RESUMO: O artigo busca analisar aspectos gerais do instituto da imunidade tributária, através da explanação acerca de sua noção jurídica, bem como da sua diferenciação com outros institutos, como a isenção e a não-incidência. Além disso, há o estudo dos alcances e das limitações da imunidade tributária, bem como da sua eficácia.
PALAVRAS-CHAVES: não-incidência, imunidade, Constituição Federal; imunidade recíproca.
1.INTRODUÇÃO
O artigo pretende analisar, de forma sintética e sistematizada, o tema das imunidades tributárias no ordenamento jurídico brasileiro, de modo a identificar os principais pontos iniciais da matéria. O poder constituinte originário previu hipóteses de imunidades subjetivas, como por exemplo, a conferida aos partidos políticos, e as imunidades objetivas, como a que trata de livros e periódicos. Todavia, antes do estudo das hipóteses de imunidade tributária, faz-se necessário o entendimento acerca da sua noção jurídica, bem como do seu alcance e de suas limitações, conforme se fará a seguir.
2.NOÇÃO JURÍDICA
As imunidades tributárias são uma limitação ao poder de tributar, ao lado dos princípios constitucionais tributários. É uma hipótese de incompetência absoluta do ente federativo, já que ele não pode instituir o tributo em determinadas situações, isto é, o tributo se quer pode ser criado. É feita a delimitação, também chamada de restrição da competência tributária constitucionalmente conferida aos entes. Logo, tem como fonte a Constituição Federal, já que suas hipóteses estão previstas somente nela e por sua expressa determinação. Para Ricardo Alexandre[1], a imunidade trata-se de uma não incidência constitucionalmente qualificada, segundo o qual, sintetiza o autor que:
“É uma hipótese de não incidência quem que a própria Constituição delimita a competência do ente federativo, impedindo-o de definir determinadas situações como hipóteses de incidência de tributo. Neste caso, o próprio desenho das competências tributárias fica redefinido de forma a obstar a própria atividade legislativa da pessoa tributante”.
Dessa forma, a imunidade atua no plano da definição da competência tributária, visto que se limita o próprio poder do ente de criar o tributo.
Ademais, segundo Alexandre Mazza[2], a natureza jurídica das imunidades é dúplice por ser ao mesmo tempo uma limitação constitucional ao poder de tributar e uma garantia fundamental do contribuinte.
3.DISTINÇÃO COM INSENÇÃO E NÃO INCIDÊNCIA
A isenção tem natureza jurídica de exclusão do crédito tributário (art. 175, I CTN) e segundo o entendimento clássico e encapado pelo STF é a dispensa do pagamento de um tributo devido.
Difere-se da imunidade por operar no campo do exercício da competência tributária, ou seja, o ente seria competente para tributar aquela determinada hipótese ou pessoa, mas acaba não exercendo sua competência. Explica-se: a imunidade atua na própria delimitação da competência, no âmbito do poder de tributar, enquanto que, na isenção a competência tributária não é exercida em sua plenitude, por uma opção do ente. Além disso, a fonte das isenções são as leis, sendo a regra geral que seja usada o mesmo tipo de lei para criação dos tributos. Então, a regra é a isenção ser feita por meio de Lei Ordinária. No entanto, para o tributo criado por meio de Lei Complementar, a isenção deve ser dada por Lei Complementar, guardando relação com o princípio da simetria. Ademais, também é possível isenções através de convênios, como o que ocorre com o ICMS e também por meio de tratados, como ocorreu em relação ao GATT.
Já em relação a não incidência, essa tem relação com a delimitação do fato gerador. Na hora em que a lei cria o tributo e prevê os fatos geradores, o que nela não estiver previsto será hipótese de não incidência (caso de exercício parcial da competência tributária). Trata-se de mera decorrência lógica da enumeração legal das hipóteses de incidência: por exclusão, o que não está legalmente indicado como sendo tributável configura uma hipótese de não incidência[3]. Exemplo disso é no caso do ISS, em que a Lei Complementar estabelece uma lista de serviços dizendo sobre quais o Município poderá tributar. Supondo que determinado serviço não esteja na lista do ISS, teríamos uma hipótese uma não incidência. É o caso também de itens da lista (serviços) vetados pelo Presidente, conforme já pacificado o entendimento pelo STF.
Neste mesmo sentido, Ricardo Alexandre[4] aduz que também ocorre a não incidência quando o ente, podendo instituir o tributo sobre todos os fatos geradores possíveis (caso do ITCMD), só institui no caso de transmissão onerosa de bens imóveis, deixando os bem móveis de fora. Como regra, a fonte é as leis, pois o que ficar de fora das hipóteses de incidência será caso de não incidência.
4.ALCANCE E LIMITAÇÕES
Uma questão que surge em relação ao tema é se a Constituição do Estado pode prever uma hipótese de imunidade tributária que não esteja na Constituição Federal, ou seja, a Constituição Estadual pode ser fonte de imunidades tributárias, inovando o que está na Carta Maior. Prevalece o entendimento que não. Isso porque a imunidade limita o poder de tributar, devendo, portanto, ser algo uniforme para toda a República, ou seja, comum a todos os entes federativos. A imunidade é uma limitação do poder de tributar, que é expressão da soberania estatal e essa só pode ser limitada pela Constituição Federal. A Constituição Estadual limitaria a autonomia. Todavia, destaca-se que Ricardo Lobo Torres[5] entende que as imunidades implícitas poderiam ser previstas nas Constituições Estaduais, uma vez que possuem fundamento nas próprias condições de liberdade.
Ademais, ressalta-se que há uma imunidade que não está prevista na Constituição Federal, mas sim no art. 32 da Convenção de Viena, que trata da imunidade para IPTU e Taxas de Fiscalização (com base no poder de polícia) incidente sobre imóveis utilizados por consulados e embaixadas. Poderia surgir a seguinte indagação: Por qual razão é considerado imunidade, já que há tratados que prevêem isenções? Há relação com a teoria da reciprocidade entre os Estados Nacionais, pois esta norma não está ligada a política fiscal. A imunidade visa proteger algo fundamental, assegurar direitos, garantias e liberdades.
Em relação à vigência das imunidades, questiona-se se o benefício pode ser suprimido/revogado por norma posterior, isto é, se poderia uma Emenda à Constituição suprimir uma das imunidades. O entendimento do STF[6] é que todas as imunidades tributárias são cláusulas pétreas, por defenderem direitos fundamentais e liberdades. Há relação das imunidades tributárias com os direitos fundamentais, uma vez que se trata de garantia individual do contribuinte. Então, se a Emenda Constitucional for tendente a abolir uma imunidade, ela será inconstitucional. Logo, não pode ser revogada a imunidade já prevista.
Outra discussão é em relação ao alcance das imunidades sobre as obrigações acessórias, isto é, aquela decorrente da legislação tributária e que tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, §2º CTN). Em síntese: a entidade imune precisa cumprir as obrigações acessórias, como por exemplo, emitir nota fiscal, se inscrever no Fisco Estadual ou Municipal como contribuinte? O prof. Ricardo Lobo Torres[7] defendia que na imunidade não haveria necessidade de cumprir as obrigações acessórias. Para ele, não faz sentido ter uma limitação ao poder de tributar (não poder criar o tributo) e exigir o cumprimento de obrigações acessórias do ente, assim, estando-se diante de uma imunidade nenhuma obrigação acessória deveria ser cumprida. Todavia, essa posição não prevaleceu no STF[8]. Logo, segundo a Corte Brasileira, o ente imune precisa cumprir as obrigações acessórias.
5.EFICÁCIA
No que diz respeito aos efeitos do reconhecimento de uma decisão acerca da imunidade, entende-se que tal decisão tem natureza declaratória. Portanto, os efeitos são retroativos até a data do momento em que a entidade comprovou o preenchimento dos requisitos (caso tenha) ou, caso não tenha (imunidade automática), o efeito retroage até a data da Constituição de 1988 (eficácia é ex tunc).
Na prática, muitas vezes a entidade pede o reconhecimento da imunidade, para que haja uma anulação dos lançamentos e a repetição do tributo que foi pago, mas cada tipo de ação tem um prazo prescricional diferente, o que significa dizer que nem tudo que foi pago indevidamente será restituído. Quando se está diante de uma ação declaratória pura, o STJ[9] entende que a ação é imprescritível, logo, a entidade pode pedir a qualquer momento o reconhecimento da imunidade. Todavia, quando a idéia é anular os lançamentos, o STJ[10] pacificou que o prazo prescricional é de 5 anos (ação anulatória tributária), contados da notificação do lançamento. Esse prazo não está no CTN, mas no Decreto 20.910/32. Já o pedido de repetição de indébito tem outro prazo prescricional, que é de 5 anos também. Tal prazo está no art. 168, do CTN e tem como termo inicial a data do pagamento do tributo.
O STJ, no entanto, tem acórdãos especificamente para imunidade, entendendo que, quando se ajuíza demanda com pedidos cumulados, o pedido da anulatória e da repetição de indébito não deveriam ser contados como a regra geral, porque ele entende, com base na teoria da actio nata, que só depois que se reconhece a imunidade é que efetivamente o tributo se torna indevido e a idéia da repetição de indébito é, justamente, pedir a restituição de tributo indevido. Nesse caso, o prazo das outras ações só começará a contar do trânsito em julgado da ação que reconheceu a imunidade. Não se trata de posicionamento pacífico, mas há acórdãos nesse sentido.
Por fim, importante ressaltar que, apesar das principais imunidades previstas na seção “Das limitações ao poder de tributar” versarem sobre impostos, é possível haver imunidade sobre variados tributos[11].
6.CONCLUSÃO
As imunidades tributárias possuem grande relevo no ordenamento jurídico pátrio, haja vista que, conforme explanado no trabalho, é entendido como cláusula pétrea pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de um direito fundamental do contribuinte em não ser tributado, em hipóteses em que a Constituição Federal veda até mesmo a criação do tributo. Assim, qualquer ato do poder reformador, por meio de emendas constitucionais, que possam suprimir as imunidades já previstas na Carta Maior deve ser repelido.
Por fim, destaca-se que o artigo buscou a análise de aspectos iniciais, mas não menos importantes, do instituto da imunidade tributária, já que são fundamentais tais conhecimentos teóricos para a compreensão dos casos concretos.
7.REFERÊNCIAS:
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário – 11ª Ed, ver. Atual. e ampl. – Salvador – Ed. Juspodivm, 2017.
MACHO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário – 10. Ed., rev., atual e ampl. – São Paulo: Atlas: 2018.
MAZZA, Alexandre Manual de direito tributário – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2018.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário – 18ª Edição, revista e atualizada – Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
[1] Alexandre, Ricardo. Direito Tributário – 11ª Ed, ver. Atual. e ampl. – Salvador – Ed. Juspodivm, 2017. p. 201.
[2] Mazza, Alexandre Manual de direito tributário – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2018, p. 344.
[3] Macho Segundo, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário – 10. Ed., rev., atual e ampl. – São Paulo: Atlas: 2018.
[4] Alexandre, Ricardo. Direito Tributário – 11ª Ed, ver. Atual. e ampl. – Salvador – Ed. Juspodivm, 2017.
[5] Torres, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário – 18ª Edição, revista e atualizada – Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
[6] ADIN 939-7
[7] Torres, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário – 18ª Edição, revista e atualizada – Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
[8] RE 250.844 e ARE 709.980
[9] Informativo 170/STJ.
[10] EDcl no REsp 894.981/RJ.
[11] Sabbag, Eduardo Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017, p. 370.
Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETTO, Elisa Rocha Teixeira. Imunidade tributária: noções jurídicas, alcance e eficácia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2022, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59150/imunidade-tributria-noes-jurdicas-alcance-e-eficcia. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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