RESUMO: O direito à saúde é assegurado pela Constituição Federal de 1988, sendo dever do Estado garantir acesso pleno a todos. Ocorre que a realidade fática se mostra muito diferente daquela buscada pela vontade constitucional. Em muitos casos, o cidadão brasileiro se vê barrado por falta de materiais, medicamentos ou mesmo procedimentos que não são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda, como o ocorrido no período pandêmico vivenciado nos anos de 2020 e 2021, o qual se estende até os dias de hoje; a falta de leitos de UTI e as situações emergenciais levantadas em casos de saúde, fazem necessário o pleito judicial destes, em busca da concretização do direito fundamental elencado. Entretanto, a demora processual pode comprometer a realização imediata ou futura do direito, uma vez se tratar da vida e saúde da parte. Nesse sentido, o presente trabalho, realizado a partir de pesquisa bibliográfica e documental, tem como objetivo discorrer sobre o instituto da tutela de urgência, dispositivo que visa efetividade do direito pleiteado, mormente nos casos em que se exige a resolução de questões em caráter de urgência, assegurando o resultado útil do processo. A partir da pesquisa empreendida, verifica-se que a atuação do poder judiciário é fundamental na garantia de acesso à saúde se valendo da tutela de urgência para que seja cumprido em tempo.
Palavras-chave: Direito à saúde; SUS; Tutela de urgência; Resultado útil do processo.
ABSTRACT: The right to health is assured by the Federal Constitution of 1988, and it is the duty of the State to guarantee full access to all. However, the factual reality is very different from that sought by the constitutional will. In many cases, Brazilian citizens find themselves barred by lack of materials, medicines, or even procedures that are not made available by the Unified Health System (SUS). Still, as occurred in the pandemic period experienced in the years 2020 and 2021, which extends until today; the lack of ICU beds and the emergency situations raised in health cases, make necessary their judicial pleading, in search of the concretion of the fundamental right listed. Though, the procedural delay can compromise the immediate or future realization of the right, since it concerns the life and health of the party. In this sense, this paper, based on bibliographic and documentary research, aims to discuss the institute of injunctive relief, a device that aims at the effectiveness of the right claimed, especially in cases that require the resolution of urgent issues, ensuring the useful outcome of the process.Following the research undertaken, it seems that the role of the judiciary is fundamental in guaranteeing access to health, taking advantage of urgent protection so that it is fulfilled in time.
Keywords: Right to health; SUS; Urgent protection; Useful outcome of the process.
INTRODUÇÃO
Nota-se que, mesmo com cautela em legislar sobre o maior campo de matérias possíveis, muitas vezes, devido à própria complexidade das relações humanas, situações inéditas surgem. Nesses casos, não é raro que a matéria legislativa do país não consiga acompanhar o surgimento dessas, produzindo leis e regulamentos específicos para estes tipos de situações.
Essa condição vem se tornando cada vez mais evidente com a pandemia de COVID-19. Em uma ascensão exponencial, diversos casos novos surgem por dia, o que fez com que impactos fossem gerados na saúde, educação e em diversas outras áreas. Logo, para tentar conter ou diminuir esses impactos, mecanismos processuais já existentes estão sendo cada vez mais utilizados, sendo o principal deles, a tutela de urgência. Este tipo de tutela visa garantir que, entre conflitos jurídicos, os infectados, os que possuem suspeita da doença, familiares das vítimas, e a população no geral, possua o pleno acesso ao direito à saúde que está intimamente ligado ao acesso à dignidade humana.
Dessa forma, o objetivo do presente estudo é dissertar sobre como o instituto da tutela de urgência pode ser aplicado na garantia do acesso à saúde em situações de caráter emergencial. Para tanto realizou-se pesquisa bibliográfica de caráter documental através de legislação, teses, artigos, dissertações publicados em revistas científicas e repositórios institucionais.
A discussão se estrutura da seguinte forma: primeiramente realizou-se um breve retrospecto das tutelas provisórias no processo civil brasileiro. Em seguida foram apresentadas as espécies de tutelas de urgência no Código de Processo Civil. Por fim, contextualizou-se os institutos processuais no panorama da pandemia de COVID-19.
1. Contextualização histórica referente ao processo civil
Observa-se uma relevante evolução galgada pelo processo civil em sua linha histórica. Neste sentido, doutrinadores como Cappelletti e Garth (2002), pautados em uma concepção liberal de Estado, explicam que durante os séculos XVIII e XIX:
Os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um "direito natural", os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 9).
Tendo como base não só o comentário acima, mas também a história da humanidade desde os primórdios, torna-se evidente que os conflitos e seus meios de resolução antecedem o Estado. Sendo assim, o direito à justiça era tido como algo natural e não fundamental. Por diversas vezes aconteceu de ser oferecido apenas aos que dispunham de bens materiais em abundância. Em consenso, os mesmos autores afirmam que:
O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 11).
No Brasil, o acesso à justiça foi reconhecido como direito fundamental com a promulgação da Constituição de 1946, a qual dispunha, no parágrafo 4º, art. 141, que: “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário, qualquer lesão ou ameaça a direito individual” (SEIXAS; SOUZA, 2013). Nesse sentido, Gonçalves (2021) admite o acesso à justiça como um dos princípios gerais do processo civil na Constituição Federal, sendo também reconhecido como princípio da inafastabilidade da jurisdição. Em outros termos, trata-se do direito de ação em sentido amplo e incondicional, o que significa que o Poder Judiciário não pode se abster de analisar e responder os requerimentos a ele formulados (GONÇALVES, 2021).
Quanto às lições de Dinamarco e Lopes (2017), o acesso à justiça é a obtenção de resultados justos mediante via judiciária, não devendo ser confundido com o acesso à ordem jurídica justa, pois aquele significa muito mais que o direito de ingressar no Poder Judiciário, enquanto este consiste no direito de ser ouvido pelo Estado-juiz (DINAMARCO; LOPES, 2017).
Ademais, é pertinente ressaltar que Alexandre de Moraes conceitua Estado Democrático de Direito como sendo “a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais'' (MORAES, 2004, p. 53).
Nesse contexto, o acesso à justiça assim como o direito à saúde deixaram de se restringir apenas aos direitos individuais e passaram a ser consagrados como direitos fundamentais, estendendo-se a qualquer direito e pessoa.
O acesso à justiça não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica (CAPPELLETTI e GARTH, 2002, p. 12-13).
Com isso, torna-se evidente que o acesso à justiça consiste em um direito primordial sem o qual outros direitos não se realizariam. Outrossim, Sadek (2014, p. 57) pontua que tal direito só se concretiza "quando a porta de entrada permite que se vislumbre e se alcance a porta de saída em um período de tempo razoável", isto é, para além da legalidade, é necessário que o direito seja efetivado diante de variáveis de cunho econômico, social, cultural e político, tendo sido o reconhecimento dos direitos e os mecanismos de garantia dos mesmos na esfera constitucional e infraconstitucional os fatores mais relevantes para a democratização do acesso à justiça (SADEK, 2014).
Nesse sentido, Ventura et al (2010) destacam, relevantemente, que o Estado democrático de direito compreende certos canais sólidos de exercício do direito de ação via Poder Judiciário, mediante a concessão da gratuidade de justiça, direcionada em especial à população empobrecida, visando, assim, a realização do acesso à justiça. Isso porque o direito à saúde, bem como a assistência jurídica gratuita proporcionada pelas Defensorias Públicas, consiste em um direito fundamental do cidadão a ser garantido pelo Estado em conformidade com a previsão constitucional, sendo um dos maiores avanços no que diz respeito ao acesso da população ao Judiciário (VENTURA et al, 2010).
Deste modo, infere-se que compreender a dimensão e importância do direito ao acesso à justiça não se limita tão somente ao ingresso do indivíduo no Poder Judiciário, mas também diz respeito, essencialmente, aos demais direitos a ele vinculados, a exemplo do direito à saúde, sendo a via judiciária, portanto, um caminho para o alcance de resultados justos a serem garantido pelo Estado.
2. A tutela de urgência no Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil (CPC) traz em seu conteúdo dois requisitos fundamentais para a concessão de tutela provisória de urgência, a saber: a probabilidade do direito e perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. O primeiro, também conhecido como o “sinal de bom julgamento” (fumus boni iuri) trata-se da existência prévia de provas e elementos apresentados. Nesse sentido, o juiz deve se convencer que o direito é provável e pode-se presumir que tutela final será concedida ao autor; dessa forma, a verossimilhança fática através da qual se consta haver um grau considerável de confiabilidade acerca dos fatos trazida pelo autor, garante a concessão da tutela.
No que lhe concerne, o perigo de dano (periculum in mora), ocorre quando demora processual pode comprometer a realização imediata ou futura do direito. Destarte, é necessário também demonstrar o perigo que a demora na prestação jurisdicional pode repercutir no direito. Isto posto, passa-se a uma breve exposição sobre as espécies de tutelas.
Primeiramente, distingue-se a tutela provisória de urgência cautelar da tutela provisória de urgência antecipada, onde na primeira o perigo de dano se liga à inefetividade da tutela do direito almejado, enquanto na segunda evita-se dano ao bem que pretende ser entregue ao final. Estes aspectos encontram-se no artigo 300 do Código de Processo Civil, ipsis litteris:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1 o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Outra característica da tutela de urgência proferida pelo mesmo artigo é que esta, conforme a redação do parágrafo segundo, pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. Outrossim, dependendo do caso, para conceder tal tutela, o juiz pode exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, como é ditado pelo parágrafo terceiro.
Por último, independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa nas situações explícitas no parágrafo 302 do código. A tutela provisória de urgência divide-se em: tutela provisória de urgência antecipada e tutela provisória de urgência cautelar.
2.1 Tutela Provisória de Urgência Antecipada
Esta antecipa, total ou parcialmente, o efeito próprio da tutela definitiva, possuindo natureza satisfativa, isto é, contempla direitos que sendo ameaçados a alternativa para ratificá-los é o acesso à Justiça (art. 5°, XXXV, da CF brasileira), o direito à tutela preventiva passa a ser inegável. Deste modo, os procedimentos com técnica de antecipação de sentença que possam permitir a obtenção concreta da tutela preventiva são extremamente necessários para garantir tais direitos.
A tutela de urgência de natureza antecipada possui uma condição específica, como expressa o parágrafo terceiro do artigo 300 do código, tendo em vista que esta tutela não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Exige-se, especificamente, para a concessão desta tutela, que seja possível a reversão de seus efeitos, permitindo que as partes sejam colocadas na mesma situação que se achavam antes de sua concessão. Destarte, a tutela de cognição sumária não pode prejudicar a cognição exauriente do mérito, não prejudicando a decisão da causa.
2.2 Tutela Provisória de Urgência Cautelar
Por sua vez, a tutela provisória de urgência cautelar tem a finalidade de assegurar o processo, preservando os efeitos úteis da tutela definitiva, ou seja, é uma medida protetiva que preserva o direito do autor em risco pela demora do processo, assim, assegura uma situação jurídica a ser tutelada mediante a sentença do pedido principal.
Ao invés de possuir uma natureza satisfativa como a anterior, possui natureza cautelar, visto que acautela o objeto do direito pretendido, para que este não se perca antes do fim do processo. Na tutela provisória de urgência cautelar, juiz não concede previamente o que só será entregue no final, mas determina providências de resguardo, proteção e preservação dos direitos em litígio.
Nas palavras do artigo 301 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência de natureza cautelar “pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra a alienação de bem e qualquer outra medida idônea para a asseguração do direito.”
Dessa forma, para uma tutela possuir caráter cautelar é imprescindível que esta não satisfaça o direito material, não antecipando, deste modo, a tutela de conhecimento. Ovídio Batista da Silva (2000, p.66), ensina que as provisionais, ao anteciparem a eficácia do provimento final de acolhimento da demanda, em verdade realizam plenamente o direito posto em causa, ainda que sob a forma provisória, ao passo que as medidas propriamente cautelares – enquanto tutela apenas de segurança – limitam-se a assegurar a possibilidade de realização, para o caso de vir a sentença final a reconhecer a procedência da pretensão assegurada.
Dessa forma, como afirma Luiz Guilherme Marinoni (2010) a tutela cautelar possui o intuito de assegurar a viabilidade da realização do direito. Caso seja afirmado que a tutela cautelar pode realizar o próprio direito (como no caso da pretensão de alimentos) ocorrerá uma contradição, pois uma vez realizado o direito material nada mais resta para ser assegurado. Assim dizendo, quando o direito é satisfeito nada é assegurado e nenhuma função cautelar é cumprida.
3. A saúde como obrigação do estado e direito de todos frente a morosidade do fornecimento dos tratamentos necessários para os contratantes da patologia covid-19
Seguindo a discussão, torna-se imprescindível conceituar a saúde como obrigação do Estado, sendo assim necessário levantar o documento mais importante do país, a Carta Magna de 1988:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, art. 196, online).
Nessa conjuntura, conforme apontamentos de Ventura et al (2010), o direito à saúde, mediante leis nacionais e internacionais, consiste em um direito fundamental a ser garantido pelos Estados aos cidadãos através de políticas e ações públicas que visam o bem-estar de todos os indivíduos. Ademais, tal direito culmina em prestações positivas, ou seja, a disponibilização de serviços e insumos assistenciais à saúde, além de ser dotado da natureza de um direito social, tendo em vista que abrange uma dimensão individual e coletiva em sua realização (VENTURA et al, 2020).
O artigo 23, inciso II, da Constituição Federal (BRASIL, 1988, ) diz ser da competência comum dos entes federados cuidar da saúde, o que exige que gestores de todos os níveis de governo definam a organização e competências no SUS, de modo a atender a diretriz constitucional de descentralização – prevista no artigo 198, inciso I – bem como as delimitações apresentadas nos artigos 15 e 16 da Lei n. 8.080/1990 (BRASIL, 1990). A 1º edição da coletânea direito a saúde do CONASS estabelece as competências referente a saúde no Brasil:
Compete às Comissões Intergestores, nos termos do art. 14-A da Lei n. 8.080, de 1990, dispor sobre os aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão compartilhada do SUS, em conformidade com a definição da política consubstanciada em planos de saúde, aprovados pelos conselhos de saúde; definir diretrizes, de âmbito nacional, regional e intermunicipal, a respeito da organização das redes de ações e serviços de saúde, principalmente no tocante à sua governança institucional e à integração das ações e serviços dos entes federados; fixar diretrizes sobre as regiões de saúde, distrito sanitário, integração de territórios, referência e contra referência e demais aspectos vinculados à integração das ações e serviços de saúde entre os entes federados. (2018, on line)
Faz-se evidente a obrigação do estado, do município e da união de forma solidária quando se trata do fornecimento e efetivação da saúde, sendo este entendimento pacificado pelo supremo tribunal federal através do acórdão a seguir:
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro", nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não fixava tese. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 23.05.2019 (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2019, p. 165).
Em conformidade com o artigo 196 do texto constitucional, o direito à saúde é um dever do Estado a ser garantido a todos por meio de políticas sociais e econômicas que objetivam a redução de doenças, além do acesso universal e igualitário em relação às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação. Quanto ao artigo 197, cabe ao Poder Público dispor sobre a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde (BRASIL, 1988).
Nessa seara, Sandra Gonçalves (2020), Conselheira e presidente da Comissão da Saúde do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), salienta que o referido artigo 197 prescreve que as ações e serviços de saúde encontram-se em posição de relevância pública, o que significa que integram uma rede hierarquizada e regionalizada, constituindo, assim, um sistema único elaborado por diretrizes como a participação comunitária e o atendimento integral, sem desconsiderar as atividades preventivas, conforme disposto no artigo 198 (GONÇALVES, 2020).
Segundo a professora Silvia Badim mestre e doutora em Direito Sanitário:
O exercício do direito à saúde, positivado em nosso ordenamento jurídico com a Constituição Federal de 1988, vem ganhando contornos nunca vistos, compelindo magistrados, promotores de justiça, procuradores públicos, advogados, entre outros operadores do direito, a lidarem com temas oriundos do Direito Sanitário e da política pública de saúde, nos três níveis de governo. E, também, compelindo gestores públicos de saúde a lidarem com a garantia efetiva deste direito social, em cada caso individual apresentado, através de uma determinação oriunda do Poder Judiciário que, muitas vezes, contrasta com a política estabelecida em matéria de assistência à saúde e com a própria lógica de funcionamento do sistema político (BADIM, 2008, p. 65).
Cumpre destacar, de todo modo, mediante ensinamentos de Sandra Gonçalves (2020), que o Ministério Público, nesse contexto, exerce papel significativo em defender o direito fundamental à saúde ao atuar enquanto fiscalizador dos atos do poder executivo, além de buscar a concretização de medidas que não prejudiquem a saúde das pessoas.
Nesse panorama, tendo em vista a função institucional de zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública e dos Poderes Públicos aos direitos constitucionais, conforme disposto no artigo 129, inciso II, da Carta Magna, Isabel Pôrto (2020), Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará, aponta que:
O Ministério Público brasileiro, com essa preocupação das questões afetas à saúde pública – como direito fundamental de grande relevância social, previsto, como de conhecimento, no Título II, art. 6º, da Constituição Federal, e considerando que a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) exige, para atendimento de suas diretrizes, efetivo cumprimento das Leis Orgânicas da Saúde (Lei nº 8080/90, Regulamentada pelo Decreto nº 7.508/11 e Lei nº 8.142/90) –, conseguiu, por meio da Carta de Palmas - TO, que o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça do Brasil, na cidade de Palmas, Tocantins, em 7 de agosto de 1998, instituísse a “Comissão Permanente da Defesa da Saúde”, a tão conhecida COPEDS (PÔRTO, 2020, p. 163-164) (grifo nosso).
Desta feita, é evidente que houve uma evolução com relação à efetivação do direito à saúde com a atuação do Ministério Público. Entretanto, também é incontestável afirmar que estes ganhos necessitam ser potencializados e multiplicados a fim de atingir a população que sofre com a morosidade estatal.
Seguindo a discussão, é imperioso ampliar o debate para o atual momento pandêmico. O Ministério da Saúde decretou Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN), em 03 de fevereiro de 2020, mediante a Portaria MS/GM nº 188, em virtude do novo coronavírus (PÔRTO, 2020). Assim, é possível perceber a relevância das tutelas de urgências, uma vez que, consoante as palavras de Slaibi (2003), tratando-se do direito à saúde - direito este que não pode esperar -, deve-se impor medidas de urgência, estando inclusas a tutela cautelar e a antecipação dos efeitos da tutela.
Neste toar, no intuito de solucionar essa e outras questões relacionadas ao combate do coronavírus, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), publicou a Recomendação n° 66, de 13 de maio de 2020, que em seu art. 3° dispõe:
Art. 3º Recomendar a todos os juízos com competência para o julgamento sobre o direito à saúde que avaliem, com maior deferência ao respectivo gestor do SUS, considerando o disposto na LINDB, durante o período de vigência do “estado de calamidade” no Brasil:
I – as medidas de urgência que tenham pleitos por vagas hospitalares, incluídas as de terapia intensiva, inclusive como meio de inibir o agravamento do estado de saúde do requerente;
II – os pedidos de revogação de decretos ou normativas locais que visem ao controle e à mitigação da pandemia pelo novo coronavírus e a Covid-19;
III – os pedidos de bloqueio judicial de verbas públicas, de qualquer dos entes federados, considerando a escassez de recursos;
IV – os pleitos que visem ao descumprimento das normas técnicas do SUS relacionadas à destinação de cadáveres;
V – os pleitos que visem ao descumprimento de penalidades impostas por regras sanitárias relativas à pandemia pelo novo coronavírus;
VI – os pleitos que tratem de questões relativas às contratações públicas realizadas para o enfrentamento da pandemia, entre os quais as relativas aos preços abusivos de bens e serviços necessários ao enfrentamento; e
VII – os pleitos que objetivem a suspensão ou anulação de medidas emanadas pelo Centro de Operações de Emergência Estadual - COE ou pelos Gabinetes de Crise das unidades hospitalares (BRASIL, 2020).
Nota-se, logo, que a referida Recomendação nº 66 visa a adoção de medidas que garantam os melhores resultados no que concerne ao julgamento das ações relacionadas ao direito à saúde. De todo modo, além do mais, o que se deve pensar é na relevância da efetivação das tutelas de urgência diante de tal conjuntura pandêmica.
3. A necessidade da efetivação das tutelas de urgência frente ao surgimento do novo cenário causado pela pandemia do covid 19
Frente à toda problemática já existente e evidenciada pela pandemia do coronavírus, tornou-se comum a busca da efetivação do direito a saúde através das tutelas de urgência, tendo em vista a enorme necessidade da concretude frente a oferta integral do acesso à saúde por meio do tratamento adequado a patologia.
Nesta senda, pontuou José Roberto dos Santos:
(...) tutela jurisdicional deve ser entendida, assim, como tutela efetiva de direitos ou de situações pelo processo. Constitui visão do direito processual que põe em relevo o resultado do processo como fator de garantia do direito material. A técnica processual a serviço de seu resultado (SANTOS, 1995. p. 25.)
Em que pese a constituição federal levantar a justiça como direito de todos, é indiscutível a necessidade da aplicação da urgência em certos casos. Desta forma, Cappelletti pontua:
(...) Embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de 'efetividade' é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas' (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 13).
Como discorrido anteriormente, cabe ao estado permitir o direito à saúde e a tutela de urgência vem como meio para ratificar essa obrigação. Entretanto, com a pandemia de Covid-19, esta obrigação passou a ser ainda mais difícil de ser cumprida, devido ao excesso de doentes e falta de preparação, tanto jurídica quanto administrativa, para suportar essa nova condição mundial.
Assim, é importante ressaltar e analisar os pedidos de tutelas urgência, sendo eles indeferidos ou não, que ocorreram e ainda ocorrem durante a pandemia, haja vista que, devido à novidade desta situação, demora-se para existir uma plena regulamentação. A partir disso, as medidas provisórias servem para adiantar situações de urgência envolvendo o Covid-19, sejam elas envolvendo a saúde, economia, entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perceba: o direito à vida é aquele mais básico e fundamental, uma vez que é pressuposto necessário para a realização dos demais direitos. Partindo dessa afirmação, é importante reconhecer a relação intrínseca entre o direito à vida e à saúde. Foram muitos os exemplos observados na pandemia de Covid-19, onde, em muitos casos, a vida foi assegurada a partir da judicialização de demandas de saúde para aquisição de leitos de UTI, por exemplo.
Entretanto, existem muitas outras situações nas quais a vida do indivíduo é posta em risco devido a uma patologia ou quadro clínico que deverá ser observado o mais rápido possível, sob ameaças ao prejuízo do resultado útil do processo. Tomemos, como exemplo, patologias oftalmológicas de tempo dependente, no qual a mora na realização do tratamento pode causar cegueira irreversível ao indivíduo. Em situações assim, a tutela de urgência é fundamental para que se alcance o resultado útil do processo, uma vez que permitirá que realize os procedimentos adequados em tempo hábil, respeitando ainda os princípios concernentes ao próprio processo.
Por todo exposto, fica evidente a complexidade do instituto de tutela de urgência e como sua condição de instituto que trata de situações de interesse relevante mostra-se eficiente para combater situações de emergência, como ocorre na pandemia do Covid-19. A existência de dispositivos que visam a garantia de caráter emergencial tomaram destaque durante a pandemia em razão da imprevisibilidade dos fatos.
É cabível ressaltar sempre: a tutela de urgência visa a concretização do direito à saúde em tempo necessário ao resultado útil do processo, devendo ser usada em quaisquer circunstâncias onde restar evidente o caráter de urgência e prejuízo na preservação da vida digna, independente do período pandêmico no qual surgiu.
Ademais, a atuação do poder judiciário foi fundamental na garantia de tratamento médico ao compelir a administração pública a prestar serviços médicos seja através do SUS ou através do pagamento de tratamento da rede particular de saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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______. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em Acesso: 10 de Dezembro de 2021
BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. O Tribunal, por unanimidade, referendou a medida cautelar pleiteada para determinar ao Governo Federal que: (i) promova, imediatamente, todas as ações ao seu alcance para debelar a seríssima crise sanitária instalada em Manaus, capital do Amazonas, em especial suprindo os estabelecimentos de saúde locais de oxigênio e de outros insumos médico-hospitalares para que possam prestar pronto e adequado atendimento aos seus pacientes, sem prejuízo da atuação das autoridades estaduais e municipais no âmbito das respectivas competências; (ii) apresente a esta Suprema Corte, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, um plano compreensivo e detalhado acerca das estratégias que está colocando em prática ou pretende desenvolver para o enfrentamento da situação de emergência, discriminando ações, programas, projetos e parcerias correspondentes, com a identificação dos respectivos cronogramas e recursos financeiros; e (iii) atualize o plano em questão a cada 48 (quarenta e oito) horas, enquanto perdurar a conjuntura excepcional, nos termos do voto do Relator. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 756. Partido Comunista do Brasil e outros versus Presidente da República. Relator: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI. Brasília, 22 de março de 2021. Processo Eletrônico. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6035593. Acesso em: 12 de Dezembro 2021.
________. Supremo Tribunal Federal. O Tribunal, por unanimidade, referendou a medida cautelar pleiteada para assentar que os Estados, Distrito Federal e Municípios (i) no caso de descumprimento do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, recentemente tornado público pela União, ou na hipótese de que este não proveja cobertura imunológica tempestiva e suficiente contra a doença, poderão dispensar às respectivas populações as vacinas das quais disponham, previamente aprovadas pela Anvisa, ou (ii) se esta agência governamental não expedir a autorização competente, no prazo de 72 horas, poderão importar e distribuir vacinas registradas por pelo menos uma das autoridades sanitárias estrangeiras e liberadas para distribuição comercial nos respectivos países, conforme o art. 3°, VIII, a, e § 7°-A, da Lei nº 13.979/2020, ou, ainda, quaisquer outras que vierem a ser aprovadas, em caráter emergencial . Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 770 . Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil versus Ministério da Saúde e Presidente da República. Relator: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI. Brasília, 24 de fevereiro de 2021. Processo Eletrônico . Disponível em : http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6068402. Acesso em 12 de Dezembro de 2021.
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graduanda em Direito pela universidade estadual do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Larissy carvalho. A importância das tutelas de urgência frente a morosidade causada pela pandemia do corona vírus, que preconizam o acesso à saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2022, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59464/a-importncia-das-tutelas-de-urgncia-frente-a-morosidade-causada-pela-pandemia-do-corona-vrus-que-preconizam-o-acesso-sade. Acesso em: 22 nov 2024.
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