ISA OMENA MACHADO DE FREITAS[1]
(orientadora)
RESUMO: Este artigo dispõe em seu tema sobre as “alterações histórico-normativas material e formal desde 1886 que vem beneficiando a proteção aos animais”. A preferência pelo tema, bem como o objetivo geral desta pesquisa, consiste em identificar se houve evolução nas benesses produzidas desde a sua legislação inaugural até as alterações hodiernas. Visando alcançar o objetivo apontado, utilizou-se a metodologia do trabalho jurídico através do método dedutivo, executado pela técnica exploratória bibliográfica e documental, assim permitindo melhor visualização da proposta sob a perspectiva da jurisdição nacional. Os objetivos específicos utilizados para elucidar o objetivo geral, embasam-se nas identificações, motivações e reflexos das alterações histórico-normativas relevantes a proteção jurídica dos animais, trazendo como problema responder quais foram as alterações histórico-normativas que beneficiou a proteção animal, destarte, o resultado obtido a partir dos métodos citados, restou-se positivo mediante ao problema apresentado, ao passo que todas as alterações histórico-normativas vêm beneficiando a proteção aos animais, sobretudo as concernentes ao Código Penal, por ter como finalidade exclusiva a punição dos agentes praticantes de maus-tratos, em especial a cães e/ou gatos, cujas espécies, culturalmente, se fazem mais presentes na vida social, gerando maior comoção e necessidade de punição mais severa, conforme aduz qualificadora vigente.
Palavras – Chaves: Proteção aos animais; alterações histórico-normativas; maus-tratos aos animais.
ABSTRACT: This article discusses the “material and formal historical-normative changes since 1886 that have benefited the protection of animals”. The preference for the theme, as well as the general objective of this research, is to identify whether there has been an evolution of the benefits produced since its inaugural legislation until today's changes. In order to achieve the objective, the methodology of legal work was used through the deductive method, performed by the bibliographic and documentary exploratory technique, thus allowing a better visualization of the proposal from the perspective of national jurisdiction. The specific objectives used to elucidate the general objective are based on the identifications, motivations and reflexes of the historical-normative changes relevant to the legal protection of animals, bringing as a problem to answer what were the historical-normative changes that benefited animal protection, thus, the result obtained from the methods mentioned, remained positive through the problem presented, while all historical-normative changes have benefited the protection of animals, especially those concerning the Penal Code, for having the exclusive purpose of punishing agents abusers, especially dogs and/or cats, whose species, culturally, are more present in social life, generating greater commotion and the need for more severe punishment, according to the current qualifier.
Keywords: Protection of animals; historical-normative changes; mistreatment of animals.
1 INTRODUÇÃO
Notoriamente é sabida a necessidade do homem em salvaguardar a natureza, não exclusivamente pela sua isolada expressividade, mas principalmente pela suma importância de seus reflexos sobre o todo existente. Desta forma, os animais substanciaram o processo da evolução humana desde a origem, estando presente em cada vertente, principalmente nas cientificas e industriais, nos gerando, inclusive, o provimento.
No encalço de regulamentação que objetiva combater os crescentes atos de maus-tratos contra os animais desde os primórdios, os quais são seres indefesos e sencientes, e principalmente na busca pelo adequado reconhecimento e proteção jurídica eficiente que os resguarde, é que se faz oportuno o presente artigo trazer como objetivo geral a identificação das alterações histórico-normativas material e formal desde 1886.
Além da identificação das alterações histórico-normativas material e formal desde a sua primeira existência no âmbito nacional., a referida pesquisa, por intermédio de seu problema, responde quais são essas alterações no decorrer de seus capítulos, e, principalmente, se essas vem beneficiando a proteção aos animais simultaneamente a sua evolução cronológica, sendo essa a estrutura apresentada.
Considerando que o método científico é a linha de raciocínio adotada no processo deste estudo, o desenvolvimento dar-se mediante ao método dedutivo, pois alicerçado principalmente aos ensinamentos da Doutrinadora Paula de Paiva Santos, tornou-se possível o estudo cronológico normativo inerentes a proteção animal.
Ademais, a pesquisa desenvolvida será exploratória com abordagem qualitativa, cuja vertente metodológica é de procedimento bibliográfico e documental, sob o ângulo da metodologia analítico-dogmática jurídica, para que seja possível comprovar progressivamente as alterações histórico-normativas com base em leis, decretos, doutrinas e jurisprudência.
A partir disso, para melhor entendimento, temos a estruturação do trabalho apresentada em 03 (três) capítulos. O primeiro capítulo dispõe acerca do histórico sobre os direitos constitucionais dos animais e a legislação ao longo do tempo, identificando e elencando todas as normas sobre o tema tratado, bem como reflexos e motivos, neste último, somente quando se constatou. O capítulo seguinte é entendido como um marco para o reconhecimento e a proteção jurídica animal, e justamente por isso, está intitulado como “proteção jurídica aos animais à luz da constituição federal”.
O penúltimo capítulo menciona sobre “a importância do projeto de lei complementar nº 27/2018 como paradigma e a concepção da natureza jurídica dos animais: seres sencientes”, que através desta mudança no entendimento jurídico (animais domesticáveis deixou de ser tratados como “coisa”), influenciando na criação da Lei 14.064/20. Por fim, o último capítulo discorre acerca dos reflexos trazidos pela lei supracitada, que incluiu o parágrafo 1º - A ao art. 32 da Lei 9.605/98, que vem repercutindo em punições mais amplas e severas aos agentes que maltratam cães e/ou gatos, em seguida, faz abordagem comparativa em detrimento dos maus-tratos cometidos contra as demais espécies.
2 HISTÓRICO SOBRE OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS ANIMAIS E A LEGISLAÇÃO AO LONGO DO TEMPO
1886 - O primeiro relato histórico no Brasil concernente aos direitos dos animais, ocorreu em 1886 com o advento do Código de Posturas do Município de São Paulo, que previu, em seu artigo 220, a proibição de crueldade contra animais. Conforme vislumbra-se do referido Código, era defeso a todo cocheiro ou condutor de carroça maltratar animais com castigos bárbaros e imoderados, tais proibições também eram aplicadas aos ferradores. Dessa forma, iniciava-se o histórico nacional de combate aos maus tratos contra os animais. (SÃO PAULO, 1886).
Resolução nº 134 de 07 junho de 1886. Código de Posturas Municipal de São Paulo - SP
Art. 220 – É proibido a todo e qualquer cocheiro, condutor de carroça, pipa d’água etc., maltratar os animais com castigos bárbaros e imoderados. Esta disposição é igualmente aplicável aos ferradores. Os infratores sofrerão a multa de 10$, de cada vez que se der a infração. (SÃO PAULO, 1886)
1924 - Outro marco histórico importante ocorreu 38 anos após o marco anterior, durante a República Velha, em 1924, com a criação do Decreto nº 16.590/1924, que tinha como escopo a proibição da concessão de licenças para diversões que causassem sofrimento aos animais. Contudo, o objetivo almejado com a prevenção ao sofrimento animal era vago, utópico e limitado em termos de eficácia jurídica e qualidade da norma, haja vista que o decreto não trouxe qualquer aprofundamento acerca de como se daria esse sofrimento (SANTOS, 2021, p. 28).
1934 - Dez anos após, adveio o Decreto nº 24.645/1934, considerado como o Código de Defesa dos Animais, este decreto trouxe em seu bojo a proibição à prática de maus-tratos aos animais, tipificando condutas para quem praticasse ato de maus tratos a qualquer animal (ADELE Y CASTRO, 2006, p. 71).
Esse Decreto foi promulgado por Getúlio Vargas, que atribuiu ao Estado a responsabilidade de proteção a todos os animais existentes e culminou pena para quem descumprisse o que estava sendo imposto, tornando-se esta reprimenda a primeira em relação aos maus-tratos de animais no ordenamento jurídico brasileiro, conforme observava-se do art. 2º[2] do decreto em análise (BRASIL, 1934).
O artigo 3º do Decreto 24.645/1934 trazia algumas condutas que, caso o infrator descumprisse qualquer delas estaria praticando a infração penal prevista no art. 2º. Ipsis Litteris:
Art. 3º Consideram-se maus tratos:
I - praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
II - manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
III - obrigar animais a trabalhos excessívos ou superiores ás suas fôrças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo;
IV - golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em beneficio exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interêsse da ciência;
V - abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem coma deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária;
VI - não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo exterminio seja necessário, parar consumo ou não;
VII - abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação;
VIII - atrelar, no mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bovinos com equinos, com muares ou com asininos, sendo somente permitido o trabalho etc conjunto a animais da mesma espécie;
IX - atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis, como sejam balancins, ganchos e lanças ou com arreios incompletos incomodas ou em mau estado, ou com acréscimo de acessórios que os molestem ou lhes perturbem o funcionamento do organismo;
X - utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo que êste último caso somente se aplica a localidade com ruas calçadas;
Xl - açoitar, golpear ou castigar por qualquer forma um animal caído sob o veiculo ou com ele, devendo o condutor desprendê-lo do tiro para levantar-se;
XII - descer ladeiras com veículos de tração animal sem utilização das respectivas travas, cujo uso é obrigatório;
XIII - deixar de revestir com couro ou material com identica qualidade de proteção as correntes atreladas aos animais de tiro;
XIV - conduzir veículo de terão animal, dirigido por condutor sentado, sem que o mesmo tenha bolaé fixa e arreios apropriados, com tesouras, pontas de guia e retranca;
XV - prender animais atraz dos veículos ou atados ás caudas de outros;
XVI - fazer viajar um animal a pé, mais de 10 quilômetros, sem lhe dar descanso, ou trabalhar mais de 6 horas continuas sem lhe dar água e alimento;
XVII - conservar animais embarcados por mais da 12 horas, sem água e alimento, devendo as emprêsas de transportes providenciar, saibro as necessárias modificações no seu material, dentro de 12 mêses a partir da publicação desta lei;
XVIII - conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés atados, ou de qualquer outro modo que lhes produza sofrimento;
XIX - transportar animais em cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rêde metálica ou idêntica que impeça a saída de qualquer membro da animal;
XX - encerrar em curral ou outros lugares animais em úmero tal que não lhes seja possível moverem-se livremente, ou deixá-los sem água e alimento mais de 12 horas;
XXI - deixar sem ordenhar as vacas por mais de 24 horas, quando utilizadas na explorado do leite;
XXII - ter animais encerrados juntamente com outros que os aterrorizem ou molestem;
XXIII - ter animais destinados á venda em locais que não reunam as condições de higiene e comodidades relativas;
XXIV - expor, nos mercados e outros locais de venda, por mais de 12 horas, aves em gaiolas; sem que se faca nestas a devida limpeza e renovação de água e alimento;
XXV - engordar aves mecanicamente;
XXVI - despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos á alimentação de outros;
XXVII. - ministrar ensino a animais com maus tratos físicos;
XXVIII - exercitar tiro ao alvo sobre patos ou qualquer animal selvagem exceto sobre os pombos, nas sociedades, clubes de caça, inscritos no Serviço de Caça e Pesca;
XXIX - realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado;
XXX - arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculo e exibí-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias;
XXXI transportar, negociar ou cair, em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizares Para fins ciêntíficos, consignadas em lei anterior; (BRASIL, 1934).
Esse decreto também trouxe regulamentação acerca da utilização dos animais no tocante a atividade laboral, conforme prevê os artigos 4º a 8º[3], regulamentando a utilização de animais nos veículos e em outras formas de utilização de tração animal.
1941 - Sete anos após, com o advento do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), houve a imposição de reprimenda a quem tratasse “animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo” (SANTOS, 2021, p. 29). O referido Decreto-Lei trouxe pena de prisão simples para àquele que praticasse a conduta acima narrada. Também seria punido com a mesma sanção aquele que realizasse, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, mesmo que para fins didáticos ou científicos.
Por fim, a Lei de Contravenções Penais trouxe uma causa majorante aumentando de metade se o animal for submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público (BRASIL, 1941). Observa-se:
Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao publico, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público. (BRASIL, 1941)
1967 - Em 03 de janeiro de 1967, passa a vigorar mais um dispositivo (Lei Federal nº 5.197, o Código de Caça) que visa garantir direitos aos animais, estabelecendo que “os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedade do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.” (BRASIL, 1967).
1969 - Dois anos após, em dezembro de 1969, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), editou a Súmula nº 91[4], que passou a ter o entendimento de que competia à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna brasileira. Contudo, o referido verbete foi cancelado em debate ocorrido na 3ª Seção do STJ, em 08 de novembro de 2000, consoante a pauta de julgamento LEGJUR 103.3263.5009.1500. Com o referido cancelamento, a competência para processar e julgar os crimes cometidos contra a fauna ficou para a Justiça Estadual, com a ressalva de que caso o crime ocorra em fauna pertencente de bem federal, a competência será da Justiça Federal (BRASIL, 2020).
1979 - Mais tarde, com o nascimento da Lei Federal nº 6.638/1979, foram estabelecidas normas para as práticas didático-científicas da vivissecção de animais, sujeitando o infrator às sanções previstas no art. 64 da LCP (tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo)[5]. Dessarte, foram normatizados os biotérios[6], centros de experiências e demonstrações dos animais, bem como regulamentou o uso dos animais em testes clínicos.
1988 - Promulgação da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, que por se tratar de marco importe no que tange a proteção dos animais, será trabalhada no capítulo subsequente.
1987 - Passa a vigorar a Lei nº 7.634, que prevê a proibição da pesca, ou qualquer outra forma de molestamento intencional, de toda espécie de cetáceo[7] nas águas brasileiras, e passou a punir quem a descumprisse com a pena 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão e multa de 50 (cinquenta) a 100 (cem) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, com perda da embarcação em favor da União, em caso de reincidência.
1997 - De acordo com o parecer de Helita Barreira Custódio, em 07 de fevereiro de 1997, objetivando subsidiar a redação do novo Código Penal brasileiro, definiu que:
Crueldade contra os animais é toda ação ou omissão, dolosa ou culposa (ato ilícito), em locais públicos ou privados, mediante matança cruel pela caça abusiva, por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental, mediante dolorosas experiências diversas (didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas, mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas (econômicas, sociais, populares, esportivas como tiro ao voo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de espetáculos violentos como lutas entre animCis até a exaustão ou morte, touradas, farra do boi ou similares), abates atrozes, castigos violentos e tiranos, adestramentos por meios e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus-tratos contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis angústias, dores, torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima animal (CUSTÓDIO, 1997, apud EDNA CARDOSO DIAS, 2000, p. 156 e 157).
1998 - Todavia, até o presente momento o novo Código Penal não entrou em vigor, e medidas mais severas precisavam ser impostas em busca de uma proteção mais eficiente para os animais, desta feita, em consonância com à previsão constitucional, visando uma maior proteção ao meio ambiente e aos animais, nasceu, em 1998, a Lei nº 9.605/98 - Lei de Crimes Ambientais – visando dar maior proteção ao meio ambiente, proteção esta imprescindível para a preservação da fauna e flora brasileira (BRASIL, 1998).
No que diz respeito à proteção dos animais, houve o impedimento a vários maus tratos relativos a eles, como, por exemplo, o artigo 29[8] da referida lei, que trouxe algumas vedações, como matar, perseguir, caçar, etc., bem como, uma atenção especial aos animais domesticáveis, como cães e gatos (BRASIL, 1998).
Toda ação humana que caracterize prática cruel segundo o art. 32 da Lei 9.605/1998 viola o direito fundamental animal ao bem-estar e à proibição constitucional à crueldade e deve ser objeto de ações cíveis inibitórias, preventivas ou repressivas manejadas pelo Ministério Público, pelos substitutos legais do animal vitimado ou pelas associações de defesa animal (ATAÍDE JR, 2018, p. 9)
2008 - Passa a vigorar o Decreto nº 6.514, que proibiu a caça e impôs multa por maus-tratos e pela comercialização de animais silvestres sem autorização prévia do órgão competente. No mesmo ano (2008), o Conselho Federal de Medicina Veterinária publicou a Resolução nº 877 e em 2013 a Resolução 1.027, ambas visaram proibir a intervenção cirúrgica desnecessária, como retirada de unhas de gatos, corte de orelha ou de cauda de cães para atingir um padrão estético (SANTOS, 2021).
2009 - Com o advento da Lei nº 11.959/2009 foi vetado a pesca predatória utilizando de instrumentos proibidos ou que dificultassem a reprodução e a desova dos peixes.
2018 - Projeto da Lei Complementar n° 27/2018 como paradigma e concepção da natureza jurídica dos animais, reconhecendo o caráter de seres sencientes. Pela importância desse marco, será abordado em capítulo próprio.
2020 - Em que pese toda movimentação legislativa ao longo desses anos em busca de salvaguardar a inviolabilidade física e psicológica dos animais, até meados de 2020, os infratores, se condenados por maus-tratos e/ou crueldades contra os animais, quando muito, tinham suas reprimendas convertidas em pena restritiva de direito com ou sem aplicação de multa, haja vista tratar-se de infração penal de menor potencial ofensivo[9].
A título de exemplo, caso um infrator fosse pego no exato momento em que ceifasse a vida de um cão ou gato, ele sequer poderia ser preso em flagrante delito, pois se tratando de crime de menor potencial ofensivo, bastaria tão somente que o infrator assinasse um termo de comparecimento em juízo[10], sendo desnecessário o pagamento de fiança para responder em liberdade, sem mencionar que existem vários institutos despenalizadores que poderiam ser utilizados para que esse infrator nem chegasse a responder a uma ação penal.
Um marco importante para que ocorresse uma alteração legislativa mais expressiva, referente a proteção jurídica do animal, e que trouxesse a previsão de reprimendas mais severas para quem os maltratasse, foi o reconhecimento de que cães e gatos são seres sencientes e não mais apenas coisas, como anteriormente eram considerados, com isso, passou-se a punir mais rigorosamente aqueles infratores que incorressem na prática delitiva prevista no art. 32 da Lei 9.605/98, quando os sujeitos passivos fossem àqueles reconhecidos como seres sencientes.
3.PROTEÇÃO JURÍDICA AOS ANIMAIS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Finalmente, o ápice legislativo no que tange a proteção dos animais, mas ainda longe do que se almeja, se deu em 1988, com a promulgação da Constituição Federal Brasileira, onde os animais passaram a ser considerados como detentores de direitos constitucionais, de modo a condenar toda e qualquer crueldade contra os animais.
A Constituição Federal de 1988 foi a única entre as demais constituições brasileiras que trouxe como pressuposto legal a preservação ao meio ambiente, através da abrangência da proteção constituinte ambiental como um dos direitos fundamentais da Carta Magna (PADILHA, 2010). Dessa forma, foi possível que a sociedade e o Estado passassem a enxergar esta proteção com mais seriedade.
As Constituições brasileiras, anteriores ao texto constitucional de 1988, não lograram dar nenhum destaque ou importância a questão ambiental, não fazendo uma referência, sequer, ao “meio ambiente” de forma direta, tampouco demonstrando preocupação com relação a utilização irracional e degradadora de recursos ambientais, não dedicando ao meio ambiente, enquanto bem jurídico autônomo, qualquer proteção jurídica específica. (PADILHA, 2010, p. 155).
Conforme observa-se da obra “Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro” (2010, p.156), Padilha assevera que os únicos meios presentes de ambientalismo que as constituições brasileiras antecessoras apresentavam era quando citavam elementos inerentes ao meio ambiente, por exemplo, a água, as florestas, os minérios, a caça e a pesca. Assim, essas referências eram mais voltadas a demonstrar a utilização econômica do que hoje, chamamos de bens ambientais.
Desta feita, percebe-se que a Constituição de 1988 representou um marco muito importante na legislação para o Direito Ambiental brasileiro, visto que:
A Constituição de 1988 alicerça não só a ordem social, mas ordem econômica, a saúde, a educação, o desenvolvimento, a política urbana e de respeito e consideração ao meio ambiente, conforme os vários dispositivos ambientais espalhados por todo o texto constitucional, tais como: art.5º, XXIII, LXXXI, LXXIII; art.20, I-VII, [...] art.225. (PADILHA, 2010, p.156).
Para Silva (2014), a Carta Política, em seu artigo 225[11], estabelece que a proteção da fauna tem como finalidade evitar a extinção das espécies e reforça a proibição de crueldade contra os animais. Conforme observa-se do dispositivo legal, o Poder Público e a coletividade são os responsáveis por garantir a preservação do meio ambiente, bem como a proibição de tratamento cruéis aos animais.
4 A IMPORTÂNCIA DO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N° 27/2018 COMO PARADIGMA E A CONCEPÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DOS ANIMAIS: SERES SENCIENTES
Com o avanço infraconstitucional sobre o tema, tem-se como de notável importância o Projeto de lei complementar (PL) n° 27/2018, da câmara dos deputados, capitaneado pelo Presidente, à época, Rodrigo Maia, que incluiu à Lei nº 9.605/98 dispositivos que passou a tratar acerca da natureza jurídica dos animais, determinando que estes possuam natureza jurídica sui generis sendo, portanto, sujeitos de direitos despersonificados, os quais devem gozar e obter a tutela jurisdicional caso esses direitos sejam violados. Dessa forma, passou a ser defeso o seu tratamento de cães e gatos como coisa, conforme vislumbra-se no art. 3°[12] do referido PL.
O projeto da lei em análise foi de inequívoca importância, haja vista buscar a construção de uma sociedade mais consciente e solidária, objetivando o reconhecimento de que os animais possuem natureza biológica e emocional, sendo, portanto, seres sencientes, passiveis de sofrimento conforme o artigo 2º inciso III. In verbis:
Art. 2º Constituem objetivos fundamentais desta Lei:
I - afirmação dos direitos dos animais e sua proteção;
II - construção de uma sociedade mais consciente e solidária;
III - reconhecimento de que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento. (Grifo nosso).
Conforme observa-se na doutrina majoritária brasileira, o critério para o reconhecimento da personalidade jurídica de cães e gatos seria a capacidade de sofrer, assim como sua sensibilidade à dor (senciência), critério este que os garantiria a concessão de direitos.
Os animais, definitivamente, não podem ser considerados como res nullius, nem tampouco como produtos de consumo de uma sociedade capitalista e sanguinária. Tais seres possuem sim, direitos a serem preservados, e mesmo que admitida seja a sua condição utilitária no contexto do consumo vital, o que se constitui um absurdo, mesmo assim, tal uso jamais deve ser feito de forma ilimitada e indiscriminada, pois que há de serem observados critérios e limites mínimos, coibindo-se e abolindo-se toda forma de crueldade e abuso (FERREIRA, 2011, p. 340).
Um estudo realizado em 2021, pelo Sindicato Nacional da Industria de Produtos para a Saúde Animal (SINDAN), demonstra que das casas que têm cachorros, 21% delas são de casais que não tem filhos (em detrimento de 9% de casas com pessoas que moram sozinhas e 65% de casas com filhos). Das casas que têm gatos, 25% são de casais sem filhos (contrariamente a 17% com pessoas que moram sozinhas e 55% de casas com filhos) (ALVIM, 2022).
Os tribunais superiores têm discutido acerca da natureza jurídica dos animais, sendo eles seres sencientes, detentores de direitos, como, por exemplo, direito inerentes ao âmbito familiar, tais como direito de visitas, pensão etc. Observe-se dos julgados abaixo:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII -"proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido.
(STJ - REsp: 1713167 SP 2017/0239804-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2018)
De modo semelhante, a jurisprudência brasileira, com entendimento já pacificado no direito das famílias, acerca dos direitos de guarda e pensão alimentícia à animais domesticados, chegando tal matéria, inclusive, as instâncias superiores. Um exemplo, é o recente litígio que foi analisado na 3ª Turma do STJ, no julgamento do Resp nº 1944228, cujo ex-companheiro recorreu de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de estado São Paulo que acolheu o pedido realizado pela ex-companheira e fixou uma pensão alimentícia a ser paga a quatro cães.
Em 21 de junho de 2022, alguns Ministros do STJ divergiram o entendimento e restando três votos para a conclusão, a ministra Nancy Andrighi pediu vista os autos, consequentemente suspendendo o julgamento. Imperioso destacar o voto do relator do julgado em análise, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o qual asseverou a importância da proteção à fauna e a flora, pois trata-se de objeto de proteção constitucional específica.
Ao concluir o voto, o ministro negou o pedido feito pelo homem, condenando-o a pensão alimentícia dos quatro animais. Caso a turma venha a acompanhar o relator, indubitavelmente será um importante precedente que poderá firmar, definitivamente, a concepção de que os animais domesticados, são sim sujeitos detentores de direitos.
Desta forma, é possível defender que, inobstante esses sujeitos de direitos não conseguirem exprimir sua vontade de maneira objetiva, da mesma forma que a maioria dos seres humanos o conseguem, estes animais domesticados devem ser considerados como sujeitos de direitos e como tal, devem ter seus direitos e garantias constitucionais devidamente preservados.
5.OS REFLEXOS TRAZIDOS PELA LEI Nº 14.064/20 QUE INCLUIU O PARÁGRAFO 1º-A DO ARTIGO 32 DA LEI Nº 9.605/98
A Constituição da República de 1988, em seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, traz acerca do Poder Público a incumbência de proteção à fauna e a flora, proibindo formas que coloque a função ecológica em perigo, bem como as ações que extinguem espécies e submeta os animais à crueldade.
Ademais, no artigo 24 do mesmo diploma legal é dado condão aos Estados e ao Distrito Federal para legislar, dentre outros, sobre o tema em questão, conforme destaca-se a seguir:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII: Incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade”
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. (BRASIL, 1988) (Grifo nosso).
Deste modo, em 12 de fevereiro de 1998, a Lei nº 9.605 discorreu em seu artigo 32, parágrafo 1º que, “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.” (BRASIL, 1998)
No encalço de regulamentação adequada aos acontecimentos sociais e principalmente ao merecido reconhecimento e proteção jurídica dos animais, o Legislador, objetivando combater os incessantes crimes de maus tratos crescentes no Brasil, editou a Lei nº 14.064/20, vigente a partir da data de sua publicação, 29 de setembro de 2020.
A lei supracitada decorreu pela notoriedade de um caso ocorrido em desfavor um cão da raça pitbull[13], que teve suas patas traseiras decepadas com um facão no dia 06 de julho de 2020, em Confins-MG, causando comoção em todo país, assim, denominou-se a referida lei como “Lei Sanção”, em homenagem ao animal, que felizmente sobreviveu aos ataques sofridos.
Diante do exposto, a Lei nº 11.064/20 inseriu o parágrafo 1º-A do artigo 32 da Lei nº 9.065/98 (Lei Ambiental) da seguinte forma:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020).
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. (BRASIL, 2020) (Grifo nosso).
No que concerne a mudança legal quanto à fixação de fiança para os crimes cometidos em desfavor de cães e gatos, tendo em vista a pena, após a inclusão do §1º - A, ser superior a 04 anos, torna-se, conforme Pereira (2020), impossível o arbitramento de valor de fiança em caso de flagrante delito pela Autoridade Policial[14], o que não acontecia com a redação anterior, demonstrando, assim, um avanço na proteção aos animais, pelo menos, a princípio, dos animais domesticáveis.
Para melhor compreender as vantagens trazidas pela novel lei que incluiu o §1º - A ao Art. 32 da Lei 9.605/98, se faz pertinente a apresentação de quadro sinótico que demonstre de forma clara o que está sendo discutido.
Quadro 1: Diferença das penas entre animais silvestres (res nullius) e domésticos (cães e gatos).
Fonte: (BRASIL, 1998 e 2020[15])
Causar maus-tratos em animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (com exceção de cães e gatos) |
Causar maus-tratos em cães e gatos |
Pena - Detenção de três meses a um ano, e multa. |
|
Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, conforme preceitua o art. 60 da Lei 9.099/95. Desta feita, cabe institutos despenalizadores tais como, transação penal, Sursis processual, suspenção condicional da pena. |
Não é crime de menor potencial ofensivo (não cabe transação penal e nem suspensão condicional do processo). |
Em caso de condenação, admite-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, haja vista a proibição de substituição prevista no inciso I do art. 44[16] do decreto-lei 2.848/40 (Código Penal) não alcança a Lei nº 9.605/98. |
Existe a possibilidade de substituição, mas a depender do caso concreto, não ocorrerá tal possibilidade, pois a pena pode ser de até cinco anos e, caso na sentença o réu seja condenado a pena superior de 04 anos, estará afastada a possibilidade. |
Via de regra, não gera a prisão do infrator, podendo sendo aplicadas as medidas despenalizadoras, conforme acima citado. |
Pode ensejar a prisão do condenado desde que não seja caso de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito e também caso o apenado seja reincidente. |
Se da prática da infração penal ocorrer a morte do animal, haverá aumento de 1/6 a 1/3, podendo totalizar uma reprimenda de um ano e quatro meses de detenção. |
Se da prática da infração penal ocorrer a morte do cão ou gato, também ocorrerá um aumento de 1/6 a 1/3, podendo levar a pena a um patamar de seis anos e seis meses de reclusão, ensejando, assim, o regime inicial de cumprimento da pena, caso o agente seja primário, em regime semiaberto. |
Fonte: Autora da pesquisa
Conforme vislumbra-se no quadro comparativo acima, causar maus-tratos em cães e gatos produzem consequências amplamente mais severas em relação aos animais silvestre, doméstico ou domesticados, nativos ou exóticos. A qualificadora é reflexo da inserção do parágrafo 1º-A do artigo 32 da Lei nº 9.065/98 (Lei Ambiental) promovido pela Lei nº 11.064/20, em que pese tal reprimenda sugerir haver especismo, é necessário compreender que tais espécies comportam, culturalmente, maior comoção e necessidade de punição adequada à valoração antropológica, ao passo que se fazem mais presentes no convívio social e, em decorrência disto, tornam-se mais suscetíveis a serem vítimas de maus-tratos.
Portanto, entre as principais diferenças, destaca-se a pena privativa de liberdade, que em caso de maus-tratos aos animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, é considerado crime de menor potencial ofensivo, cabendo institutos despenalizadores e sucedendo em pena de detenção de 03 (três) meses a 01 (um) ano e multa, caso ocorra em face de cães e/ou gatos não há consideração de crime de menor potencial ofensivo, não cabendo institutos despenalizadores e a pena se agrava para reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, além de multa e de proibição da guarda, o que não ocorre na primeira situação.
Ademais, o maus-tratos a cães e/ou gatos, a depender da condenação, não cabe substituição de pena restritiva de liberdade para a restritiva de direito, cabendo perante as demais espécies, bem como pode iniciar o regime de cumprimento da pena em regime semiaberto na primeira hipótese, em caso de morte do cão e/ou gato e de agente réu primário, sendo que na segunda hipótese, inicia com pena de detenção de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses. É necessário ressaltar que, as consequências impostas sob uma mesma conduta, mas em espécies diferentes, resulta em punições demasiadamente divergentes.
O desenvolvimento do presente estudo, a partir da análise evolutiva acerca do processo legislativo brasileiro, possibilitou melhor identificação e compreensão sobre as alterações histórico-normativas formal e material desde 1886 que vem beneficiando a proteção aos animais. O objetivo geral da pesquisa embasou na identificação, em ordem cronológica, de quais foram essas alterações histórico-normativas formal e material desde 1886 até os reflexos das normas vigentes, explanando sobre a evolução das benesses produzidas em virtude da proteção animal jurídica.
O alcanço do objetivo geral restou-se positivo por intermédio dos objetivos específicos utilizados, os quais contemplaram as identificações, motivações e os reflexos ao longo do trabalho, sob a técnica exploratória bibliográfica e documental. O problema perpetrado ao longo da abordagem foi justamente a identificação de quais foram as alterações histórico-normativas que beneficiou a proteção aos animais, ou seja, a problemática não necessariamente trouxe conflito e discordância na resolução, no que pese ter sido conclusivo o quanto ainda é preciso escalar juridicamente para reconhecer e proteger os animais.
Verifica-se satisfatório o resultado obtido através do problema estabelecido com a identificação das alterações histórico-normativas dispostas no trabalho, desde a primeira regulamentação, com o advento do Código de Posturas no antigo Município de São Paulo. Décadas depois, em 1924, houve a regulamentação de proibição sob a concessão de licenças para diversões públicas que provocasse sofrimento aos animais no âmbito federal.
Por conseguinte, em 1934, editou-se o Código de Defesa dos Animais e em 1941, com o advento do Decreto-Lei nº 3.688/1941 - Lei das Contravenções Penais – tornou-se possível acarretar prisão simples a quem tratasse animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo. Em 03 de janeiro de 1967, deliberou o Código de Caça sobre a garantia de direitos aos animais, proibindo a sua “utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”.
Logo em seguida, entendeu-se que a Justiça Estadual teria a competência para julgar e processar os delitos cometidos contra a fauna, com a ressalva de que se ocorresse em fauna pertencente ao bem federal, a competência seria da Justiça Federal. No ano de 1979, com a entrada da Lei Federal nº 6.638/1979, foram estabelecidas normas para as práticas didático-científicas da vivissecção de animais. Já em 1987, consagrou a proibição da pesca.
No entanto, o ápice legislativo para a proteção aos animais, no que pese ainda longe do que se almeja, ocorreu em 1988, com a promulgação da Constituição Federal Brasileira, onde os animais passaram a ser considerados como detentores de direitos. Duas décadas mais tarde, o Decreto nº 6.514 proibiu a caça. No ano seguinte, em 2009, foi vetado a pesca predatória. Após quase uma década, com o avanço infraconstitucional, incluiu-se à Lei nº 9.605/98 em 2018, pacificando sobre a natureza jurídica dos animais, considerando-os com natureza jurídica sui generis, passando a ser sujeitos de direitos despersonificados.
Em que pese toda movimentação legislativa ao longo desses anos, consolidou-se em 2020 que, os infratores, quando condenados por maus-tratos e/ou crueldades contra os animais cumulativamente, teriam suas reprimendas convertidas em pena restritiva de direito, no entanto, neste mesmo ano, houve a inserção da qualificadora trazida pela Lei nº 14.064/20, parágrafo 1º-A do artigo 32 da Lei nº 9.605/98.
Conclui-se que o resultado, obtido a partir da junção de todos os métodos supracitados, restou-se positivo mediante a problemática, ao passo que todas as alterações histórico-normativas vêm beneficiando a proteção aos animais, sobretudo as concernentes ao Código Penal vigente, por ter como finalidade exclusiva a punição dos agentes praticantes de atos cruéis ou de maus-tratos em detrimento aos animais.
Destaca-se a atual discussão nos tribunais acerca da natureza jurídica dos animais, em relação aos direitos inerentes ao âmbito familiar, tais como direito de visita, pensão, etc., bem como a punição mais severa perante os cães e/ou gatos, cujo as espécies, culturalmente, se fazem mais presentes na vida social, gerando maior comoção e necessidade de punição adequada à valoração antropológica, conforme aduz qualificadora inserida com a Lei nº 14.064/20 parágrafo 1º-A do artigo 32 na Lei nº 9.605/98.
No que tange existir a negativa de especismo no fundamento da referida qualificadora - sob a ótica de alguns estudiosos, o que se torna assunto pertinente para estudos posteriores - é compreensível que seja um avanço lento na busca de equiparar e abranger todos os animais em um mesmo patamar de importância social, justamente por haver valores culturais e antropológicos que estão intrínsecos há milênios.
Importante ressaltar que permeou, pela maioria das décadas, a punição mediante pecúnia, entretanto, com o advento da Lei nº14.064/20 parágrafo 1º-A do artigo 32 da Lei nº 9.605/98, tornou-se possível a punição restritiva de liberdade em decorrência de detenção em até 05 (cinco) anos em caso de maus-tratos em face de algumas espécies.
Contudo, ressalva-se a progressão legislativa ao longo da existência humana, embora seja um processo moroso, vem resultando em alterações normativas que de fato objetiva reconhecer a importância e a necessidade de coexistir uma fauna digna e resguardada pela vida humana, para que então o homem seja meramente digno de dividir a natureza com os seus possuidores legítimos, de forma justa e respeitosa.
ATAÍDE JR., V. de P. Introdução ao direito animal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 13, n. 3, p. 9, 2018.
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[1] Mestra em Gestão e Desenvolvimento Regional. Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
[2] Decreto nº 24.645/1934, art. 2º Aquele que, em lugar público ou privado, aplicar ou fizer aplicar maus tratos aos animais, incorrerá em multa de 20$000 a 500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinquêntes seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação civil que possa caber.
§ 1º A critério da autoridade que verificar a infração da presente lei, será imposta qualquer das penalidades acima estatuídas, ou ambas.
§ 2º A pena a aplicar dependerá da gravidade do delito, a juízo da autoridade.
§ 3º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais. (BRASIL, 1934)
[3] Artigo 4º Só é permitida a tração animal de veículo ou instrumento agrícolas e industriais, por animais das espécies esquina, bovina, muar e asinina.
Artigo 5º Nos veículos de duas rodas de tração animal é obrigatório o uso de escora ou suporte fixado por dobradiça, tanto na parte dianteira, como na traseira, por forma a evitar que, quando o veículo esteja parado, o pêso da carga recaía sôbre o animal. e também para os efeitos em sentido contrário, quando o peso da carga for na parte traseira do veículo.
Artigo 6º Nas cidades e povoados os veículos s tração animal terão tímpano ou outros sinais de alarme, acionáveis pelo condutor, sendo proibido o uso de guizos, chocalhos ou campainhas ligados aos arreios ou aos veículos para produzirem ruído constante.
Artigo 7º A carga, por veículo, para um determinada número de animais deverá ser fixada pelas municipalidades, obedecendo sempre ao estado das vias públicas. declives das mesmas, peso e espécie de veículo., fazendo constar nas respectivas licenças a tara e a carga útil.
Artigo 8º Consideram-se castigos violentos, sujeitos ao dôbro das penas cominadas na presente lei, castigar o animal na cabeça, baixo ventre ou pernas. (BRASIL, 1934)
[4] Súmula 91 (Superior Tribunal de Justiça) COMPETE A JUSTIÇA FEDERAL PROCESSAR E JULGAR OS CRIMES PRATICADOS CONTRA A FAUNA. (BRASIL, 2000, não paginado)
[5] Lei nº 6.638/1979, art 5º - Os Infratores desta Lei estarão sujeitos:
[6] BIOTÉRIO - é o local onde são criados e/ou mantidos animais vivos de qualquer espécie para estudo laboratorial, funcionando com seus próprios recursos. É construído numa área física de tamanho e divisões adequadas, onde trabalha pessoal especializado. Não podem faltar água e alimentação específica para cada espécie animal, assim como temperatura constante e iluminação artificial apropriada. Ex: Biotério é o criatório de animais para pesquisa. Dicionário inFormal. Dicionário informal, 2009. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/ biotérios/#:~:text=O%20biotérioé%20o%20local%20onde%20são%20criados%20e%2Fou,tamanho%20e%20divisões%20adequadas%2C%20onde%20trabalha%20pessoal%20especializado. Acesso em: 11 out. 2022.
[7] Cetáceos: São fascinantes mamíferos aquáticos, que possuem sangue quente e respiram ar atmosférico.
Ex: Golfinhos, baleias e botos são animais cetáceos. Dicionário inFormal. Dicionário informal, 2014. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/cetáceo. Acesso em: 11 out. 2022.
[8] Lei 9.605/98, art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa. (BRASIL, 1998)
[9] Lei 9.605/98 - Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: (Vide ADPF 640) (BRASIL, 1998)
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Lei 9.099/95 - Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)
[10] Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (BRASIL, 1995) (Grifo nosso).
[11] Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)
[12] PL n° 27/2018, Art. 3º Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa. (BRASIL, 2018)
[13] G1 Minas, Pitbull que teve patas decepadas ganha cadeira de rodas em Belo Horizonte. G1 Minas. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/07/09/pitbull-que-teve-patas-decepadas-ganha-cadeira-de-rodas-em-belo-horizonte.ghtml. Acesso em: 11 out. 2022.
[14] Código de Processo Penal, Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). (BRASIL, 1941)
[15] BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, [1998]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em 11 out 2022.
BRASIL. Lei 14.064, de 29 de setembro de 2020. Altera a Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14064.htm#art2. Acesso em 11 out 2022.
[16] Código Penal, Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (BRASIL, 1940)
Graduanda do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marília Matos Alves da. Alterações histórico-normativas material e formal desde 1886 que vem beneficiando a proteção aos animais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2022, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59603/alteraes-histrico-normativas-material-e-formal-desde-1886-que-vem-beneficiando-a-proteo-aos-animais. Acesso em: 04 dez 2024.
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