isso no sentido de que toda e qualquer política governamental que vise a efetivar direitos sociais terá que ser constitucionalmente embasada e lida à luz dos preceitos constitucionais.
Evidencia-se a dificultosa missão de compreender a dimensão dos direitos sociais imposta ao Estado no sistema constitucional vigente. Dessarte, como diferenciar direitos sociais previstos em normas de eficácia limitada em contraposição de normas programáticas que estabelecem objetivos sem assegurar direitos?
Percebe-se aqui, que é necessária parcimônia nesta análise, eis que existe um viés premente em se fazer “justiça social”, principalmente por aqueles que não conhecem os trâmites do Poder Executivo e as dificuldades enfrentadas na realização de seu mister.
O professor Scaff alerta que:
Implementar políticas públicas requer um planejamento mais acurado e uma analise financeira detalhada sobre a receita disponível. Em especial sobre os gastos públicos a serem realizados – inclusive indicando o grupo socieconômico das pessoas que devem ser beneficiadas por elas. Isto é de suma importância sob pena de existirem erros graves na implementação dessas politicas, seja por (a) obter recursos de quem tem capacidade contributiva reduzida, e não deve ser alvo de maior tributação; seja por (b) destinar estes recursos a quem deles pode prescindir, acarretando uma verdadeira “captura” dos benefícios sociais por uma camada da sociedade que deles pode prescindir, e deixando de lado os verdadeiros destinatários daquelas politicas.
Assim, a despeito de as intenções serem boas, algumas exigências impostas pelos Ministérios Públicos Estaduais e confirmadas pelos Tribunais de Justiça, como o mencionado Fundo do Idoso, mostram-se superficiais do ponto de vista pragmático do Executivo, beirando o ativismo judicial, eis que, conforme notado, o próprio preceito legal autoriza que eventual recurso seja depositado no Fundo Municipal de Assistência Social, não reclamando, pois, a materialização de fundo específico e o dispêndio de pecúlios para seu aperfeiçoamento. Recursos, aliás, que poderiam ser melhor aproveitados pela camada social interessada (diga-se: Idosos).
Outrossim, é sabido que com a promulgação da Carta Constitucional de 1.988 foi criado um sofisticado Sistema Orçamentário, ampliando-se os mecanismo de fiscalização que existiam anteriormente, o que acabou se evidenciando com a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que deve ser estudada como uma ferramenta para organizar a vida financeira do pais, sancionada, à época, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em um período de grande instabilidade econômica, trazendo à nossa realidade aparelhos de accountability.
Portanto, no âmbito da receita, a Carta Política elencou os fatos tributáveis (arts. 157 a 159, da Constituição da República), bem como a competência de cada ente federativo para instituir e arrecadar o que for devido. Quanto à despesa, o sistema orçamentário nacional, determina o que deve ser utilizado por cada ente federativo para planejar os gastos governamentais, inclusive os que decorrem de decisões judiciais.
Este procedimento muitas vezes possui complicações e demanda a especialização de profissionais habilitados a montar as peças orçamentárias, que nem sempre estão presentes nos quadros dos entes federativos de menor envergadura, tornando o cumprimento das obrigações impostas pelo Judiciário ainda mais dispendiosas, eis que se faz necessária a contratação de consultorias especializadas, onerando ainda mais o cofre já enxuto daquele Município com baixa arrecadação.
Daí entendermos temerosa a postura do Tribunal de Justiça Mato-Grossense, eis que a determinação de que uma política pública seja efetivada, seguindo uma modelagem única apontada pelo Ministério Público Estadual, sem um indivíduo imediatamente lesado pela omissão, especificamente em relação aos Fundos do Idoso, com a máxima vênia, invade o mérito administrativo, retirando do gestor uma opção tão básica quanto a concepção de um Fundo do Idoso ou o recebimento, dos exatos mesmos dotes, caso apresentados, no Fundo de Assistência Social.
No mesmo giro, se é certo que a formação do fundo exige conhecimento técnico e deslocamento de servidores (homem-hora), não deveria o Judiciário ao impor uma atuação especifica apontar as fontes de custeio?
No Tribunal Constitucional italiano esta discussão foi cenário de um intenso debate, pois preceitua a Magna Carta daquele país, em especial o 4° paragrafo do artigo 81 que: “Ogni altra legge che importi nuove o maggiori spese deve indicare i mezzi per farvi fronte”, isto é, qualquer outra lei que imponha despesas novas ou maiores deve indicar os meios para satisfazê-las (lei aqui compreendida em seu sentido mais amplo).
Existe comando semelhante na Constituição brasileira. Vejamos:
“Art. 167. São vedados:
I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
IX - a instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa.
XIV - a criação de fundo público, quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública.”
Na Itália a discussão chegou ao fim, afastando-se a aplicação do disposto no art. 81, §4°, da Lei Maior Italiana, em relação às decisões Judiciais. Da mesma maneira, no Brasil, não se aplica o art. 167, I, da CF/88 ao debate sobre sentenças que geram custos.
Segundo Scaff (2008):
no Brasil as “sentenças que custam” com efeitos imediatos decorrem muito mais da implementação direta da Constituição pelo Poder Judiciário, a margem de norma legal ou regulamentar, e a margem de todo sistema orçamentário estabelecido pela própria Constituição. Daí que surge a questão sobre “quem ordena o pagamento da conta”.
Débora Maciel e Andrei Koerner explicam que a judicialização da política “requer que operadores da lei prefiram participar da policy-making a deixá-la ao critério de políticos e administradores e, em sua dinâmica, ela própria implicaria um papel político mais positivo da decisão judicial do que aquele envolvido em uma não decisão”.
Inobstante, sobre o tema, nossas cortes comumente repetem o mesmo entendimento:
A judicialidade das políticas públicas somente se encontra justificada com a intervenção do Poder Judiciário para a garantia da integridade e intangibilidade do núcleo consubstanciador do mínimo existencial, centro essencial dos direitos fundamentais, desde que respeitada a reserva do possível, que se constitui a capacidade financeira do Estado para sua imediata implementação. (TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00005922320108150221 , 4ª Câmara Especializada Cível, Relator DES. ROMERO MARCELO DA FONSECA OLIVEIRA , j. em 07-03-2017)
O problema é que este raciocínio, apesar de restritivo, na prática está ganhando assento comum no Judiciário brasileiro, principalmente considerando que muitas destas demandas sequer possuem um idoso vitimado, baseando-se em mera conjectura, por parte de atores alheios ao Poder Executivo, atestando que se o mencionado fundo não for criado a população idosa estaria sendo de alguma forma ofendida, sem conhecer os anseios e dificuldades experimentadas na alta Administração daquele ente, bem como desprezando o comando discricionário do artigo 84, do Estatuto do Idoso.
Aliás, sem este estudo casuístico, a decisão judiciária a respeito do fundo deixa de prestigiar os interesses dos idosos e passa a ser apenas um a fazer imposto para o Estado, sem efeitos reais na vida da população interessada, prestigiando não mais que uma sensação de dever social cumprido das autoridades que requerem a execução do fundo, policy-making corporativo, e defiance do que nos parece preconizado pelas Cortes Superiores.
3. CONCLUSÃO
Mais do que indicadores, que poderiam, com facilidade, ser trocados por algum algoritmo, ou, no pior dos casos, pensadores corporativistas, que apanham mais desalentos do que soluções ao Estado; o pensamento jurídico das primeiras linhas de socorro jurisdicionais deveria afastar-se do imperativo categórico (elemento do pensamento kantiano), aprendendo que o interprete da norma não está alheio à moral, mas deve concebê-la objetivamente.
A provocação investigada está na formação de profissionais que consigam racionalizar a amarração entre o texto e o processo de construção e desenvolvimento do entorno institucional, sem fletir paradigmas basilares da ciência jurídica, com fito social ou organizacional, que frequentemente o intérprete não está colocado, levando sempre em crédito que a norma pende a refinar o acesso aos bens e interesses compartilhados, sendo que Estado é naturalmente ramificado para harmonizar com melhor técnica o anseio social tutelado, reverenciando, outrossim, o cânon democrático.
É necessário que seja prestigiada a resolução do gestor público, que foi eleito como representante do povo e está realmente inserto na praxe administrativa, mormente em um sistema presidencialista de coalizão (coalition theories); sem distender a “justiça social apriorística”, por não experienciar as concretas sequelas daquilo que foi julgado.
Sem embargo de que estas decisões sejam recorríveis, o acúmulo de demandas do Poder Executivo torna pequenas distorções aceitáveis, e, em nossa ótica, o veredito dos Tribunais não deve ser assumido como um prélio Judicial a ser puído, acenando, todavia, para a carência de cooperação entre os poderes estabelecidos e uma amostra do porque precisamos aproximar nossa magistratura da vida administrativa.
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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 7ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. p. 325.
É Procurador Municipal, tendo obtido aprovações em diversas Procuradorias, em nível Municipal e Estadual. Atualmente é Doutorando em Adm Pública e Mestre em Administração Pública, possuindo especialização em Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito Processual Civil e Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HAACKE, Ricardo Adriano. Separação dos poderes e o fundo do idoso: Uma abordagem sobre policy-making e delimitação do mérito administrativo. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2024, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59126/separao-dos-poderes-e-o-fundo-do-idoso-uma-abordagem-sobre-policy-making-e-delimitao-do-mrito-administrativo. Acesso em: 23 nov 2024.
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