RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo abordar assuntos pertinentes ao direito fundamental ao envelhecimento digno do idoso, analisando a legislação vigente e, principalmente, a norma constitucional, buscando tratar sobre a ideia de velhice, operar o papel da família e do Poder Público em ofertar instrumentos dignos, no sentido de fazer com que o idoso sinta-se inserido no contexto social e não mais deslocado, como há tempos vivia e compreendia-se, além de explicitar sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e sua concretização perante o princípio do mínimo existencial. Ademais, traz à baila os aspectos da condição jurídica do idoso perante a sociedade atual e, por fim, a situação de conflitos judiciais e seus instrumentos de resolução como aparato ao idoso, como rituais de pacificação e de melhora na qualidade de vida dos mais vulneráveis.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos. Garantias. Envelhecimento. Dignidade. Acesso à justiça.
ABSTRACT: The present work aims to address issues relevant to the fundamental right to dignified aging of the elderly, analyzing the current legislation and, mainly, the constitutional norm, seeking to deal with the idea of old age, operating the role of the family and the Public Power in offering instruments dignified, in the sense of making the elderly feel inserted in the social context and no longer displaced, as it was lived and understood for some time, in addition to explaining the principle of human dignity and its implementation in the face of the principle of minimum existential. In addition, it brings up aspects of the legal status of the elderly in today's society and, finally, the situation of judicial conflicts and their resolution instruments as an apparatus for the elderly, such as pacification rituals and improvement in the quality of life of the most vulnerable.
KEYWORDS: Rights. Warranties. Aging. Dignity. Access to justice.
1 INTRODUÇÃO
Com a chegada da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não há dúvidas quanto ao significativo avanço considerando a temática introduzida no tocante à proteção dos direitos fundamentais dos idosos, conforme o exemplo da promulgação da Lei 10.741 de 2003, o Estatuto do Idoso.
Nesse diapasão, é de se observar que esses avanços constitucionais estão relacionados com o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que, indiscutivelmente, a sociedade não pode se eximir de enxergar a realidade, qual seja, o envelhecimento da população brasileira.
É importante salientar que o dever do Estado e da própria sociedade é empenhar esforços para a satisfação das necessidades básicas da população idosa, bem como o enfrentamento dos problemas surgidos com as diversas demandas desse grupo social.
Não obstante, os idosos, embora os avanços significativos, ainda possuem grandes dificuldades de acesso à justiça, ainda que haja um Estatuto de proteção aos seus direitos, que busca a efetivação concreta. É evidente que o novo perfil econômico, político e social desse segmento conduz à compreensão de que inúmeras podem ser as causas para essa dificuldade.
Ainda há muitas questões que são pontos objetivos no Estatuto do Idoso, mas que estão pendentes, devendo os mecanismos constitucionais trabalharem por melhorais mais específicas e necessárias, para que se possa evitar, inclusive, a discriminação para com esse grupo.
Dessa forma, o presente estudo objetiva tratar de tais questões, no aspecto de averiguar em que posição os idosos estão tendo suas demandas atendidas e como podemos seguir por um caminho de solução para que o idoso tenha de fato acesso à justiça e, por consequência, a concretização do direito fundamental ao envelhecimento digno.
2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS E O CENÁRIO DO ENVELHECIMENTO POPULACIONAL NO BRASIL
No momento em que adentramos a conceitos importantes para o desenvolvimento da temática, é necessário ampliar a ideia do que vem a ser os direitos e garantias fundamentais, no intuito de demonstrar do que trata-se a construção da ideia de velhice, onde consta nesse diapasão o sentindo do princípio da dignidade da pessoa humana e, sobretudo, onde paira a questão do direito ao mínimo existencial, uma vez que o envelhecimento é algo inevitável e constante em nossas vidas. Sendo dessa forma, como sociedade, precisamos de estrutura e organização para lidarmos com o gradual aumento de idade dos indivíduos.
Isso posto, é importante ressaltar que existem os direitos dos idosos, visando proteger esses indivíduos, reconhecendo os seus direitos humanos e a sua importância para a construção de uma sociedade mais inclusiva, respeitosa e sábia.
Portanto, além de possuírem um caráter protetivo, preservam a qualidade de vida da população idosa e possibilitam que pessoas exerçam a sua cidadania. Por isso, é importante compreendermos a construção da ideia de velhice, além de termos como base o entendimento sobre o princípio de dignidade da pessoa humana, a relação afetiva para com os idoso dentro de um contexto jurídico e, por fim, a condição do mínimo existencial.
2.1 A construção da ideia de velhice
É de fácil constatação que o ser velho é alvo de preconceitos e discriminações, muitos dos quais é originado do mesmo grupo social, ou seja, das próprias pessoas em idade avançada, uma vez que, em diversas ocasiões, talvez por vaidade ou orgulho, negam a sua condição, especialmente quando isso é conveniente.
Todavia, esse modelo de comportamento possui origem nos momentos iniciais da formação da sociedade capitalista, dentro da qual as condições de envelhecimento se apresentaram, a exemplo da ideia de higiene, saneamento básico, avanços da medicina, sobretudo por meio das vacinas, a medida que as pessoas que passaram a apresentar um grau de acúmulo de anos começaram a ser visadas como incompatíveis com essa nova organização social, uma vez que esta passou a exigir do ser humano vigor físico e muita energia para o trabalho extenuante, a ser desempenhado nos primeiros momentos do processo de industrialização.
Partindo do olhar biológico, o envelhecimento tem sido apontado como uma etapa de degeneração do organismo que tem início após o período reprodutivo. Este processo está associado à passagem do tempo e, portanto, o critério mais comumente usado para tentar marcar o início e grau do envelhecimento é a idade.
O envelhecimento ocasiona muitos impactos no indivíduo e um dos principais é a vitalidade, tornando os movimentos reduzidos como a coordenação motora e, muitas vezes, o raciocínio, interferindo diretamente na memória. Noutro lado, a manutenção da saúde, através da prevenção, produzirá uma melhor qualidade de vida influenciando em todos os aspectos, ou seja, no físico, social, psíquico e espiritual.
Conforme a ideia de Paúl (2005, p. 12) existem três tipos de idade, todas elas podendo ser maiores ou menores do que a idade cronológica dos sujeitos: a idade biológica, medida pelas capacidades funcionais ou vitais e pelo limite de vida dos sistemas orgânico, que vão perdendo a sua capacidade de adaptação e autorregulação; a idade psicológica, que refere às capacidades comportamentais do indivíduo em se adaptar ao meio e, finalmente, a idade social, que refere aos papéis e hábitos que o indivíduo assume na sociedade, e na medida em que mostra os comportamentos esperados pela sua cultura, num processo dinâmico de envelhecimento.
Envelhecer é um processo multidimensional que comporta mecanismos de reparação e de destruição desencadeados ou interrompidos em momentos e a ritmos distintos para cada ser humano. Não resta dúvida de que é um fenômeno natural com um desenvolvimento mais rápido e mais significativo nas últimas etapas da vida das pessoas, sendo um fenômeno biológico inevitável.
Todavia, deve ser compreendido do ponto de vista individual e populacional, pois o envelhecimento diz respeito a dois conceitos diferentes: o envelhecimento coletivo e o envelhecimento individual que, embora haja uma relação, têm significados distintos. Para o indivíduo, na seara biológica, entende-se por envelhecimento o processo dinâmico e progressivo que se inicia desde o momento da concepção, no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas da maturação até a morte.
É importante, para a melhor compreensão do tema, destacar que para abordar a defesa da dignidade e do bem-estar do idoso é fundamental realizar considerações sobre o entendimento da sociedade a respeito da velhice e o ciclo de vida. Não obstante, a legislação brasileira oferece dentro de uma perspectiva constitucional-civil os direitos relativos ao idoso e a importância da família no seu atendimento.
Noutro ponto, é cobrável analisar o significado psicossocial da velhice no ciclo da vida e o significado do idoso perante a legislação brasileira para contextualizar a trajetória de vida na terceira idade e como a sociedade brasileira contribui positivamente ou negativamente, se contribui, para a sua inserção social.
É salutar considerar que a trajetória de vida de uma pessoa é composta por aspectos relacionados com suas vivências profissionais, familiares e sociais. É inegável que a terceira idade assume um papel fundamental nas relações sociais e familiares, pois a tendência de envelhecimento da população brasileira cristaliza-se ano após anos em pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dessa forma, não há outro caminho senão o de refletir sobre o papel que a terceira idade representa no âmbito familiar, pois nessa etapa da vida o idoso apresenta mudanças não só físicas, mas também psicossociais.
Novaes (2000, p. 21) adverte que:
A trajetória vital representa o somatório de experiências e vivências, norteadas por valores, metas e modos pessoais de interpretar o mundo. É evidente que a trama dos eventos e das circunstâncias desse percurso trabalha juntamente com as condições ambientais. Somos, ao mesmo tempo, fruto de influências hereditárias, sociais e culturais que pontuam nossas opções e filosofia de vida.
Diante dessa exposição, é necessário reconhecer que o idoso contribuiu para a construção da sociedade, bem como foi o responsável pela constituição da família, não podendo ser jogado à margem da sociedade pelo simples fato de ter envelhecido biologicamente, pois suas experiências, vivências, valores sociais, culturais, devem ser reconhecidos. Sabe-se, no entanto, que a sociedade penaliza os idosos pelo simples fato de envelhecer, mesmo sendo esse o processo natural e que compõe o ciclo da vida.
Nesse sentido, Novaes (2000, p. 24) salienta que:
Envelhecer não é seguir um caminho já traçado mas, pelo contrário, construí-lo permanentemente. O idoso confronta-se com novos desafios, outras exigências, devendo renunciar a uma certa forma de continuidade, sobretudo biológica, e desenvolver atitudes psicológicas que o levem a superar dificuldades e conflitos, integrando limites e possibilidades.
Nasce desse ponto a importância de que se impera a questão relacionada com os aspectos psicossociais, uma vez que o idoso, durante o processo de envelhecimento, passa por situações de ruptura em sua vida e necessita resgatar diversos aspectos, tais como: valores, retomar planos, programas de vida, reconstruir sua identidade pessoal e social, com base em novos interesses e motivações. A família, portanto, deve assumir o papel de motivadora e estimuladora das novas ações do idoso, facilitando a sua reinserção na sociedade.
Sem hesitar, durante o processo de envelhecimento, é imprescindível a convivência com os familiares, na oportunidade em que há limitações naturais físicas que são naturais ao idoso, as quais requerem cuidados especiais.
É possível inferir que, com a aproximação da velhice, mudanças corporais ocorrem. Por isso, é importante a boa condução e articulação do Poder Público e a família, no intuito de evitar doenças de cunho psicológico e psicossomáticas ao idoso, tais como a depressão, a ansiedade e outras.
Nesse sentido, há um grande desafio para as famílias que é fazer com que o idoso sinta-se parte integrante da própria família, no sentido de ser útil para todos os seus entes, trazendo a dignidade e o bem-estar ao próprio idoso.
A propósito, Novaes (2000, p. 37) observa que:
No futuro, o lidar com atitudes e significados frente ao velho e a velhice dever ser uma questão prioritária, procurando ajudá-los a construírem sua realidade, encarando de frente seus problemas e oferecendo reais oportunidades de realização pessoal, social e profissional.
Há que se compreender que o envolvimento dos idosos na vida em sociedade possibilitará que as oportunidades sejam aproveitadas, uma vez que com suas experiências e sabedoria, poderão adequar-se às novas realidades e transformações científicas, tecnológicas, sociais e políticas.
Manter o princípio da dignidade da pessoa humana forte e intocável sempre foi uma preocupação do Direito e não poderia ser diferente quando se fala a respeito da integridade física, moral, intelectual e espiritual do idoso.
Noutro diapasão, mas seguindo a mesma linha, é importante inserir os contextos em que o idoso se encontra nos aspectos cronológico, psicobiológico, econômico-financeiro, social e legal, a fim de melhor compreender os parâmetros adotados pela legislação brasileira no que diz respeito ao estabelecimento do critério cronológico que conceitua a velhice.
Seguindo o critério temporal ou cronológico, seria considerado idoso aquele que atingisse determinada idade, comprovada mediante certidão de nascimento ou documento assemelhado. Para o critério psicobiológico, seria considerado idoso aquele que dispusesse de determinada condição física e intelectual. Tal critério é eivado de subjetividades, o que dificulta a sua aplicação. No critério econômico-financeiro, seria idoso o hipossuficiente economicamente, que necessitaria de maior proteção se comparado àquelas pessoas consideradas independentes. Tal critério, contudo, é extremamente frágil, uma vez que nem todo idoso é pobre. Conforme o critério social, seria idoso aquele que assim fosse considerado no meio social em que vive. Por fim, segundo o critério legal, seria idoso aquele definido em lei como tal.
Há inúmeros critérios para conceituar o idoso e diferenciá-lo do velho e, muitas vezes tais critérios passam pelo declínio das funções físicas, emocionais e intelectuais. A centralidade deste texto, todavia está baseado na conceituação jurídica, que possibilitará a responsabilização dos familiares para com o idoso.
Nessa toada, devemos considerar a conceituação jurídica de idoso que, conforme consta no Estatuto do Idoso, na norma do seu artigo 1º, é “destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”, bem como a norma do artigo 230, § 2º, da Constituição Federal de 1988, ao exigir a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos para “usufruir do direito à gratuidade no transporte coletivo”. Não resta dúvida, portanto, que para o ordenamento jurídico nacional é considerada idosa a pessoa que tenha completado 60 anos ou mais.
Desse modo, pode-se inferir que o espectro do envelhecimento levou o legislador a estabelecer o marco relacionado à idade para definir quando a pessoa passa a fazer jus à proteção integral e prioritária de seus direitos por parte do Estado.
Verifica-se que é competência do Estado prestar assistência a todos os cidadãos, garantindo-lhes a proteção de seus direitos fundamentais, dentre os quais estão os direitos fundamentais de segunda geração, quais sejam: os direitos sociais, culturais e econômicos. Ilumina-se que os direitos fundamentais, no decorrer da história, apresentam-se de diferentes formas e que, por conta da evolução da própria sociedade, devem ser explicitadas tais modificações.
É importante ressaltar que a disposição constitucional, prevista no artigo 230 da Constituição Federal de 1988, refere que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, protegendo sua dignidade e o seu bem-estar. Diante das inovações na Carta Magna está estabelecido na norma do artigo 229 que é dever dos filhos maiores ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade.
Mesmo com a promulgação do Estatuto do Idoso, o que se observa é que não estão sendo atendidas as demandas que os idosos apresentam, carecendo algumas vezes da efetivação e, principalmente, da fiscalização da lei e de proteção parental. Anote-se que quem detém a responsabilidade, em primeiro lugar, de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, são os filhos maiores. Além desses, inclui-se como medida inovadora a responsabilização da família, Estado e sociedade na proteção da dignidade e bem-estar do idoso.
Ainda dentro das referidas inovações destaca-se a promulgação do Estatuto do Idoso – Lei 10.741 de 2003 como um marco na proteção integral da dignidade do idoso, tendo como fundamento a valorização e proteção da dignidade do idoso, os direitos fundamentais, incluindo-se os sociais que passam a ser reconhecidos, mas ainda sem efetiva aplicabilidade.
Com efeito, o que se nota é que o idoso se encontra amparado constitucionalmente e que o Estatuto do Idoso surgiu com o intuito de reforçar sua dignidade, que nada mais é do que um dos alicerces do Estado Democrático de Direito.
Diante disso, pode-se concluir que o papel dos familiares no atendimento ao idoso assume relevância, na medida em que mudanças, transformações, fracassos ou tristezas fazem parte da rotina daquele que na sua trajetória de vida, tem de assumir novas posturas diante da sua nova condição.
Em síntese, o reconhecimento das inovações constantes na Carta Magna de 1988 e no Estatuto do Idoso reforça a vinculação existente entre cada direito fundamental à dignidade humana.
2.2 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
É claramente possível assegurar que a dignidade da pessoa humana sempre foi uma preocupação do Direito e não poderia ser diferente quando se fala sobre a integridade física, moral, intelectual e espiritual do idoso.
É de suma importância contextualizar o idoso nos aspectos cronológico, psicobiológico, econômico-financeiro, social e legal, a fim de melhor compreender os parâmetros adotados pela legislação brasileira no que se refere ao estabelecimento do critério cronológico que conceitua a velhice.
Deve-se salientar a conceituação jurídica de idoso, que, conforme o disposto no Estatuto do Idoso, em seu artigo 1º, é “destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”, bem como o artigo 230, § 2º, da CF/88, ao exigir a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) para “usufruir do direito à gratuidade no transporte coletivo”.
Diante dessa visão, pode-se inferir que o espectro do envelhecimento levou o legislador a estabelecer o marco relacionado à idade para definir quando a pessoa passa a fazer jus à proteção integral e prioritária de seus direitos por parte do Estado.
Superada essa questão, pode-se afirmar ainda que, mesmo com a promulgação do Estatuto do Idoso, na prática ou em casos concretos, o princípio da dignidade da pessoa humana para com a pessoas idosas está sendo ferido todos os dias, vez que as demandas de direitos propostas no Estatuto não estão sendo atendidas, carecendo na maioria das vezes da efetivação e, principalmente, da fiscalização da lei e de proteção parental.
Ainda, é necessário ressaltar que a obrigação da família em priorizar o atendimento ao idoso não exclui a responsabilidade da comunidade, da sociedade e do poder público, no tocante ao mínimo para uma existência digna, conforme aduz Bitencourt Neto (2010), p. 96:
O direito ao mínimo para a existência digna é reserva de eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana, pelo que ou será respeitado ou será ofendido.”, significando, por isso, dizer que não há como dissociar o atendimento aos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana e do bem-estar do idoso.
Nesse sentido, portanto, o papel da justiça para concretizar o princípio da dignidade humana em prol do idoso é extremamente necessário, vez que só é possível obter a qualidade de vida se os direitos de uma digna vida forem preservados, atingíveis e efetivados.
Tratado, ainda, constitucionalmente como fundamento da República Federativa do Brasil, o princípio em debate se reveste de um amplo grau de amplitude e de sentimento abstrato, podendo-se, então, inferir, ainda assim, que o seu destino principal é fazer valer os direitos e deveres fundamentais inseridos na Carta Magna de 1988, sejam eles individuais, sociais ou coletivos.
2.3 A condição jurídica do idoso no Brasil e a realidade da relação afetiva nos dias atuais
A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto as terminologias “velhice” e “idoso”, não obstante definir e estipular qualquer marco etário, físico ou sociológico para definir esses institutos, cabendo, por vez, à legislação infraconstitucional a tarefa de fazê-la.
Para aprofundar o estudo sobre a questão da afetividade, relevante compreender o conceito de afeto.
A afetividade é a capacidade de experimentar o conjunto de fenômenos afetivos, ou seja, tendências, emoções, paixões, sentimentos, consistindo na força exercida por esses fenômenos no caráter de um indivíduo.
Tal como aduz Groeningá sobre o conceito de afeto “os afetos são o equivalente da energia psíquica, dos impulsos, dos desejos que afetam o organismo e se ligam a representações, a pessoas, objetos, significativos.” (GROENINGÁ, 2003, p. 101)
O vínculo afetivo, assim como o companheirismo, o respeito, a confiança e a lealdade entre os membros familiares é crucial para o pleno desenvolvimento do indivíduo, não sendo diferente, portanto, ao idoso, haja vista que, ainda mais essa população que tanto precisa de suporte e afeto, possui grande dificuldade diante da rejeição e impaciência naturais dos mais jovens.
É possível, por fim, observar com o exposto a inversão de valores trazida com relação ao idoso dentro da sociedade. A desvalorização ocorrida com a sociedade da produção e do consumo, trouxe como consequência a negligência no tratamento dos que obtêm maior idade.
É de fácil constatação de que a desvalorização se encaminhou paulatinamente junto ao despertar e debate das questões que envolvem o novo lugar do idoso no mundo atual, ao passo que vagarosamente é possível verificar a conquista de novos direitos e a conscientização de um maior respeito no trato dos que ocupam essa parcela.
Embora haja avanços, é imprescindível ter o desenvolvimento de políticas públicas significativas que efetivem uma maior dignidade à terceira idade, além da previsão de sanções, uma educação para que a sociedade esteja preparada para um convívio com uma população de idade cada vez mais avançada.
2.4 O mínimo existencial
Nos dias atuais, é sabido que as garantias sociais estão constantes inicialmente no artigo 6º da Constituição Federal. Relacionado a isso, é importante dizer que o constituinte originário foi cuidadoso ao elencar nesses direitos as pessoas por ele alcançadas. Não há dúvida que a pessoa idosa está inserida nesses direitos.
Tais garantias são propostas e tuteladas pela Carta Magna de 1988, mas não é regra a concretização desses pelo Poder Público. O que é garantido às pessoas não idosas não garantido às pessoas idosas, ou seja, há a necessidade de implementar itens constitucionais básicos, visto que a pessoa idosa não possui as mesmas condições, em geral, das pessoas não idosas.
É defendido que todo ser humano tem direito de envelhecer com as garantias e, principalmente, com dignidade. A efetividade dessa garantia cabe ao Poder Público, ou seja, deve partir dele o dever de garantir a todos a dignidade, como as previstas na Constituição Federal e Na Declaração Universal Dos Direitos Humanos.
Uma pessoa idosa para assim ser, logicamente, deve passar por uma história de vida, uma história única, cheia de bons momentos e maus momentos, como é o sobe e desce vital, que serão lembrados enquanto a pessoa viver.
Ademais, não se nega que é necessário ter uma vida com saúde durante as primeiras idades, ou seja, infância, adolescência, juventude e maturidade, pois ao chegar aos seus sessenta anos enfrentarão adversidades, porém longe de considera-las como pessoas incapazes, pelo contrário, são até mais capazes do que se possa imaginar, entretanto, a própria biologia humana pesa em seus anos, sua força já não é mais a mesma, seus reflexos idem, mas sua inteligência – sabedoria – não passa por despercebido.
É fato que envelhecer não é chegar até a idade idosa (sessenta anos), envelhecer é continuar a viver, é ter nas mãos um futuro ainda não decidido, ter sonhos e açambarcar metas a serem realizadas. É evidente que para uma pessoa não idosa é muito fácil de criar sonhos e metas, ter um futuro fácil e garantido, no sentido que haverá garantia de trabalho e saúde, já aos idosos torna-se extremamente difícil em pensar em saúde.
Garantir trabalho aos idosos é uma obrigação do Poder Público, eis que o Estatuto do Idoso prevê em seus artigos 26 ao 28 a profissionalização e o trabalho para esse seguimento social. Por isso, é de sensível importância a iniciativa em criar movimentos de inserção do idoso para uma continuidade no desenvolvimento do direito fundamental à vida.
Na concepção de Paulo Gilberto Cogo Leivas (LEIVAS, 2002, p. 106), em sua dissertação de mestrado, explica o conceito do mínimo existencial sendo a parte do consumo corrente de cada ser humano, seja criança ou adulto, que é necessário para a conservação de uma vida humana digna, o que compreende, portanto, a necessidade de vida física como a alimentação, o vestuário, moradia, assistência de saúde, entre outros, sendo o mínimo existencial físico, e a necessidade espiritual-cultural, como educação, sociabilidade. Compreendem a definição do mínimo existencial tanto a necessidade física como também cultural-espiritual, ou seja, se fala de um mínimo existencial cultural.
Portanto, para compreender a necessidade de manter uma vida digna, o idoso necessita do mínimo existencial, uma vez que é a base para a conservação de uma vida digna, sua valorização deve ser bem estudada, para assim, não inferir em desobediência ao princípio da dignidade da pessoa idosa.
A dignidade da pessoa idosa está muito além do que estamos dispondo. As medidas a serem adotadas devem ser estudadas com urgência, pois, a rápida e forte expansão de pessoas na faixa etária idosa (sessenta anos em diante) estarão em pouco tempo atingindo grandes proporções.
Nossa constituição é jovem e amplamente assistencialista, além de ser muito atual, sendo ainda, o melhor remédio para a luta entre as desigualdades. Mas apenas ela não basta, deve o Poder Público criar novas formas de se adequar ao futuro não tão distante. Cabe ressaltar que as legislações infraconstitucionais se mostram atuais, porém, com o desenvolvimento e aumento da população de idosos, não será necessário nenhum esforço para verificar que logo estarão desatualizadas.
Por fim, a dignidade da pessoa idosa depende da igualdade e do mínimo existencial para existir vida justa e saudável. Envelhecer – ser idoso ou idosa, não é uma doença, mas sim a mais alta forma de dignidade que se possa exemplificar para um ser humano. É um processo de desenvolvimento, que necessita, como direito fundamental, de guarda e proteção do Poder Público. Envelhecer não é doença, é um processo de desenvolvimento, biológico, jurídico e autopoiético.
3 O ACESSO À JUSTIÇA COMO INSTRUMENTO DIGNO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
É importante ressaltar a definição de acesso à justiça por Cappelleti e Garth (1988, p. 08):
Acesso à Justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que primeiro deve ser realmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.
Portanto, é de salientar a parte da evolução histórica relativa ao acesso à justiça. Dessa maneira, para uma melhor compreensão do referido assunto, será necessário, primeiramente, traçar uma linha evolutiva para um maior entendimento histórico relativo ao acesso à justiça.
Por um bom tempo, a atribuição de definir a existência de um direito e a sua abrangência e aplicação não era exercida pelo Estado. Nessa época, a autotutela era a maneira encontrada pelas partes para resolução de seus conflitos, ou seja, as partes eram incumbidas de resolver o seu próprio litígio por meio de instrumentos de compreendessem cabíveis.
Com o passar da evolução temporal, outras formas de resolução, menos injustas e mais responsáveis, foram surgindo, entre elas, com a concepção da Teoria da Repartição dos Poderes, que definiu os três poderes, o Estado passou a plicar o que seria Direito, regulamentando as relações sociais e monopolizando a jurisdição.
Tendo em vista essa monopolização, o Estado tornou-se o responsável em propiciar o acesso à justiça para a sociedade, possibilitando de forma efetiva a juridicidade a todos que a invocassem.
3.1 Novos instrumentos de resolução de conflitos
O acesso à justiça é conceituado, basicamente, ao acesso ao Poder Judiciário. Entretanto, há muitas barreiras de ordem econômica, social, legal e cultural que dificultam a sua concretização. Com intuito de derrotar essas dificuldades, um novo conceito de acesso à justiça está sendo criado, onde a sociedade e o Estado articulam juntos a resolução dos conflitos por meio de novos mecanismos de pacificação de litígios e não exclusivamente pela via judicial.
Uma justiça tardia gera problemas insanáveis, atingindo o âmago da pessoa. Por isso as afirmativas de que não ter acesso ao poder Judiciário ou tê-lo e não conseguir obter com a presteza desejada a reposição do direito no seu devido lugar e no tempo exigido, representa a própria negação da justiça. É compreensível o fato de muitas pessoas não recorrerem ao Judiciário, pois se torna algo dispendioso, e nem todos têm condições econômico-financeiras para contratar um advogado e suportar o custo de uma demanda.
Portanto, os novos rituais de pacificação de litígio não estão surgindo para subtrair ou reduzir a competência do Judiciário, pelo contrário, são técnicas que auxiliam, somam e acrescentam o trabalho desempenhado pelo Poder Judiciário.
Por fim, os novos instrumentos e mecanismos de resolução de conflitos surgem, nesse diapasão, com o intuito de promover a cidadania, através da plena efetiva concretização de direitos e, sobretudo, o fortalecimento da cultura dos Direitos Humanos, por meio do acesso à justiça para todos, acima de tudo para as pessoas mais velhas, idosos, que necessitam de uma atenção a mais do judiciário.
4 CONCLUSÃO
É de se concluir que os aspectos que trazem à baila a concretização dos direitos fundamentais dos idosos ainda precisam ser desenvolvidos, embora haja considerável avanço, sobretudo, com a chegada e implementação do Estatuto do Idoso.
Todavia, o acesso à justiça ainda é penoso para o idoso, vez que, com os avanços tecnológicos, ainda há bastante dificuldade em adaptar-se aos novos tempos, devendo ser instrumentalizado novos modos de acesso à justiça, novas formas de pacificação e novas ferramentas que possam educar a sociedade a compreender que o idoso pode e deve servir, visto possuir a experiência e sabedorias necessárias, podendo auxiliar no desenvolvimento de uma sociedade mais justa e harmoniosa.
Ademais, o idoso possui de fato o papel de auxiliar as novas e futuras gerações, devendo ser evidenciado e construído em termos de cultura pela família e pelo Estado a atribuição em contraposição aos males passados dentro da ótica do preconceito que o idoso sofreu e continua sofrendo, embora os avanços legislativos, pela sociedade, considerando, ainda, a manutenção do direito ao mínimo existencial para que o idoso em vez de sobreviver possa viver e viver uma vida digna. Portanto, cada ser humano tem um valor perante o mundo, assim como o mundo tem um valor para cada ser humano.
A partir daí, compreende-se o dever de respeito à individualidade, tendo em vista que qualquer indivíduo, em qualquer lugar, deve ser reconhecido como portador de direitos, estes de ir e vir, de ter sua vida e sua liberdade de expressão, de escolha, seu modo de viver, seus valores e crenças.
Desse ponto é que se cunha o entendimento do mínimo existencial como garantidor desses direitos. O mínimo existencial, pois, como garantia da dignidade da pessoa humana, expressados em direitos individuais e coletivos, é a representação das condições elementares da natureza humana, compondo o conceito de indivíduo nas dimensões da matéria, do espírito e do social, para que a pessoa humana possa exercer com plenitude as liberdades da vida, na condição de membro integrante de uma sociedade de direitos.
Por fim, não podemos deixar de alegar que o mínimo existencial faz parte do aparato para que se tenha uma vida digna e, para o idoso, uma velhice adequada, com acesso ao que é seu por direito.
FUNDAMENTAL RIGHT TO DIGNIFIED AGING
5 REFERÊNCIAS
ALCÂNTARA, Alexandre de Oliveira. O direito fundamental à velhice digna: limites e possibilidades de sua efetivação. 2007. 114f. Dissertação (Mestrado Direito) –Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007.
AMARAL, Sérgio Tibiriçá; TREVISAN, Flávia Ana. Diferenciação entre minorias e grupos Vulneráveis.
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O acesso do idoso ao Judiciário. Plenarium, Brasília, v. 1, n. 1, p. 215-218, nov. 2004.
BITENCOURT NETO. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
BRASIL. Lei N. 10741 de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial Da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1 de out. de 2003.
CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Aérgio Antonio Fabris, 1988.
GOLDENBERG, M. (2011a). Gênero, “o Corpo” e “Imitação Prestigiosa” na Cultura Brasileira. Saúde e Sociedade, 20(3), 543-553. Recuperado em 02 março, 2016.
GROENINGA, Giselle Câmara: Família: Um caleidoscópio de relações. In: GROENINGA, Giselle Câmara & PEREIRA, Rodrigo da Cunha (org). Direito de Família e Psicanálise – Rumo a uma nova epistemologia. – Rio de Janeiro: Imago, 2003.
LEIVAS, Paulo Roberto Cogo. A Estrutura Normativa dos Direitos Fundamentais Sociais, Porto Alegre, 2002, Dissertação apresentada como pré-requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Direito, p. 106.
MODENA, Ana Isabel. Os Direitos Humanos, a Proteção Jurídica e as Ações Afirmativas dirigidas aos Idosos.
NOVAES, Maria Helena. Psicologia da terceira idade: conquistas possíveis e rupturas necessárias. 2. ed., 1. reimp. Rio de Janeiro, 2000.
PAÚL, M. C. (2005). A construção de um modelo de envelhecimento humano. In: Paúl, M. C., & Fonseca, A. Envelhecer em Portugal. Lisboa, Portugal: Climepsi.
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. A velhice na Constituição.
ROSA, M. J. (2012). O Envelhecimento da Sociedade Portuguesa. Lisboa, Portugal: Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Joaquim de Lucena. Direito fundamental ao envelhecimento digno do idoso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59632/direito-fundamental-ao-envelhecimento-digno-do-idoso. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Precisa estar logado para fazer comentários.