INTRODUÇÃO
Desde a chegada dos shoppings centers no Brasil, vieram consigo novas formas de contratar típicas dos pactos americanos. Arraigados por um capitalismo bastante ofensivo, eles possuem uma forma muito diferente de olhar os contratos, com grande liberdade entre as partes para contratar, prestigiando a livre iniciativa.
Dentre as inovações trazidas pelos contratos de shoppings centers, talvez a mais controversas delas, seja a cláusula de raio. Um regramento que prevê que ao contratar com o empreendimento, o lojista pactua, de forma imediata, que não poderá ter estabelecimento comercial em um raio previamente especificado, próximo àquele shopping.
Apesar de muito comum no direito americano, e utilizado desde a década de trinta, este novo regramento contratual despertou bastante controvérsia na doutrina, que se dividiu entre aqueles que entendem ser totalmente possível a imposição de tal regramento e aqueles que discordam plenamente desta previsão contratual.
O estudo apresentará toda a origem deste regramento, seus conceitos e como é entendido nos Estados Unidos. Apresentará ainda, as duas partes da doutrina, suas melhores colocações e o que defendem para garantirem sua posição, além de demonstrar, também, como vem entendendo a jurisprudência mais recente.
Surgirão, então, as dúvidas cujo presente trabalho buscará elucidar: é legal a previsão contratual da cláusula de raio? Existem limites para a utilização desta cláusula? A cláusula de raio fere a livre iniciativa e a livre concorrência?
O presente trabalho utilizará o método dedutivo, através de pesquisas bibliográficas e da dialética jurídica. Para tanto, será necessário uma abordagem sobre as “cláusulas de raio”, apresentando os vários posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, a sua importância para o empreendimento, bem como, os riscos que ela pode trazer para a livre concorrência e para o consumidor.
2 ORIGEM E CONCEITO
A origem das cláusulas de raio, segundo a doutrina, vem da época da crise econômica de 1929 dos Estados Unidos. Naquela época, nos anos que se seguiram, diante da dificuldade dos locatário em garantir mensalmente seus aluguéis, bem como, diante da necessidade dos locadores de manterem seus imóveis locados, surgiu um novo tipo de contrato, quer seja, um contrato por participação.
Neste novo contrato, o aluguel era pago de forma variável, e não mais sob um valor fixo. Este valor variável estava atrelado a própria receita do locatário, ou seja, o pagamento do aluguel correspondia a uma porcentagem do faturamento do locatário. Com essa nova forma de contrato todos ganhavam, uma vez que o locatário não precisava mais se preocupar se conseguiria ou não pagar o aluguel, pois, este seria proporcional ao seu faturamento, bem como, os locadores, apesar do risco, sabiam que receberiam seus aluguéis proporcionais no fim de cada mês.
Ocorre que esta situação trazia muito mais riscos ao locador do que ao locatário, uma vez que aquele, estava a mercê do faturamento deste. Desta forma, para evitar que o locatário, diante do sucesso de seu empreendimento, vendo seu faturamento aumentar, pudesse, por exemplo, criar um novo empreendimento, próximo ao primeiro, com o intuito de dividir a clientela e, consequentemente, diminuir o valor do seu aluguel, criou-se então, a “cláusula de raio”.
Estas cláusulas previam, em regra, que o locatário não poderia instalar uma nova loja, em determinado raio de distância daquela onde havia instalado a primeira, para fins de proteção ao contrato de participação do locador.
Em um primeiro momento, e principalmente aplicada a realidade da época, esta cláusula nos parece bastante razoável, uma vez que todo o risco estava apenas com o locador, e a nova previsão equilibrava o contrato, garantindo ao locador que, diante de um sucesso do empreendimento do locatário, aquele contrato de risco, poderia também gerar frutos para ele.
Ora, sem entrar no mérito da boa-fé do comerciante, outra loja nas proximidades afetaria substancialmente os rendimentos do proprietário. De forma que permitir a fixação de aluguéis em bases percentuais e não haver restrições para impedir a abertura de novas lojas, colocaria nas mãos apenas do locador o poder de alterar uma das bases do contrato, quer seja a econômica, a seu bel-prazer, bastando para isso, criar um novo estabelecimento.
Diante deste precedente contratual criado, principalmente na década de trinta, na década de cinquenta, quando começaram a se popularizar os shopping centers nos Estados Unidos, quase que de imediato, surgiram neste novo tipo de contrato, as cláusulas de raio, que neste tempo, já eram bastante utilizadas no país.
Com a chegada dos shopping centers no Brasil, com a inauguração do Shopping Center Iguatemi, em São Paulo, em novembro de 1966, vieram também as cláusulas de raio. Não é verdadeiro que em todos os shoppings existam esse tipo de previsão contratual, mas é indubitável que se trata de uma proteção comercial, que muito se amolda ao tipo de contrato existente neste tipo de estabelecimento.
Esta aderência do contrato de shopping centers com a cláusula de raio, se deve muito à semelhança da forma de pagamento dos contratos de aluguéis da década de 30 nos Estados Unidos e dos contratos de locação das lojas de shopping centers, onde, dentre as formas de pagamento previstas, uma delas é o pagamento de aluguel sob a forma de porcentagem.
Porém, para muitos, a cláusula de raio se amolda muito mais aos shopping centers do que naquelas lojas da década de trinta, uma vez que, além de também possuir o aluguel percentual, esses conglomerados comerciais, possuem outras características, as quais denominam tenant mix, que será definida melhor posteriormente, que fariam com que se justificasse, ainda mais, tal previsão contratual.
Com a inovação contratual da cláusula de raio, por óbvio a doutrina e todos aqueles envolvidos nesta discussão, buscariam entender e definir melhor esta nova previsão contratual, e foi o que fez o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em recente publicação em seu próprio site:
A cláusula de raio é um instrumento contratual que obriga o lojista locatário de ponto comercial em shopping a não exercer as mesmas atividades em estabelecimentos que estejam situados a um raio de distância pré-determinado. Embora esse tipo de dispositivo não seja considerado ilegal em todo e qualquer contrato, ele tem potencial de gerar efeitos anticompetitivos dependendo de como as suas condições são estabelecidas.[1]
Os doutrinadores Daniel Cerveira e Marcelo Dornellas Souza, por sua vez, definem a cláusula de raio, como sendo:
(...)cláusula contratual pela qual o locatário (lojista) obriga-se a não constituir outra atividade idêntica ou congênere à sua (com extensão não só ao locatário como também aos seus sócios, empresas do grupo e até franquia) enquanto vigorar o pacto, cuja abrangência é fixada em extensão que varia de 1.000 metros a 3.000 metros (tendo-se notícia de até 5.000 metros).[2]
Quanto ao aspecto material, conforme verificado na explanação acima, existem algumas formalidades já conhecidas neste tipo de contratos, encontra-se em um processo que vem sendo julgado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, um modelo de cláusula de raio utilizado por um grande shopping center, veja:
4.5) – As DECLARANTES reservam-se no direito de resilir ou rescindir qualquer contrato de locação, se a locatária, sem a prévia concordância escrita das DECLARANTES, vier a abrir outro estabelecimento comercial, sede ou filial, que explore o mesmo ramo de atividade por ela exercida ou vier a utilizar o mesmo nome fantasia por ela adotado em qualquer de suas lojas no shopping center, desde que esse estabelecimento, sede ou filial, fique situado a uma distancia inferior a 2.000m (dois mil metros lineares), de qualquer ponto do prédio do shopping center, distancia essa considerada em linha reta, até o eventual e novo estabelecimento do locatário; 4.5.1) – As disposições contidas nesta cláusula estendem-se às empresas ou firmas de que os sócios das sociedades locatárias do shopping center participarem ou venham a participar, direta ou indiretamente como quotistas ou acionistas na condição de controladores ou majoritários, ou através de franqueados, desde que se tratem de firmas ou franquias que explores as meas atividades por ela [s] exercidas no shopping center.[3]
Resta evidente a finalidade dos shopping centers, com tais cláusulas, de limitar novas lojas de seus locatários, próximo ao seu empreendimento. Porém, não é consenso entre os juristas a sua classificação. Enquanto uns a qualificam como sendo uma “cláusula de exclusividade territorial”, outros a definem como “cláusula de não concorrência”.
É realmente um desafio verificar qual a qualificação mais acertada, uma vez que esta pode variar de acordo com o ponto de vista que analisado. Através da ótica do empreendedor, sem dúvida é possível classificar como uma cláusula de exclusividade territorial, uma vez que visa garantir que o locatário não buscará outro imóvel, de outro fornecedor, em área próxima ao seu.
Entretanto, para os defensores da cláusula de raio, ela não é apenas uma cláusula que limita a existência de outra loja da mesma rede nas proximidades de algum empreendimento, e nem se justifica apenas por isso, ao contrário, ela é muito mais do que isso.
Para eles, os lojistas que se encontram em um shopping center se diferenciem em muito dos demais lojistas, pois não é o shopping apenas um conglomerado de lojas, mas um novo conceito que envolve e oferece muito mais coisas, e que por isso, devem ser tratados de forma distinta. Nesse diapasão, não seria a cláusula de raio apenas uma proteção do empreendedor, enquanto fornecedor de um simples imóvel, o que se busca com tal cláusula é proteger todo um conglomerado de empreendedores e locatários, com interesses mútuos em um mesmo empreendimento.
De acordo com as ideias de Fábio Konder Comparato, tais interesses globais, são “comuns a todos os sujeitos neles envolvidos e, por conseguinte, nitidamente distintos dos interesses próprios ou particulares desses últimos”[4], e “devem prevalecer em relação a tais interesses particulares, como ocorre nas “organizações associativas ou societárias”[5].
Sobre estes interesses heterogêneos, também escreveu Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
As Normas Gerais de Funcionamento de todo o empreendimento estão contidas numa convenção –ou contrato-tipo- que estabelece as regras normativas de funcionamento de todo o empreendimento, vinculando todos os lojistas, os atuais e os que venham a ser naquele shopping center. Tais normas gerais contêm cláusulas comuns a todos os contratos, com a finalidade de uniformizá-las, de forma que as avenças, como o contrato de locação, o regimento interno, o fundo de promoções coletivas, a associação dos lojistas e a administração do centro comercial já estejam previamente delimitadas em suas cláusulas gerais, o que faz com que a redação dos demais contratos fique deveras facilitada. A função da convenção consistente nas Normas Gerais Complementares é permitir a efetiva implantação e aplicação da atividade do shopping center, assegurando a homogeneidade naquilo que é próprio do empreendimento, e a cooperação de todos para o êxito das atividades comuns, subordinando os diversos direitos individuais dos lojistas ao interesse geral e coletivo de todos, empreendedor e lojistas. Há, por certo, a verificação de que o poder de atração exercido pelo empreendimento se refletirá no êxito de todos os lojistas, individualmente considerados nas suas atividades próprias e, logicamente, no sucesso do empreendedor. [6]
Ora, uma determinada loja que opta por se instalar em um shopping center, não está em busca apenas de um espaço físico para locar, busca muito mais que isto, buscam o que a doutrina chama de “tenant mix”, que é todo planejamento que o empreendedor de um shopping tem, em organizar de forma atrativa a clientela o seu estabelecimento, através de estudos preliminares que envolvem desde a posição das lojas até as possibilidades de lucro de cada uma delas.
Desta forma, vem se firmando o entendimento na doutrina de que o interesse da cláusula de raio não é imobiliário, não visa, exclusivamente evitar que o locatário busque outro imóvel em determinada região, mas sim, a preservação da clientela daquele shopping center. Portanto, para o empreendedor, o que está em jogo é a proteção da sua clientela.
Por isso, apesar de alguns defenderem que se tratam de cláusulas de exclusividade territorial, nos parece muito mais amplo, não se limitando apenas ao aspecto territorial, sendo sua melhor classificação como sendo cláusula de não concorrência.
Diante de todas estas novas realidades trazidas por um novo modelo de locação, dentro de um novo produto oferecido, complexo e diferente do habitual, há que se buscar proteger o consumidor, de forma que este não seja o único prejudicado nesta relação.
Neste diapasão, são vastas as previsões legais que vedam a restrição da concorrência, estimulando a livre iniciativa e a livre concorrência, a primeira delas, na própria Constituição Federal, em seu artigo 170, in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência; (...)[7]
Já em seu artigo 173, §4º, a CF/88 prevê que a existência de tal conduta, deverá ser reprimida: “§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”[8].
Pode-se verificar claramente, diante das previsões constitucionais acima, que o poder constituinte, teve uma grande preocupação em garantir a livre concorrência e a livre iniciativa, bem como, garantir que não haja dominação do mercado e a eliminação da concorrência.
Diante da modernização dos tipos de relação comercial, com o surgimento de várias novas empresas e conglomerados, dentre elas a própria disseminação dos shopping centers, que se multiplicaram como nunca, o legislador ordinário também se preocupou em dar segurança e regulamentar essas novas formas de mercado.
Entra em vigor então em 30 de novembro de 2011, a Lei nº 12.529, substituindo, principalmente a Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, que, até então, regulava o mercado. Dentre as mudanças trazidas pela nova lei, houve uma estruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda), além de várias previsões sobre formas de prevenir e reprimir possíveis infrações contra a ordem econômica.
Dentre as previsões legais da nova lei, destaca-se a previsão expressa em seu artigo 36, de situações, sob as quais, estariam as empresas praticando infração contra a ordem econômica, veja:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
(...)
§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
(...)
III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;[9]
É evidente a preocupação do legislador em garantir um mercado justo e equilibrado, onde se possa garantir uma concorrência leal, capaz de manter equilibrados os preços, e que possa permitir a entrada de novas empresas no mercado, sem riscos de sofrer retaliações, garantindo assim a livre iniciativa e a livre concorrência, garantias constitucionais.
Como é possível ver, se trata de uma relação complexa, entre os shopping centers e seus locatários, envolvendo vários interesses de ambas as partes, sem falar no interesse do próprio consumidor, que é constitucionalmente garantido e deve ser protegido.
Diante da complexidade inerente da cláusula de raio e de suas classificações, será apresentado a seguir como tem sido o entendimento dos doutrinadores, dos órgãos administrativos e da própria jurisprudência, na analise do caso concreto e na aplicação das leis que foram acima mencionadas.
3 REQUISITOS, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
Por se tratar de um tema bastante controverso, é compreensível que existam posições doutrinárias diferentes, bem como, diversas decisões de órgãos administrativos responsáveis por equilibrar essa relação, como é o caso do CADE, e até mesmo do próprio judiciário, que ora condenam as cláusulas de raio, e em outra, lhe garantem validade. O trabalho se dedicará agora a aprofundar um pouco nestas posições e decisões.
Inicialmente é importante salientar, que durante o estudo do tema, pôde-se verificar que existem algumas “regras de validade” tácita, que vem sido seguida pela jurisprudência. Como por exemplo a verificação, no caso concreto, se a restrição está limitada ao tipo de atividade que aquele lojista desempenha dentro do empreendimento, ou seja, se a cláusula veda apenas que o locatário se exima de montar próximo ao shopping loja do mesmo ramo que aquela que possui lá, não sendo aceitas cláusulas que vedam o empreendedorismo do locatário, em atividade diversa daquela.
Outro ponto importante na doutrina e na jurisprudência é a teoria do investimento do empreendedor para construir aquele empreendimento e garantir que o mesmo dê lucro, a si e a todos os lojistas. É o chamado tenant mix, já conceituado acima. Ele se inicia ainda no estudo de viabilidade do empreendimento, quando se verifica o local que irá ser construído e a área (raio) que irá conseguir atingir a clientela. Em regra, mostram os estudos, que um shopping center costuma atrair clientes em um raio de até 15 minutos, em grandes centros, em uma distância de 2 quilômetros.
Por isso os shopping centers, como já dito anteriormente, não podem ser considerados como um conglomerado de lojas, haja visto que há uma série de estudos e investimentos visando garantir o lucro dos locatários, tais como estudo da população próxima ao empreendimento, suas rendas, seus hábitos de consumo, seu poder de compra, buscam o empreendedor, melhorias no tráfego. Dentro do próprio projeto do shopping center, dentro do “mix” de produtos que oferecerá, mesclam a existência de grandes e famosas lojas, chamadas de “lojas-âncora”, com lojas menos conhecidas, chamadas de “lojas-satélites”, que poderão explorar o poder de atração das grandes marcas.
Seria muito simplório, fazer uma definição da cláusula de raio, ou mesmo um julgamento, no caso concreto, sem levar em conta todo esse contexto. Caio Mário da Silva Pereira, em seus estudos, destaca estas características específicas destes empreendimentos:
O shopping center tem características próprias, arregimentadas e às vezes custosamente montadas pelo organizador. A escolha de um locatário, sua localização no conjunto, a distribuição dos gêneros do comércio são objeto de um planejamento meticuloso, e não obra do acaso. Aquilo que para o cliente pode parecer mera coincidência assume, na verdade, fruto de estudo, de cogitação, de estimativa de qualidade, de que tudo resulta um conjunto harmônico, indispensável à rentabilidade mercadológica do empreendimento.[10]
Maria Elisa Gualando Verri, também ressalta as dificuldades que possuem os shoppings de prestar um serviço diferenciado, e defende a imposição de regras diferenciadas, por este motivo:
o shopping center precisa de uma estrutura diferenciada para alcançar sua finalidade. Devem estar presentes uma grande diversidade de lojas e facilidade de locomoção, estacionamento, etc., para atrair a clientela. E as lojas devem ser apostas estrategicamente, também para atrair a clientela. Portanto, não basta que um shopping center seja composto de um conjunto de lojas. Regras têm de ser impostas, dentre elas as restritivas, para que seja mantida a organização dos shopping centers.[11]
Outro ponto, que vem se tornando unanimidade, é o prazo estabelecido para tal cláusula. O raciocínio que se faz é simples, se foi afirmando que tal cláusula é necessária para devolver ao empreendedor, um investimento que o mesmo teve, para planejar, implementar e administrar o empreendimento, nada mais justo que este retorno tenha um prazo de validade, ou seja, qual seria o tempo necessário para estipulação de uma cláusula de raio que garantisse o retorno econômico do empreendedor? Muitos tem entendido que este tempo de retorno seria de, no máximo 5 anos, e este deveria ser o limite de duração desta cláusula, vedada sua renovação, e vedada a cláusula sem prazo.
Quanto à extensão do raio, a doutrina e jurisprudência vem se posicionando no sentido de ser razoável, cláusulas de até 2 Km, em determinadas situações permitindo, no caso concreto, o limite de 5 quilômetros, sendo vedadas cláusulas com raio superior a isso. Geralmente se levam em conta para auferir a razoabilidade da cláusula, dentre outros, o número de habitantes, se a delimitação do raio prejudicará outros empreendimentos e os próprios investimentos do shopping.
Mas dentre todas as análises necessárias para validação da cláusula de raio, vem se tornando essencial a aplicação da razoabilidade. Para os doutrinadores, a legislação brasileira importou dos Estados Unidos, juntamente com os contratos que previam as cláusulas de raio, a regra da razão, sob a qual, a Suprema Corde dos Estados Unidos, em um caso conhecido de aplicação da lei antitruste da Standard Oil, afirmou que tal lei deveria ser interpretada “sob a luz da razão”, de maneira que apenas aquilo que fugisse do razoável, sob a ótica da razoabilidade, tomando por base todo o conjunto de fatores que envolvem cada caso, deveria ser considerado ilícito. Veja uma afirmação do famoso Juiz Louis Dembitz Brandeis, da Suprema Corte dos Estados Unidos, que ficou conhecido por conciliar o desenvolvimento com os interesses da sociedade:
(...) the legality of an agreement or regulation cannot be determined by so simple a test, as whether it restrains competition. Every agreement concerning trade, every regulation of trade, restrains. To bind, to restrain, is of their very essence. The true test of legality is whether the restrain imposed is such as merely regulates and perhaps promotes competition or whether it is such as may suppress or even destroy competition. To determine that question the court must ordinarily consider the facts peculiar to the business to which the restraint is applied; its condition before and after restraint was imposed; the nature of the restraint and its effect, actual or probable. The history of the restraint, the evil believed to exist, the reason for adopting the particular remedy, the purpose or end sought to be attained, are all relevant facts. This is not because a good intention will save an otherwise objectionable regulation or reverse; but because knowledge of intent may help the court to interpret facts and predict consequences.[12]
Ora, o que esse notável jurista americano tenta afirmar é que não há que se falar em nulidade de uma cláusula de raio per si. Há uma série de fatores a serem analisados em conjuntos para uma cognição correta. O próprio CADE, no Anexo II da sua Resolução 20, de 09 de junho de 1999, coloca a razoabilidade como moderadora:
O principal pressuposto, a ser verificado preliminarmente pela análise, é que condutas prejudiciais à concorrência, e não apenas a concorrente(s) em geral, requerem a pré-existência, a alavancagem de um mercado para outro ou a busca de posição dominante no mercado relevante por parte de quem a pratica. Aplicando-se o princípio da razoabilidade, esses requisitos constituem condições necessárias, mas não suficientes, para considerar uma conduta prejudicial à concorrência. Para tanto é preciso avaliar seus efeitos anticompetitivos e ainda ponderá-los vis à vis seus possíveis benefícios (eficiências) compensatórios.[13]
A doutrina brasileira também vem se posicionando nesse sentido, para Pedro Paulo Salles Cristofaro, é válida a cláusula, diante do preenchimento de certos requisitos:
Inicialmente, é necessário que se defina o tipo de atividade empresarial sobre a qual incide a regra de não concorrência com o shopping center. Na medida em que a cláusula de raio tem função essencial de manter a posição relativa do lojista no tenant mix, considerando sua força atrativa, não há porque estendê-la além das atividades exercidas pelo lojista naquele shopping. No que diz respeito ao prazo de vigência, entendemos que, em situações normais [admite-se] [...] que a restrição vigore durante todo o curso da relação locatícia. Por fim, o raio propriamente dito em que a concorrência estaria proibida deverá ser limitado ao estritamente necessário para que o poder de atração da loja localizada no interior do shopping não seja aviltado. A distância cabível, naturalmente, dependerá de diversos fatores, que fazem parte dos próprios estudos de viabilidade para a composição do tenant mix. Em um ‘shopping de vizinhança’, cujo mix é formado para atender as necessidades básicas de consumidores vizinhos, o raio de proteção será menor; em um shopping regional, que visa a atender a toda sorte de clientes, o raio poderá ser maior. No interior, em que o deslocamento entre grandes distâncias se faz em um curto espaço de tempo, o raio poderá ser maior, nos grandes centros, marcados por engarrafamentos, menor, etc.[14]
O judiciário também vem enfrentado essa matéria de forma repetitiva, aqueles que vêm dando validade as cláusulas, o vem fazendo baseado nos requisitos de validades que foram apontados acima. Em 2011, ao julgar o processo 9219951-28.2009.8.26.0000, o TJ-SP, entre o Condomínio Shopping Center Iguatemi e Valdac Ltda, reconheceu a validade da cláusula de raio. De acordo com o Desembargador Relator Edgard Rosa:
[...] disposições de não-concorrência nos “Shopping Centers” visam resguardar os interesses de tais centros comerciais que, na complexa e peculiar atividade desenvolvida, procuram organizar seu espaço físico de maneira estratégica, formando o seu “tenant mix” com vistas a atrair o público-alvo por eles definido. Daí a seleção dos produtos almejados por essa gama de clientes e das lojas freqüentadas por tais consumidores. [...] Por essa razão, é legítimo concluir que o shopping center, em si mesmo, apesar de destituído de personalidade jurídica, é objeto de proteção do direito concorrencial, tanto em relação a terceiros, como também nas relações entre os próprios comerciantes com estabelecimentos nele localizados [...] Disso se extrai que cláusulas de interdição de concorrência nos shoppings centers, a exemplo da cláusula de raio discutida no caso em apreço, são perfeitamente válidas e encontram seu fundamento na necessidade de assegurar a clientela do centro comercial e, por consequência, o faturamento e a própria continuidade do negócio.28 Como forma de buscar argumentos para justificar a validade da cláusula de raio, no caso concreto, o Desembargador Edgard Rosa considerou que o Shopping Center Iguatemi: [...] delimitou suficientemente a abrangência espacial da proibição de concorrência, que alcança um raio de apenas 2,5 km (dois quilômetros e meio) do centro do terreno do Shopping Center Iguatemi, distância está plenamente razoável quando comparada à larga extensão da metrópole de São Paulo. Assim, diversamente do que tenta fazer crer a empresa ré, a cláusula de raio instituída pelo Shopping Iguatemi não se revela genérica e abusiva, mas sim precisa em sua delimitação no espaço e fundada na necessidade de proteger a clientela do centro comercial, o que reverte em favor dos próprios lojistas.[15]
O Superior Tribunal de Justiça, pouco tem entrado no mérito da questão, por, muitas das vezes, demandar reanálise fática. Mas nas poucas vezes que se manifestou, tem sido no sentido apresentado acima, de que a regra não é nula per si, mas demanda uma análise no caso concreto, aplicada a razoabilidade, in verbis:
Em tese, não é abusiva a previsão, em normas gerais de empreendimento de shopping center ("estatuto"), da denominada "cláusula de raio", segundo a qual o locatário de um espaço comercial se obriga - perante o locador - a não exercer atividade similar à praticada no imóvel objeto da locação em outro estabelecimento situado a um determinado raio de distância contado a partir de certo ponto do terreno do shopping center. [16]
Em julgado ainda mais recente, em maio de 2016, no Recurso Especial nº 1535727, o STJ se posicionou pela não abusividade da cláusula de raio. Veja a decisão:
A cláusula de raio, inserida em contratos de locação de espaço em shopping center, não é abusiva. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmado em julgamento de recurso especial. Para o colegiado, os shoppings constituem uma estrutura comercial híbrida e peculiar e as cláusulas extravagantes servem para garantir o fim econômico do empreendimento.[17]
Mas há também aqueles que enxergam na cláusula de raio uma nítida afronta à livre iniciativa e à livre concorrência, prejudicando de forma incontroversa o consumidor. O Ministro Luís Roberto Barroso, em um de seus estudos, aponta quatro elementos essenciais da livre iniciativa como princípio constitucional. Seriam eles a propriedade privada, a liberdade de empresa, a liberdade de lucro e a liberdade de contratar, sendo estes, os limites a serem respeitados. Já Miguel Reale aponta na livre iniciativa a transposição, para a vida econômica, dos princípios de liberdade individual assegurados pela Constituição. O próprio Reale trata de definir livre concorrência como sendo: “o ‘princípio econômico’ segundo o qual a fixação dos preços das mercadorias e serviços não deve resultar de atos de autoridade, mas sim do livre jogo das forças em disputa de clientela na economia de mercado”[18].
Obviamente o primeiro limite seria este mesmo, apontado por Miguel Reale, a própria constituição, que como visto acima, protegem de forma peremptória a livre iniciativa e a livre concorrência. A fundamentação Constitucional para invalidade da cláusula de raio por violação à livre concorrência e à livre iniciativa também é defendida por Gladston Mamede:
[...] a vigente Constituição Federal não mais permite que sejam postos limites à capacidade dos cidadãos (individualmente ou organizados em pessoas jurídicas) de livre agir e de livre concorrer. Basta recordar que a livre iniciativa é fundamento da República, assim definido pelo artigo 1°, IV, da Constituição Federal. Reconhece o nosso legislador constituinte que é do interesse do Estado brasileiro, para benefício do País, que as pessoas tenham amplas possibilidades de ação econômica, elevando a possibilidade de concretizar empreendimentos os mais diversos, desde que legais, à condição de base do sistema jurídico e econômico no qual baseia-se a República. Além do mais, não se pode desprezar a colocação do princípio no momento fundamental da Ordem Jurídica, vale dizer, logo no 1° artigo da Constituição; como se não bastasse, a Norma Maior privilegia-o um outra vez em momentos posteriores de seu texto. E assim, encontra-se a disposição anotada no artigo 170 da Constituição: logo no caput, consagra-se, uma vez mais, o império da livre iniciativa, ao passo que o inciso IV consagra o princípio da livre concorrência.[19]
Na legislação infraconstitucional não é diferente, a lei antitruste, além da proteção, trouxe um grande rol de hipóteses que caracterizam infração contra a ordem econômica, tais como: dominar o mercado, exercer de forma abusiva posição dominante, limitar ou impedir o acesso de novas empresas no mercado, dentre outros.
Quanto a posição dominante, que tem sua previsão na lei antitruste, em seu artigo 36, inciso IV, encontra-se seu conceito no art. 82 (antigo artigo 86) do Tratado da Comunidade Européia (The European Community acknowledges):
“a position of economic strength enjoyed by an undertaking which enables it to prevent effective competition being maintained on the relevant market by giving it the power to behave to an appreciable extent independently of its competitors, customers and ultimately consumers”.[20]
Outra preocupação evidente é a de que não se limite ou impeça o acesso de novas empresas ao mercado, previsto no Art. 36, §3º, III - Lei 12.529/11. Ora, sem dúvida uma preocupação muito importante, haja vista que a cláusula de raio, se não respeitada sua razoabilidade, sem dúvida, poderia evitar a entrada de novas empresas no mercado, principalmente naquele raio aplicado. O mesmo raciocínio se aplicaria a previsão do inciso IV do mesmo dispositivo, que prevê que não se poderá “criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente”[21], por óbvio, a finalidade desta, é a mesma daquela, evitar que a cláusula impeça a criação ou mesmo a manutenção de outras empresas.
A crítica a forma que a cláusula está estipulada no contrato também existe. Em um primeiro momento quanto ao fato de ser o contrato, e tão logo a cláusula, um contrato de adesão, tipo de contrato muito conhecido no direito do consumidor, onde não há espaço para a discussão do contrato, ou mesmo de uma cláusula, sendo sua única opção a assinatura do contrato da forma que lhe é apresentado. O segundo ponto, também apontado como vício pela doutrina, é o fato desta cláusula ser unilateral, ou seja, causando restrição apenas ao lojista, não havendo nenhuma imposição que o empreendedor, por exemplo, crie outro shopping no mesmo raio.
É neste sentido que se posiciona o Desembargador e Professor Guilherme Calmon que defende que esta unilateralidade da cláusula, por si só, já é suficiente para torná-la ilícita:
[...] leonina, imposta pelo empreendedor sem que o lojista pudesse alterar ou modificar [o contrato], deixando ao arbítrio do locador a possibilidade de se inaugurar novo estabelecimento próximo ao shopping center. (...) É de se reconhecer, pois, cuidar-se de cláusula ilícita, por encerrar abusividade evidente.[22]
O reconhecimento da validade destes contratos e destas cláusulas são de responsabilidade, em um primeiro momento, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, que tem como função orientar, fiscalizar, prevenir e apurar os abusos econômicos. E ele tem se posicionado no sentido de não validade das cláusulas de raio, embasando-se no direito à livre concorrência e abuso do poder dominante, como se pode extrair de seus julgados.
No caso mais conhecido de julgamento deste órgão, sobre este assunto, e que foi levado ao judiciário, onde até hoje não se encerrou, ao analisar a validade da cláusula de raio do Condomínio Shopping Center Iguatemi, o CADE, condenou a empresa pela utilização ilegal da cláusula, apontando vários motivos para sua decisão, veja um trecho com os principais pontos abordados:
a) o lojista-condômino é prejudicado porque fica impedido de instalar outro estabelecimento similar em local próximo (de modo que poderia analisar a melhor opção de ponto comercial), ficando obrigado a pagar um aluguel cada vez mais alto naquele “shopping” exclusivo;
b) o custo dessa “exclusividade” acaba sendo repassando para o consumidor, com o aumento dos preços das mercadorias/serviços oferecidos;
c) os “shoppings” e galerias concorrentes são afetados, pois não podem ter essas lojas nem disputar o mercado com o agente econômico que exerce a liderança no setor;
d) o consumidor é prejudicado com a impossibilidade de escolher, de acordo com sua conveniência, para onde se dirigir para adquirir aquele produto/serviço;
e) a sociedade perde com a ausência de rivalidade e de concorrência no mercado e, portanto, com a falta de incentivo à exploração eficiente da atividade econômica.[23]
Inconformado com a decisão, o Shopping Iguatemi entrou com uma Ação Anulatória na Justiça Federal, a mesma tramitou na 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, sob o nº 0010504-07.2008.4.01.3400, em sua sentença, o Juiz Federal Dr. João Luiz de Sousa, manteve a decisão do CADE:
e tal arte, entendo que a conduta tida pelo autor, ao fixar cláusula de raio aos contratos firmados com os lojistas, limitou e prejudicou a livre concorrência e a livre iniciativa ao exercer de forma abusiva posição dominante em mercado relevante de bens e serviços; além disso, concluo que a cláusula vergastada limitou o acesso de novas empresas ao mercado, bem assim criou dificuldades ao desenvolvimento e funcionamento de concorrentes que atuam no mercado relevante. Caracterizada, pois, a infração à ordem económica, nos termos da legislação de regência, é consequência lógico-jurídica a imposição de sanções legais. Nesse sentido, observo que os parâmetros adotados na decisão administrativa estão em consonância com a Lei n. 8.884/94, bem assim com a gravidade da conduta, ressaltando-se, inclusive, que o valor da multa fixada pelo CADE dentro dos limites permitidos. A decisão colimada é, pois, razoável e obedece aos requisitos constitucionais e legais que regem a matéria, razão pela qual a pretensão vestibular não se reveste de plausibilidade, afigurando-se, logo, insubsistente a tese ventilada na exordial, remanescendo, por consequência incólume o ato administrativo vergastado.[24]
Outras decisões também foram no mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Ceará, ao julgar matéria concernente à cláusula de raio, cujo comprimento era de 5 (cinco) quilômetros, decidiu pela invalidade da cláusula:
[...] Na espécie, tenho que a chamada "cláusula de raio", imposta pelo Shopping Center apelado, não se coaduna com as restrições legais atinentes ao abuso do poder econômico e à livre concorrência, tendo em vista que simplesmente cria limites que não condizem com a competitividade inerente aos mercados. Com efeito, a impossibilidade de a apelante, com filial no Shopping Center apelado, abrir novos estabelecimentos comerciais em um raio de 05 (cinco) quilômetros afigura-se nesta sede irrazoável, porquanto prejudica a livre concorrência, na medida em que visa tão somente a dominação do mercado pelo North Shopping. [...] Ademais, estreme de dúvidas que a referida cláusula objetiva não só o aumento do faturamento geral do Shopping Center apelado, mas também o monopólio, ou seja, a exclusividade de algumas lojas em seu espaço, prática esta que vai de encontro ao disposto no art. 20, incisos I e II, da Lei nº 8.884/9440, porquanto limita, abruptamente, o acesso do cliente aos serviços oferecidos pelos centros comerciais concorrentes. [...].[25]
Decisão semelhante ocorreu no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde foram destacados, como motivos principais, a defesa do consumidor e a limitação a abertura de novos comércios, veja a decisão:
“A princípio, não se pode falar em ilegalidade por haver previsão de “cláusula de raio” nas normas gerais de shopping centers, pois tal previsão decorre da autonomia privada dos contratantes, que, em tese, podem ajustar os respectivos direitos e obrigações. [...] Ocorre que a “cláusula de raio”, quando usada de forma abusiva, pode e deve ser considerada ilícita, notadamente quando viola preceitos da ordem econômica e dos direitos dos consumidores, porquanto, nesse caso, não se trata apenas de interesse privado, mas sim de interesse público, da coletividade. Também constituiu infração à ordem econômica limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; ou criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente, nos termos do art. 21, incs. IV e V, da Lei 8.884/199438. [...] Além disso, é possível vislumbrar violação aos dispositivos do CDC, pois a “cláusula de raio” limita a abertura de novos estabelecimentos nos arredores [...] Desse modo, por haver indícios de violação aos regramentos de proteção à ordem econômica e de defesa ao consumidor, vejo como presentes os pressupostos da prova inequívoca e verossimilhança das alegações da parte autora/agravante.[26]
Como é possível ver, apesar do CADE ter se posicionado de forma bastante contrária a cláusula de raio, na jurisprudência ainda não há uma posição definida, tendo sido aplicada a decisão muito em cima do caso concreto, verificando a localização do empreendimento, o público, o tamanho do raio, o tempo de duração de tal cláusula, dentre outros.
CONCLUSÃO
Neste breve estudo foi possível verificar como as cláusulas de raio tem tomado conta dos contratos, principalmente nos contratos de shopping centers. Na verdade estas regras vieram para o país, juntamente com os próprios empreendimentos, ainda na década de 60, porém, com a sua proliferação, aumentaram também a preocupação com esse tipo de cláusula.
A cláusula em si, é bastante simples, se tratando de uma previsão contratual que prevê que um determinado lojista, ao contratar com um shopping center, assina um contrato onde uma de suas cláusulas estipula que ele não poderá, em um raio específico, constituir um novo empreendimento.
Para aqueles que são contra a cláusula, paira o pressuposto de que ela é leonina em sua essência, uma vez que já nasceriam violando a livre concorrência e a livre iniciativa. Outro forte argumento para aqueles que assim entendem é a própria lei antitruste, que prevê, dentre outras coisas, que há que se punir aqueles que: impeçam o acesso de novas empresas no mercado, criem dificuldade para o funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente, assuma posição dominante, dentre outros.
Por outro lado, para aqueles que defendem sua validade, a autonomia da vontade das partes deve prevalecer. Defendem ainda que, no mérito da própria cláusula, ela se justifica, uma vez que é o shopping center uma atividade atípica, que envolvem formas de contratação e investimentos diferenciados, o chamado “tenant mix”, que não podem ser comparado com qualquer outro contrato do mercado. Por fim, também entendem que devem ser levados em conta o investimento e a perspectiva de retorno do empreendedor, que também deve ser protegido nesta relação.
Pode-se concluir, portanto, que a cláusula, per si, não é ilícita, devendo seus possíveis vícios serem analisados caso a caso. A jurisprudência vem se consolidando no sentido de que existem regras a serem seguidas para que sejam reconhecidas a validade desta cláusula, dentre elas que o raio definido seja proporcional ao tamanho do empreendimento e ao meio que está inserido. A verdade é que quase todas as interpretações da jurisprudência, tanto do CADE, quanto do próprio Judiciário, tem sido no sentido de que a cláusula é válida na medida que não prejudica terceiros, principalmente o consumidor.
Sendo assim, a cláusula não nasce viciada, mas adquire o mesmo na medida em que não adota o princípio da razoabilidade na sua previsão. Não é, por si só um atentado a livre iniciativa e a livre concorrência, mas o faz, na medida que ultrapassa os limites razoáveis da sua aplicação.
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[1] Conselho Administrativo de Defesa Econômica, CADE. Cade discute cláusulas de raio em contratos de shopping centers. 2016. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/noticias/cade-discute-cláusulas-de-raio-em-contratos-de-shopping-centers>. Acesso em: 11/06/2017.
[2] CERVEIRA, Daniel Alcântara Nastri; SOUZA, Marcelo Dornellas. Shopping Center: limites na liberdade de contratar. São Paulo: Saraiva, 2011, p.92.
[3] Tribunal de Justiça. Processo nº 0020780-65.2014.8.19.0001. RIO DE JANEIRO. 2014. Disponível em: <http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaProc.do?v=2&FLAGNOME=&back=1&tipoConsulta=publica&numProcesso=2014.001.016935-0>. Acesso em: 11/06/2017.
[4] COMPARATO, Fábio Konder apud CRISTOFARO, Pedro Paulo Salles. As Cláusulas de Raio em Shopping Centers e a Proteção à Livre Concorrência. Revista do IBRAC, vol.10, n.3, 2003. Disponível em: < http://www.loboeibeas.com.br/archives/535>. Acesso em: 11/06/2017.
[5] CRISTOFARO, Pedro Paulo Salles. As Cláusulas de Raio em Shopping Centers e a Proteção à Livre Concorrência. Revista do IBRAC, vol.10, n.3, 2003. Disponível em: < http://www.loboeibeas.com.br/archives/535>. Acesso em: 11/06/2017.
[6] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Contrato de Shopping Center. Revista da EMERJ. Vol. 5, n. 18, 2002. p. 187- 227.
[7] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 11/06/2017.
[8] Ibidem. Acesso em: 11/06/2017.
[9] BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 De Novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Brasília, 2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 11/06/2017.
[10] PEREIRA, Caio Mário da Silva apud CRISTOFARO, Pedro Paulo Salles. As Cláusulas de Raio em Shopping Centers e a Proteção à Livre Concorrência. Revista do IBRAC, vol.10, n.3, 2003. Disponível em: < http://www.loboeibeas.com.br/archives/535>. Acesso em: 11/06/2017.
[11] VERRI, Maria Elisa Gualando apud CRISTOFARO, Pedro Paulo Salles. As Cláusulas de Raio em Shopping Centers e a Proteção à Livre Concorrência. Revista do IBRAC, vol.10, n.3, 2003. Disponível em: < http://www.loboeibeas.com.br/archives/535>. Acesso em: 11/06/2017.
[12] U.S. Supreme Court. Chicago Board of Trade v. United States. No. 98. Decided March 4, 1918. Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/246/231/case.html>. Acesso em: 11/06/2017.
[13] Conselho Administrativo de Defesa Econômica, CADE. Resolução nº 20 de 09/06/1999. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=96756>. Acesso em: 11/06/2017.
[14] CRISTOFARO, Pedro Paulo Salles. As Cláusulas de Raio em Shopping Centers e a Proteção à Livre Concorrência. Revista do IBRAC, vol.10, n.3, 2003. Disponível em: < http://www.loboeibeas.com.br/archives/535>. Acesso em: 11/06/2017.
[15] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação n. 9219951-28.2009.8.26.0000. 30ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Edgard Rosa. Julgado em: 21 set. 2011. Disponível em: <http://www.buscaoficial.com/c/diario/cAbzehdGs/>. Acesso em: 11/06/2017.
[16] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº1.535.727-RS. 4ª Turma. Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/5/2016. Disponível em: < http://www.tributosdegoias.com.br/2016/08/08/stj-define-as-clausulas-extravagantes-permitidas-no-contrato-do-shopping-center/ />. Acesso em: 11/06/2017.
[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1535727. 2016. Disponível em: < http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/3139662/boletim-sedif-n-79-2016.pdf>. Acesso em: 11/06/2017.
[18] REALE, Miguel. Aplicações da Constituição de 1988, ed. Forense, 1990, p. 14.
[19] MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping center: abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 110.
[20] Case 27/76 United Brands Company and United Brands Continental BV v. Commission of the European
Communities. 1978. Disponível em: < http://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:134898/fulltext01.pdf>. Acesso em: 11/06/2017.
[21] BRASIL. Lei n. º. 12.529 de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 11/06/2017.
[22] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Revista da EMERJ.Contrato deShopping Center. Vol. 5, n. 18, 2002. p. 224.
[23] HENRIQUE, Anne Cristiny dos Reis. Cláusula de raio: violação ao princípio da livre concorrência. 2014. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,clausula-de-raio-violacao-ao-principio-da-livre-concorrencia,49978.html>. Acesso em: 10/06/2017.
[24] HENRIQUE, Anne Cristiny dos Reis. Cláusula de raio: violação ao princípio da livre concorrência. 2014. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,clausula-de-raio-violacao-ao-principio-da-livre-concorrencia,49978.html>. Acesso em: 10/06/2017.
[25] CEARÁ. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 76043554200080600011. 2ª Câmara Cível. Rela. Desa. Gizela Nunes da Costa. Julgado em: 06 dez. 2006. Disponível em: <http://esaj.tjce.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=14866>. Acesso em: 10/06/2017.
[26] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70038585303. Décima Sexta Câmara Cível. Rel. Des. Ergio Roque Menine. Julgado em: 27 jan. 2011. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70038585303&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 12/06/2017.
Doutorando em Direito pela PUC - São Paulo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, ETINON RAMOS DE OLIVEIRA. A legalidade da “cláusula de raio” nos contratos de Shopping Centers Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2022, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59591/a-legalidade-da-clusula-de-raio-nos-contratos-de-shopping-centers. Acesso em: 04 dez 2024.
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