DEISY SANGLARD DE SOUSA[1]
(orientadora)
RESUMO: Este artigo científico tem por objetivo uma análise a respeito do abandono afetivo dos pessoa idosas e a possibilidade de responsabilização dos agentes violadores. O abandono afetivo é aquele que está ligado ao modo como o indivíduo é tratado, lembrado e amado, cuidado. O abandono não é uma palavra nova ou pouco usada entre as relações humanas, mas na atualidade esta palavra vem tomando novas formas e rumos, trazendo consequências não tão comuns ou discutidas em tempos passados. Trata-se de uma espécie de abandono inverso, pois os acontecimentos mais comuns de abandono afetivo são quando os pais não criam e cuidam de seus filhos com afeto. É uma situação que envolve sentimentos de dor e afetos denegados, sendo o foco desta pesquisa as circunstâncias e consequências jurídicas com relação aos filhos maiores e capazes que abandonam os pais pessoa idosas e vulneráveis; infringindo dever legal de cuidado expresso em nossa Carta Magna, em seu artigo 229. No mesmo sentido, o Estatuto do Pessoa idosa (Lei 10.741/2003), em seu artigo 3º, determina como direito da pessoa idosa a manutenção dos vínculos afetivos com a família e a comunidade. Para atingir os objetivos utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental, partindo da análise e interpretação de leis, doutrina e artigos científicos relacionados ao tema, com abordagem qualitativa. Nesse contexto, concluiu-se que é direito fundamental da pessoa idosa ter assistência afetiva, conviver de forma saudável com sua família e comunidade, sob pena de responsabilização, mediante ação ou omissão, dos que infringirem esse dever legal.
Palavras-chave: Abandono afetivo; Dano moral; Pessoa idosa; Responsabilidade civil; Família.
ABSTRACT: This scientific article aims to analyze the affective abandonment of the elderly and the possibility of holding violators accountable. Affective abandonment is linked to the way the individual is treated, remembered and loved, cared for. Abandonment is not a new or little used word among human relationships, but nowadays this word is taking new forms and directions, bringing consequences not so common or discussed in past times. It is a kind of reverse abandonment, as the most common events of affective abandonment are when parents do not raise and care for their children with affection. It is a situation that involves feelings of pain and denied affections, the focus of this research being the circumstances and legal consequences in relation to older and capable children who abandon elderly and vulnerable parents; violating the legal duty of care expressed in our Constitution, in its article 229. In the same sense, the Elderly Person Statute (Law 10.741/2003), in its article 3, determines as a right of the elderly person the maintenance of affective bonds with the elderly. family and the community. To achieve the objectives, bibliographic and documentary research was used, starting from the analysis and interpretation of laws, doctrine and scientific articles related to the theme, with a qualitative approach. In this context, it was concluded that it is the fundamental right of the elderly person to have affective assistance, to live in a healthy way with their family and community, under penalty of liability, through action or omission, of those who violate this legal duty.
Keywords: Affective abandonment; Moral damage; Elderly; Civil Responsability; Family.
1 INTRODUÇÃO
O drama da velhice ainda é retratado em circuntâncias que mostram os pessoa idosas abandonados em asilos e esquecidos por seus familiares há muitos anos. Ser ignorado e “esquecido” provoca o sentimento de abandono, a pessoa idosa sente-se desvalorizado e excluído, como se já não bastassem as dores físicas que normalmente fazem parte da rotina dos mesmos, há a dor da perda de seus afetos, a dor que fulmina a alma.
A dignidade é
Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade. (MORAES, 2019, p. 17).
Com a evolução da proteção e reconhecimento das múltiplas entidades familiares, o princípio da afetividade passa a ser reconhecido como elemento jurídico e a eventual existência de dano nos casos de abandono afetivo possibilita a reparação civil.
Nesse contexto, tem-se o afeto como relevante fundamento da família, tornando o dano causado por sua ausência passível de tutela, associado às demais repercussões legais inerentes à proteção da pessoa idosa. Assim, esse artigo científico tem por objetivo uma análise a respeito do abandono afetivo dos pessoa idosas e a possibilidade de responsabilização civil dos agentes violadores
Além da análise dos direitos protetivos previstos no ordenamento jurídico brasileiro, para alcançar os objetivos traçados, abordou-se alguns efeitos do envelhecimento no contexto social e sua relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Para também, através de pesquisa bibliográfica, demonstrar a importância do afeto para além do dever de cuidado previsto na Constituição Federal (1988) e no Estatuto do Pessoa Idosa (2003), e a ocorrência de dano motivado pelo abandono afetivo.
Laços de afeto são estabelecidos, normalmente, de forma natural, uma ez que não se pode impor nenhum tipo de sentimento a alguém, essles são espontâneos, ligado ao íntimo de cada ser humano, resultado de uma experiência emocional.
Todavia, o reconhecimento do afeto como elemento jurídico importante nas relações familiares, no Brasil, existe grande incidência de abandono afetivo, que é a consequência da violação do dever de cuidado entre membros da família, e que gera danos consideráveis a pessoa que sofre o abandono.
O efeito preventivo esperado é no sentido de inibir a violação do dever de cuidado nas relações familiares e consequentemente a prática do abandono afetivo, nesse caso, em relação à pessoa idosa. Já o efeito pedagógico ou punitivo-pedagógico visa coibir a reincidência e/ou permanência desta conduta violadora perante a sociedade.
Nesse sentido, ao reconhecer o abandono afetivo como um ato ilícito na responsabilidade civil, a possibilidade de reparação do dano gerado a vítima é uma medida que não visa simplesmente restaurar o afeto perdido, mas atribuir ao agente violador a responsabilidade pelos seus atos.
Distinguir que não poderá haver indenização por “falta de amor”, já que ninguém é obrigado a amar ninguém. Os sentimentos de afeto e carinho devem ser conquistados diariamente e ao longo da vida, e não através de imposição legal. Observou-se com esta pesquisa que existe uma obrigação jurídica de prestar auxílio imaterial, como convivência familiar, este sim, amparado juridicamente, gerando, portanto, indenização por danos morais no caso de abandono afetivo.
No que se refere à questão da indenização pelo abandono afetivo do pessoa idosa, tema específico do presente trabalho, os julgados já precedentes dizem respeito, na maioria, ao abandono afetivo da criança e do adolescente, mas servem de paradigma para a aplicação judicial da responsabilidade civil por abandono afetivo do pessoa idosa, reconhecendo sua vunerabilidade.
Tanto a Constituição Federal quanto as leis infraconstitucionais também corroboram o princípio da solidariedade familiar, quando parentes capazes podem ser responsáveis pelos outros parentes vulneráveis, conforme assim necessitarem. Assim, dentre as questões da responsabilidade civil nas questões familiares destaca o abandono afetivo e a possibilidade de uma indenização que compensasse tal sofrimento.
Tema não é pacificado, como o artigo demonstra, até pouco tempo, tribunais negavam a admissibilidade de indenização pelo mero dano moral e enxergavam apenas a possibilidade quando tivesse reflexo pecuniário. Com o tempo, começaram a acolher a reparação do dano moral puro, por assim ponderarem que havia uma afronta àquela espécie de direito, que não poderia deixar de ter a devida tutela por parte da ordem jurídica.
As pesquisas bibliográfica e documental foram voltadas à exploração de diversos conteúdos disponíveis para informação e aprimoramento do conhecimento, facilitando uma melhor compreensão do tema proposto, através de fontes de acesso, como artigos, doutrina, leis, livros, dentre outros dados informativos que abordam o mesmo tema ou contêm temas afins, contribuindo para aprofundamento e elaboração da pesquisa, com abordagem qualitativa.
2 ESTATUTO DA PESSOA IDOSA – LEI Nº 10.741/2003 E PROTEÇÃO DOS SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Reconhecendo a necessidade de proteção e de valorização da pessoa idosa, foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República, no dia 1º de outubro de 2003, a Lei nº 10.741/03, que dispõe sobre o Estatuto do Pessoa Idosa. (BRASIL,2003), destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
O Estatuto do Pessoa Idosa (Lei 10.741/2003), mais precisamente em seu artigo 3º, determina como direito da pessoa idosa a manutenção dos vínculos afetivos com a família e a comunidade. Estabelece ainda como obrigações da família, da sociedade e do poder público proporcionar e assegurar ao pessoa idosa efetividade dos direitos. (BRASIL, 2003)
A afetividade é uma dimensão psicológica, que abrange de modo complexo e dinâmico o conjunto de emoção e sentimento. Neste sentido, o ser humano sente a alteração no corpo, pelas modificações emocionais (isto é, biofisiológicas), e existe também um sentido subjetivo, o qual se dá um valor às experiências emocionais vividas. Como uma dimensão do psiquismo, a afetividade faz com que seja conferido um sentido especial às vivências e às lembranças. A afetividade afeta sensivelmente os nossos pensamentos, dando-lhes forma, matiz e conteúdo. (Pinto, 2015, p.4).
O moderno direito de família agasalha, ainda, as diversas formas de famílias constituídas pela convivência e afeto entre seus membros, sem importar o vínculo biológico e o sexo. A afetividade é atualmente o elemento agregador da entidade familiar, na busca sempre de uma família eudemonista que se realiza na felicidade e na proteção de casa um dos membros que a integra. (CARVALHO, 2019, p. 33).
TARTUCE (2012, online) afirma que:
Afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas, podendo ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Obviamente, ambas as cargas estão presentes nas relações familiares.
É na ausência do afeto ou até mesmo na presenta, porém de forma negativa é que se caracteriza o abandono afetivo enfrentados por muitos idosos pelo país.
Segundo a justificativa do projeto de lei, o termo “pessoa” lembra a necessidade de combate à desumanização do envelhecimento. Essa terminologia reflete a luta dessas pessoas pelo direito à dignidade e à autonomia.
A medida contribui para refletir a importância da pessoa idosa na sociedade, para combater o preconceito que existe contra o envelhecimento e trazer dignidade e respeito a essa parcela da população.
Cabe, nesse momento, ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro tem como base a preservação da dignidade da pessoa humana e objetiva a construção de uma sociedade livre e justa para que assim ocorra o bem social entre todos.
Conforme constatado em muitas pesquisas e estudos, a violência contra a população idosa cresce muito a cada dia e a cada ano têm-se números bastante expressivos. O Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03, dispõe em seu artigo 43 que” sempre que o direito dos idosos for ameaçado ou violado deverão ser aplicadas as medidas protetivas com base na previsão legal no artigo 45” (BRASIL, 2003). Tais violações podem resultar de atos da família, da sociedade ou do Estado, sejam comissivos ou omissivos.
Após a edição do Estatuto do Idoso houve um avanço e aperfeiçoamento considerável na prestação jurisdicional a fim de garantir medidas protetivas à pessoa idosa, mas além dessas medidas é necessário implementar outras na área de informação e educação, para que a sociedade se aproprie da área do envelhecimento e suas peculiaridades (FALEIROS, 2007, p.4).
Frank Schirrmacher, em seu livro A Revolução dos Idosos, assim diz
Nossas sociedades não conhecem transições entre a juventude e a velhice, a saúde e a doença, entre a ingenuidade e a sabedoria. A vida está subdividida – como no processo de produção de uma mercadoria – em três partes: a juventude, a vida profissional e a velhice. Nenhuma das partes tem algo a ver com as outras. Por isso, nossas sociedades criam em nós o sentimento de que seremos trocados ou substituídos ao longo de nossa vida. (SCHIRRMACHER, 2005, p.5)
Nesse contexto, objetiva-se adentrar em medidas mais específicas, ressaltando que poderão ser aplicadas também uma ou mais medidas conforme a finalidade social e, sempre que o Ministério Público e o Poder Judiciário verificarem violação dos direitos da pessoa idosa, com a incidência de uma das três hipóteses previstas no artigo 43 do Estatuto supramencionadas, poderá determinar medidas protetivas e reparação dos danos, inclusive. (BRASIL, 2003)
2.1 Princípios gerais relacionados à vulnerabilidade do idoso
Segundo Maia (2011), o termo vulnerabilidade vem do latim vulnerare que significa ferir, e vulnerabilis que causa lesão. Embora a vulnerabilidade seja uma condição humana universal, os idosos possuem vulnerabilidades mais específicas, que serão com o tempo cada vez mais agravadas por diversos fatores, tais como pessoais, socioeconômicos, culturais, geopolíticos ou ambientais, essa fragilidade intrínseca dos seres humanos é mais evidenciada com os idosos.
As lições de MARQUES; MIRAGEM (2014, p.120) dizem que:
A vulnerabilidade é um estado da pessoa, um estado inerente de risco ou um sinal de confrontação excessiva de interesses identificado no mercado, é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação. A vulnerabilidade não é, pois, o fundamento das regras de proteção do sujeito mais fraco, é apenas a ‘explicação’ destas regras ou da atuação do legislador, é a técnica para aplicá-las bem, é a noção instrumental que guia e ilumina a aplicação destas normas protetivas e reequilibradas, à procura do fundamento da igualdade e da justiça equitativa.
A família, a sociedade e o Estado devem adotar o cuidado centrado na pessoa idosa como instrumento teórico-prático apto a diminuir a vulnerabilidade. A vulnerabilidade é um conceito utilizado para diversas situações em condições diferentes.
A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos, e a integridade individual de cada um deve ser respeitada. (UNESCO, 2005, p. 6)
O idoso em razão da sua condição biológica é uma pessoa vulnerável, e deve ser entendido sob dupla condição.
A de vulnerável e a de ator central no processo terapêutico, o que lhe confere especificidade ímpar no espaço social, na medida em que sua condição de fragilidade psíquica, sua limitação física e subjugação a um saber estranho, tornam a contingência de ser “paciente” um estado particular do ser humano. (ALBUQUERQUE, 2016, p. 21-22)
O envelhecimento está associado à vulnerabilidade ou à fragilidade, ou a ambos. A pessoa idosa possui extrema vulnerabilidade, e esse fato duplica quando o mesmo sofre com preconceitos e estigmas pelo simples fato da idade.
O envelhecer é encarado de forma positiva quando relacionado às conquistas acumuladas na vida, valorizando as vantagens da experiência e da tranquilidade que o amadurecimento proporciona. Porém, muitas vezes essa visão positiva concorre fortemente com a relação negativa entre o envelhecimento e a fragilização. (COELHO; GIACOMIN; FIRMO, 2016, p. 415)
A vulnerabilidade jurídica da pessoa idosa justifica vários direitos consagrados na Constituição e nas leis infraconstitucionais, é fato que a família, a comunidade, a sociedade e o Estado devem assegurar ao idoso que seus direitos sejam efetivados com prioridade (BRASIL, 2003).
A vulnerabilidade da pessoa idosa pode ocorrer tanto de forma natural ou por questões de fragilidade física, como social, que revela assim cada dia uma forma de violência socialmente produzida, devendo ser avaliados os riscos existentes na terceira idade no afã de proteger essas pessoas (SCHUMACHER; PUTTINI; NOJIMOTO. 2020).
A experiência da pessoa idosa tem um valor incomparável para a sociedade e efetivamente pode ser ele um agente de transformação social. Todavia, é necessário que a pessoa idosa seja cada vez mais incluído e faça essa opção, direcionando o seu tempo livre para a realização de novos projetos nesta nova etapa de sua vida, contribuindo para uma sociedade mais justa e fraterna.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ABANDONO AFETIVO DA PESSOA IDOSA
A atividade praticada que tem como consequência um prejuízo possibilita a responsabilidade civil, que é um instituto destinado a reparar o equilíbrio moral ou patrimonial que foi afetado pelo dano, devolvendo assim, a harmonia e estabilidade que foram violadas. Para a configuração do dano se faz necessária a presença de alguns pressupostos, e, posteriormente comprovada a existência de um prejuízo, será apurada a necessidade de reparação, que poderá se dar de mais de uma maneira, em conformidade com a espécie de dano.
Quando nos deparamos com a temática do abandono afetivo, no âmbito doutrinário, é possível perceber diversas discussões, bem como, no âmbio jurídico, e que apesar de ser objeto de inúmeros estudos, o abandono afetivo ainda é uma temática pouco explorada no nosso cotiadiano. A justificativa pode está na difícil relação que temos em visualizar a família, não somente como uma união de pessoas que se amam, mas também um bem que deve ser tutelado no nosso ordenamento jurídico.
Dessa forma, não podemos apenas abordar os direitos fundamentais, temos o dever de estabelecer também os deveres de cada indivíduo que vive em sociedade. E assim, FABRIZ; GONÇALVES (2013, p. 92.) pontuam que o
[...] dever fundamental é uma categoria jurídico-constitucional, fundada na solidariedade, que impõe condutas proporcionais àqueles submetidos a uma determinada ordem democrática, passíveis ou não de sanção, com a finalidade de promoção de direitos fundamentais.
Todo indivíduo necessita de um desenvolvimento físico e psíquico que possibilite o convívio e relacionamentos com os demais, criando habitos e até mesmo culturas nas famílias e sociedade em geral. Então, o que faz o envelhecimento ser algo tão desejado e ao mesmo tempo tão inconveniente para as pessoas?
O art. 230, da Constituição Federal, dispõe que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Para Paradella (2018, online):
A população brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos e ganhou 4,8 de idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2 milhões em 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Características dos Moradores e Domicílios, divulgada hoje pelo IBGE. Em 2012, a população com 60 anos ou mais era de 25,4 milhões. Os 4,8 milhões de novos idosos em cinco anos correspondem a um crescimento de 4 18% desse grupo etário, que tem se tornado cada vez mais representativo no Brasil. As mulheres são maioria expressiva nesse grupo, com 16,9 milhões (56% dos idosos), enquanto os homens idosos são 13,3 milhões (44% do grupo).
O Estatuto do Idoso veio também corroborar a ideia de quanto mais idosos temos, mais devemos garantir um envelhecimento seguro, garantindo a proteção à vida e à saúde de forma a permitir um envelhecimento saudável, considerando o envelhecimento um direito personalíssimo.
As consequências do abandono afetividade acaba que por gerar diversas influências no desenvolvimento e bem-estar humano, bem como em todos os seus tipos de relacionamentos, tendo em vista que afetividade são fenômenos afetivos, expressões que demonstram afeto, v. g. amor, cuidado, carinho, prazer, felicidade, satisfação dentre outros. (PEREIRA; COLTRO; OLIVEIRA, 2017, p. 504).
A ausência de responsabilidade gera a prática reiterada da conduta lesiva. A responsabilização civil tem como finalidade a reparação do direito violado e a repressão/punição da conduta violadora, além disso a responsabilidade civil gera efeitos preventivos e pedagógicos.
Não é natural que a lei precise obrigar os filhos maiores e capazas a cuidarem de seus pais, entretanto, sabe-se que situações assim são bastante recorrentes, não podendo o Estado fechar os olhos para esta realidade. (BRASIL, 2008)
O envelhecimento tem se tornado um aspecto importante da sociedade brasileira, e por isso, a Agência Brasil (2021), por meio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), publicaram dados que demonstravam que houve um aumento de violência contra os idosos
Para combater esses abusos, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) criou uma cartilha sobre o combate à violência contra a pessoa idosa e recebe denúncias contra essa população por meio do Disque 100. Com base nessas denúncias, o MMFDH deflagrou, no fim do ano passado, em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a Operação Vetus. Foram apuradas 13.424 denúncias que resultaram na instauração de 3.703 inquéritos e na prisão de 569 pessoas. (BRASIL, 2021)
Os números não demonstram terem diminuído e pensando nesse cenário atual, a Convenção Interamericana de Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas, aprovada em 2015, já indicava que “este é o primeiro instrumento internacional juridicamente vinculante voltado para a proteção e a promoção dos direitos das pessoas idosas” e em seu art. 1º destacou
O objetivo da Convenção é promover, proteger e assegurar o reconhecimento e o pleno gozo e exercício, em condições de igualdade, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais do idoso, a fim de contribuir para sua plena inclusão, integração e participação na sociedade. O disposto na presente Convenção não deve ser interpretado como uma limitação a direitos ou benefícios mais amplos ou adicionais reconhecidos pelo direito internacional ou pelas legislações internas dos Estados Partes em favor do idoso. (OEA, 2015, p. 3)
A grande reviravolta do Direito de Família com o advento da Constituição Federal foi a defesa dos componentes que formulam a inata estrutura humana, passando a prevalecer o respeito à personalização do homem e de sua família, preocupado o Estado Democrático de Direito com a defesa de cada um dos cidadãos.
Dentre as obrigações existentes entre pais e filhos, não há apenas a prestação de auxílio material. Encontra-se também a necessidade de auxílio moral e afetivo, consistente na prestação de apoio, afeto e atenção mínimos indispensáveis ao adequado desenvolvimento da personalidade dos filhos ou adequado respeito às pessoas de maior idade. (BRASIL, 2003)
Além do mais, o próprio Estatuto do Pessoa Idosa, Lei 10.741/2003, mais precisamente em seu artigo 3º, determina como direito da pessoa idosa a manutenção dos vínculos afetivos com a família e a comunidade. Estabelece ainda como obrigações da família, da sociedade e do poder público proporcionar e assegurar à pessoa idosa efetividade dos direitos. (BRASIL, 2003)
A pessoa idosa, assim como a criança e o adolescente, necessita de prioridade na defesa de seus direitos, sob um robusto amparo legal, visando à dignidade tão ventilada na Constituição Federal e no Estatuto da Pessoa Idosa, bem como à sua qualidade de vida. Quando se menciona a qualidade de vida, ou mesmo o direito à vida digna da pessoa idosa, o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana está intrínseco.
O abandono afetivo da pessoa idosa gera dever de indenizar por danos morais, reconhecido inclusive que a pessoa idosa deve ter protegida e facilitada a preservação de sua saúde física, mental, moral, intelectual, espiritual e social, objetivando amparar as necessidades comuns a essa fase da vida. (BRASIL. 2003)
A Lei nº 10.741/2003, que dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa, em seu título II, no artigo 9º, quanto ao Direito à vida, afirma que:
Art. 9º - É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.
Sendo assim, alinhado à nossa Constituição Federal, é dever do Estado e um direito do cidadão ter a devida proteção em seu processo de envelhecimento, de modo que permita a transição para a terceira idade em condições saudáveis e dignas. Além disso, a CF/88 dispõe que os programas de amparo às pessoas idosas serão executados preferencialmente em seus lares. (BRASIL,2003)
Além da família e do Poder Público, também é dever da comunidade e da sociedade assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, efetivação de todos seus direitos fundamentais. Bem como é dever de todos a dignidade da pessoa idosa e nenhuma pessoa idosa pode sofrer qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, sendo que qualquer descumprimento aos direitos da pessoa idosa será punido por lei.
Conforme o art. 3º, do Estatuto do Pessoa Idosa afirma que:
Art. 3º - É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade,ao respeito e à convivência familiar”. (BRASIL, 2003)
A vulnerabilidade social do idoso é decorrente de diversas situações que os mesmos enfrentam em seu cotidiano (PAZ; SANTOS; EIDT, 2006). Várias dessas situações estão relacionadas com questões sociais, culturais, e econômicas de cada sociedade.
Muitas pessoas idosas são vítimas de abandono familiar e ainda são negligenciados pelo poder estatal, uma grande maioria envelhece em situações caóticas e de extrema vulnerabilidade social, muitos chegam até perder a sua identificação como cidadão e ser humano que é (BERZINS; WATANABE, 2005).
Na concepção do autor Pinto (2005), a sociedade é apegada a diversos valores culturais, muitos enaltecem os idosos, mas grande parte ainda o desqualifica, muitas culturas consideram os idosos inúteis, sem qualquer tipo de posicionamento ou influência no âmbito social, enquanto outras consideram os idosos como pessoas que são depositárias de experiências, conhecimento e sabedorias.
A respeito da proteção aos idosos, pontua Dias (2015, p.50):
A Constituição veda discriminação em razão da idade, bem como assegura especial proteção ao idoso. Atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, bem como lhe garantindo o direito à vida (CF/88, art, 230).
Nesse contexto, imperioso destacar que o abandono afetivo não é apenas recorrente com crianças e adolescentes, mas, também, com os idosos, e um dos motivos causadores são composições familiares da contemporaneidade, quando muitos idosos passaram a ser considerados obsoletos e vítimas são omissão dos filhos maiores e capazaes no seu dever de cuidar dos pais idosos e vulneráveis.
Apesar de não haver previsão legal expressa e taxativa, a doutrina e a jurisprudência no Brasil, passaram a reconhecer a hipótese de vítimas de abandon afetivo poderem ser reparadas civilmente, desde o momento em que haja identificação dos pressupostos da responsabilidade civil, a fim de minimizar os danos sofridos.
Para tanto, faz-se necessário o conhecimento do instituto da compensação civil a fim de poder incidir na seara do Direito de Família sua perfeita compreensão. Faz necessário também considerar a análise dos elementos e características da responsabilidade civil no sistema jurídico de nosso país. Conforme disposto no Código Civil Brasileiro, em seu artigo 186, “in verbis”: “Aquele que, por ação ou omisso voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL. 2002)
Dessa forma o abandono possibilita sua reflexão na esfera cível, culminado na imposição de indenização, já que a Constituição também a assegura o direito de reparação aos danos, sejam eles morais ou materiais, em seu art. 5º, inciso V, X e XXXIV. (BRASIL, 1988)
Corroboram a possiblidade da reparação civil o conceito de ato ilícito e o dever de indenização a saber expresso nos artigos 186 e 927 do Código Civil
A consequência jurídica da infração do dever legal de cuidado é a responsabilidade civil, para tentar minimizar os danos causados por aquele que cometem conduta ilícita
Com isso, sabe-se que a responsabilidade civil advém de uma conduta humana causadora de danos, seu nexo de causalidade com os danos ensejados
Importante questão debatida é quanto à finalidade da condenação. A melhor doutrina aponta para duas principais, sendo uma à vítima, que visa reparar ou amenizar os danos causados à ela; e a outra ao ofensor e mesmo à sociedade, devendo servir de medida sancionatória ou punitiva que visa desestimular tais condutas. O referido entendimento vem da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que se destaca o voto do magistrado Marco Buzzi que pontou que "não se trata de compensar danos extrapatrimoniais diante de fatos corriqueiros ou falta de amor. [...] Amor não pode ser cobrado, mas afeto compreende também os deveres dos pais com os filhos [...]”.
A responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos (Gonçalves, 2012, p. 43).
Assim entende BRANCO (2006, p. 116), que pontua
Havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando está como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade dos seus membros.
A responsabilidade civil é a aplicação das medidas que obrigam um cidadão a reparar dano moral ou patrimonial ocasionado a terceiros em decorrência de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. (DINIZ, 2007, p. 35)
A distinção entre responsabilidade civil subjetiva e objetiva. A subjetiva é aquela que decorre da culpa do causador do dano, ou seja, quando houver negligência, imprudência ou imperícia. Está prevista no art. 186, do Código Civil (BRASIL, 2002): “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Já a objetiva é aquela que busca somente o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado para que seja possível responsabilizar o agente que praticou o ato ilícito, ou seja, não precisa provar culpa. Está disposta no parágrafo único, do art. 927, do Código Civil (BRASIL, 2002): “Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
4. Conclusão
O objetivo é assegurar aos pessoa idosas todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Outro ponto que merece atenção é sobre a quem recai o dever de proteger a pessoa idosa. Apesar de muitos acreditarem que esse dever recai apenas ao Estado e à família da pessoa idosa, não é só isso.
As relações de parentesco serão sempre regidas pelo princípio da afetividade. Sendo na família que o ser humano inicia o processo de socialização, formação para o mundo, desenvolve sua personalidade e encontra suporte na velhice, faz-se mister reconhecer o dever dos filhos de garantirem a qualidade de seus relacionamentos com seus pais, bem como garantir-lhes um desenvolvimento físico e psicológico saudável. O amor e o afeto na família necessita ser resguardado para o bem da estrutura social e da comunidade, e para isso faz-se necessária a intervenção do Estado para assegurá-los, seja através do Executivo e das ações e políticas públicas, seja através do Judiciário e da interpretação e aplicação do Direito.
O princípio da solidariedade projetou-se no Direito de Família recentemente, apresentando-se como um vínculo sentimental, mas racionalmente determinado que impõe a cada pessoa deveres de amparo, assistência, cooperação, ajuda e cuidado em relação uns aos outros. Nessa esteira, o Estatuto da Pessoa Idosa modificou o dever antes moral de amparo aos pessoa idosas em um dever jurídico, concretizando através do princípio da solidariedade o que antes era considerado apenas do íntimo do ser humano. Assim, o cuidado e o zelo são agora tratados como valores jurídicos que tem força coercitiva nas normas que tutelam pessoas vulneráveis como a pessoa idosa.
O parentesco apresenta suas bonificações e vantagens também tem o seu ônus, o seu encargo. Cuidar dos parentes na melhor idade requer atenção e preparo e é uma atividade que deve ser compartilhada por todos da família em um especial compromisso do Estado, buscando todos como fim o bem-estar da pessoa idosa.
A lei reflete o desenvolvimento socioeconômico, os anseios e preocupações de uma sociedade que passa a enxergar a pessoa idosa com o uma pessoa que não está no fim da vida, mas que tem muito a contribuir e para isso, necessita de cuidados, respeito e proteção condizentes à sua realidade.
Os danos podem tanto ser de ordem material como de cunho moral, havendo ainda a previsão por alguns autores do dano estético. O dano material é também conhecido como patrimonial e afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistindo na perda ou deterioração total ou parcial de bens que lhe pertencem. Ele desdobra-se ainda em: dano emergente, que significa o efetivo prejuízo conhecido pela vítima, e o lucro cessante, que representa aquilo que a vítima deixou de auferir em virtude do ocorrido. Nesses casos a doutrina prefere utilizar a expressão ressarcimento em contraponto a indenização, melhor empregada nos casos de dano moral.
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[1] Professora orientadora. Advogada. Mestra em Educação – PPGFOPRED – UFMA; Especialista em Ciências Penais e em Direito Público pela UNISUL-SC.
graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão – UNISULMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PORTILHO, Janaína dos Santos. Abandono afetivo da pessoa idosa vulnerável e a responsabilidade civil dos agentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59746/abandono-afetivo-da-pessoa-idosa-vulnervel-e-a-responsabilidade-civil-dos-agentes. Acesso em: 04 dez 2024.
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